Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00035/12.0BECBR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/06/2018 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
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Descritores: | PROCESSO DISCIPLINAR; PENA DE SUSPENSÃO DE 300 DIAS |
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Sumário: | I-O que o Tribunal concluiu foi que, nem o Autor invocou na petição violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder, nem no processo estão insertos elementos que permitam sindicar a actividade da Administração; I.1-não se vislumbra, pois, que o julgado mereça qualquer reparo na avaliação que fez; I.2-com efeito, a actividade do Tribunal não pode limitar-se a substituir a convicção da Administração formada sobre o exame e avaliação dos motivos probatórios reunidos no processo pela mera convicção do juiz. Na apreciação das provas não se trata de decidir através da impressão ou intuição que se tem mas segundo a persuasão racional que o órgão administrativo tem das provas recolhidas através do processo. II-O uso de poder disciplinar permite ao respectivo titular formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos, através da apreciação do material probatório que não tenha valor legal fixo, segundo a sua livre convicção, fixando, por esse modo, os factos pressupostos da infracção disciplinar, com grande margem de liberdade e julgamento, de tal modo que a censura judicial só pode ter lugar se forem invocados a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova e desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva. III-A sentença, contrariamente ao defendido, não afasta a possibilidade de sindicar as decisões da Administração no âmbito dos processos disciplinares; III.1-apenas, partindo da consideração de um conjunto de princípios jurídicos - designadamente o da livre apreciação da prova -, bem como da jurisprudência que se tem firmado nesta matéria, considerou que o julgamento feito pela Administração só pode ser posto em causa quando for invocada a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder, concluindo que, no caso em apreço, resulta dos elementos juntos aos autos que foram realizadas várias diligências instrutórias, todas devidamente ponderadas nos relatórios do processo de inquérito e do procedimento disciplinar, bem como na decisão de acusação, pelo que não pôde sequer admitir/ponderar estar perante uma situação de défice instrutório manifesto, de inércia do instrutor do procedimento, ou de erro grosseiro na apreciação da prova; III.2-assim justificada e fundamentada, a decisão judicial não merece reparo; ela acolheu a posição do Réu/Município e nós aqui também. IV-São cumuláveis as responsabilidades disciplinar e criminal, sempre que o facto praticado ofenda as duas ordens jurídicas, nascendo duas censuras, disciplinar e criminal, por serem diferentes as finalidades ou os bens jurídicos merecedores de protecção. * *Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | CAP |
Recorrido 1: | CMFF |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO CAP interpôs acção administrativa especial de impugnação contra a CMFF, peticionando a anulação da Deliberação desta Edilidade, que decidiu aplicar-lhe a pena disciplinar de suspensão de 300 dias, no âmbito do processo disciplinar nº 1/2010. Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção e absolvida dos pedidos a Entidade Demandada. Desta vem interposto recurso. Alegando o Autor concluiu: I. No que respeita à insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena, conclui-se na sentença recorrida que “não pode o tribunal conhecer dos vícios invocados pelo A. relativos à insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena”, alegando, para tanto, que não cabe “... ao tribunal imiscuir-se na avaliação que é feita da prova produzida e da decisão que, feita essa avaliação, decide acusar ou, pelo contrário, arquivar o procedimento disciplinar.” II. Significar que o tribunal entende que a matéria relativa à análise da bondade da decisão proferida no procedimento disciplinar, bem como dos eventuais vícios da instrução do referido processo, não cabem no âmbito do seu escrutínio. III. O que desde logo levanta a seguinte questão: se não for o tribunal a fazê-lo, quem o fará?! IV. Existem decisões proferidas pelo mesmo tribunal, relativamente a um outro arguido do mesmo procedimento disciplinar, que vão precisamente em sentido inverso. V. A sentença proferida no processo nº 27/12.0BECBR refere o seguinte: “2 – Sobre se o tribunal pode sindicar a decisão do Réu quanto á prova dos factos integrantes da infracção disciplinar: Em suma, o Réu sustenta que o seu juízo sobre a prova dos factos integra o exercício de um seu poder discricionário, só podendo ser sindicado em caso de manifesto erro de facto ou desvio de poder. Mas não é assim. Primeiro, o juízo probatório, se bem que envolva uma irredutível dimensão subjectiva, não deixa de poder ser sindicável objectivamente quanto á sua dimensão objectiva. Aliás, o dever de fundamentação dos actos administrativos em matéria de facto tem precisamente esta função de permitir a crítica – também – do decidido em matéria de facto. Depois, não se trata, no raciocínio probatório, de prosseguir o que, na ordem do dever ser, melhor serve o interesse público – fundamento último do poder discricionário da Administração – se não de determinar, na ordem do ser, que factos objectivamente se pode ter por certo que aconteçam. Por fim, e principalmente, a sujeição plena da decisão em matéria de prova á crítica jurisdicional é o modo de ficarem garantidos ao arguido quer o direito fundamental ao acesso a uma tutela jurisdicional efectiva e plena (artigos 20º nº 1 e 266º nº 4 da CRP), quer o direito fundamental à defesa em todo o procedimento sancionatório. Consagrado no artigo 31º nº 10 da CRP). Estes direitos fundamentais têm a natureza dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos, consagrados no capítulo I do título II da Constituição e, conforme o artigo 18 nº 1 da mesma lei fundamental; vinculam tanto o Réu como o tribunal e são directamente aplicáveis às situações concretas, pelo que pode e deve dizer-se que decorre directamente da Constituição que a decisão do Réu em matéria de prova pode e deve ser sindicada pelo tribunal sem quaisquer limites que não os da razão – no que for susceptível de ser apreciado do ponto de vista racional – e da razoabilidade – no que o não for.” VI. Mal estaríamos se, dentro dos limites “da razão e da razoabilidade”, não pudesse o tribunal conhecer dos eventuais vícios da instrução para fundamentar a pena aplicada ao arguido, quando invocados pelo A.. VII. Não se compreenderia que um sistema jurídico que tem como um dos seus pilares fundamentais o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, permitisse a existência no seu sistema de controlo jurisdicional de um “área nebulosa” que não fosse escrutinável nem sindicável por nenhuma instância jurisdicional. VIII. Estaríamos perante um poder discricionário absoluto e judicialmente inquestionável, que só poderia levar ao abuso e ao arbítrio gratuitos. IX. Andou mal, o tribunal a quo, ao recusar conhecer os vícios invocados pelo A. quanto á insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena. X. Assim, deverá o tribunal ad quem sindicar os factos e meios de prova constantes do processo disciplinar. XI. Decisão essa que não poderá deixar de se nortear, quer pelo princípio do Estado de Direito, assumido no artº 2º da CRPortuguesa, quer pelo direito fundamental de defesa em matéria de direito sancionatório (com aplicação do CPPenal sempre que o Estatuto seja omisso), que obrigam a que, no direito probatório disciplinar vigorem esses princípios estruturantes do Processo Penal que são o da acusação e o princípio in dúbio pro reo. XII. A qual deverá concluir (como foi peticionado pelo A.) pela insuficiência da prova produzida para fundamentar a pena aplicada ao A., sendo, em consequência, anulada a decisão proferida pelo R.. XIII. No que concerne á falta de ponderação das circunstâncias atenuantes, alega o tribunal recorrido que a ponderação de tais circunstâncias se encontra incluída na actividade discricionária da Administração Pública, “cabendo apenas ao tribunal aferir do respeito pelos princípios de direito administrativo, como o princípio da proporcionalidade”. XIV. O que aqui está em causa é precisamente a não aplicação pelo R. da circunstância atenuante prevista na al. a) do artº 22º do ED na decisão em apreço, quando a lei prevê que, verificados em concreto os seus requisitos, ela seja aplicada. XV. Refere a sentença recorrida que não cabe ao tribunal tal escrutínio, apenas sendo de aquilatar do respeito pelo princípio da proporcionalidade. XVI. Chamando à colação o que acabou de se invocar quanto ao ponto anterior, terá que se afirmar que, também aqui, não se acompanha tal entendimento. XVII. com os mesmos fundamentos supra expendidos, cumpre afirmar que deverá ser o tribunal aferir não só da sua aplicação e, em caso negativo, a razão para a sua não aplicação, bem como escrutinar a justeza da medida da sua aplicação, em caso positivo. XVIII. Uma vez que o R. não procedeu á aplicação da circunstância atenuante especial, nem justificou a sua não aplicação, (sendo certo que o A. cumpria os requisitos para a sua aplicação, isto é, a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo – conforme consta do processo disciplinar), cabia ao tribunal a quo conhecer de tal ilegalidade e retirar daí as consequências legais, tanto mais que esta foi uma das ilegalidades arguidas pelo A. no seu peticionado. XIX. Deveria assim o tribunal recorrido ter-se pronunciado sobre tal questão, ao invés de alegar que tal circunstancialismo cabe na discricionariedade da Administração Pública. XX. Nestes termos, deverá também o TCA Norte pronunciar-se sobre a questão em concreto, no sentido de terem necessariamente que ser ponderadas as circunstâncias atenuantes especiais constantes da al. a) do artº 22º do ED. XXI. A decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 20º nº 1, 266º nº 4 e 31º nº 10 da CRPortuguesa e artº 22º al. a) do ED. Termos que que deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a decisão recorrida, proferindo-se acórdão que conheça das ilegalidades invocadas pelo A., que deverão levar à nulidade da decisão disciplinar impugnada, com o que se fará JUSTIÇA * O Município da FF juntou contra-alegações, concluindo:I. A decisão recorrida, contrariamente ao defendido, não afasta a possibilidade de sindicar as decisões da Administração no âmbito dos processos disciplinares. Simplesmente, partindo da consideração de um conjunto de princípios jurídicos – designadamente o da livre apreciação da prova -, bem como da jurisprudência que se tem firmado nesta matéria - Ac. TCAN, processo 344/08.3BEPRT de 18/02/2011, Acórdão do TCA Sul, Processo n° 06477/02, de 2007.05.24 e TCA Sul, tirado no processo 6944/10 de 20/12/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt -, considera o tribunal recorrido que o julgamento feito pela Administração só pode ter lugar quando for invocada a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder”, concluindo a sentença que “no caso em apreço, resulta dos elementos juntos aos autos que foram realizadas várias diligências instrutórias (pontos 3, 6, 7 e 15 da fundamentação de facto) todas devidamente ponderada nos relatórios do processo de inquérito e do procedimento disciplinar, bem como na decisão de acusação, pelo que não podemos sequer ponderar estar perante uma situação de défice instrutório manifesto, de inércia do instrutor do procedimento, ou de erro grosseiro na apreciação da prova”. Assim justificada e fundamentada, a decisão não merece censura. II. A sentença junta pelo recorrente não transitou em julgado, tendo o Município interposto recurso ainda pendente de apreciação, conforme documento que se junta, acompanhado da decisão judicial, do foro criminal, que no essencial, condenou o recorrente pelos mesmos factos e tendo em conta, genericamente, os mesmos meios de prova considerados no processo disciplinar – cfr. documento 1. III. O exemplar comportamento que decorre do art. 22º, al a) do Estatuto Disciplinar tem de traduzir-se numa avaliação de desempenho avaliada com a menção máxima durante 10 anos de serviço, pressuposto que o recorrente não cumpre. Termos em que, na improcedência do recurso, deverá manter-se a absolvição do réu do pedido. * O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.* Cumpre apreciar e decidir.FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1. Em 25-03-2010, pelo Presidente da CMFF, foi determinada a instauração de inquérito com o objetivo de apurar factos relatados por funcionários da Divisão de Higiene e Salubridade da entidade demandada, em 24-03-2010, tendo igualmente sido nomeada a instrutora do procedimento (cf. fls. 1 a 34 do 1.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido); 2. Em 05-04-2010, a instrutora autuou o pedido de inquérito referido em 1., nomeando a inquiridora (cf. fls. 35 do 1.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 3. Entre 08-04-2010 e 25-05-2010, foram ouvidos funcionários da entidade demandada e da Empresa de Segurança 2045 acerca dos factos a apurar (cf. fls. 102 a 192 do 1.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 4. Em 16-06-2010, a instrutora do procedimento de inquérito elaborou o relatório final, do qual constava, além de observações retiradas das diligências mencionadas em 3., o seguinte (cf. fls. 364 a 407 do 1.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido): “O principal responsável por todos estes procedimentos e atitudes dos referidos funcionários e dele próprio como Chefe Geral dos Serviços de Higiene é na realidade o Sr. P…, cujo comportamento negligente e disciplinar violou determinados deveres gerais inerentes às suas funções, nomeadamente de isenção, zelo, lealdade e correção como chefe e superior hierárquico dos respetivos trabalhadores.” 5. Em 08-07-2010, o Presidente da CMFF emitiu a seguinte decisão (cf. fls. 2 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido): “Em 5 dias apure, antes de mais, em que data ocorreu a utilização de veículos da autarquia para fins privados, nomeadamente para mudança de móveis da namorada do Sr. P… e dos trabalhadores JC, MF e LB, conforme referido no depoimento prestado por este; Após, autue-se como procedimento disciplinar, determinando-se que a fase de instrução seja constituída pelo processo de inquérito (art. 68º/3 e 4 do E.D)” 6. Em 12-07-2010, foram novamente ouvidos funcionários da entidade demandada, em cumprimento da decisão referida em 5. (cf. fls. 3 e 4 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 7. Em 03-08-2010, foi junto aos autos certificado de registo disciplinar do A., do qual constava apenas a aplicação de uma pena de repreensão escrita, sem procedimento disciplinar, datada de 1986 (cf. fls. 5 a 9 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 8. Em 04-08-2010, foi deduzida acusação contra o A. (cf. fls. 11 a 19 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 9. Em 20-09-2010, o A. apresentou a sua defesa, na qual afirma o seguinte (cf. fls. 67 a 76 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido): “12º Finalmente, e não menos importante, é a gritante falta de referência na acusação às circunstâncias de tempo em que os factos nela referidos foram alegadamente praticados. (…) 17º A omissão das circunstâncias temporais na acusação constitui uma clara violação do plasmado no nº 3 do artº 48º do EDTEFP, e leva à nulidade da acusação” 10. Em 08-10-2010, a instrutora elaborou uma exposição em que propunha, a final (cf. fls. 77 a 78 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido): “- A declaração de nulidade da acusação; - Renovação da decisão de instaurar o processo disciplinar ao arguido CAP, nos exatos termos em que foi proferida inicialmente, ou seja, nos termos do nº 4 do art. 68º do ED (…).” 11. Em 13-10-2010, o Presidente da CMFF apôs, na exposição mencionada em 11., uma decisão nos seguintes termos (cf. fls. 77 a 78 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido): “1. Concordo. 2. Renovo a decisão de instaurar o procedimento disciplinar, devendo o processo de inquérito constituir a fase da instrução (art. 68º, nº 4), sem prejuízo de haver lugar a outras diligências necessárias ao apuramento da verdade (…).” 12. Em 30-11-2010, foi deduzida nova acusação contra o A., nos seguintes termos (cf. fls. 87 a 92 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido): Acuso o trabalhador CAP, funcionário número 3… dos quadros do Município da FF, com a categoria de Encarregado Geral Operacional, a exercer funções nos Serviços de Higiene e Limpeza da CMFF, dos seguintes factos: O arguido tem como funções, gerir os recursos humanos e equipamentos afectos aos serviços de Higiene e Limpeza, competindo-lhe designadamente assegurar a limpeza de toda a zona urbana, dos sanitários públicos, recolha de monstros, encaminhamento do resíduos para o aterro sanitário, remoção de veículos da via pública, desinfestação do espaço público, em suma o arguido é responsável pela execução de todos os trabalhos ordenados superiormente no âmbito do descrito nas atribuições da D.H.R.N. Pertencendo a um grupo designado de "Especial" ou do "Jet-set" que operava durante o período de trabalho nos Serviços de Higiene e Limpeza da Câmara Municipal da FF (Estrada de Coimbra) e que integrava também os funcionários FMG, VMC, JCO, HV e FC, o arguido, de forma concertada e organizada com aqueles funcionários, dedicou-se, desde data não concretamente apurada até, pelo menos, Março de 2010, à desmontagem de aparelhos eléctricos (frigoríficos, televisões, máquinas de lavar e outros electrodomésticos), deles separando o ferro, cobre, bronze, alumínio e inox. A referida equipa dedicava-se a esta actividade sob orientação e ordens do arguido, o qual distribuía as funções pelos funcionários de modo que apenas aqueles que tinham a sua autorização utilizavam a viatura da autarquia para recolher o material que interessava para venda, enquanto os outros funcionários que também desempenhavam funções nos Serviços de Higiene e que integravam o designado "grupo dos escravos", recolhiam apenas o material que não interessava àquele grupo. O material recolhido era depois desmontado nas oficinas, às quais só tinham acesso directo, por instrução do arguido, os funcionários JC, FG, VC e, por vezes, o CS. Na posse destes materiais o arguido, em comunhão de esforços com os restantes funcionários, procedia à sua venda a privados, fazendo transportar o material em viaturas do Município, revertendo o produto da venda de tais materiais para o arguido e para os restantes elementos do grupo, em proporção não concretamente apurada. O grupo remetia depois para a ERSUC as peças daqueles equipamentos que não interessavam por não terem valor económico. Com encarregado geral, o arguido também era responsável pela confirmação do trabalho extraordinário e/ou nocturno efectuado pelos trabalhadores que desempenhavam funções e estavam afectos ao edifício dos Serviços de Higiene e Limpeza da CMFF, sito na Estrada de Coimbra. Para o efeito, o arguido apunha a sua assinatura nas folhas de Trabalho extraordinário e/ou nocturno efectuado previamente preenchidas por cada um dos funcionários. Em várias ocasiões, muitos dos trabalhadores preencheram as ditas folhas de Trabalho extraordinário e/ou nocturno efectuado com informações que não correspondiam à realidade, logrando desse modo receber indevidamente o pagamento daquelas horas extraordinárias e/ou nocturnas, tudo com a conivência do arguido, o qual, bem sabendo que aquele trabalho não tinha sido prestado e que o pagamento não era devido, confirmava as informações dos trabalhadores, apondo a sua assinatura nas referidas folhas. Assim, quanto à funcionária MF, o arguido confirmou: - 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 05h00 e as 11h00 do dia 10 de Abril de 2009, sexta-feira, não obstante neste dia a MF se encontrar de férias, com o que permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 44,76€; - 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h do dia 19 de Abril de 2009, Domingo, não obstante nesta data a MF se encontrar em período final de férias, com o que permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 44,76€; - 2 horas nocturnas sobre os dias 28, 29 e 30 de Abril de 2009, por alegados serviços prestados entre as 5h00 e as 11h30, muito embora a funcionária não tenha prestado qualquer serviço naqueles dias, com o que permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 44,76€; - 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11ih30 nos dias 1, 19, 20, 29 e 30 de Setembro de 2009, não obstante no dia 1 a funcionária se encontrar de férias e nos dias 19, 20, 29 e 30 de Setembro não ter prestado qualquer serviço. Permitiu o arguido que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 52,20€. - 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 do dia 3 de Outubro de 2009, não obstante nesse dia a funcionária não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 1,86€; - 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h do dia 5 de Outubro de 2009, não obstante nesta data a funcionária não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 44,76€ - 3 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h do dia 11 de Outubro de 2009, não obstante nesta data a funcionária não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que aquela recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 22,38 €; - 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 6h00 e as 12h do dia 1 de Janeiro de 2010, não obstante nesta data a referida funcionária não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, quantia de 44,76€; - 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 do dia 4 de Janeiro de 2010, não obstante nesta data a MF ter prestado serviço apenas a partir das 08h00, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, quantia de 1,86€; - 2 Horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 dos dias 5 a 8 e 19 a 23 de Janeiro de 2010, não obstante nesta data a MF não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, quantia de €16.79. Relativamente ao funcionário JCO, o arguido confirmou: - 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h do dia 9 de Agosto 2009, não obstante nesta data o referido JC não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de € 52,68; - 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 do dia 12 de Agosto de 2009, não obstante nesse dia o JC só ter entrado ao serviço às 8h30, com saída às 15h00, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 2,18€; - Horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h00 do dia 6 de Setembro de 2009, não obstante o trabalhador nesse dia não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 52,68€; - 13 horas (6h30/dia) de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 dos dias 26 (6.30horas) e 27 (6.30 horas) de Setembro de 2009, não obstante naquelas datas o JC se encontrar a gozar período de férias, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 114,14€. - 12 horas (6h/dia) de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h dos dias 24 e 25 de Outubro de 2009, não obstante naquelas datas o JC se encontrar a gozar período de férias, com o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 105,36€. - 2 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 8h00 e as 10h00 do dia 25 de Dezembro de 2009, não obstante nesta data o JC não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 17.56 €. - 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 do dia 30 de Janeiro de 2010, não obstante nesta data o JC não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância 2,18€. Relativamente ao funcionário VC, o arguido confirmou: - Trabalho extraordinário alegadamente prestado nos dias 8 e 20 de Dezembro de 2009, não obstante nestas datas o referido VC não ter trabalhado, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância 123,12€; - 2 horas de trabalho nocturno alegadamente prestado no dia 23 de Dezembro de 2009, não obstante nesse dia o trabalhador ter iniciado o serviço apenas às 8 horas da manhã, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância € 1.71 (um euro e setenta e um cêntimos). Em relação ao funcionário LB, o arguido confirmou: - 18 horas de trabalho extraordinário alegadamente prestado nos dias 10 (6 horas), 11 (6h) e 17 (6h) de Outubro de 2009, não obstante o LB se encontrar a gozar férias, com o que o permitiu que este trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 166,32 €, Relativamente ao funcionário FG, o arguido confirmou: - Trabalho extraordinário alegadamente prestado no dia 23 de Janeiro de 2010, não obstante neste dia o FG não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 54.00 €. Desde data não concretamente apurada até, pelo menos, Março de 2010, o arguido consentiu e tolerou que uma das funcionárias que estava sob sua direcção, MFCS, não executasse durante o período de trabalho quaisquer das funções que lhe são inerentes. Assim, permitiu o arguido que a referida MF, de forma habitual e sistemática, agisse ora como mera observadora dos serviços que os restantes funcionários iam realizando, ora mantendo-se no edifício dos serviços de higiene e limpeza sem realizar qualquer tarefa, ora vendo televisão e lendo jornais. Desde data não concretamente apurada até, pelo menos, Março de 2010, o arguido consentiu e autorizou que o funcionário HV se ausentasse de forma sistemática e permanente durante o horário de trabalho, com o propósito de este ir prestar serviços numa sua empresa de limpeza. Por outro lado, o arguido também permitiu e autorizou que desde data não concretamente apurada os funcionários CS e MM incumprissem com o horário de trabalho, sendo habitual que os referidos funcionários se ausentassem ao fim de três horas de trabalho para não mais regressarem. Durante o ano de 2008, em dias não concretamente apurados e durante o período de horário de trabalho, o arguido deslocou-se por várias ocasiões em viatura da autarquia para se encontrar com a namorada junto ao parque das A…, na Figueira da Foz. Também em data não concretamente apurada, no início de Novembro de 2009, o arguido utilizou uma viatura camarária para efectuar uma mudança de móveis da casa da sua namorada, de nome S…. A mudança foi efectuada da Rua I… para a Rua R…. Com os comportamentos descritos, violou o arguido os deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de zelo, de lealdade, de assiduidade e pontualidade, previstos nas alíneas a), b), e), g), i) e l) do n° 2 do art. 3° do Estatuto Disciplinar (Lei 58/2008 de 9 de Setembro), puníveis, em abstracto, com uma pena de suspensão ou de demissão ou despedimento por facto imputável ao trabalhador (arts. 9°, 17 e 18° do referido diploma). Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que com a sua conduta violava deveres a que está vinculado enquanto trabalhador do Município. Contra o arguido militam as seguintes circunstâncias agravantes: produção efectiva de resultados prejudiciais ao Município e ao interesse geral, a comparticipação com outros funcionários para a sua prática e a acumulação de infracções [art. 24°, n° 1, als. b), d) e g) do Estatuto Disciplinar]. 13. Em 02-12-2010, o mandatário do A. recebeu a decisão de renovação do procedimento disciplinar referida em 11., bem como a nova acusação referida em 12., tendo o A. rececionado essas mesmas comunicações em 03-12-2010 (cf. fls. 79 a 86 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 14. O A. apresentou a sua defesa à acusação mencionada em 12., na qual requeria, a final, a inquirição de oito testemunhas (cf. fls. 108 a 118 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido): 15. Entre 11-01-2011 e 25-02-2011, foram ouvidas as testemunhas indicadas pelo A. na defesa referida em 14., tendo igualmente sido ouvidos outros funcionários da entidade demandada que a instrutora entendeu dever ouvir “em declarações para melhor esclarecimento dos factos e apuramento da verdade no processo disciplinar” (cf. fls. 126 a 166 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 16. Tendo-lhe sido comunicadas as diligências realizadas e referidas em 15., o A. pronunciou-se acerca das mesmas (cf. fls. 169 a 172 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 17. Em 19-08-2011, foi elaborado o relatório final do procedimento disciplinar, onde se conclui da seguinte forma (cf. fls. 176 a 191 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido): “Em face do exposto, considera-se que, o funcionário com o comportamento por si consciente e voluntariamente tomado e assumido, lesou os deveres gerais que estão inerentes às funções que desempenha, dando-se como provados os factos que constituem ilícitos disciplinares, entendendo-se que a sua conduta consubstanciou negligência grave, e manifestou um grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres funcionais. De acordo com os factos apurados, será adequada a aplicação da PENA DE SUSPENSÃO, nos termos da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, porquanto dá-se como provado que a conduta do funcionário é de tal forma grave que o Município da FF pretende o afastamento completo do trabalhador do órgão ou serviço durante 300 dias, com perda das remunerações e da contagem do tempo de serviço para a antiguidade” 18. Em reunião ordinária da CMFF, realizada em 20-09-2011, foi deliberada a concordância com o relatório final mencionado em 17. e a aplicação ao A. da pena de suspensão aí proposta (cf. fls. 195 a 204 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 19. Em 11-10-2011, o A. recebeu a seguinte comunicação (cf. 207 a 212 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido): “Por despacho de 20/092011 proferido (nos termos do nº 2 do art. 57º do E.D.T.E.F.P), pelo Presidente da Câmara Municipal, foi protelado, o prazo de notificação aos arguidos até ao final do presente mês. Assim, comunica-se que, em reunião de 20 de setembro, a Câmara, após ter procedido à votação por escrutínio secreto, deliberou, por unanimidade, concordar com o Relatório Final (nos termos do artigo 54º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de setembro), aplicar a pena de suspensão de 300 dias, período durante do qual se verifica o não exercício das funções e a perda das remunerações correspondentes e da contagem do tempo de serviço para a antiguidade, prevista na al. c) do nº 1 do art. 9º, caraterizada no nº 3 do art. 10º e cujos efeitos estão previstos no nº 2 do art. 11º do referido Estatuto Disciplinar.” * DE DIREITOEstá posta em crise a sentença com este discurso jurídico fundamentador: Nos termos do disposto no art. 95º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, impõe-se ao juiz, nos processos impugnatórios, como o dos presentes autos, a pronúncia sobre todas as causas de invalidade. Vejamos; Da ilegalidade da renovação do procedimento disciplinar Por considerar que a acusação deduzida em 04-08-2010 (ponto n.º 8 da fundamentação de facto) continha a nulidade insuprível identificada no n.º 3 do artigo 48.º do ED, conjugada com o n.º 1 do artigo 37.º, consubstanciada no facto de a mesma não indicar as circunstâncias de tempo relativas às infracções disciplinares alegadamente cometidas pelo A. (ponto n.º 9), a entidade demandada declarou a sua nulidade, e procedeu à renovação do procedimento disciplinar, nos termos do artigo 63.º do ED (ponto n.º 10). O A. insurge-se contra esta renovação, por considerar que a mesma nunca deveria ter ocorrido, na medida em que o artigo 63.º apenas se dirige a renovações do procedimento que possam ocorrer durante a pendência de acção judicial, não sendo aplicável à fase administrativa do procedimento. Mais alega que a verificação da mencionada nulidade insuprível na primeira acusação implicava o arquivamento do procedimento disciplinar, não podendo gerar a sua renovação. Pelo contrário, entende a entidade demandada que o artigo 63.º do ED, ao permitir a renovação do procedimento na pendência de uma acção judicial, também terá de a permitir na fase administrativa, de acordo com o argumento ad maioria ad minus, pelo qual se a lei permite o mais, também permite o menos. Apesar de o artigo 63.º do ED se referir, especificamente, à renovação da decisão de instauração do procedimento disciplinar na pendência de acção judicial em que se impugne o ato de aplicação da sanção, tal não significa que o mesmo não possa suceder durante a fase administrativa do procedimento disciplinar. De facto, “nada obsta, no processo disciplinar, conhecidos que sejam novos factos, ou novas circunstâncias relacionadas com factos contidos em acusação já formulada, a que o instrutor proceda à reformulação da acusação, com vista à completa articulação dos factos e circunstâncias que envolvem responsabilidade disciplinar do arguido” (cf. acórdão do STA de 12-01-2012, Proc. n.º 0863/11, disponível em www.dgsi.pt). Não viola quaisquer exigências procedimentais a anulação da acusação quando a entidade administrativa se aperceba da existência de alguma nulidade, podendo emitir nova acusação, expurgada desses vícios, aproveitando as diligências instrutórias que já se tenham realizado, desde que respeite os direitos de audição e defesa do arguido, o que, in casu, sucedeu. Efectivamente, a entidade demandada anulou a acusação movida ao arguido por considerar que a mesma se encontrava ferida de nulidade, por não indicar concretamente as circunstâncias temporais relativas às infracções alegadamente cometidas pelo A., tendo emitido nova acusação onde esses elementos já figuravam. Após a emissão da nova acusação, foi dada ao A. a possibilidade de apresentar nova defesa, tendo ainda sido realizadas diligências instrutórias por ele requeridas, acerca das quais teve também oportunidade de se pronunciar. Só posteriormente a Entidade Demandada emitiu o acto punitivo, o que significa que os direitos de defesa e audição do A. não ficaram prejudicados pela emissão de nova acusação. Assim, não se verifica a nulidade que o A. aponta ao acto impugnado por se basear numa ilegal renovação do procedimento disciplinar. Da falta de audiência do A. na fase de inquérito Alega o A. que deveria ter sido ouvido durante a fase de inquérito, posteriormente convertida na instrução do procedimento disciplinar (ponto n.º 11 da fundamentação de facto), o que viola o disposto no n.º 2 do artigo 46.º do ED, constituindo uma nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 37.º, em virtude de não se ter procedido a uma diligência essencial à descoberta da verdade. Pelo contrário, afirma a Entidade Demandada que apenas estava obrigada a ouvir o A. durante a fase de instrução, se este o requeresse e se a instrutora do procedimento o tivesse por conveniente, o que resulta do teor literal da norma do n.º 2 do artigo 46.º do ED. Na presente situação, existiu uma participação que deu origem à abertura de um processo de inquérito, nos termos do disposto nos artigos 66.º a 69.º do ED no sentido de se apurar uma série de factos relatados pelos funcionários da Divisão de Higiene e Salubridade da entidade demandada e que, alegadamente, envolveriam outros funcionários dessa mesma divisão. É certo que, no âmbito do processo de inquérito, o A. não foi ouvido, mas é também certo que o processo de inquérito não visava o A. de forma directa, mas sim a Divisão de Higiene e Salubridade, sendo que as normas que regulam o processo de inquérito não obrigavam a instrutora a ouvir o A.. Por este motivo, e pelo que resulta do teor literal da norma do n.º 2 do artigo 46.º do ED, o facto de o A. não ter sido ouvido na fase de inquérito, posteriormente convertida em instrução do processo disciplinar, não se traduz em qualquer invalidade do acto impugnado, na medida em que resulta da norma mencionada que apenas a requerimento do A. ou quando o entendesse como necessário a instrutora do procedimento estava obrigada a ouvi-lo. Ademais, o A. requereu, em sede de defesa e antes da emissão do ato punitivo, a inquirição de várias testemunhas, que foi realizada, tendo inclusivamente tido oportunidade de se pronunciar acerca das declarações prestadas pelas mesmas, não tendo, em nenhuma ocasião, requerido que a instrutora do procedimento o ouvisse. Face às considerações tecidas, não pode concluir-se que tenham sido feridos quaisquer direitos de audição e defesa do A. durante o procedimento disciplinar. Deste modo, também inexiste a nulidade que o A. considera provir da sua não audição em fase de inquérito. Da ultrapassagem de prazos procedimentais Alega o A. que a entidade demandada ultrapassou uma série de prazos procedimentais, como é o caso do prazo constante do n.º 1 do artigo 39.º do ED, que confere ao instrutor 45 dias para ultimar a fase da instrução, ou os prazos de 48 horas e 10 dias previstos, respetivamente, no n.º 4 do artigo 68.º e nos números 1 e 2 do artigo 48.º, para a dedução da acusação, após a elaboração do relatório final. Pelo contrário, entende a entidade demandada que os prazos constantes dessas mesmas normas são meramente indicativos, não podendo a sua ultrapassagem constituir uma nulidade do procedimento disciplinar. Com efeito, o processo de inquérito foi instaurado por despacho do Presidente da Câmara Municipal de 25-03-2010, tendo o seu relatório final sido elaborado apenas em 16-06-2010, o que vai além do prazo de 45 dias conferido pelo n.º 1 do artigo 39.º (cf. pontos números 1 e 4 da fundamentação de facto), considerando a contagem de prazo nos termos do art. 72º do CPA (então em vigor), conforme art. 2º do diploma preambular da Lei nº 58/2008. Também a acusação apenas foi proferida em 04-08-2010 (ponto n.º 8), o que vai além dos prazos de 48 horas e 10 dias conferidos pelo n.º 4 do artigo 68.º e pelos números 1 e 2 do artigo 48.º do ED. No que diz respeito ao prazo de 45 dias para concluir a instrução, não podemos perder de vista que estamos perante uma situação especial em que, por força do n.º 3 do artigo 68.º do ED, o processo de inquérito se converteu na instrução do procedimento disciplinar, e não existe qualquer prazo previsto na lei para a finalização do processo de inquérito. Além disso, ambos os prazos que o A. considera terem sido violados são prazos meramente ordenadores, funcionando como uma referência para o instrutor, constituindo o seu incumprimento uma mera irregularidade, que apenas poderá acarretar a responsabilidade disciplinar do próprio instrutor, e não uma nulidade do processo disciplinar de que o A. possa aproveitar-se para ver anulado o ato punitivo (v. Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, anotado, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 217-219, em anotação ao artigo 39.º do ED). Deste modo, também a ultrapassagem dos prazos procedimentais não conduz à nulidade do ato impugnado. - Da falta de indicação das circunstâncias temporais relativas às infracções alegadamente cometidas Entende o A. que nem a acusação nem o relatório final do procedimento disciplinar fazem referência às circunstâncias de tempo em que as infracções foram alegadamente praticadas, considerando o A. que as mesmas eram essenciais para se defender cabalmente e para aferir de uma eventual prescrição do procedimento disciplinar, o que acarreta a nulidade do ato impugnado, nos termos do n.º 1 do artigo 37.º do ED. Ora, relativamente à infracção que se prende com a desmontagem de aparelhos eléctricos, indica a acusação que o A., juntamente com outros funcionários, se dedicava a essa actividade “desde data não concretamente apurada até, pelo menos, março de 2010”. Relativamente à infracção que se prende com os registos de trabalho extraordinário e nocturno, também a acusação refere expressamente as datas, referindo inclusivamente os dias, em que considera as infracções praticadas, aí se afirmando, relativamente a alguns dos funcionários, que tais infracções ocorreram “desde data não concretamente apurada até, pelo menos, março de 2010”. Também relativamente às infrações que se prendem com a utilização de viaturas da entidade demandada refere, concretamente, que as mesmas se verificaram “durante o ano de 2008” e “em data não concretamente apurada, no início de novembro de 2009”. Deste modo, perscrutando o teor da acusação (ponto n.º 12 da fundamentação de facto), constata-se que todas as infracções imputadas ao A. são acompanhadas de um enquadramento temporal. É certo que é utilizada, para a maioria das infracções, a expressão “até, pelo menos, março de 2010”, mas essa referência é suficiente para o tipo de infracção em causa, uma infracção continuada ou permanente, que decorreu durante um período indeterminado de tempo, e que, pelo menos, ainda se verificava à data da participação que deu origem ao processo de inquérito. Assim, também relativamente a estas infracções o A. dispunha de elementos suficientes para aferir de uma eventual prescrição, na medida em que o prazo de prescrição, nas infracções continuadas, apenas pode começar a correr a partir do momento em que tais infracções deixam de se verificar. Face ao exposto, não se verifica, in casu, a falta de indicação de circunstâncias temporais prevista no n.º 1 do artigo 37.º do ED, razão pela qual não pode verificar-se a nulidade invocada pelo A.. - Da insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena Cumpre antes de mais referir que a prova dos factos integradores da infracção disciplinar é determinada, face aos elementos existentes no processo disciplinar, pela convicção do julgador, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova. Na verdade, no âmbito disciplinar vale o princípio, consignado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, da livre apreciação da prova – salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Na fixação dos factos, pressupostos da aplicação da pena disciplinar, a Administração goza, pois, de ampla margem de livre apreciação da prova, o que lhe permite formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação do material probatório que não tenha valor legal fixo, segundo a sua livre convicção. Assim, o resultado probatório só pode ser objecto de censura judicial se for invocada a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder. Feito este enquadramento, vejamos da pertinência dos argumentos do Autor. Entende o A. que os factos em que se baseou a sua condenação não se encontram comprovados pelos meios de prova constantes do processo instrutor, por considerar que as declarações das testemunhas são vagas e imprecisas, não acusando o A. de qualquer ilícito de forma concretizada no espaço e no tempo. Ora, a análise da prova recolhida durante a fase de instrução é uma actividade sujeita à discricionariedade administrativa, como se referiu, não cabendo ao Tribunal imiscuir-se na avaliação que é feita da prova produzida e da decisão que, feita essa avaliação, decide acusar ou, pelo contrário, arquivar o procedimento disciplinar. No caso em apreço, efectivamente, resulta dos elementos juntos aos autos que foram realizadas várias diligências instrutórias (pontos números 3, 6, 7 e 15 da fundamentação de facto), todas devidamente ponderadas nos relatórios do processo de inquérito e do procedimento disciplinar, bem como na decisão de acusação, pelo que não podemos sequer ponderar estar perante uma situação de défice instrutório manifesto, de inércia do instrutor do procedimento, ou de erro grosseiro na apreciação da prova produzida. Retira-se do conteúdo da p. i. que aquilo que o A. pretende é, verdadeiramente, que o A. controle o modo como a instrutora do procedimento avaliou a prova produzida, o que manifestamente não se insere nos poderes conferidos ao Tribunal (cf. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 14-03-2013, Proc. n.º 00331/07.9BEVIS, e de 19-12-2014, Proc. n.º 0242/07.8BEPRT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Face ao exposto, não pode o Tribunal conhecer dos vícios invocados pelo A. relativos à insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena. Da falta de ponderação de circunstâncias atenuantes Alega por fim o A. que é funcionário da entidade demandada desde Janeiro de 1980, tendo sempre tido um comportamento exemplar, não tendo tal circunstância sido ponderada na decisão para efeitos de lhe ser aplicada a circunstância atenuante especial prevista na al. a) do artigo 22.º do ED. Em primeiro lugar, há que precisar que também a ponderação de circunstâncias atenuantes cabe na actividade discricionária da Administração Pública, cabendo apenas ao Tribunal aferir do respeito pelos princípios de direito administrativo, como o princípio da proporcionalidade. Em segundo lugar, há ainda que referir que, sendo as infracções cometidas pelo A. abstractamente enquadráveis nas previsões dos artigos 17.º e 18.º do ED, e portanto puníveis com uma pena de suspensão ou de demissão e despedimento por facto imputável ao trabalhador, sempre cabe à Administração a escolha daquela que considera ser mais adequada, relevando apenas para a invalidade do ato os casos de desrespeito manifesto ou grosseiro pelo referido princípio da proporcionalidade, o que não pode dizer-se que sucede in casu, visto que a entidade demandada aplicou ao A. a pena menos grave das duas que a lei em abstracto considera aplicáveis (v., neste sentido, acórdão do STA de 30-05-2013, Proc. n.º 0658/13, disponível em www.dgsi.pt). Por último, cabe apenas referir que a circunstância atenuante da prestação exemplar de serviço durante 10 anos não é aplicável, sem mais, a todas as situações em que dos registos disciplinares dos trabalhadores da Administração Pública não consta o registo de qualquer infração durante o período de 10 anos, não sendo tal circunstância suficiente para se poder afirmar que o funcionário demonstra, em concreto, um comportamento e zelo exemplares no desempenho das suas funções, tal como é exigido expressamente na al. a) do artigo 22.º do ED. Face a todas as considerações expostas, não se verifica qualquer desrespeito pelo princípio da proporcionalidade pelo facto de não se ter ponderado aplicar ao A. a circunstância atenuante da al. a) do artigo 22.º do ED, pelo que o ato impugnado também não padece desta ilegalidade. Concluindo: Não se verificando as nulidades imputadas pelo ora Autor ao procedimento disciplinar nem à deliberação punitiva, a presente acção terá de improceder, por não provada. Vejamos: São duas as críticas apontadas pelo Autor/Recorrente à sentença, a saber: -insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena disciplinar; -falta de ponderação das circunstâncias atenuantes. Ora, determina o art 3º/1 do CPTA que no respeito pelo princípio da separação e interdependência de poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência e oportunidade da sua actuação. Resulta assim desta norma, que é corolário do princípio da separação e interdependência consagrado no artº 111º da CRP, que o Tribunal pode sindicar a actuação da Administração à luz das normas e princípios jurídicos que a vinculam, mas já não poderá, sob pena de violação do referido princípio, avaliar do seu mérito, da sua conveniência ou oportunidade das opções tomadas em domínios não vinculados. Por isso, “tudo o que nessa opção ou escolha só for confrontável com juízos de mérito, com regras da boa administração, com esta ou aquela arte ou técnica, escapa por natureza à função judicial, à iurisdictio - à qual compete (apenas) declarar e fixar o Direito para uma dada hipótese” - ensinam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado, Vol. I, Almedina, 2006, anotação 2ª ao artº 3º. Referem os mesmos Autores que naqueles aspectos em que as decisões concretas da Administração relevam de uma qualquer opção discricionária ou de uma margem de apreciação ou valoração autónoma, os tribunais administrativos - não conseguindo formular sobre essa opção um juízo de desconformidade com o bloco legal que lhe é aplicável - ficam, por lei, proibidos de exercer um controlo sobre elas. O exercício da acção disciplinar sobre trabalhadores da função pública compete ao órgão da entidade administrativa sob a alçada do qual o trabalhador exerce funções (artºs 1º, 2º e 29º do EDTFP, aprovado pela Lei 58/2008 de 9 de setembro, aplicável à data). É, portanto, uma competência exclusiva da Administração. Por sua vez, a decisão disciplinar é ditada sobre um relatório elaborado pelo instrutor do processo, relatório esse que deve ser completo e conciso e verter a existência material das faltas, sua qualificação e gravidade, importâncias a repor e seu destino, bem como a pena que se entenda justa (artºs 54º e 55º do EDTFP). O Estatuto diz-nos a forma que deve revestir o relatório, mas não especifica quaisquer regras a que a Administração esteja vinculada no processo de concluir pela existência material das faltas. E nem faria sentido que o fizesse como bem advoga a Entidade Recorrida. Quando entramos no domínio da apreciação de factos, a Administração goza de ampla margem de livre apreciação da prova, tal qual ela vem fixada para o domínio do processo penal (artº 127º) e, assim, pode formular o seu próprio juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação do material probatório que não tenha um valor legal fixo. Por isso, naquele relatório de que nos fala o artº 54º do revogado EDTFP, o instrutor deve apreciar os meios de prova de acordo com a experiência comum, com distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na liberdade para a objectividade (Acórdão do TCA Sul/proc. 06477/02, de 24/05/2007). O sentido da jurisprudência e da doutrina tem sido, invariavelmente, este: “Na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação de penalidades disciplinares, a Administração goza de uma ampla margem de livre apreciação da prova, pelo que o resultado probatório só pode ser objecto de censura judicial se tiver havido erro sobre o valor legal das provas, erro manifesto na sua apreciação desvio de poder.” - Acórdão do STA de 18/5/1993, proc. 30395. Também no seu Acórdão de 19/11/96, proc. 39450 decidiu: “O uso de poder disciplinar, permite ao respectivo titular formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos, através da apreciação do material probatório que não tenha valor legal fixo, segundo a sua livre convicção, fixando por esse modo os factos pressupostos da infracção disciplinar, com grande margem de liberdade e julgamento e de tal modo que a censura judicial só pode ter lugar se forem invocados a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva.” [Parecer do Ministério Público do Tribunal Central Administrativo Sul de 07/04/2003 (proc. 11517/02)]. E no aresto do TCA Sul/proc. 6944/10, de 20/12/2012 entendeu-se “No processo disciplinar vigora a regra da livre apreciação da prova pelo julgador administrativo. Também aqui valem os limites gerais do poder discricionário da Administração.” Ora, contrariamente ao que o Autor/Recorrente defende no presente recurso, o Tribunal recorrido não se negou a conhecer os eventuais vícios da instrução para fundamentar a pena que lhe foi aplicada nem se recusou a conhecer os vícios invocados (…) quanto à insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena. O Tribunal limitou-se a seguir a linha do que é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência inclusive deste TCAN. É que, no âmbito do processo disciplinar, a Administração goza de “uma ampla margem de livre apreciação da prova, o que lhe permite formular o juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação do material probatório que não tenha valor legal fixo, segundo a sua livre convicção”. Porém, tal não significa que essa actividade não possa ser sindicada/escrutinada. No entanto, a sentença justificou, e quanto a nós bem, que qualquer censura judicial só pode ocorrer se for invocada a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder. Sucede que - cfr. a decisão sob censura - no caso em apreço, resulta dos elementos juntos aos autos que foram realizadas várias diligências instrutórias (pontos 3, 6, 7 e 15 da fundamentação de facto) todas devidamente ponderadas nos relatórios do processo de inquérito e do procedimento disciplinar, bem como na decisão de acusação, pelo que não podemos sequer ponderar estar perante uma situação de défice instrutório manifesto, de inércia do instrutor do procedimento, ou de erro grosseiro na apreciação da prova. Ora, o que o Tribunal concluiu foi que, nem o Autor invocou na petição violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder, nem no processo estão insertos elementos que permitam sindicar a actividade da Administração. Não se vislumbra, pois, que o julgado mereça qualquer reparo na avaliação que fez. Com efeito, a actividade do Tribunal não pode limitar-se a substituir a convicção da Administração formada sobre o exame e avaliação dos motivos probatórios reunidos no processo pela mera convicção do juiz. Na apreciação das provas, não se trata de decidir através da impressão ou intuição que se tem, mas segundo a persuasão racional que o órgão administrativo tem das provas recolhidas através do processo - vide o Acórdão deste TCAN, no proc. 344/08.3BEPRT de 18/02/2011, cujo sumário é do seguinte teor: 1.É através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se a valoração das provas está racionalmente justificada e se ela é capaz de gerar uma convicção de verdade sobre a prática dos ilícitos disciplinares imputados ao recorrente. 2.Nas infracções disciplinares atípicas, o legislador deixa em aberto, pelo carácter exemplificativo e pela utilização de expressões de conteúdo, extensão e sentido impreciso e incerto, as descrições dos comportamentos considerados ilícitos. 3.Por isso, o tribunal pode averiguar se a aplicação da medida sancionatória observou os parâmetros do princípio da proporcionalidade. 4.Demonstrada a violação do dever de correcção, está legitimada a possibilidade de em abstracto haver lugar à aplicação da pena de multa, sem que a Administração tenha que provar que tal conduta revela «negligência» ou «má compreensão dos deveres funcionais». O aqui Recorrente esquece o princípio da livre apreciação da prova e arroga-se desvirtuar a prova produzida, mas o certo é que na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação de penalidades disciplinares, a Administração goza de uma ampla margem de livre apreciação da prova, pelo que o resultado probatório só pode ser objecto de censura judicial se tiver havido erro sobre o valor legal das provas, erro manifesto na sua apreciação desvio de poder, o que não sucede no caso concreto. Na verdade, também no Acórdão do STA de 19/1/1996, no âmbito do proc. 39450 se sumariou: I-O uso de poder disciplinar, permite ao respectivo titular formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos, através da apreciação do material probatório que não tenha valor legal fixo, segundo a sua livre convicção, fixando por esse modo os factos pressupostos da infracção disciplinar, com grande margem de liberdade e julgamento e de tal modo que a censura judicial só pode ter lugar se forem invocados a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva. II-São cumuláveis as responsabilidades disciplinar e criminal, sempre que o facto praticado ofenda as duas ordens jurídicas, nascendo duas censuras, disciplinar e criminal, por serem diferentes as finalidades ou os bens jurídicos merecedores de protecção. O uso de poder disciplinar, permite ao respectivo titular formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos, através da apreciação do material probatório que não tenha valor legal fixo, segundo a sua livre convicção, fixando por esse modo os factos pressupostos da infracção disciplinar, com grande margem de liberdade e julgamento e de tal modo que, repete-se, a censura judicial só pode ter lugar se forem invocados a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva. Logo, seguindo estes ensinamentos temos de concordar que a posição do Arguido na acção foi a de impugnar genericamente os factos da decisão final, sem que, na verdade, apresentasse argumentação plausível que levasse a concluir por outra decisão, o que podia ter feito, explicando, por exemplo, que para determinado facto foi considerada a prova “X” ou “Y” e que essa prova é de todo em todo impossível de sustentar ou demonstrar esse facto. A convicção da Senhora Instrutora tem carácter iminentemente subjectivo mas aparece devidamente fundamentada: está suportada em declarações de testemunhas e em documentos (fotografias, folhas de ponto, etc.). E em relação a cada facto dado como provado a Senhora Instrutora indicou a prova ou conjunto de provas sobre as quais fundou a sua convicção. Cumpre dizer, a terminar este ponto, que a sentença junta pelo Recorrente não transitou em julgado, tendo o Réu/Município interposto recurso (ainda pendente de apreciação do foro criminal), que, no essencial, condenou o Recorrente pelos mesmos factos e tendo em conta, genericamente, os mesmos meios de prova considerados no processo disciplinar. A aplicação do artº 22º/a) do Estatuto Disciplinar - A segunda questão suscitada pelo aqui Recorrente, a propósito da aplicação do artº 22º/a) do Estatuto Disciplinar, também não merece qualquer crítica ou reparo. Tal como alegado, prestar mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo não significa não ter infracções disciplinares registadas nos últimos 10 anos. Por isso, o exemplar comportamento tem de estar traduzido em avaliação de desempenho, o que pressupõe que se tenha pelo menos dez anos de serviço avaliados com a menção máxima com ensina Paulo Veiga e Moura, ob. cit, na sentença, em anotação ao artº 22º. Em Suma: -a sentença, contrariamente ao defendido, não afasta a possibilidade de sindicar as decisões da Administração no âmbito dos processos disciplinares; -apenas partindo da consideração de um conjunto de princípios jurídicos - designadamente o da livre apreciação da prova -, bem como da jurisprudência que se tem firmado nesta matéria - Ac. deste TCAN/proc. 344/08.3BEPRT de 18/02/2011, Acórdão do TCA Sul/proc. 06477/02, de 24/5/2007, considerou o Tribunal a quo que o julgamento feito pela Administração só pode ser posto em causa quando for invocada a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder, concluindo que no caso em apreço, resulta dos elementos juntos aos autos que foram realizadas várias diligências instrutórias, todas devidamente ponderadas nos relatórios do processo de inquérito e do procedimento disciplinar, bem como na decisão de acusação, pelo que não pôde sequer admitir/ponderar estar perante uma situação de défice instrutório manifesto, de inércia do instrutor do procedimento, ou de erro grosseiro na apreciação da prova; -assim justificada e fundamentada, a decisão judicial não merece reparo; ela acolheu a posição do Réu/Município e nós aqui também; -o exemplar comportamento que decorre do artº 22º/a) do Estatuto Disciplinar tem de traduzir-se numa avaliação de desempenho avaliada com a menção máxima durante 10 anos de serviço, pressuposto que o Recorrente não logrou demonstrar; -o uso de poder disciplinar, permite ao respectivo titular formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos, através da apreciação do material probatório que não tenha valor legal fixo, segundo a sua livre convicção, fixando por esse modo os factos pressupostos da infracção disciplinar, com grande margem de liberdade e julgamento e de tal modo que a censura judicial só pode ter lugar se forem invocados a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva; -são cumuláveis as responsabilidades disciplinar e criminal, sempre que o facto praticado ofenda as duas ordens jurídicas, nascendo duas censuras, disciplinar e criminal, por serem diferentes as finalidades ou os bens jurídicos merecedores de protecção; -conforme entendimento da Doutrina e da Jurisprudência em situações similares, a sentença tem de ser mantida na ordem jurídica; -tal equivale a dizer que não incorreu nos males que lhe estão atribuídos, isto é, desrespeito, entre outros, dos artigos 20º/1, 266º/4 e 31º/10 da CRP. Falecem as conclusões da alegação. *** DECISÃOTermos em que se nega provimento ao recurso e se confirma a sentença, julgando-se improcedente a acção. Custas pelo Recorrente. Notifique e DN. Porto, 06/04/2018 Ass. Fernanda Brandão Ass. Frederico Branco Ass. Rogério Martins |