Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00353/22.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/04/2025
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA O MUNICÍPIO DE TORRE DE MONCORVO;
AMNISTIA;
LEI N.º 38-A/2023, DE 2 DE AGOSTO;
Sumário:
1. A Decisão recorrida, ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, não acautelou o direito do Autor à tutela jurisdicional efetiva, uma vez que lhe vedou a oportunidade de ver conhecidas as ilegalidades assacadas ao ato punitivo e a consequente eliminação dos efeitos produzidos pelo mesmo;

2. Apesar de a amnistia extinguir a responsabilidade disciplinar, o processo tem de prosseguir para eventualmente reverter os efeitos passados já consumados, como a suspensão e as perdas de remuneração e de antiguidade.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», Engenheiro, contribuinte fiscal nº ...60, residente no Lugar ..., ..., ... ..., instaurou ação administrativa contra MUNICÍPIO ..., contribuinte fiscal nº ...36, com sede no Largo ..., ..., pedindo que:
a) Seja declarada a nulidade da decisão disciplinar proferida pela Câmara Municipal ..., por deliberação de 12.08.2022, no âmbito do processo disciplinar contra si movido e que correu termos sob o nº 1/2022 (a que haviam sido apensados os processos instaurados sob os nºs 3/2022, 4/2022 e 5/2022), por via da qual foi aplicada ao Autor a sanção disciplinar de suspensão por 60 (sessenta) dias; ou, subsidiariamente,
b) Seja anulado o mesmo ato administrativo; e
c) Em qualquer dos casos, seja a Entidade Demandada condenada a pagar ao Autor os créditos laborais que o mesmo deixou de auferir por força da instauração do processo disciplinar acima identificado e da sanção disciplinar aplicada em consequência da decisão final no mesmo proferida, no valor global de 3.297,14, acrescido de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi decidido assim:
a) Declaro a instância parcialmente extinta por inutilidade superveniente da lide, por efeito da amnistia da infração disciplinar cometida pelo Autor, com a consequente obrigação da Entidade Demandada de pagar àquele o valor dos vencimentos relativos ao período em que o mesmo cumpriu a sanção disciplinar de suspensão, no total de 2.848,76€; e
b) Absolvo a Entidade Demandada do pagamento ao Autor do valor de 448,38€, correspondente ao subsídio de alimentação que não lhe foi pago durante os períodos de suspensão preventiva e de execução da sanção disciplinar.

Desta vem interposto recurso pela Entidade Demandada.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
a) A Sentença de que se recorre está errada porque interpretou e aplicou erradamente as normas legais daí constantes.
b) O TAFM decidiu mal quanto à aplicação da Lei da Amnistia, havendo que reverter essa decisão, uma vez que não se verificam os pressupostos da sua aplicação.
c) Em primeiro lugar, o Tribunal errou porque o Autor tinha mais de 30 anos de idade à data dos factos (violação do artigo 2.°, n.° 1, da Lei da Amnistia).
d) Em segundo lugar, o Autor recusou que lhe fosse aplicada a Lei da Amnistia, o que impedia a prolação da Sentença de que se recorre (violação do artigo 11.°, n.° 1, da Lei da Amnistia).
e) A Lei da Amnistia estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. artigo 1.º).
f) Estão abrangidas pela referida lei, entre outras, as sanções relativas a infrações disciplinares até às 00h00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º (cfr. artigo 2.º, n.º 2, alínea b)).
g) São amnistiadas as infrações disciplinares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela referida lei e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.
h) Os atos de graça abrangem a amnistia, o perdão genérico e o perdão individual ou particular, em que se integram o indulto e a comutação.
i) A distinção entre as várias medidas de graça efetua-se conforme o ato respeite ao facto praticado ou à pena concretamente aplicada, bem como consoante abranja um caso concreto ou um grupo de situações, em função das características do facto praticado ou do agente.
j) A amnistia é uma instituição de clemência da competência da Assembleia da República.
k) Os seus efeitos podem ser a extinção do processo penal e disciplinar ou, no caso de já existir uma condenação, a extinção da pena e dos respectivos efeitos.
l) No primeiro caso estamos perante uma amnistia própria (em sentido próprio), e no segundo caso perante uma amnistia imprópria (em sentido impróprio).
m) O perdão genérico é uma figura próxima da amnistia.
n) Trata-se de uma medida de carácter geral, que tem como efeito a extinção de certas penas (pelo que a doutrina o qualifica como verdadeira amnistia imprópria).
o) Nesta medida, enquanto a amnistia respeita às infrações abstractamente consideradas, “apagando” a natureza criminal e disciplinar do facto, o perdão implica que a pena não seja, total ou parcialmente, cumprida.
p) Neste, atenta-se apenas na gravidade da pena e no sacrifício que o seu cumprimento implica para o condenado, podendo aquela ser total ou parcialmente perdoada.
q) A responsabilidade criminal e disciplinar extingue-se quer pela amnistia, quer pelo perdão genérico.
r) Os arguidos apenas e tão só por pelas infracções previstas no artigo 4.° (infracções penais) podem requerer no prazo de 10 dias a contar da entrada em vigor da lei em causa (v.g. 01.09.2023), que a amnistia não lhes seja aplicada (cfr. artigo 11.°, n.° 1, da referida Lei).
s) A amnistia, configurando, como se disse, uma graça ou merçê de quem detém o poder de legislar, relegando para o “esquecimento” alguns factos ilícitos, não pode deixar de ser vista como uma medida de excepção, a interpretar nos exactos termos em que está redigida, com exclusão de interpretações extensivas e/ou analógicas.
t) Nesta conformidade, mostra-se excluída a extensão da norma prevista no artigo 11.°, n.° 1, da referida Lei, bem como a sua aplicação analógica, às situações de facto que versem sobre as infrações disciplinares.
u) Com base na interpretação conjugada dos preceitos e conceitos jurídicos acima referenciados, entendemos que:
a. o cumprimento das sanções disciplinares não obsta, em abstracto, à aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto;
b. em tal situação deparamo-nos com a denominada amnistia imprópria;
c. tratando-se de designada aministia imprópria, ou seja, a que abrange infracções disciplinares pelas quais já existem sanções aplicadas, ela faz cessar o prosseguimento da execução da sanção que ainda esteja em curso ou impede a sua execução quando o respectivo cumprimento ainda não se tenha iniciado, mas não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da mesma sanção;
v) Porém, o Autor, após ser notificado para o efeito, veio dar nota nos autos de que pretendia o prosseguimento do processo relativamente aos efeitos já produzidos, no qual se discutirá a licitude/legalidade da sanção disciplinar aplicada, com eventual possibilidade de obter uma decisão de anulação da decisão condenatória, com os efeitos inerentes.
w) Deve por isso ser revogada a Sentença do TAFM.

Não foram juntas contra-alegações.

O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
Com relevo para decisão da presente ação, considero provados os seguintes factos:
1. O Autor é trabalhador do MUNICÍPIO ... há já mais de 23 (vinte e três) anos (cfr. acordo das partes).
2. O Autor exerce funções correspondentes à categoria profissional de Técnico Superior, atualmente na secção de obras públicas (cfr. acordo das partes).
3. Até 08.03.2022, o Autor nunca tinha sido alvo de qualquer processo disciplinar nem da aplicação de qualquer sanção relacionada com a respetiva prestação laboral (cfr. fls. 42 do PA e acordo das partes).
4. Na data acima aludida, a Entidade Demandada deliberou instaurar procedimento disciplinar contra o Autor, com base em participação para efeitos disciplinares efetuada pelo Chefe da Divisão Administrativa e Financeira (cfr. fls. 14-20 do processo disciplinar instrutor - PA).
5. Por despacho do Presidente da Câmara Municipal ... datado de 21.03.2022, foi nomeada a instrutora do processo disciplinar instaurado ao Autor (cfr. fls. 12 do PA).
6. O referido processo disciplinar foi autuado e correu termos sob o nº 1/2022 (cfr. fls. 24 do PA).
7. Em 05.05.2022, foram apensados ao referido processo disciplinar (PD) os seguintes processos disciplinares, visando o Autor: PD nº 3/2022; PD nº 4/2022 e PD nº 5/2022 (cfr. fls. 106 do PA).
8. Por proposta da instrutora, foi determinada a suspensão preventiva do Autor pelo período de 90 dias (cfr. fls. 113-115 do PA).
9. Após a instrução do processo, em 14.06.2022 a instrutora nomeada deduziu acusação contra o Autor nos seguintes termos (cfr. fls. 193-210 do PA):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]


10. O Autor foi notificado da referida acusação por ofício de 15.06.2022, recebido em 20.06.2022 (cfr. fls. 211-217 do PA).
11. O Autor respondeu à acusação por correio eletrónico de 05.07.2022 (cfr. fls. 218-219 do PA, que aqui se dão por reproduzidas).
12. Em 04.08.2022, a instrutora elaborou o seguinte relatório final (cfr. fls. 223-234 do PA):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

13. Por deliberação da Câmara Municipal ..., de 12.08.2022, foi aplicada ao Autor a sanção disciplinar de suspensão por sessenta dias, concordando com a referida proposta da instrutora (cfr. fls. 5 a 20 do suporte eletrónico do processo).
14. Em 31.08.2022, o Autor apresentou reclamação da referida deliberação ao Presidente da Câmara Municipal ... (cfr. fls. 21-22 do suporte eletrónico do processo).
15. Por deliberação de 27.09.2022, a Câmara Municipal ... deliberou indeferir a reclamação do Autor (cfr. fls. 23 do suporte eletrónico do processo).
16. O Autor cumpriu o período de suspensão de sessenta dias decretado entre 18.08.2022 e 18.10.2022, tendo, no mesmo período, deixado de auferir o respetivo vencimento mensal (€ 2.848,76), bem como o subsídio de alimentação (€ 181,26), no valor global de € 3.030,02 (cfr. fls. 27-29 do suporte eletrónico do processo e acordo das partes).
17. No período em que esteve suspenso preventivamente, o Autor deixou de auferir o respetivo subsídio de alimentação, no valor global de 267,12€ (cfr. fls. 24-27 do suporte eletrónico do processo).
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:
a) Já de há vários anos a esta data que o Autor tem sido alvo, por parte da respetiva hierarquia, de uma crescente desconsideração pela sua pessoa no trabalho, pelo facto de ser militante e autarca do Partido Socialista (PS), opositor ao partido presentemente em funções no Executivo Municipal (Partido Social Democrata).
b) Desde a eleição do partido que atualmente preside ao executivo municipal que as condições de trabalho do Autor têm sido seriamente degradadas.
c) O Autor recebeu ordens de funcionários alheios à respetiva hierarquia e não foi convocado para reuniões em que deveria participar.
d) Foram atribuídos instrumentos de trabalho e meios de locomoção ao Autor obsoletos e sem as adequadas condições de funcionamento e segurança.
e) O Autor tem sido impedido sistematicamente do acesso a formação profissional de atualização e obtenção de novas competências.
f) A Entidade Demandada tentou dificultar o acesso do Autor ao estatuto de trabalhador estudante.
g) O Autor foi reiteradamente desautorizado, nos serviços municipais e em obras, perante funcionários de categoria inferior.
h) Todas as comunicações que o Autor subscreveu e remeteu, nomeadamente aquelas referidas na acusação e decisão disciplinares, sempre visaram reportar as circunstâncias adversas em que vinha exercendo funções, bem como reclamar da falta de meios adequados ao cumprimento das respetivas tarefas.
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que aplicou ao caso a Lei da Amnistia.
Na óptica do Recorrente o Tribunal a quo decidiu mal quanto à aplicação desta Lei, uma vez que não se verificam os pressupostos da sua aplicação.
Assiste-lhe razão.
Com efeito a Lei da Amnistia estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. artigo 1.º).
Estão abrangidas pela referida lei, entre outras, as sanções relativas a infrações disciplinares até às 00h00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º (cfr. artigo 2.º, n.º 2, alínea b)).
São amnistiadas as infrações disciplinares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela referida lei e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.
A amnistia é uma instituição de clemência da competência da Assembleia da República.
Os seus efeitos podem ser a extinção do processo penal e disciplinar ou, no caso de já existir uma condenação, a extinção da pena e dos respectivos efeitos.
No caso, o Autor, após ser notificado para o efeito, deu nota nos autos de que pretendia o prosseguimento do processo relativamente aos efeitos já produzidos, no qual se discutirá a licitude/legalidade da sanção disciplinar aplicada, com eventual possibilidade de obter uma decisão de anulação da decisão condenatória, com os efeitos inerentes.
Nessa medida, e tanto basta, a sentença proferida é errada.
É certo que, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude realizada em Portugal, entre os dias 1 e 6 de agosto de 2023, marcada pela visita do Papa ao país, foi publicada a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações.
Pode ler-se o seguinte no seu art.º 2.º:
“Artigo 2.º
Âmbito
1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º.
2 - Estão igualmente abrangidas pela presente lei as:
a) (...)
b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º.”
Por outro lado, dispõe o art.º 6.º do mesmo diploma:
“Artigo 6.º
Amnistia de infrações disciplinares e infrações disciplinares militares
São amnistiadas as infrações disciplinares (...) que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.”
Em traços gerais, a amnistia é uma medida de clemência que o Estado concede, em certas circunstâncias, anulando o preenchimento de determinados tipos legais de crimes, cometidos por um conjunto mais ou menos amplo de pessoas, até determinada data.
É “(...) o ato de graça pelo qual o poder político (a Assembleia da República) declara, por uma lei formal, geral e abstrata, extinta a responsabilidade (...) derivada de factos cometidos dentro de um período de tempo, por uma categoria geral de pessoas” - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª ed., Universidade católica Portuguesa, 2021, p. 537.
A amnistia “não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da pena” (Acórdão do TC n.º 301/97), uma vez que “ao apagar a infracção disciplinar, o que a amnistia apaga são os efeitos disciplinares - e suas repercussões - não os outros efeitos (salvo disposição legal expressa em contrário)”.
O legislador da Lei n.º 38-A/2023 não optou pela solução de determinar a destruição dos efeitos já produzidos pela aplicação das penas disciplinares, pelo que estes efeitos permanecem, mesmo que seja determinada a amnistia da infração disciplinar, ou seja, atendendo a que a amnistia não tem efeitos retroativos - isto é, não elimina os efeitos já produzidos e consumados pela integral execução e cumprimento da sanção de suspensão.
In casu existem outros efeitos jurídicos diretos já produzidos e consumados pela integral execução e cumprimento da sanção de suspensão a extinguir para além daqueles que são extintos pela própria amnistia.
Temos assim que não se pode considerar a extinção da instância por inutilidade da lide como uma espécie de efeito automático da amnistia, quando, na verdade, continuam por acautelar os efeitos produzidos e consumados pela integral execução e cumprimento da sanção de suspensão, o que significa que a amnistia não invalida que o ato impugnado tenha produzido efeitos lesivos para o Recorrente.
Atendendo a que a amnistia não tem efeitos retroativos - isto é, não elimina os efeitos já produzidos e consumados pela integral execução e cumprimento da sanção de suspensão - esta é uma situação suscetível de integrar a previsão do n.° 2 do art.° 65.° do CPTA que determina a continuação do processo justamente porque o Autor mantém interesse em obter a anulação jurisdicional dos efeitos anteriormente produzidos pelo ato impugnado, na medida em que ainda lhe é possível obter a reintegração da sua esfera jurídica quanto ao passado (v., neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 5ª ed., 2022, pág. 476).
Consequentemente, ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, a Decisão recorrida não acautelou o direito do Autor à tutela jurisdicional efetiva, uma vez que lhe vedou a oportunidade de ver conhecidas as ilegalidades assacadas ao ato punitivo e a consequente eliminação dos efeitos produzidos pelo mesmo.
Como é sabido, a utilidade da lide está correlacionada com a possibilidade de obtenção de efeitos úteis, pelo que a sua extinção, com base em inutilidade superveniente, só deverá ser declarada quando se possa concluir que o prosseguimento da ação não trará quaisquer consequências benéficas para o autor. Tal declaração postula e pressupõe que o julgador possa efetuar um juízo apodítico acerca da total inutilidade.
Em suma,
A inutilidade superveniente da lide tem, pois, a ver com a perda de interesse em agir, ou seja, com a perda da necessidade do processo para obter o pedido. O que equivale a dizer que tal inutilidade se dá, se e quando o efeito jurídico pretendido através do processo foi plenamente alcançado durante a instância.
Logo, a inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, ocorrerá apenas e sempre que, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objeto do respetivo processo, configurando-se como um modo anormal de extinção da instância, por cotejo com a causa dita normal, traduzida na prolação de uma decisão de mérito (cfr. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, págs. 364 e seguintes e Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 512);
Os efeitos já produzidos e consumados pela aplicação da sanção de suspensão não são revertidos nem eliminados como consequência dessa amnistia, razão pela qual o Autor mantém interesse em obter a anulação jurisdicional dos efeitos anteriormente produzidos pelo ato impugnado, na medida em que ainda lhe é possível obter a reintegração da sua esfera jurídica quanto ao passado;
Dito de outro jeito, apesar da amnistia extinguir a responsabilidade disciplinar, o processo deve prosseguir para eventualmente reverter os efeitos passados já consumados, como a suspensão e as perdas de remuneração e de antiguidade;
Como consignado pelo Tribunal a quo, neste caso, como resulta da factualidade provada, o Autor foi punido com uma sanção disciplinar de suspensão por 60 dias, a qual já foi executada;
Nestes termos, não pode manter-se a sentença que, nos termos do artigo 277.°, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA, considerou a amnistia como causa de extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide em relação à invalidade do ato sancionatório impugnado, uma vez que a infração foi amnistiada;
Consequentemente, tem de ser determinado o prosseguimento dos autos para conhecimento das ilegalidades assacadas ao ato punitivo, ato esse que, repete-se, já produziu efeitos lesivos na esfera jurídica do Autor.
Procedem as Conclusões das alegações;
É que, reitera-se, não pode subsistir no ordenamento jurídico o aresto que declarou a instância parcialmente extinta por inutilidade superveniente da lide, por efeito da amnistia da infração disciplinar cometida pelo Autor;
O Tribunal tem de ordenar o prosseguimento da lide, na qual se discutirá a licitude/legalidade da sanção disciplinar aplicada, com eventual possibilidade de obter uma decisão de anulação da decisão condenatória, com os efeitos inerentes.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso e, em consequência, se revoga a sentença proferida, determinando-se o prosseguimento dos autos, caso a tal nada mais obste.
Sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.

Porto, 04/4/2025

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Paulo Ferreira de Magalhães