Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00560/15.1BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:OPOSIÇÃO;
TAXA MUNICIPAL DE OCUPAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO
Sumário:
I – O prazo fixado para a dedução da ação, porque aparece como extintivo do respetivo direito (subjetivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de um certo direito, é um prazo de caducidade.

II - O processo de execução fiscal tem natureza judicial, e aos seus atos aplica-se o regime de notificação e de impugnação dos atos judiciais.

III - O regime previsto no artigo 37.º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a atos em matéria tributária que possam ser objeto de meio judicial de reação contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de atos, designadamente de atos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no CPC (artigos 186.º e seguintes).

IV – A incompatibilidade substancial relevante no âmbito da cumulação de causas de pedir ou de pedidos, prevista na alínea c) do n.º 2 do art. 186.º do CPC, respeita a pedidos que mutuamente se excluam ou que assentem em causas de pedir inconciliáveis, não ocorrendo tal incompatibilidade se os factos concretos que servem de fundamento à ação não forem suscetíveis de produzir o efeito jurídico pretendido.

V - A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.

VI - Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação do Domínio Público sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de rede de comunicações eletrónicas.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:


I – RELATÓRIO:


«[SCom01...], S.A.», pessoa coletiva com o n.º ...47, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou totalmente improcedente a oposição, por esta apresentada, à execução fiscal n.º .../15, que corre no Município de ..., para cobrança do valor de € 1.112.293,32.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
A) A Recorrente, discorda em absoluto com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que operou uma errónea apreciação e um incorreto enquadramento do pedido e da causa de pedir, o que constitui fundamento para a requerer a sua revogação.
B) Para fundamentar a improcedência da oposição, considerou o Tribunal a quo, quanto à excepção ineptidão da Petição Inicial: “considerando as disposições legais invocadas, verifica-se ineptidão da PI porque, não podendo os factos concretos que servem de fundamento à acção originar o efeito jurídico pretendido [inexistência de taxa e ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação, cfr. pedido formulado e art.º 204.º, n.º 1, als a) e h),] a causa de pedir é nesta medida incompatível com o pedido formulado – art.º 186.º, n.º2, al. c) do CPC.”
C) Tal interpretação por parte do tribunal a quo, já foi revogada por acórdão do STA nos presentes autos, pelo acórdão com n.º 514/16-30 de 16.09.2016, que ordenou a baixa dos autos para prosseguimento dos ulteriores trâmites (disponível em www.dgsi.pt.).
D) Bem como no processo Proc. n.º 561/15.0BEMDL, por acórdão do STA com o n.º de processo 779/16-30 de 14.09.2016, em que existe identidade das partes, dos factos em litigio e da questão dicidenda, apenas se diferenciando o n.º da execução fiscal, sendo esta a n.º .../15 e sendo aquela a 5/15 (disponível em www.dgsi.pt.).
E) Pelo que, a Recorrente não compreende a decisão do Tribunal a quo quanto a esta excepção, na medida em que no Proc. n.º 561/15.0BEMDL, considerou: “Sucintamente invoca nulidade do título executivo por falta de requisitos previstos na alínea a), h) e i) do art.º 204.º do CPPT. A decisão de 1ª instância, que julgou inepta a PI, foi revogada pelo STA que ordenou a baixa dos autos para prosseguimento dos ulteriores trâmites”.
F) Mantendo, no presente processo, a excepção de ineptidão da petição, quando esta havia já sido revogada por acórdão do STA 514/16-30 de 16.09.2016.
G) A ilegalidade invocada na petição inicial da oposição é a ilegalidade atinente à própria lei, ao Regulamento das Taxas do Município de ..., o que está em manifesta violação da reserva de lei consagrada na alínea i) do n.º1, do artigo 165.º da CRP, tratando-se de uma inconstitucionalidade orgânica e o qual é nulo pela ilegalidade da lei que permitiu a sua emanação.
H) A ilegalidade abstracta da dívida exequenda é fundamento de oposição nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo esta ilegalidade a que decorre da “inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação.” – cfr. Acórdão TCA Norte processo n.º573/15.3BEMDL de 23/04/2020.
I) A causa de pedir é compatível com o pedido formulado: “Termos que deverá a presente oposição ser considerada procedente, declarando se a verificada nulidade do título executivo por falta de requisitos, nos fundamentos previstos na alínea a) h) e i) do art. 204.º do CPPT, com a consequente extinção do procedimento executivo”;
J) A presente oposição, surge na sequência do pedido de fundamentação dos elementos da execução fiscal apresentado pela Recorrente (ponto 2 e 3 dos factos provados) nos termos do artigo 37.º CPPT, e da correspondente resposta enviada pelo Município de ....
K) Sendo invocado, a ilegalidade abstracta da dívida exequenda, à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, na sequência emissão de certidão de dívida relativa ao estado e fundamentação dos processos que corriam contra a Recorrente (conforme ponto 2 dos factos provados);
L) Logo, somente nesta data após a emissão da certidão de dívida (ponto 2 dos factos provados) a Recorrente se inteirou da origem e da natureza das dívidas que lhe estavam a ser exigidas.
M) No caso em concreto, a Recorrente pediu a extinção da execução fiscal (pedido compatível com a oposição), por ilegalidade abstracta da dívida exequenda.
N) Ora, atendendo ao pedido que foi formulado, é claro, na ótica da Recorrente, a concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter;
O) O pedido de extinção da execução é próprio da oposição à execução fiscal, uma vez que o que se pretende com tal meio processual é precisamente a extinção da execução fiscal.
P) Com o pedido formulado (de procedência da oposição e consequente extinção do procedimento executivo) pretendesse que seja verificada a ilegalidade abstracta da taxa em causa na execução fiscal.
Q) Como refere o Exmo. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011 III volume, página 443 e 446, nota 4 ao artigo 204.º.) na : “Na alínea a) do n.º 1 deste artigo prevê-se como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização.”
R) E caso assim não se entendesse, conforme acórdão do STA 514/16-30: “Tendo em vista os princípios da tutela jurisdicional efectiva pro actione, o STA tem vindo adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir ainda com recurso à figura do pedido implícito- qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica (cfr. neste sentido o ac. de 28/5/2014, proc. n.º 1086/13) ”.
S) Pelo que, considera a Recorrente, que os fundamentos invocados subsumem-se à lista dos previstos na art.º 204 do CPPT, no caso em concreto a alínea a), não sendo incompatível com o pedido formulado.
T) Invocando como fundamento de oposição, a ilegalidade abstrata do tributo exequendo (TODP), nos termos do disposto no artigo 204.º nº1 alínea a) do CPPT.
U) Entende a Recorrente que a sentença não poderá manter-se, quanto à excepção dilatória de ineptidão da petição, devendo ser revogada conhecendo-se o mérito do presente litígio.
V) Entendeu o Tribunal a quo, não obstante absolvição do Município de ..., por ineptidão da PI, apreciar o mérito da oposição, confirmando a legalidade da dívida exequenda.
W) Considerando que, a taxa em causa, incidiu sobre a ocupação da via pública por parte da Recorrente, nada há a apontar à atuação do município, e, consequentemente, considerou a oposição improcedente.
X) O procedimento tributário instaurado pelo Município de ... e, especificamente, a presente execução fiscal, por deficiência/insuficiência dos actos de liquidações de taxas, encontra-se inquinado de ilegalidade, desde logo porquanto as taxas que pretende cobrar são abstratamente inexistentes.
Y) Os actos de liquidação de taxas que enfermam de ilegalidades e nulidades, por via, entre outros, de uma errónea aplicação do preceituado (regulamentar) em concreto o artigo 42.º n.º3 da Tabela de Taxas, anexa ao regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas Municipais, em vigor no Concelho ... e invocado pelo Município, conforme certidão de divida remetida, atenta a atividade desenvolvida pela Recorrente, e, consequentemente, o regime legal que lhe é aplicável (conforme certidão de divida junta aos autos no ponto 3 dos factos provados).
Z) Esta ilegalidade é atinente à própria lei, à própria norma de incidência, ao Regulamento e não à sua concreta aplicação consubstanciada no acto de liquidação.
AA)Nos presentes autos estamos perante uma execução que incide sobre uma taxa inexistente.
BB) Esta ilegalidade ocorre na fixação das taxas em causa ou da sua subsistência após entrada em vigor da Lei das comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10/02).
CC) E, assim também o entendeu o acórdão Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido nos autos n.º 573/15.3 BEMDL, em 23 de abril de 2020, em que existe identidade das partes, dos factos em litigio e da questão dicidenda, apenas se diferenciando o n.º da execução fiscal, sendo esta a n.º .../15 e sendo aquela a 7/15.
DD)Decidindo assim, de acordo com a extensa e uniforme jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, conforme exarado nos Acórdãos de: 06-10-2010, proc. nº 363/10; 12-01- 2011, proc. 751/10; 12-10-2011, proc. n.º 631/11; 02-05-2012, proc. n.º 693/11; 27-05-2012, proc. n.º 428/12; 14-06-2012, proc. N.º 281/12; 17-10-2012, proc. n.º 780/12; 06-03-2013, proc. n.º 716/11; 30-04-2013, proc. n.º 1321/12; 22-04-2015, proc. N.º 192/15; 21-10-2015, proc. N.º 691/15, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12/01/2017, processo n.º 00336/07.0BEVIS; de 23/11/2017, processo n.º 00368/12.6BEDML; de 04/04/2019, processo n.º 1772/13.8BEPRT; de 11/07/2019, processo 1091/16; de 03/5/2017(Pleno), processo 01092/16; de 7/11/2018 e processo 087/13 de 12/12/2018 (todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
EE) O regulamento Municipal do Município de ..., e as liquidações em causa originadas com base no mesmo tributo, já foram judicialmente sindicadas em vários processos judiciais, tendo, no âmbito do processo 368/12.6BEMDL sido objeto de acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é expressamente referida a sua patente ilegalidade;
FF) E mais recentemente com os acórdãos 128/16.5BEMDL, 127/16.7BEMDL, 126/16.9BEMDL, n.º158/17.0BEMDL de 26/09/2019, processo n.º 156/17.3BEMDL e 157/17.1BEMDL (todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
GG)Em Outubro de 2020, o Tribunal a quo, após todos os acórdãos, referidos nos pontos CC), EE) e FF), alterou a sua posição, sobre a mesma questão dicidenda, nos processos 291/19.3BEMDL, 292/19.1BEMDL e 293/19.0BEMDL (todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
HH)A ilegalidade invocada na petição inicial da oposição é a ilegalidade atinente à própria lei, ao Regulamento das Taxas do Município de ..., o que está em manifesta violação da reserva de lei consagrada na alínea i) do n.º1, do artigo 165.º da CRP, tratando-se de uma inconstitucionalidade orgânica.
II) Nos presentes autos estamos perante uma execução que incide sobre uma taxa inexistente.
JJ) Diremos, que estamos perante uma inexistência jurídica do ponto de vista tributário;
KK)A Recorrente, enquanto empresa prestadora de serviços de comunicações electrónicas, não se encontra sujeita, atento o quadro legal em vigor, ao pagamento das TODP.
LL) Encontrando-se abrangida pelas regras específicas, constantes da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, na sua actual redacção).
MM) A Lei das Comunicações Electrónicas entrou em vigor no dia 10 de Maio de 2004, pelo que, a partir dessa data, a TMDP passou a ser a única taxa susceptível de ser cobrada pelos municípios.
NN) Com a publicação do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, é inequívoca a intenção do legislador, nacional e comunitário, que às operadoras de telecomunicações apenas poderá ser, eventualmente, aplicada a TMPD.
OO) A liquidação da taxa, tendo por base o mesmo pressuposto tributário – isto é, a utilização do bem de domínio público – corresponde, assim, à violação dos princípios da legalidade, previstos no art.º 5.º e 8.º da Lei das Comunicações Electrónicas.
PP) Assim, o regulamento municipal invocado pelo Município de ..., ao contrariar e/ou (re) definir, em matéria de taxas, o regime “específico” aplicável a empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, traduz uma flagrante ingerência, desconforme e não permitida, do poder regulamentar, em face dos mais elementares princípios, do nosso ordenamento jurídico, legais e constitucionais.
QQ) Afigurando-se desconforme com o princípio da legalidade, “trave mestra” da actividade da Administração, princípio o qual, no que respeita aos regulamentos, impede que estes contrariem ou inovem lei em vigor, sendo nesta medida ilegal.
RR) O facto gerador do tributo (a taxa) é exatamente o mesmo, nas situações de TODP, TMDP e TMPC está tão só em causa a utilização do domínio público e privado municipal;
SS) A liquidação de uma taxa sobre o mesmo pressuposto tributário, isto é, pela utilização do bem de domínio público corresponde, à violação dos princípios da legalidade e justiça material, previstos no art.° 5.° e 8. da LGT.
TT) Configurar-se-ia como uma inconstitucionalidade material, violando princípios e direitos dos administrados, nos termos do art.° 266º da Constituição da República.
UU)A aplicação desta taxa viola o disposto no art.º 165º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República, contrariando a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
VV)Devendo concluir-se pela ilegalidade do acto de liquidação da Taxa Municipal por inconstitucionalidade da norma do artigo 42, n.º 3 da Tabela de Taxas anexa ao Regulamento de Taxas do Município de ....
WW) Assim, tendo em vista a uniformização de soluções para casos análogos nos termos do artigo 8.º n.º 3 do Código Civil, deve concluir-se pela ilegalidade, de carácter abstrato, dos actos de liquidações de taxas em causa, resultando na inexistência dos mesmos e revogar-se a sentença recorrida, com a consequente extinção da execução fiscal n.º .../15
XX)Aplicando-se mutatis mutandis, a mesma lógica legal, que subsistiu aos autos no processo 573/15.3BEMDL, desse mesmo Tribunal Central Administrativo.


Pelo que nos melhores termos de Direito e naqueles que V. Exa. doutamente suprirá:
- Deve ser a Oposição julgada procedente, por provada, o que consequentemente provocará a anulação total dos actos de liquidações das Taxa de Ocupação da Via Pública, com todas as suas consequências legais.
- Deve a norma do artigo 42, n.º 3 da Tabela de Taxas anexa ao Regulamento de Taxas do Município de ... ser declarada inconstitucional por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Bem como tudo, com o mais da Lei, em boa aplicação da Costumada JUSTIÇA.
*
O Recorrido Município de ... apresentou contra alegações, as quais concluiu nos seguintes termos:
«(…).
a) As questões decidendae
➢ No caso em apreço, em que a Recorrente foi citada em 6 de julho de 2015 e a oposição à execução fiscal constante dos presentes autos foi apresentada em 30 de setembro de 2015, verificou-se a caducidade do direito de ação?
➢ Verificou-se a ineptidão da petição inicial da oposição à execução fiscal aqui em apreço porquanto o pedido estava em contradição com a causa de pedir?
➢ A TODP aqui em apreço, prevista no Regulamento Municipal, liquidada e cobrada pela Recorrida, é legítima e, por conseguinte, a oposição à execução fiscal em apreço deveria ter sido julgada improcedente?
b) A caducidade do direito de ação da Recorrente
i. A Recorrente efetuou o pedido de passagem de certidão nos termos do artigo 82º do CPA;
ii. Tal pedido não suspende o prazo para apresentação da oposição à execução;
iii. Mesmo que aquele pedido de passagem de certidão tivesse sido efetuado com o objetivo de obter os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 37º do CPPT,
iv. O artigo 37.º do CPPT não se destina a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de atos, designadamente de atos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas nos artigos 188º e seguintes do CPC;
v. O meio próprio para invocar a (alegada) nulidade do ato de citação praticado no processo de execução fiscal, é a arguição de nulidade da citação (artigo 165º do CPPT e artigo 191º do CPC;
vi. Conforme acima referido, a Recorrente apresentou o requerimento de arguição da (alegada) nulidade da citação,
vii. Mas tal requerimento foi objeto de decisão de indeferimento, sem que a Recorrente tivesse reclamado dessa decisão, nos termos do artigo 276º do CPPT;
viii. Assim, no caso em apreço, não se aplica, portanto, o regime do artigo 37º do CPPT e, consequentemente, o diferimento do início do prazo para deduzir oposição à execução fiscal;
ix. Tendo a Recorrente sido citada no dia 6 de julho de 2015, o prazo para apresentar a oposição à execução terminaria em 21 de setembro de 2015, sendo certo que a oposição à execução aqui em causa foi apresentada no dia 30 de setembro de 2015;
x. Deste modo, podemos concluir que se verifica a exceção perentória de caducidade do direito de ação da Recorrente, uma vez que a oposição em apreço foi apresentada em 30 de setembro de 2015, muito para além do prazo de caducidade do direito de ação da Recorrente, que terminou em 21 de setembro de 2015, devendo em consequência a Recorrida ser absolvida totalmente do pedido, nos termos do artigo n.º 3 do artigo 576º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT;

c) A ineptidão da petição inicial
xi. No caso concreto, a Recorrente solicitou a extinção da execução por alegada falta de requisitos do título executivo (o pedido), o que se reconduziria à nulidade da citação;
xii. É jurisprudência pacífica e uniforme que o meio processual adequado para invocar a falta de requisitos do título executivo, nos quais se insere a falta da natureza e proveniência da dívida (artigo 163º, n.º 1, alínea e), do CPPT), cuja nulidade não pode ser suprida por prova documental, é a arguição de nulidade da citação;
xiii. O pedido não é compatível e está em contradição com a causa de pedir, pois o pedido assentou, como vimos, na extinção da execução com fundamento na alegada falta de requisitos do título executivo e toda a causa de pedir assentou na alegada inexistência ou ilegalidade abstrata da taxa aqui em causa; Pág. 22 de 25
xiv. Para além de que o meio processual adequado para atingir o efeito jurídico pretendido da extinção da execução com fundamento na alegada falta de requisitos do título executivo seria a arguição da nulidade da citação e não a oposição à execução fiscal;
xv. Deste modo, podemos concluir que se verificou a ineptidão da petição inicial da oposição à execução fiscal aqui em apreço porquanto o pedido estava em contradição com a causa de pedir e, como tal, a instância deve ser extinta, nos termos do n.º 1 do artigo 186º, do n.º 2 do artigo 576º e da alínea b) do artigo 577º, todos do CPC.
xvi. Consequentemente, deve o recurso judicial aqui em apreço ser julgado improcedente, quanto a este fundamento, e mantida a sentença do Tribunal a quo;
xvii. Sem prescindir,
d) A legalidade da taxa de ocupação do domínio público municipal
xviii. Não se pode entender que a criação da TMDP revogou tacitamente as disposições que permitem aos Municípios cobrar as TODP;
xix. O que os Municípios não podem é cobrar simultaneamente diferentes taxas relativamente à utilização dos mesmos bens do domínio público por parte de terceiros;
xx. Assim sendo, apenas não poderia ser cobrada a TODP aqui em apreço se, simultaneamente, fosse cobrada a TMDP, relativamente ao mesmo facto tributário;
xxi. O que não é o caso em apreço;
xxii. Resulta da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, que as TMDP´s incidem sobre a faturação e, como tal, são suportadas pelos clientes e não pelas operadoras (artigo 106º da referida Lei);
xxiii. Pelo que as empresas são meras intermediárias na cobrança da taxa aos seus clientes e na sua entrega aos municípios;
xxiv. O Município de ... não aprovou e, por isso não aplica, no seu território, qualquer taxa de direitos de passagem;
xxv. O artigo 106º da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, na sua versão original, em vigor à data da liquidação em apreço, confere a faculdade aos municípios de criarem ou não a TMDP;
xxvi. E a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, não colide com a Lei das Finanças Locais, nem estabelece qualquer antagonismo ou incompatibilidade com o Regulamento Municipal;
xxvii. O Regulamento Municipal não foi derrogado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, e não pode, por isso falar-se em revogação tácita;
xxviii. Concluímos assim que apenas não poderia ser cobrada taxa de ocupação do solo no caso de, simultaneamente, ser cobrada taxa municipal de direitos de passagem,
xxix. Pelo que, no caso em apreço, não existe dupla tributação, uma vez que a TMDP não é cobrada no Município de ..., tendo este optado, por sua vez, pela cobrança da TODP, pelo que deverá ser considerada legítima e válida a taxa em apreço e em consequência, o recurso em apreço deve Pág. 24 de 25 ser considerado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida;
xxx. Caso assim não se entenda e sem prescindir,
e) O reenvio prejudicial
xxxi. A título subsidiário, e na hipótese meramente académica do presente Tribunal ter dúvidas sobre a conformidade da liquidação e cobrança das TODP´s com o Direito da União Europeia, dever-se-á considerar, para todos os efeitos legais, que a presente questão decidenda tem subjacente uma questão de Direito da União Europeia prejudicial à resolução do litígio sujeito a apreciação, cujas dúvidas devem ser suscitadas perante a jurisdição do TJUE, através do reenvio prejudicial, com a sugestão da seguinte questão:
xxxii. “A Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, a Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, a Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de março de 2002 e a Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que as autoridades municipais de um Estado-Membro liquidem e cobrem taxas municipais pelos direitos de ocupação do domínio público municipal relativamente à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal e não liquidem e cobrem taxas pelos direitos de passagem previstas nas referidas Diretivas?”
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o recurso interposto pela Recorrente ser indeferido e mantida a decisão do Tribunal a quo, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã
JUSTIÇA!»

*
A Digna Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, nos seguintes termos:
«A Lei das Comunicações Eletrónicas – 5/2004, de 10.2 – veio possibilitar aos Municípios cobrar uma “taxa municipal de direitos de passagem”, a TMDP.
O seu artº 24º regula sobre os direitos de passagem, prevendo a possibilidade de as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas requerem o direito de utilização do domínio público, para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos.
Por sua vez o artº 106º da mesma Lei regula sobre as taxas pelos direitos de passagem, estabelecendo que as mesmas devem refletir a necessidade de garantir a utilização ótima dos recursos.
Constitui a questão essencial controvertida nos presentes autos, a de saber se essa lei revoga tacitamente as disposições legais que até ali permitiam aos Municípios cobrar “taxas de ocupação”, ou antes, se podem coexistir duas taxas, no pressuposto de que se referem a realidades diferentes.
Entre vários outros, o ac. do STA, proferido a 6.10.2010, no proc. 0363/10, pronunciou-se no sentido da ilegalidade da taxa municipal de ocupação da via pública ali se consignando que “A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza”.
No texto do mesmo ac. consigna-se que a taxa de ocupação da via pública liquidada respeita à ocupação de parcelas do domínio público com a instalação de equipamentos necessários à ampliação da rede de distribuição de televisão por cabo, enquanto o facto tributário subjacente à taxa liquidada é “subsumível no conceito de direitos de passagem, cuja contrapartida municipal –pois que da nacional e regional houve renúncia legal expressa, como decorre do nº 4 do artº 106º da Lei das Comunicações Eletrónicas – é assegurada pela cobrança da Taxa Municipal de Direitos de Passagem, nos municípios que, em obediência aos princípios fixados na lei, a decidam criar e cobrar ( pois que a sua criação ou cobrança constitui uma faculdade dos Municípios, e não um dever jurídico) – cfr. nºs 2 e 3 do artº 106º da LCE)”.
Apela-se ainda no mesmo ac. ao Dec. Lei nº 123/2009, de 21.5 que, apesar de apenas ter entrado em vigor em 22.5.2009, veio clarificar as normas nesta matéria, sancionando o entendimento de que “no domínio das comunicações eletrónicas acessíveis ao público a utilização do domínio público municipal para instalação e funcionamento de infra-estruturas necessárias ao funcionamento de tais serviços apenas pode ser taxada através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem, com exclusão de quaisquer outras”.
Entendo assim, em perfeita concordância com o recorrente e o emanado por aquele ac., que a partir da entrada em vigor da L.C.E. a aplicação pelo Município da TDMP ali prevista afasta a taxa municipal de ocupação do domínio público, o que deverá acarretar a procedência do recurso e a consequente revogação da sentença.»
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Com dispensa dos vistos legais [cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre apreciar e decidir o presente recurso.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações - cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) –, e que se centram em saber, em suma, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de ao concluir (1) pela ineptidão da petição inicial e como o tribunal a quo, não obstante ter concluído pela verificação da referida exceção, conheceu do mérito da oposição, confirmando a legalidade da taxa liquidada pelo Município, também, (2) quanto a este segmento decisório, cumprirá, se tal não ficar prejudicado, apreciar o invocado erro de julgamento. Mais importa conhecer (3) da caducidade do direito de ação, invocado pelo Recorrido nas contra alegações, questão esta que se coloca a montante das restantes, sendo o seu conhecimento prioritário.
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III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO:
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte materialidade:
«1. Por ofício ...58, de 3/7/2015 a Impugnante foi citada pelo Município de ..., conforme doc. de fls. 39, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque:
“(…)
[imagem no original]
“ (…)”
2. Em data não alegada, e que não se conseguiu apurar, a Impugnante requer ao Município de ... a emissão de certidão de dívida relativa ao estado e fundamentação dos referidos processos ( entre os quais se conta o n.º .../15) e às quantias cujo não pagamento lhes deu origem – Doc 1 da PI;
3. Em data 24/8/2015 o Município emite a seguinte certidão (no que releva para os presentes autos) – Fls. 33 a 37, que se insere no dic 2:
“(…)
[imagem no original]
(…)”
4. Em 15/4/2011 a aqui Oponente deu entrada com uma impugnação (proc. n.º 169/11.9BEMDL, já transitado em julgado) “na sequência de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, dirigida à Câmara Municipal de ...”, na qual formula o seguinte pedido:
“(…)
[imagem no original]

(…).”
5. Em 27/8/2015 deu entrada no TAF uma PI remetida pelo Município de ... (que originou o processo 465/15.6BEMDL), que aqui se reproduz, na qual a aqui oponente vem opor-se à execução fiscal n.º .../15 (em causa nos presentes autos) e onde formula o seguinte pedido:
”(…)
[imagem no original]
(…)

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Aditamento oficioso à matéria de facto [nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1 do Código do Processo Civil (CPC)].
Por ser relevante para a boa decisão da causa e do presente recurso, adita-se a seguinte factualidade:
6. – A oposição deu entrada nos Serviços do Município de ..., via fax, no dia 29.09.2015 – cfr. data impressa na petição inicial.

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IV – DE DIREITO:
Cumpre, então, apreciar e conhecer as questões suscitadas no presente recurso, conforme supra enunciadas, sendo certo que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [cfr. artigo 5.º, n.º 3 do r de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 2.º, alínea e) do CPPT.].
A primeira questão a conhecer é a de saber se se verifica a caducidade do direito de ação, conforme defendido pelo Recorrido nas suas contra alegações, pois, caso a resposta se mostre positiva, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso.
Ora, a este respeito não podemos deixar de assinalar que esta questão não foi objeto de pronúncia por parte do tribunal a quo (e, também, não foi apontada à decisão em crise qualquer nulidade por omissão de pronúncia, apesar de a exceção ter sido deduzida na contestação), todavia, sendo matéria de conhecimento oficioso não se encontra inviabilizado o seu conhecimento neste momento processual, o que se fará de seguida.

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DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
O prazo fixado para a dedução da ação, porque aparece como extintivo do respetivo direito (subjetivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de um certo direito, é um prazo de caducidade.
E a caducidade do direito de ação é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr. artº. 333.º, do Código Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma exceção perentória que, nos termos do art. 576.º, n.º 3, do CPC., consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento "de meritis" e a consequente absolvição oficiosa do pedido (cfr., entre outros, acórdãos do STA. de 9.10.2019, proc. n.º 3131/16.1BELRS e de 2.12.2020, proc.. n.º 2526/15.2BELRS e deste TCAN de 11.01.2024, proc. n.º 450/21.9BEBCR).
Ora, nos termos do art.º 203.º, n.º 1, do CPPT, a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias, a contar: a) da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora; b) da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado.
Da al. a) da disposição transcrita decorre, assim, que o termo inicial do prazo de oposição corresponde ao momento em que o executado é citado.
Como explica Jorge Lopes de Sousa, “(…) havendo citação pessoal, é da efectivação desta que se conta o prazo para deduzir oposição à execução fiscal (acrescido da dilação ou dilações previstas no art. 252.º-A do CPC, se a citação tiver sido realizada em pessoa diversa do citando, ou fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção ou no estrangeiro).” – cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. III, 6.ª Edição, Áreas Editora, 2011, pág. 429.
Definido o termo inicial do prazo de oposição, importa, aqui chegados, proceder à contagem do mesmo.
Como ab initio se disse, o prazo de oposição à execução fiscal é de 30 dias (art.º 203.º, n.º 1, do CPPT). Como tem sido unanimemente entendido, tal prazo assume natureza judicial e, nessa condição, a sua contagem há de obedecer ao disposto no art.º 138.º Código de Processo Civil (neste sentido, vide, por todos, acórdãos do TCAN de 21.03.2013, proferido no processo n.º 00459/12.3BEPNF, e do STA de 05.06.2013,proferido no processo n.º 0868/13, disponíveis em www.dgsi.pt).
Portanto, tratando-se de um prazo de natureza judicial, tal significa que o mesmo é contínuo, suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais. Além disso, há ainda a considerar a possibilidade de ocorrer a dilação do prazo, caso se verifique alguma das situações previstas no art.º 245.º do CPC., bem como a utilização da prerrogativa prevista no art.º 139.º, n.º 5 do mesmo diploma.
No caso, tendo em consideração que a Oponente pugna, conforme supra se deixou dito, pela ilegalidade abstrata da dívida exequenda, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, beneficia do regime da notificação insuficiente previsto no art. 37.º do CPPT.
Destarte, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial, conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão requerida [n.º 2 do art. 37.º do CPPT. Neste sentido, vide, acórdão deste TCA de 23.04.2020, proc. n.º 00573/15.3BEMDL, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que tratou uma situação fáctico-jurídica, com os mesmos sujeitos processuais, com contornos em tudo semelhantes aos que estão em causa nos presentes autos, com fundamentação por nós acompanhada.
No acórdão mencionado, refere-se, a certo momento, o seguinte:
«Efectivamente, o processo de oposição à execução fiscal poderá ter como fundamento a ilegalidade (em abstracto) da dívida exequenda, à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo possível fazer uso do apontado regime do artigo 37.º (requerendo a notificação dos elementos em falta referentes ao próprio acto de liquidação ou requerendo a passagem de certidão que os contenha) e diferir, assim, o termo inicial do prazo de apresentação da respectiva oposição à execução fiscal para a qual foi citada.
Seguimos de perto o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário n.º 0557/14, de 07/06/2017, com o seguinte sumário:
«I - O processo de execução fiscal tem natureza judicial, e aos seus actos aplica-se o regime de notificação e de impugnação dos actos judiciais.
II - O regime previsto no art. 37º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, designadamente de actos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no CPC (arts. 186º e ss).»
Ora, o caso dos autos configura precisamente uma situação de impugnação da legalidade da liquidação da dívida, na vertente abstracta. Por conseguinte, a faculdade a que alude o artigo 37.º do CPPT - pedido de passagem de certidão – dilata ou difere, neste concreto caso, o início do prazo para deduzir oposição judicial.
A Recorrente para se defender no processo necessitou, pelo menos, de se inteirar da fundamentação da liquidação subjacente à dívida em apreço, bem como ter acesso à documentação que comprovasse a sua exigibilidade, por forma a conhecer plenamente a natureza das quantias em dívida, ou mesmo ter acesso à certidão de dívida que deu origem ao processo de execução fiscal.»
No presente caso, tal como se verificou na situação objeto no acórdão citado, a ora Recorrente sindica a legalidade abstrata da dívida que esteve na origem da execução fiscal. Por outro lado, para instruir a sua defesa necessitou de conhecer, previamente, a fundamentação das liquidações em causa, «bem como ter acesso à documentação que comprovasse a sua exigibilidade, por forma a conhecer plenamente a natureza das quantias em dívida, ou mesmo ter acesso à certidão de dívida que deu origem ao processo de execução fiscal.»
A decisão da matéria de facto exterioriza a forma lacónica e insuficiente em que foi efetuada a citação da ora Recorrente. Pelo que (nos termos do disposto no art.º 37.º, n.º 1 do CPPT), a Oponente requereu ao Município de ... «a emissão de certidão de dívida relativa ao estado e fundamentação dos processos (…), (entre os quais se conta o presente n.º .../15) e às quantias cujo não pagamento lhes deram origem.» [ponto 2 da matéria de facto]. A 24.08.2015, o Município de ... emitiu à Oponente a certidão [cfr. ponto 5, idem]. Logo, somente nesta data a Recorrente se inteirou da origem e da natureza das dívidas que lhe estavam a ser exigidas. Nesta medida, por força do citado n.º 2 do art. 37.º do CPPT, o início do prazo de 30 dias para deduzir foi diferido para a data da notificação ou entrega da certidão. Logo, considerando aquela data, 24.08.2015, e porque o prazo de 30 dias se suspende em férias judiciais [16 de julho a 31 de agosto], à data em que foi apresentada a oposição, 29.09.2015 [ponto 6 da matéria de facto aditada], ainda não havia decorrido o prazo de 30 dias, que só terminaria (sem recurso à prerrogativa prevista no n.º 5 do art. 139.º do CPC.), a 30.09.2015 . Nesta conformidade, não vinga a tese do Recorrido vertida nas contra alegações de recurso quanto à caducidade do direito de ação.
Ora, a não verificação da extemporaneidade da oposição, importa que prossigamos no conhecimento dos erros de julgamento apontados à decisão sob recurso,

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DA INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
A Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida imputando-lhe, desde logo, erro de julgamento na apreciação da questão da ineptidão da petição inicial [conclusões A) a U)].
Considera a Recorrente que o que está em causa neste caso é a inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação e, não estar autorizada a sua cobrança à data em que ocorreu a respetiva liquidação, fundamento este subsumível na alínea a) do n.º 1 do artigo 204.° do CPPT. No caso em concreto, a Recorrente pediu a extinção da execução fiscal (pedido compatível com a oposição), por ilegalidade abstrata da dívida exequenda., pelo que a causa de pedir é compatível com o pedido formulado. Não havendo, pois, lugar à ineptidão da petição inicial.
Vejamos, pois, a fundamentação da decisão recorrida, neste segmento, com vista a aferirmos da sua bondade:
«(…). Como vimos a Oponente formula o seguinte pedido:
“Termos que deverá a presente oposição ser considerada procedente, declarandose a verificada nulidade do titulo executivo por falta de requisitos, nos fundamentos previstos na alínea a) h) e i) do art. 204.º do CPPT, com a consequente extinção do procedimento executivo”
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar - art. 581.º, n.º 3 do CPC
O pedido constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que o tribunal se move - art. 615, n.º 1 al. e) do CPC.
A aceitação de que a implantação de infra estruturas de telecomunicações, como são aqueles que estão em causa nos autos, não estão sujeitos ao pagamento da taxa aqui exigida, mesmo que se verificasse incompatibilidade entre a Lei das Comunicações Electrónicas e taxa municipal de direitos de passagem e a violação das exigências de transparência ou do principio da legalidade, não poderia dar origem à “nulidade do titulo executivo por falta de requisitos, nos fundamentos previstos na alínea a) h) e i) do art. 204.º do CPPT”.
A Jurisprudência tem vindo a entender que o conhecimento das nulidades processuais do processo de execução fiscal não está abrangido pelo art.º 204.º, n.º 1, al. i) do CPPT – disposição subsidiária e abrangente relativamente aos fundamentos da oposição à execução previstos nas alíneas anteriores dessa norma.
Esse entendimento manifesta-se a propósito da nulidade de falta de citação que, a verificar-se, tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente e não a extinção da execução – finalidade que se visa alcançar com a oposição à execução. Cfr. Art.º 165.º, n.º 2 do CPPT e Ac. STA n.º 042/06, de 8/3/2006, in www.dgsi.pt .
Contudo, e acompanhando Jorge de Sousa in CPPT anotado, 4ª edição, pág. 743, “(…) aquela fundamentação não vale em relação à nulidade derivada da falta de requisitos essenciais do título executivo, pois, ocorrendo tal nulidade a execução fica extinta(…)”.
Verifica-se que o título executivo contém: Menção da entidade emissora – Município de ...; Assinatura da entidade emissora (do Chefe de Divisão); Data de emissão – 10/8/2015; Nome e domicílio dos devedores – [SCom01...], S.A, Av. ..., ... ...; natureza e proveniência da divida e indicação do seu montante – taxas devidas por ocupação de domínio público com tubos, condutas, cabos condutores e semelhantes, numa extensão de 180.000 metros lineares, durante o ano de 2009; e um milhão cento e doze mil duzentos e noventa e três euros e trinta e dois cêntimos.
Portanto, o título executivo contém os requisitos ínsitos no art.º 163.º, n.º 1 do CPPT – pelo que inexiste nulidade do título executivo – Cfr., à contrário, art.º 165.º, n.º1, al. b) do CPPT.
Por outro lado, considerando as disposições legais invocadas, verifica-se ineptidão da PI porque, não podendo os factos concretos que servem de fundamento à acção originar o efeito jurídico pretendido [inexistência de taxa e ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação, cfr. pedido formulado e art.º 204.º, n.º 1, als a) e h),] a causa de pedir é nesta medida incompatível com o pedido formulado – art.º 186.º, n.º2, al. c) do CPC.
A ineptidão da petição tem como consequência a nulidade de todo o processo, o que constitui excepção dilatória, obstando ao conhecimento de mérito e dando lugar à absolvição da instância – cfr. art.ºs 186.º, n.º1, 577º, alínea b) e artigo 576.º, n.º 2 do CPC.»
Sendo esta a fundamentação inserta na decisão recorrida, desde já no permitimos adiantar que não a acompanhamos pelas razões que infra se passará a expor.
Decorre da petição inicial que a oponente, na sequência da sua citação em processo de execução fiscal a correr termos no município de ..., insurge-se contra a existência da dívida, porque no seu entendimento «o que está em causa neste caso é a inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação e não estar autorizada a sua cobrança à data em que ocorreu a respectiva liquidação [art. 17.º da petição inicial]; a implantação de infra-estruturas de telecomunicações, designadamente armários de telecomunicações, tubos, condutas e demais infra-estruturas de idêntica natureza ou com elas relacionadas, não está sujeita ao pagamento de taxas de ocupação do domínio público municipal, pelo que a liquidação das taxas solicitada pela Câmara de ... contraria o disposto na lei» [cfr. artigo 21.º ibidem]; De facto, a instalação e funcionamento das infra-estruturas de telecomunicações que sejam propriedade da [SCom01...], ou cuja exploração lhe caiba nos termos legais, encontra-se abrangida pelas regras “específicas” constantes da lei das Comunicações electrónicas – Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, (…), (doravante designado por “Lei das Comunicações Electrónicas” ou “LCE”) [art. 22.º, ibidem]; Consequentemente as infra-estruturas de telecomunicações da [SCom01...], (…), não se encontram sujeitos ao pagamento das taxas de ocupação da via pública previstas em Regulamento Municipal, sendo apenas de considerar a aplicação da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (“TMDP”), nos termos do disposto n.º 2 do art.º 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro [art. 23.º]; Pelo que, considerando que, conforme se cuidou de referir, a Lei das Comunicações Electrónicas entrou em vigor no dia 10 de Maio de 2004, será de considerar que, a partir dessa data, a TMDP passou a ser a única taxa susceptível de ser cobrada pelos municípios pelos direitos de instalação de recursos em, sobre ou sob a propriedade municipal, pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas. [art. 40.º]; O que tem reflexos práticos, na medida que tal situação determina que, a partir do referido dia 10 de Maio de 2004, as taxas de ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio municipal cobradas pela instalação de recurso em, sobre ou sob propriedade municipal, pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, não podem subsistir no ordenamento jurídico português. [art. 41.º]; Com efeito, a revogação tácita, ou seja, a revogação por incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes, determina a cessação da vigência da Lei [42.º]; Ora, na situação vertente, tal incompatibilidade é evidente [art. 43.º]; Com efeito, a imposição da revogação tácita das taxas de ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio municipal cobradas pela instalação de recurso em, sobre ou sob propriedade municipal, pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, com a entrada em vigor da TMDP, decorre, conforme supra se cuidou de demonstrar, de uma interpretação da Lei das Comunicações Electrónicas, conforme com o Direito Comunitário, designadamente, com as mencionadas Directiva Quadro e Directiva Autorização [art. 44.º]; Não estando, por isso, a [SCom01...] legalmente obrigada a pagar qualquer taxa por ocupação do domínio público (lato sensu) municipal resultante da implantação das respectivas infra-estruturas de comunicações electrónicas, contrariamente ao pretendido pela Câmara Municipal de ..., fazendo “tábua rasa” do regime (jurídico) a aplicar a empresas como a [SCom01...], em concreto, ao “ignorar” a vigência das TMDP [art. 70.º].; Face ao exposto, não pode esta empresa aceitar o pagamento das taxas em questão, que, face à legislação aplicável, carecem de fundamento válido, não assistindo à Câmara Municipal de ... legitimidade para, unilateralmente e contra as normas legais em vigor, impor esse encargo à [SCom01...], (…),, devendo e, em consequência, ser considerada a impossibilidade de cobrança, por ilegalidade das taxas em questão [art. 71.º]; Razão por que não estava autorizada a cobrança de tais taxas [art. 72.º]; Vício que nos termos do art. 204º nº 1, alínea a) do CPPT é fundamento de oposição à execução [art. 73.º]; Mas, ainda que se considere não verificados qualquer um dos fundamentos antes apontados, sempre a presente oposição terá de proceder ao abrigo do disposto nas alíneas h) e i) do mesmo art. 204º do CPPT por os factos supra invocados e que se aqui dão por reproduzidos nelas tem pleno cabimento» [art. 74.º].
E termina formulando o pedido nos seguintes moldes: “Termos em que deverá a presente oposição ser considerada procedente, declarando-se verificada a nulidade do título executivo por falta de requisitos nos fundamentos previstos na alínea a) h) e i) do art. 204º do CPPT, com a consequente extinção do procedimento executivo”.
Dispõe a este propósito o artigo 98.º, n.º 1, do CPPT que são nulidades insanáveis em processo judicial tributário: a) a ineptidão da petição inicial. Por seu lado, o artigo 186.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, refere que a petição inicial é inepta (i) “quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir", (ii) "quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir" e (iii) "quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.
Ora, o tribunal a quo enquadrou o vício da ineptidão da petição inicial na terceira situação que corresponde à alínea c) do citado preceito legal. No entanto, esta terceira hipótese não se refere à incompatibilidade entre a causa de pedir e pedido, mas sim entre causas de pedir ou entre pedidos, o que é diverso. Na verdade, a incompatibilidade substancial relevante no âmbito da cumulação de causas de pedir ou de pedidos, prevista na alínea c) do n.º 2 do art. 186.º do CPC, respeita a pedidos que mutuamente se excluam ou que assentem em causas de pedir inconciliáveis, não ocorrendo tal incompatibilidade se os factos concretos que servem à ação não forem suscetíveis de produzir o efeito jurídico pretendido. O que o tribunal recorrido entendeu, ao enquadrar o vício, é que os factos concretos que servem de fundamento à ação não são suscetíveis de produzir os efeitos pretendidos, ou seja, que a causa de pedir invocada não constitui fundamento para decretar o pedido formulado. E, nesta medida, não sendo tal situação subsumível na primeira causa de ineptidão da petição inicial [al. a)], a mesma só poderia, eventualmente, ser enquadrada na segunda causa [al. b)], ou seja, "quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir". Todavia, a situação também não é subsumível neste vício. Como refere José Lebre de Freitas (in CPC, Anotado, vol. I, pág.323), «(…), trata-se aqui de contradição lógica, distinta da inconcludência jurídica, isto é, da situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da acção». E acrescenta o mesmo ilustre professor: «(…), é preciso que haja oposição entre o pedido e a causa de pedir, que o pedido brigue com a causa de pedir (…)» (ob. cit. Pág. 325).
No caso concreto e como vimos supra, a ora Recorrente alicerça o seu pedido de declaração de nulidade do título e extinção da execução fiscal na ilegalidade da liquidação das taxas que deu origem à quantia exequenda, que classifica como abstrata, por considerar que não existe norma que preveja essa taxa. Ora, independentemente de sabermos, neste momento, se estamos perante uma ilegalidade concreta ou abstrata, certo é que não se pode concluir pela verificação de contradição entre a causa de pedir e o pedido, mas eventualmente perante a improcedência daquela causa de pedir como fundamento para a pretensão formulada pelo autor da ação, labor que terá de ser levado a cabo posteriormente. Pelo que, sendo assim, não estamos perante a figura da ineptidão da petição inicial, mas diante de uma eventual inviabilidade da ação, o que é diferente.
Ademais, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [art.º 5.º, n.º 3 do CPC], pelo que, considerando os factos alegados na petição inicial, verifica-se ter sido invocado fundamento subsumível na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, ou seja, a ilegalidade da fixação das taxas em causa ou da sua subsistência após a entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei nº 5/2004, de 10/2) e que essa é uma ilegalidade que respeita à própria norma de incidência e não à sua concreta aplicação consubstanciada no ato de liquidação (ilegalidade abstrata). Aliás, no pedido formulado a Oponente faz referência, para além do mais, a esta alínea a). Por outro lado, o pedido de extinção do procedimento executivo, inelutavelmente, é próprio da execução fiscal.
E a conclusão da não verificação da ineptidão, não fica de qualquer modo beliscada pelo facto de no pedido (de procedência da ação e consequente extinção do procedimento executivo), também, se pretender que seja declarada a nulidade do título executivo por falta de requisitos, nos fundamentos previstos na alínea a), h) e i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.. Na verdade, esta extensão do pedido não determina a ineptidão da petição inicial, pelas razões supra referidas. Por outro lado, como concretização dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e pro actione, os tribunais superiores têm vindo a adotar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica (cfr. neste sentido, vide por todos, os acórdãos do STA de 28.5.2014, proc. n.º 1086/13 e de 14.09.2016, proc. n.º 0514/16, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). E a este respeito, diremos, atendendo ao vertido na petição inicial, que a oponente alicerça o seu pedido de nulidade do título executivo e extinção da execução fiscal, de forma subsidiária, no já mencionado pretenso vício de ilegalidade (abstrata) da liquidação da taxa que deu origem à quantia exequenda, vício que no entender da oponente inquina o próprio título que deu origem à ação e lhe retira a sua força executiva. Paradigmático desta conclusão é o que vem alegado no art. 74.º da PI, que aqui voltamos a replicar: «Mas, ainda que se considere não verificados qualquer um dos fundamentos antes apontados, sempre a presente oposição terá de proceder ao abrigo do disposto nas alíneas h) e i) do mesmo art. 204º do CPPT por os factos supra invocados e que se aqui dão por reproduzidos nelas tem pleno cabimento [art. 74.º] – destacados nossos.
A conclusão acabada de extrair está, aliás, em sintomia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sobre esta questão, conforme se retira do acórdão de 12.10.2016, proc. n.º 0779/16, disponível para consulta no sítio da dgsi, em que os intervenientes processuais são os mesmos, divergindo na execução fiscal e no dispositivo [aqui de improcedência da ação, ali, nulidade de todo o processado], em que foi desenvolvido o seguinte discurso fundamentador:
«Todavia uma vez que a sentença acaba por declarar a nulidade de todo o processado, por ineptidão da respectiva Petição Inicial e por, consequentemente, absolver da instância o Município de ..., há que apreciar esta questão da eventual ineptidão da Petição Inicial, que a decisão recorrida entende verificar-se [em violação do disposto na al. c) do nº 2 do art. 186º do CPC - cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis], dado que, não podendo os factos concretos que servem de fundamento à acção originar o efeito jurídico pretendido, a causa de pedir é nesta medida incompatível com o pedido formulado.
Ora, sendo certo que a incompatibilidade aqui relevante respeita a pedidos que mutuamente se excluam ou que assentem em causas de pedir inconciliáveis, no caso, o que a decisão recorrida acaba por considerar é que os factos concretos que servem de fundamento à oposição não são susceptíveis de produzir os efeitos pretendidos, ou seja, que a causa de pedir invocada não constitui fundamento para decretar o pedido formulado. Ou seja, da fundamentação da decisão recorrida o que resulta, claramente, como bem refere o MP, é que não obstante o tribunal "a quo" ter enquadrado o vício da ineptidão da PI na situação que corresponde à apontada al. c) do nº 2 do art. 186º do CPC, acabou por considerar, ao enquadrar o vício, uma questão de eventual improcedência manifesta da oposição.
Mas se assim é (e não sendo a situação também subsumível a nenhuma das restantes causas legais de ineptidão da petição inicial previstas no mencionado art. 186º do CPC), então, alicerçando a oponente o seu pedido de extinção da execução fiscal na ilegalidade da liquidação da taxa que deu origem à quantia exequenda, que classifica como "abstrata", por considerar que não existe norma que preveja essa taxa, não poderá, sem mais, concluir-se pela verificação de incompatibilidade substancial entre as causas de pedir ou os pedidos; acrescendo que se viesse a concluir-se que vem invocada como fundamento da oposição uma ilegalidade em concreto e não uma ilegalidade em abstracto, tal levaria à improcedência daquele fundamento de oposição: também não estaríamos, nesse caso, perante a ineptidão da petição inicial, mas perante uma eventual inviabilidade da acção.
De todo o modo, sendo certo que o Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica operada pelas partes, afigura-se-nos ter sido invocado na Petição Inicial fundamento admissível de oposição à execução fiscal, à luz do disposto no nº 1 do art. 204º do CPPT: se, por um lado, o pedido de extinção da execução é próprio da oposição à execução fiscal, uma vez que o que se pretende com tal meio processual é precisamente a extinção da execução fiscal, também a invocação da ilegalidade abstracta da dívida exequenda é fundamento de oposição, nos termos da al. a) do art. 204.º do CPPT. Ora, se bem interpretamos a alegação da oponente, a ilegalidade invocada na petição inicial da oposição é a ilegalidade atinente à própria lei (ao regulamento invocado pela oponente) e não ao acto de liquidação. O que a oponente sustenta e agora reafirma é que ocorre a ilegalidade da fixação das taxas em causa ou da sua subsistência após a entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei nº 5/2004, de 10/2) e que essa é uma ilegalidade que respeita à própria norma de incidência e não à sua concreta aplicação consubstanciada no acto de liquidação. (Cfr. também em sentido idêntico, o ac. desta Secção do STA, de 14/9/2016, proc. nº 514/16.
Cfr., igualmente, o ac. desta mesma Secção, de 6/6/2012, proc. nº 0864/11, no sentido de que a subsistência da TODP aprovada após a entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas (LCE) está eivada de ilegalidade em abstracto, fundamento que se integra na al. a) do nº 1 do art. 204º do CPPT, porque não são permitidas tais taxas, que em último caso violariam directivas comunitárias, designadamente o art. 13° da Directiva Autorização (Directiva 2002/20/CE de 07/03/2002 publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 24/04/2002) e uma vez que o regulamento das TODP embora tenha sido aprovado ainda em 2003 só veio a ser eficaz em Maio de 2004 (altura em que já se encontrava em vigor a Lei das Comunicações Electrónicas, (LCE) aprovada pela Lei n° 5/2004, de 10/2.)
É verdade que no pedido formulado (de procedência da oposição e consequente extinção do procedimento executivo) também se pretende que seja declarada verificada a nulidade do título executivo por falta de requisitos, nos fundamentos previstos nas als. a), h) e i) do nº 1 do art. 204º do CPPT. Todavia, nem este «alargamento» do pedido determina a ineptidão da PI, pelas razões acima apontadas, sendo que, como também tem salientado a jurisprudência do STA, até a própria rejeição liminar deve ser cautelosamente decretada.».
Na sequência de todo o supra exposto, não se verificando nenhuma das situações elencadas no catálogo das causas de ineptidão da petição inicial constante no n.º 2 do art. 186.º do CPC, somos a concluir que a decisão recorrida padece do imputado erro de julgamento, pelo que, nessa conformidade, revoga-se a decisão recorrida, nessa parte.

*
Ora, considerando que, não obstante o tribunal a quo tenha concluído pela ineptidão da petição inicial, mas prevenindo a hipótese de não se verificar a ineptidão da petição inicial, prosseguiu para o conhecimento do mérito da oposição tendo concluído pela legalidade da dívida exequenda, impõe-se avançar agora para a questão do erro do julgamento sobre a ilegalidade abstrata da taxa subjacente à execução fiscal.

DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À ILEGALIDADE ABSTRATA DA TAXA.
A questão que incumbe resolver é a de saber se, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal recorrido, a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, tal como defende a Recorrente (e, diga-se, posição também defendida pela Digna Procuradora da República no parecer emitido).
Esta questão foi tratada de igual forma, ipsis litteris, pelo tribunal a quo no processo n.º 00573/15.3BEMDL, e que foi objeto de acórdão deste TCA de 23.04.2020, já mencionado, sendo os teores das alegações e contra alegações iguais nesta parte. Assim, tendo em vista a uniformidade de soluções para casos análogos (cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), aderimos à fundamentação ali espelhada, perfeitamente transponível para o caso objeto, nos seguintes termos:
«O Meritíssimo Juiz “a quo” começa por referir que a prestação exigida à Oponente assume a natureza jurídica de taxa, efectuando o enquadramento jurídico ajustado.
Também faz apelo à Lei n.º 5/2004, de 28/2, que estabeleceu o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos, transpondo as Directivas n.ºs 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE e 2002/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7/3 e da Directiva n.º 2002/77/CE, da Comissão de 16/9. Referindo que os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal, podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de passagem (TMDP), a qual obedece aos princípios ínsitos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 106 (sob a epígrafe “Taxas pelos direitos de passagem”).

Porém, salienta «que nada obriga os Municípios a liquidar e cobrar uma TMDP (Cfr., também o 106.º, n.º 3). Caso o desejem, os Municípios podem liquidar essa taxa que deve ser determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida ao público das empresas de comunicação electrónica (al. a), percentual esse que deve ser aprovado anualmente até ao fim do mês de Dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode a ultrapassar os 0,25% (al. b).
Assim não se pode entender que a criação da TMDP pela L 5/2004, de 10/2, revogou tacitamente as disposições que permitem aos Municípios cobrar taxas de ocupação do solo. O que os Municípios não podem fazer é cobrar simultaneamente diferentes taxas relativamente à prestação do mesmo serviço porque, caso contrário, quebrar-se-ia, pelo menos, a relação sinalagmática e pôr-se-ia em causa a redistribuição dos encargos públicos, nos termos supra expostos. (…)
Se o Município optasse por liquidar a TMDP esta tinha de estar balizada pela L5/2004, de 10/2 nas normas supra citadas.
À taxa de ocupação da via pública é aplicável o art.º 6.º, n.º 1, c) da L 53-E/2006, de 29/12 (que regula as relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às autarquias locais)
Nos termos daquele dispositivo legal as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares pela utilização e aproveitamento de bens de domínio público e privado municipal. No caso, incidindo a taxa impugnada sobre a ocupação da via pública por parte da Oponente, nada haveria a apontar à actuação do Município. (…)»
Contudo, como é sabido, a jurisprudência não se direcciona nesta linha, seguindo-se, a título exemplar, a orientação adoptada neste TCA – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 26/09/2019, proferido no âmbito do processo n.º 156/17.3BEMDL:
«(…) a este Tribunal está cometida a tarefa de apreciar a bondade da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra o acto de liquidação de taxas de ocupação do domínio público municipal (espaço aéreo) com fios, cabos ou outro dispositivo de qualquer natureza e fim, atravessando ou projectando-se na via pública, prevista no artigo 22.º, n.º 3 da Tabela de Taxas, anexa ao Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas Municipais, (…).
Face às conclusões de recurso, temos que a questão que se discute no presente recurso consiste em saber se a sentença errou ao decidir que, para além ou em alternativa à taxa municipal de direitos de passagem (TMDP) prevista no artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10/2 (Lei das Comunicações Electrónicas), podem ser cobradas às empresas que, como a Impugnante, oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas ao público, outras taxas pela instalação de sistemas de equipamento no solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público e que tenham como contrapartida a utilização desses espaços, como a liquidada taxa de ocupação do domínio público (TODP), em causa nos autos.
Pois bem, a questão da (i)legalidade da liquidação da taxa aqui em causa foi já objecto de pronúncia por diversas vezes pelo Supremo Tribunal Administrativo, o qual tem vindo a decidir, de forma unânime, uniforme e reiterada, que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza – cf. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 6/10/2010, Processo 363/10; de 30/11/2010, Processo 513/10; de 12/1/2011, Processo 751/10; de 29/6/2011, Processo 450/11; de 1/6/2011, Processo 179/11; de 2/5/2012, Processo 693/11; de 6/6/2012, Processo 864/11; de14/6/2012, Processo 281/12; de 27/6/2012, Processo 428/12; de 17/4/2013, Processo 154/12; de 22/4/2015, Processo 192/15, e de 21/10/2015, Processo 691/15; de 19/9/2016, Processo 1091/16; de 3/5/2017 (Pleno), Processo 01092/16; de 7/11/2018, Processo 087/13; e de 12/12/2018, Processo 0153/11.
Nesta sequência, e como se deixou escrito no acórdão do STA (Pleno) de 3/5/2017, Processo 01092/16 [que cita o anterior acórdão de 19/9/2016 (Processo 1091/16)] e que, com a devida vénia, passamos a reproduzir: "A questão não é nova na jurisprudência deste STA e tem recebido por parte do órgão de cúpula da jurisdição resposta uniforme, no sentido de que «A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10 Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da taxa municipal de direitos de passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza», acrescentando-se em Acórdãos mais recente – designadamente do acórdão fundamento –, que o DL n.º 123/2009, de 21/5 (…) clarificando o regime plasmado na Lei n.º 5/2004, de 10/2, proíbe a cobrança pelas autarquias locais de qualquer outra taxa, encargo ou remuneração pela utilização ou aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, para além da taxa municipal de direitos de passagem prevista nos termos do art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas aprovada por aquela referida Lei, por forma a evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto tributário (cfr. o Preâmbulo do diploma e os arts. 2.º al. a) e 12.º n.º 1) – sublinhados nossos.
Isto porque, como se diz, entre outros, no Acórdão deste STA de 22 de Abril de 2015 (rec. n.º 192/15) invocando jurisprudência anterior, “a Taxa Municipal de Direitos de Passagem tem como contrapartida o direito de acesso e utilização do domínio público para a implementação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.”. Por outro lado o facto gerador da Taxa de Ocupação da Via Pública liquidada é precisamente a ocupação da via pública com vista à instalação dos ditos equipamentos, os quais se incluem “no conceito de «equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público» adoptado no referido n.º 2 do art. 106.º da Lei 5/2004. Verifica-se assim a sobreposição de normas de incidência em causa poderá integrar uma situação de dupla tributação. É certo que a dupla tributação não integra em si mesmo um vício do acto tributário. Trata-se de situações em que legislativamente se pretendeu que o mesmo facto tributário fosse objecto de incidência demais do que um tributo (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag. 396). Como sublinha o prof. JOSÉ CASALTA NABAIS, DIREITO FISCAL, 2.ª edição, pág. 230/231 a dupla tributação “configura uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias”. Porém, no caso subjudice estão em causa taxas. Ora, em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público é de excluir a admissibilidade de dupla tributação, pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício – cf. Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2010, recurso 513/10, in www.dgsi.pt. Tendo em conta esta realidade e a possibilidade de sobreposição de normas de incidência que visam a tributação do mesmo facto e com idêntica finalidade, parece claro poder concluir-se, até com recurso ao elemento sistemático, que o legislador expressou intenção de obviar a que o acesso e utilização do domínio público para a implementação de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público fosse objecto de incidência de mais do que um tributo.
Isto mesmo foi sublinhado no DL 123/2009 de 21 de Maio, que define o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, e em cujo art. 12.º refere expressamente que «pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento».
Sendo que tal intuito do legislador é também patente nos arts. 13.º, n.º 4 e 34.º do mesmo diploma legal e ainda o respectivo preâmbulo, onde expressamente se refere que «no que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto”. Em suma, conclui-se que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de10/2, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação da Via Pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à implantação de infra-estruturas atinentes às redes de comunicação electrónica.
É este julgamento que aqui se reitera, não apenas em cumprimento do dever de contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do direito - o que seria já razão bastante -, mas convictos do acerto do assim decidido.
De facto, em face do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas parece claro que a Taxa Municipal de Direitos de Passagem não representa a mera remuneração do atravessamento duradouro do domínio público municipal por equipamentos de comunicações electrónicas mas também da sua “implantação” (cfr. os seus números 2 e 5), sendo destituído de base legal, e artificiosa, a desagregação, para efeitos de tributação, da “implantação” vs. “atravessamento” de equipamentos.
Acresce que, se aos municípios fosse permitida essa desagregação, facilmente se poderia subverter a Lei através da multiplicação de encargos sobre uma actividade que aquela quis fomentar, dotando-a de um quadro racional, transparente e uniforme no quadro da União Europeia." (…)»
Atento o teor do acórdão que se reproduziu, ao qual aderimos, e tendo em vista a uniformidade de soluções para casos análogos (cf. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), nenhumas outras considerações se nos afigura necessário acrescentar à fundamentação transcrita, as quais se enquadram cabalmente na situação ora em análise, concluindo-se pela ilegalidade, de carácter abstracto, da liquidação das taxas aqui em causa.
Assim sendo, não pode o Recorrido cobrar a taxa de ocupação do domínio público ora em apreço, dado que o artigo 20.º, n.º 8 da Tabela de Taxas, anexa ao Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas Municipais do Município de (...), que prevê a taxa em causa, viola regras de direito comunitário, nomeadamente o artigo 13.º da Directiva 2002/20/CE; afigurando-se, por esse motivo, ser de indeferir o pedido subsidiário de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), solicitado pelo Recorrido, considerada a clareza da questão e por não restarem quaisquer dúvidas de interpretação das directivas comunitárias mencionadas supra.[fim de citação].
Destarte, replicando para os presentes autos toda a fundamentação acabada de reproduzir, concluímos que não pode o Recorrido, Município de ..., cobrar a taxa de ocupação do domínio público ora em apreço, dado que o artigo 20.º, n.º 8 da Tabela de Taxas, anexa ao Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas Municipais do Município de ..., que prevê a taxa em causa, viola regras de direito comunitário, nomeadamente o artigo 13.º da Directiva 2002/20/CE. E, nessa medida, afigura-se, também por esse motivo, ser de indeferir o pedido subsidiário de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), solicitado pelo Recorrido, considerada a clareza da questão e por não restarem quaisquer dúvidas de interpretação das diretivas comunitárias acima mencionadas.
Pelo exposto, procede o erro de julgamento imputado à sentença recorrida e, dessa forma, o presente recurso.
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Da dispensa do remanescente da taxa de justiça.
Preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o respetivo pagamento.
Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Maio de 2014, proferido no Processo nº 1953/13, integralmente disponível em www.dgsi.pt: “A norma constante do nº 7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.”
Na ponderação da possibilidade de dispensa do remanescente da taxa de justiça importa, assim, considerar, além do mais, o princípio da proporcionalidade, devendo determinar-se a dispensa sempre que o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, e ainda que a ação não se revele de complexidade inferior à comum. Com efeito, conforme se salienta no Acórdão do STA de 01 de fevereiro de 2017, proferido no Processo nº 891/16, integralmente disponível em www.dgsi.pt, “não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3º, nº 2 e 4º, nº 2 da Lei Geral Tributária), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo”.
Ora, compulsados os autos, verifica-se que o valor da ação foi fixado em € 1.112.293,32.
Analisando a conduta processual das partes, verificada a tramitação dos autos, constata-se que se situou dentro dos padrões da normalidade e dos limites da boa fé processual.
O Regulamento das Custas processuais não estabelece critérios específicos quanto à complexidade do caso, para o efeito, há que chamar à colação o disposto no artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe considerarem-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Ora, no que concerne, a análise dos meios de prova não revestiu complexidade, como resulta do teor da decisão da matéria de facto constante da respetiva sentença e alterada nesta instância, baseando-se em prova documental.
As questões decidendas não se apresentam de complexidade superior à comum tratando-se, ao invés, de questões já tratadas na jurisprudência.
Os articulados e as alegações de recurso apresentaram-se dentro dos padrões da razoabilidade.
Assim, tudo ponderado e perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final, não perdendo de vista que deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP, atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º do mesmo diploma, encontramos razões válidas e ponderosas para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que se determina.

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Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder total provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e, em consequência, julgar a Oposição à execução procedente.

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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I – O prazo fixado para a dedução da ação, porque aparece como extintivo do respetivo direito (subjetivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de um certo direito, é um prazo de caducidade.
II - O processo de execução fiscal tem natureza judicial, e aos seus atos aplica-se o regime de notificação e de impugnação dos atos judiciais.
III - O regime previsto no artigo 37.º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a atos em matéria tributária que possam ser objeto de meio judicial de reação contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de atos, designadamente de atos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no CPC (artigos 186.º e seguintes).
IV – A incompatibilidade substancial relevante no âmbito da cumulação de causas de pedir ou de pedidos, prevista na alínea c) do n.º 2 do art. 186.º do CPC, respeita a pedidos que mutuamente se excluam ou que assentem em causas de pedir inconciliáveis, não ocorrendo tal incompatibilidade se os factos concretos que servem de fundamento à ação não forem suscetíveis de produzir o efeito jurídico pretendido.
V - A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
VI - Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação do Domínio Público sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de rede de comunicações eletrónicas.

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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder total provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, em consequência, julgar a Oposição à execução procedente.

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que excede os € 275.000,00.

Porto, 08 de fevereiro de 2024

Vítor Salazar Unas
Maria do Rosário Pais
Cláudia Almeida