Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00294/17.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES;
IVA; CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL;
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS; VALOR DA CONTRAPRESTAÇÃO;
Sumário:
I. O princípio da plenitude da assistência dos juízes, corolário dos princípios da oralidade e da imediação na apreciação da prova, não é um princípio absoluto. Com a alteração ao Código de Processo Civil introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que entrou em vigor a 1 de setembro de 2013, este princípio passou a aplicar-se também à fase da audiência final, pois que o julgamento da matéria de facto passou a conter-se nesta.

II. No processo tributário o juiz a quem compete elaborar a sentença é aquele a quem o processo está distribuído e não necessariamente aquele que presidiu às diligências de prova, face à singularidade do próprio processo tributário em confronto com o regime existente no Código Processo Civil.

III. Fundando a Administração Tributária a correção no teor de contrato de cessão de posição contratual de contrato de locação financeira assinado entre o sujeito passivo e uma sociedade, cabe ao sujeito o ónus da prova de que o preço ali estipulado não corresponde a realidade, porque a vontade das partes era a da gratuidade da cessão.

IV. O contrato de cessão da posição contratual, para efeitos de IVA, configura um contrato de prestação de serviços, pois o cedente entrega o contrato-base, que correspondem à contraprestação da contrapartida recebida.

V. Nos termos do disposto no art. 16.º, n.º 1, do CIVA, «o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro»

VI. Na cessão da posição contratual de locatária num contrato de locação financeira, o valor tributável para efeitos de IVA é, em princípio, o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, ou seja, é o preço estipulado para a cessão e que a cessionária terá de pagar à cedente.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], S.A. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 13.06.2023, que julgando improcedente a impugnação judicial por si intentada contra as liquidações de IVA e, respectivas, liquidações de juros compensatórios, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
A. O presente recurso tem como objecto a impugnação da matéria de facto e de Direito.
B. A sentença recorrida padece de nulidade insanável por força da violação do princípio da plenitude da assistência do juiz.
C. A inquirição de testemunhas do dia 02/10/2019, pelas 10 horas (fls. 272-274 SITAF) foi presidida por juiz diferente daquele que proferiu sentença.
D. O juiz da audiência deveria ser o mesmo que proferiu a sentença recorrida, de acordo com os artigos 605.º CPC e 114.º do CPPT, salvo raras excepções, mas nenhuma delas aplicável aos presentes autos.
E. O juiz que julgou a matéria de facto não foi o mesmo que presidiu e interveio na produção da prova testemunhal, mas ainda assim conseguiu considerar determinado depoimento como “não isento e descomprometido, antes pelo contrário”, “um depoimento claramente comprometido com a versão dos factos apresentada pela impugnante na petição inicial, prestado por alguém com evidente interesse no desfecho da causa e que não foi corroborado por mais ninguém”.
F. “O princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado agora no art.605º do Código de Processo Civil (antes no art. 654º), só tem aplicação quando da fixação da matéria de facto, em ponderação dos princípios da imediação, da oralidade e concentração, conhecendo aplicação intransigente quando o tribunal perante o qual foi feita a discussão da causa é aquele que quem tem de proferir a decisão de facto: aí, salvo casos excepcionais, quem presidiu à recolha da prova é quem a julga e fixa” – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, acórdão processo n.º 2723/04.6TBBRR.L1.S1., datado de 08/03/2018, disponível em www.dgsi.pt
G. A sentença recorrida é nula por violação dos artigos 605.º e 114.º do CPPT, devendo a mesma ser declarada.
Da matéria de facto
H. A sentença recorrida errou ao considerar provados as alíneas D) e E) da matéria de facto provada, na sua concreta redacção, bem assim como não provados os pontos 1 a 4 da matéria de facto não provada.
I. A testemunha «AA», em depoimento gravado em audiência do dia 02/10/2019, pelas 10 horas, contido no ficheiro disponível no SITAF, minuto 0:00 ao minuto 20:17, concretamente aos minutos 02:00 a 04:00, 05:25 a 08:00 e 11:50 a 14:10, referiu ter sido ele a negociar as cessões de posição contratual, bem como nunca ter sido definido nem fixado qualquer valor a pagar à Impugnante pelas cessionárias, por força daqueles negócios e que os mesmos tiveram tão-só o objectivo de reduzir os encargos da empresa mantendo a sua viabilidade e solvência.
J. O depoimento da testemunha «AA» conciliado com os documentos dos autos, concretamente os docs. 8, 9 e 10 juntos com a P.I. demonstram que as cessões de posição contratual operadas pela Impugnante não envolveram o pagamento de qualquer preço.
K. Não foram pagos quaisquer valores à Impugnante/Recorrente por parte das cessionárias porque aqueles não eram devidos e, por isso, celebraram os aditamentos dos docs. 9 e 10 juntos com a P.I.
L. O não pagamento e a não estipulação de preço constituem factos negativos, que face à dificuldade da sua prova deve-se “admitir uma menor exigência relativamente à sua demonstração”. – Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 380/13.8BELLE, de 14/01/2021, disponível para consulta em www.dgsi.pt
M. Veja-se ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 11/04/2019, processo n.º 9477/16.1BCLSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt, onde ficou sumariado, para o que aqui interessa, o seguinte:
“II. Fundando a Administração Tributária a correção no teor de contrato assinado entre o sujeito passivo e uma sociedade e na declaração de retenções (não pagas) dessa mesma sociedade, cabe ao sujeito o ónus da prova de que o rendimento não lhe foi pago ou colocado à disposição.
III. A apreciação da prova de um facto negativo, devido às maiores dificuldades que lhe estão inerentes, deve ser feita considerando o princípio da proporcionalidade, implicando uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito.
IV. Demonstrado que o valor declarado como tendo sido pago em 1990 respeita a cheque emitido em 1991 que nunca foi movimentado nas contas bancárias do sujeito passivo, está provado facto suscetível de gerar fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, com a consequente anulação do ato impugnado.”
N. A prova produzida (testemunhal e documental suprareferida) devidamente conjugada, deve determinar que os factos não provados 1 a 4 da sentença recorrida passem a integrar a matéria de facto provada e as alíneas D) e E) da matéria de facto provada deve passar a ter a seguinte redacção:
“D) Em 20-08-2013 foi celebrado, entre a impugnante, a “[SCom02...], LDA.” (doravante apenas “[SCom02...]”) e o “Banco 1..., S.A.”, um contrato de cessão parcial de posição contratual e aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária, através do qual a impugnante cedeu à “[SCom02...]”, a título gratuito, a sua posição no contrato referido na alínea B), quanto à fracção “L”;
E) Em 24-10-2013 foi celebrado, entre a impugnante, a “[SCom03...], LDA.” (doravante apenas “[SCom03...]”) e o “Banco 1..., S.A.”, um contrato de cessão de posição contratual e aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária, através do qual a impugnante cedeu à “[SCom03...]”, a título gratuito, a sua posição no contrato referido na alínea B);”
O. Tendo as cessões de posição contratual sido realizadas a título gratuito, não estavam sujeitas a IVA de acordo com os artigos 4.º, n.º 1 e 16º, n.º 1 do CIVA.
P. Mesmo que se entendesse que as operações em causa estavam sujeitas a IVA, sempre resultaria numa liquidação de imposto de zero euros.
Q. Tenha-se em atenção o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 12/09/2018, processo n.º 0570/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt e onde ficou sumariado que:
“I - Nos termos do disposto no art. 16.º, n.º 1, do CIVA, «o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro» (redacção aplicável).
II - Na cessão da posição contratual de locatária num contrato de locação financeira, o valor tributável para efeitos de IVA é, em princípio, o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, ou seja, é o preço estipulado para a cessão e que a cessionária terá de pagar à cedente.”
R. Não se pode considerar ainda que as operações de cessão apesar de gratuitas estariam sujeitas a IVA de acordo com o artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do CIVA, uma vez que não se destinava a fins alheios à empresa.
S. A celebração de negócios indispensáveis e necessários à actividade e subsistência da empresa não podem ser considerados como tendo fins alheios à mesma, sendo jurisprudência do TJUE que “não se considera serem “fins alheios à empresa", o caso de serviços prestados de forma gratuita que visam satisfazer ou dar resposta a necessidades diretas da empresa, ainda que tais serviços possam, de forma acessória trazer algum benefício pessoal aos trabalhadores da empresa ou a terceiros”.
T. O Tribunal a quo fez errada interpretação das normas contidas nos artigos 4.º, n.º 1 e 2, alínea b) e 16.º, n.º 1 do CIVA, pelo que a impugnação deveria ser julgada totalmente procedente, por provada, anulando as liquidações de IVA.
U. Ao longo do processo de fiscalização da Impugnante foi violado o seu direito de audição e o princípio da cooperação, cujo cumprimento não se limita ao mero cumprimento de uma formalidade pela AT.
V. A fundamentação do RIT (transcrito parcialmente no ponto G) da matéria de facto provada) demonstra que a AT não atendeu à defesa apresentada e aos elementos levados aos autos pela Impugnante, ainda mais quando a isso estava obrigada nos termos do artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária.
W. A audiência prévia tem carácter obrigatório e essencial pelo que, a sua falta, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que nele vier a ser tomada (cfr.artº.163 do CPA).
X. “O principio do aproveitamento não atua em sede direito de audição do potencial revertido, face aos elementos que, mesmo comprovadamente, lhe sejam dados a conhecer no âmbito da citação deste na execução fiscal, já que a participação do interessado, enquanto potencial revertido, na fase anterior à reversão, é susceptível de contribuir para a alteração do projeto de decisão, através da junção de elementos de prova e/ou requerendo a produção de diligências instrutórias” – Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 22-05-2019, processo n.º 1393/11.0BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt .
Y. A não atendibilidade da audição prévia, apesar da Impugnante ter sido notificada para o efeito, equivale à ausência da mesma, devendo ser declarado nulo o procedimento de inspecção, por violação do direito de audição, bem como do princípio da cooperação, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 60.º da LGT e artº.163 do CPA.
Z. A sentença recorrida, padece de erro de julgamento, bem como violou por erro de interpretação, os artigos 605.º do CPC e 114.º do CPPT, 4.º, n.º 1 e 2 e 16º, n.º 1 CIVA e ainda 60.º LGT e 163.º CPA.
TERMOS EM QUE, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue totalmente procedente a impugnação, por provada, anulando as liquidações de IVA impugnadas.
JUSTIÇA!!!»
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 467 e seguintes do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A impugnante dedica-se à compra e venda, locação e gestão de propriedades ou direitos imobiliários, urbanização e loteamento de terrenos, bem como à construção de prédios urbanos próprios ou alheios (cfr. fls. 116v.-117 do PA apenso aos autos);
B) Em 09-03-2006, a impugnante celebrou com o “Banco 2..., S. A.”, um contrato de locação financeira imobiliária que tinha como objecto as fracções autónomas designadas pelas letras “E” e “L” do prédio urbano descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...26, da freguesia ..., as quais se encontravam inscritas na matriz predial urbana sob o artigo ...92, da mesma freguesia, mediante o qual a impugnante se obrigou a proceder ao pagamento de rendas mensais no montante de 1.893,46 €, durante 180 meses (cfr. docs. 3 e 4 juntos aos autos com a p.i.);
C) A impugnante pagou, no âmbito do contrato referido na alínea anterior, as rendas devidas desde 01-03-2006 até 01-10-2013 (cfr. docs. 4 e 5 juntos aos autos com a p.i.);
D) Em 20-08-2013 foi celebrado, entre a impugnante, a “[SCom02...], LDA.” (doravante apenas “[SCom02...]”) e o “Banco 1..., S.A.”, um contrato de cessão parcial de posição contratual e aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária, através do qual a impugnante cedeu à “[SCom02...]”, pelo preço de 151.210,54 €, a sua posição no contrato referido na alínea B), quanto à fracção “L” (cfr. doc. 6 junto aos autos com a p.i.);
E) Em 24-10-2013 foi celebrado, entre a impugnante, a “[SCom03...], LDA.” (doravante apenas “[SCom03...]”) e o “Banco 1..., S.A.”, um contrato de cessão de posição contratual e aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária, através do qual a impugnante cedeu à “[SCom03...]”, pelo preço de 104.301,74 €, a sua posição no contrato referido na alínea B) (cfr. doc. 7 junto aos autos com a p.i.);
F) A impugnante foi submetida, ao abrigo das ordens de serviço nºs OI2014...15 e OI2016...75, a um procedimento inspectivo externo de âmbito parcial, em IRC e IVA, para o ano de 2013 e de âmbito parcial, em IRC, para o ano de 2014 (cfr. fls. 116v. do PA apenso aos autos);
G) Em data não concretamente apurada foi elaborado o projecto de Relatório de Inspecção Tributária (RIT) relativo ao procedimento inspectivo referido na alínea anterior, acerca do qual a impugnante se pronunciou, na fase da audição prévia, nos seguintes termos:
[SCom01...], S. A., contribuinte nº ...60, com sede na Rua ..., ... ..., notificada do projecto de relatório da inspecção tributária para exercer o seu direito de audição, a V. Exª. Vem
EXPOR
1. – Questão Prévia:
Por uma questão de facilidade de exposição, a Inspeccionada irá seguir a divisão de temas/assuntos que foi adoptada no Projeto, assumindo a numeração aí utilizada.
2.1. – Gastos não aceites fiscalmente – depreciação de imóveis:
De acordo com as informações que foram prestadas pela empresa que fornece serviços de contabilidade à Inspecionada, o excesso de amortização foi justificado pela não tomada em consideração do teor da escritura de compra e venda.
Desta forma, aceita-se a correcção mencionada no Projeto.
2.3. – Gastos não comprovados:
Neste ponto iremos dividir a análise em duas vertentes, sempre seguindo o Projecto apesar deste não ter feito a divisão formal.
A – Faturas emitidas pela [SCom04...], Ldª:
O Projeto conclui que as faturas emitidas pela [SCom04...] são faturas forjadas.
Ora, esta conclusão é, manifestamente, errada, uma vez que não coincide, minimamente, com a realidade fáctica subjacente à emissão das referidas faturas, como se demonstrará.
Em primeiro lugar, a conclusão de que os autos de medição apresentarem valores totais e não discriminados por serviços é justificada pelo simples facto da existência de contratos de empreitada que capeiam as faturas e os autos de medição.
Para além disso, os serviços são globais, e reportam-se a manutenção e reparação de determinados imóveis, por isso não faria sentido que se fixassem preços unitários por cada serviço.
Com efeito, ao analisar o teor dos autos de medição, facilmente, se conclui que o difícil seria individualizar os serviços e atribuir um preço por cada um deles.
Por exemplo, a limpeza e desmatação de todo o terreno, com aplicação de inseticida – será que a Inspecção pretende que se deveriam separar estes três serviços ? e atribuir um preço a cada um ? Não faria qualquer sentido.
O que ocorreu foi a necessidade que a Inspeccionada teve de intervir ao nível da reparação e manutenção de quatro imóveis e os serviços prestados foram globais, uma vez que o efeito era que os imóveis ficassem em condições para cumprirem o seu fim, como ocorreu na realidade.
Para além disso, não é verdade que a prática do sector seja que os autos de medição sejam constituídos por preços unitários, já que tal depende do serviço que é prestado, pelo que existem muitas situações em que tal ocorre.
E, como é evidente, o dono da obra controla os trabalhos que foram realizados com base nos contratos e nos documentos anexos aos mesmos, comparando com os autos de medição.
Aliás, na realidade, o que ocorreu foi precisamente o contrário do que refere o Projecto, já que a verificação dos trabalhos que foram executados foi baseada nos documentos anexos aos contratos.
Acresce que, o controlo da prestação dos trabalhos não tem nada a ver com o facto de existirem preços unitários – o controlo é se o serviço foi prestado ou não.
Para além disso, na página 12 o Projecto refere que os autos são generalistas, não especificando os trabalhos realizados, todavia no parágrafo anterior menciona que “Com efeito, nos autos estão descritas várias tarefas a executar ...”
Ou seja, quando interessa – como era o caso de falta de preços unitários – os autos descreviam várias tarefas; porém, e logo a seguir, já são generalistas!
Parece-nos que deveria existir mais congruência entre as afirmações que são produzidas no Projecto, de molde a que as mesmas conduzissem a uma conclusão sustentada.
Infelizmente, o que parece da análise desta questão é que a conclusão foi o ponto de partida, sendo depois preenchida com pretensas justificações... contraditórias entre si!
Por outro lado, quanto ao facto dos valores serem manifestamente exagerados, apenas se pode dizer que é manifesto que os valores foram os normalmente praticados no mercado – foram os acordados entre os contraentes e para serem colocados em crise terá de ser através de algo mais do que através de adjectivos qualificativos.
Para além disso, a Inspecionada não pode deixar de repudiar o tom que é utilizado no Projecto neste ponto, sempre baseado, repete-se, na conclusão final que as faturas são forjadas.
Exemplo máximo deste tom é a expressão “É também bastante conveniente que todas as obras realizadas se enquadrem no conceito de obras de conservação ... ... o que dificulta a comprovação da realização efectiva das obras.”.
Ou seja, o Projecto não coloca em causa que as obras sejam obras de conservação, que não necessitam de controlo prévio do Município, mas refere que tal é bastante conveniente!
A Inspeccionada é uma contribuinte, merece, e exige, respeito – então se as obras são – como é reconhecido pelo Projecto – de conservação, como é que tal pode ser classificado de bastante conveniente? É culpa da Inspeccionada que as obras sejam de conservação?
O Projecto deveria basear-se em factos e não em juízos de valor, sem fundamento, e ofensivos! Continuando, e ainda na página 12, é afirmado que o facto das faturas ainda não terem sido pagas só é possível se os trabalhos em causa não corresponderem a operações efectivas.
Ou seja, todas as faturas que não sejam pagas passados dois anos são forjadas!
Se tal fosse verdade, o que dizer dos milhares de faturas que não foram pagas, passados dois e muito mais anos, e que estão a ser alvo de acções judiciais?
Mais uma vez, as afirmações proferidas no Projecto destinam-se a preencher – sem qualquer sucesso, diga-se – a conclusão final; sem qualquer preocupação lógica no racional que deveria estar subjacente ao Projeto.
Em conclusão, não existe qualquer fundamento para classificar as faturas emitidas pela [SCom04...] de forjadas.
B – Faturas emitidas pela [SCom05...], Ldª:
No que concerne a estas faturas, e seguindo o (mau) exemplo do que ocorreu nas emitidas pela [SCom04...], o Projeto considera que as mesmas são forjadas.
Efectivamente, o Projeto expende considerações acerca das faturas, concretamente acerca das datas evidenciadas como de carga, concluindo que as faturas não correspondem a verdadeiras transacções.
Assim sendo, a Inspeccionada apenas pode afirmar que recebeu os materiais constantes das referidas facturas e que os utilizou no âmbito da sua actividade.
A acrescer, tal como já foi referido e não se repete por desnecessidade, o facto das faturas ainda não terem sido pagas não pode conduzir, de todo, à conclusão de que as faturas são forjadas.
2.4. – Gastos não reconhecidos:
De acordo com as informações prestadas pela empresa que trata da contabilidade da Inspeccionada, o princípio que norteou o não lançamento dos valores em questão é o de considerar o ganho potencial (diferença entre a compra e o valor cedido dos créditos) apenas no final do total recebimento do devedor.
Desta forma, os lançamentos de 2013 ocorreram pelo facto do valor ter sido recebido, na íntegra, em 2013.
Porém, tal não ocorreu com os restantes dois devedores, razão pela qual os valores não terem sido alvo de lançamento em 2014.
Em face da matéria alegada, requer a V.Exª., nos termos e para os efeitos dos arts. 58º e 60º LGT, bem como do 104º CPA, se digne a ordenar a produção das seguintes provas, uma vez que as mesmas se afiguram essenciais para comprovar os factos novos supra expostos:
Testemunhal:
1 - «BB», domiciliado na Rua ..., ... ..., cujo depoimento irá incidir sobre os factos alegados em 2.3.;
2 - «CC», domiciliada na Avenida ..., ... ..., cujo depoimento irá incidir sobre os factos alegados em 2.4..
Ambas a apresentar
(cfr. fls. 278-287 do SITAF);
H) Na sequência do referido na alínea anterior, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) elaboraram, com data de 09-11-2016, o RIT final, tendo concluído pela necessidade de proceder a correcções de natureza meramente aritmética em sede de IVA e IRC (cfr. fls. 115-126 do PA apenso aos autos);
I) As correcções promovidas pelos SIT em sede de IVA ficaram a dever-se aos fundamentos de facto e de direito descritos no ponto 3 do capítulo III do RIT, de cujo teor se destaca o seguinte:
3 IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado
3.1 – IVA não liquidado na cessão onerosa de posição contratual
3.1.1. Situação de facto e enquadramento fiscal
A empresa [SCom01...] tinha registado no seu ativo, na conta 42 - «Propriedades de Investimento», em regime de locação financeira e pelo valor bruto de 275.758,22 €, as frações autónomas designadas pelas letras “E” e “L” do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ...92, da freguesia ..., concelho .... Em 2013, celebrou dois contratos de cessão da posição contratual, nos quais cede a sua posição de locatária, no contrato de locação financeira imobiliária identificado pelo n.º ...91, às entidades e pelos valores discriminados no quadro infra:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


Ou seja, pelas cedências da sua posição contratual, a empresa [SCom01...] recebeu dos cessionários o montante global de 255.512,28 €, não tendo procedido a qualquer liquidação de IVA.
Ora, através da cessão da posição contratual a um terceiro opera-se uma modificação subjetiva da relação contratual inicial, que permanece a mesma, só que com um novo titular. Neste sentido, o efeito normal da cessão resume-se à transmissão da posição do cedente ([SCom01...]) para o cessionário que, assim, passa a encabeçar os direitos e os deveres inerentes à relação contratual. Em consequência, o novo locatário passará a responder pelas prestações vincendas e demais obrigações e deveres contratuais inicialmente acordados, bem como a exercer a faculdade de compra do bem pelo valor residual estabelecido.
Assim, a cessão da posição do locatário num contrato de locação financeira configura-se como uma transmissão de um direito de natureza obrigacional, consubstanciando-se tal operação, afinal, como uma prestação de serviços de acordo com o conceito residual definido no n.º 1 do art. 4º do Código do IVA, a qual será tributada em IVA se for efetuada por um sujeito passivo no âmbito da sua atividade económica (n.º 1 do art. 1º do Código do IVA).
Nos termos do n.º 1 do art. 16º do Código do IVA, o valor tributável das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro. Sendo assim, tratando-se de uma cessão onerosa da posição contratual do locatário, o valor tributável será o valor da contrapartida que for paga ao cedente pelo cessionário, ou seja, pelo novo locatário ao locatário originário, para assumir a posição deste no contrato.
No caso em apreço, o valor da contraprestação recebida pela [SCom01...] dos cessionários corresponde ao valor total de 255.512,28 €.
3.1.2. Correção proposta
Face ao exposto, concluímos que a empresa [SCom01...] cedeu onerosamente a sua posição de locatário no contrato de locação financeira imobiliária n.º ...91, tendo recebido dos cessionários, como contrapartida, o valor total 255.512,28 €.
Deste modo, esta operação é havida como uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1 do art. 4º do Código do IVA, pelo que o sujeito passivo deveria ter liquidado IVA, nos termos do n.º 1 do art. 16º do referido Código, sobre o valor da contraprestação recebida, estando assim em falta IVA no valor total de 58.767,82 €, conforme cálculos evidenciados no quadro infra:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


O IVA em falta resultou da aplicação da taxa de IVA normal, prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do Código do IVA, que corresponde à taxa 23%, ao valor da contraprestação recebida.
Atendendo que a empresa, por norma, pratica apenas operações isentas previstas no art. 9º do Código do IVA, a prática deste ato isolado implica o pagamento do correspondente imposto, em qualquer Serviço de Finanças, até ao último dia do mês seguinte ao da conclusão da respetiva operação, nos termos do n.º 2 do art. 27º do Código do IVA.
(cfr. fls. 123-123v. do PA apenso aos autos);
J) O último capítulo do RIT, designado “IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO”, apresenta o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(cfr. fls. 124-126 do PA apenso aos autos);
K) O Serviço de Finanças ... emitiu, com fundamento no RIT referido nas alíneas anteriores, as seguintes liquidações de IVA, ora impugnadas: liquidação no montante total, incluindo juros compensatórios, de 39.108,10 €, relativa à cessão da posição contratual à “[SCom02...]” e liquidação no montante total, incluindo juros compensatórios, de 26.815,55 €, relativa à cessão da posição contratual à “[SCom03...]” (cfr. docs. 1 e 2 juntos aos autos com a p.i.).
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Consideram-se não provados os seguintes factos:
1) O “Banco 1..., S.A.” nunca enviou qualquer minuta ou esboço dos contratos referidos nas alíneas D) e E) à impugnante ou às sociedades que iriam integrar a sua posição contratual, pelo que o primeiro contacto que a impugnante teve com os documentos referidos foi nas instalações do “Banco 1..., S.A.” nos dias da outorga dos mesmos;
2) Nem a impugnante, nem as sociedades que iriam integrar a sua posição nos contratos de locação financeira, transmitiram ao “Banco 1..., S.A.” que as cessões das posições contratuais estavam sujeitas a um preço;
3) A cláusula II, nº 1, do contrato referido na alínea D) foi introduzida pelo “Banco 1..., S.A.” sem instruções ou ordens da impugnante ou da “[SCom02...]”, tendo ambas sociedades assinado o contrato sem o terem lido;
4) A cláusula II, nº 1, do contrato referido na alínea E) foi introduzida pelo “Banco 1..., S.A.” sem instruções ou ordens da impugnante ou da “[SCom03...]”, tendo ambas sociedades assinado o contrato sem o terem lido.
*
MOTIVAÇÃO
A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa e resultou das posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e da análise crítica do teor dos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo (PA), conforme discriminado em cada alínea do probatório.
No que especificamente diz respeitos aos factos provados D) e E) e aos factos não provados 1) a 4), importa esclarecer que o Tribunal ficou convencido que a realidade corresponde ao declarado nos contratos de cessão de posição contratual, ou seja, o Tribunal ficou convencido que as cedências de posição contratual tiveram como contrapartida o preço mencionado nos respectivos contratos.
A convicção do Tribunal quanto a esse facto assentou na análise dos contratos, em cujas cláusulas II, nº 1 se fez constar o preço da cedência (151.210,54 € no caso da “[SCom02...]” e 104.301,74 € no caso da “[SCom03...]”), por se considerar que é lógico, normal e consentâneo com as regras da experiência que o declarado corresponda à realidade, não se afigurando verossímil que a entidade bancária introduzisse cláusulas no contrato que não correspondem à realidade ou que as tivesse introduzido sem conhecimento ou contra a vontade dos demais intervenientes.
Do mesmo modo, não se nos afigura verossímil que nenhum dos intervenientes nos contratos de cessão tenha lido o documento que assinou. De facto, não nos parece razoável, atendendo à importância dos documentos em causa (do ponto de vista da impugnante estava em causa assegurar a viabilidade da sua actividade e evitar a insolvência [cfr., especialmente, o art.º 55º da p.i.]; do ponto de vista das cessionárias estava em causa assumir avultados compromissos financeiras de longo prazo: 96 rendas mensais de 1.083,70 €, no caso da “[SCom02...]”; uma renda no valor de 20.739,79 € e 87 rendas mensais de 484,21 €, no caso da “[SCom03...]”), que nem os representantes da impugnante, nem os representantes das sociedades “[SCom02...]” e “[SCom03...]”, os tenham lido. Note-se ainda que da parte da impugnante tiveram intervenção duas pessoas («AA» teve intervenção no contrato de 20-08-2013 e «DD» teve intervenção no contrato de 24-10-2013) e da parte das cessionárias tiveram intervenção, no total, quatro pessoas («EE» e «FF» tiveram intervenção no contrato de 20-08-2013 e «GG» e «HH» tiveram intervenção no contrato de 24-10-2013). Devemos acreditar que nenhuma destas pessoas leu o que assinou? Mais uma vez, tal resulta inverosímil, atendendo à relevância e às implicações financeiras dos negócios em causa.
Também os documentos particulares juntos aos autos com a p.i. como documentos nºs 9 e 10 não abalam esta convicção, por se tratar de documentos particulares elaborados pela impugnante depois de conhecido o teor do RIT, não podendo o Tribunal deixar de notar que em sede de audição prévia a impugnante nada alegou sobre esta matéria, o que também enfraquece a credibilidade dos documentos em causa.
Já a alegação relativa à ausência de correcções em sede de IRC não tem nenhum poder persua­sivo, desde logo porque se desconhece, por falta de alegação, que tipo de tratamento foi dado, pela impugnante, nesta cédula, às operações realizadas, não sendo de excluir que as mesmas tenham sido correctamente tratadas como mais ou menos valias.
A tudo quanto se acaba de dizer acresce ainda que a testemunha ouvida – «AA» – também não logrou convencer o Tribunal do alegado, dado que o seu depoimento não se mostrou isento e descomprometido, antes pelo contrário.
A testemunha em causa, embora tenha declarado ter sido administrador da impugnante apenas até 2013, demonstrou, em vários momentos, manter uma relação de grande proximidade com a impugnante, referindo-se à mesma, amiúde, como se fosse seu administrador (por exemplo, em determinado momento a testemunha disse que “tenho aquilo [os encargos financeiros junto do banco] reduzido a dois processos que me dá um encargo de três mil euros mensais”). Adicionalmente, o seu depoimento foi bastante vago e genérico, especialmente no que diz respeito às interacções mantidas com o banco. Tratou-se, portanto, de um depoimento claramente comprometido com a versão dos factos apresentada pela impugnante na petição inicial, prestado por alguém com evidente interesse no desfecho da causa e que não foi corroborado por mais ninguém.
A contraprova produzida nos autos pela impugnante não foi, assim, dada a sua fragilidade, de molde a criar a dúvida sobre os factos descritos no RIT.
Foram estes, em suma, os motivos que levaram o Tribunal a dar os factos D) e E) como provados e, concomitantemente, os factos 1) a 4) como não provados (art.º 346º do Código Civil [CC] e art.º 414º do Código de Processo Civil [CPC]).
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada por não ter relevância para a decisão da causa ou por não ser susceptível de prova, por se tratar de considerações pessoais ou de conclusões de facto ou de direito.»
2.2. De direito
A Recorrente ([SCom01...], S.A.) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA em falta e respetivos juros compensatórios referentes aos “Actos Isolados”, efectivados em 20.08.2013 e 24.20.2023, actos esses de cessão de posição contratual de contratos de locação financeira, e consequentemente absolveu a Fazenda Pública da instância.
In casu, discutia-se se a cessão da posição contratual de locatária num contrato de locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a tributação em sede de IVA e da verificação dos pressupostos de facto da mesma.
A sentença sob recurso conhecendo do (i) erro sobre os pressupostos de direito e de facto, de saber se a cessão da posição de locatário num contrato de locação financeira imobiliária é uma operação tributável em sede de IVA e, do (ii) vício de violação do direito de audição e do princípio da cooperação em sede de procedimento inspectivo, julgou a impugnação improcedente.
Inconformada, alega a Recorrente, em síntese, que a sentença padece de nulidade por violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes (artigo 605º do CPC e 114º do CPPT) [vide conclusões B. a G das alegações de recurso].
Seguidamente, questiona a matéria de facto dada por assente, por discordar por defeito do que resultou provado nos itens D) e E) e, bem assim, da matéria inserida nos factos não provados 1 a 4 do julgamento de facto, decorrente do depoimento da testemunha ouvida em audiência, requerendo a reapreciação da prova gravada e subsequente aditamento ao probatório e eliminação dos factos negativos [vide conclusões H. a N das alegações de recurso].
Mais alega, que corrigido o julgamento de facto, no sentido que proclama, qual seja o de as cessões de posição contratual terem sido realizadas a título gratuito, a sentença sob recurso viola o disposto nos artigos 4º, n.º 1 e 2, alínea b) e 16º, n.º 1 do CIVA [vide conclusões O. a T das alegações de recurso].
Por fim, contrapões que contrariamente ao decidido, ao longo do processo de fiscalização da Impugnante foi violado o seu direito de audição e o princípio da cooperação, de acordo com os artigos 60º da LGT e 163º do CPA.
2.2.1. Da nulidade da sentença por violação dos princípios da plenitude da assistência dos juízes
Encetamos a nossa apreciação pela nulidade cometida à sentença por violação dos princípios da plenitude da assistência dos juízes, remetendo desde logo para a sustentação da mesma levada a efeito pelo Mmº. juíz a quo, pois nos termos em que o faz, nos merece inteira anuência, pelo que aqui transcrevemos:
«O Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta matéria, nos seguintes termos: “No processo tributário, a obrigação legal de que o juiz que presidiu às diligências de prova seja o juiz que elabora a sentença só se impõe em relação aos processos entrados em juízo após 17 de Novembro de 2019, data em que entrou em vigor a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro (cf. art. 14.º), como resulta do disposto no art. 114.º do CPPT e da alínea a) do n.º 1 do art. 13.º da referida Lei” (acórdão de 10-03- 2021, processo nº 0272/14.3BEVIS, disponível em www.dgsi.pt).
Aderindo à jurisprudência citada e tendo em consideração que o presente processo entrou em juízo antes de 17-11-2019, concluímos que o princípio da plenitude da assistência do juiz não é aqui aplicável.
Em face do exposto, entendemos que a sentença recorrida não enferma da nulidade invocada, pelo que a mantemos nos seus precisos termos.»
Efectivamente, sobre a questão da prevalência do princípio da plenitude da assistência do juiz, no âmbito do contencioso tributário, já o Supremo Tribunal se pronunciou, mormente por via, dos acórdãos datados de 12.12.2012, processo n.º 01152/11 e mais recentemente nos acórdãos datados de 03.07.2019, processo n.º 01522/15, 10.03.2021, processo n.º 0272/14.3BEVIS e de 29.11.2023, processo n.º 590/14.0BELRA.
Assenta aquela jurisprudência unanimemente na conclusão de que no processo tributário o juiz a quem compete elaborar a sentença é aquele a quem o processo está distribuído e não necessariamente aquele que presidiu às diligências de prova, face à singularidade do próprio processo tributário em confronto com o regime existente no Código Processo Civil.
É certo que a aproximação do regime estabelecido no novo Código de Processo Civil ao regime que desde sempre vigorou no processo tributário, no tocante ao regime da prova e elaboração das sentenças, veio suscitar dúvidas, infundadas, de resto, sobre se também no processo tributário haveria que passar a fazer-se de modo diferente.
Porém, e face, às peculiaridades próprias do processo tributário, a questão foi ultrapassada pela doutrina do Supremo Tribunal Administrativo, em posição que veio a ser confirmada pelo legislador, em recente alteração ao CPPT, que passou a prever expressamente, no artigo 114°, que também no processo tributário passava a vigorar o princípio da plenitude da assistência do juiz, mas apenas para todos processos que dessem entrada em juízo após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17.09, cf. artigo 13°, n.º 1 e alínea a), o que não é manifestamente o caso dos autos.
Ou seja, a doutrina do STA firmou jurisprudência no sentido de que, no processo judicial tributário, o juiz competente para a elaboração da sentença era aquele a quem o processo se encontrava atribuído, e, bem assim, o próprio legislador expressamente legislou que tal princípio apenas vigoraria nos processos entrados em juízo após a entrada em vigor da referida Lei n.º 118/2019.
Tendo os presentes autos entrado em juízo em 2017, é manifesto que se lhe aplica a Jurisprudência citada o que conduz a que não ocorra a violação do aludido principio.
Improcede assim, sem mais, a nulidade em apreço.
2.2.1. Do erro de julgamento de facto
Argumenta a Recorrente que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto por não ter reconduzido à matéria dada como provada os factos tidos como não provados, que em si permitiam retirar a ilação da “gratuidade” das cessões das posições contratuais plasmadas nos contratos especificados nos itens D. e E. do probatório.
Pretende, deste modo, que com sustento no depoimento da testemunha ouvida, pois que as restantes arroladas foram prescindidas pelo mandatário da Impugnante (cf. acta de fls. 272 e seguintes do processo SITAF), atestado pelos documentos n.º 8 (extracto de conta de 01.01.2013 a 31.11.2013), n.º 9 e 10 (alteração aos contratos de cessão de posição parcial e contratual e aditamento ao contrato de locação financeira imobiliária, ambos firmados em 30.12.2016) juntos com a petição inicial , tivesse sido dada por provada a sua tese, de que os contratos de cessão da posição da Impugnante para a “[SCom02...]” e “[SCom03...]” foram a tútulo gratuito, inexistindo pressuposto de facto para efeitos de tributação.
Concretizando, os contratos celebrados em 20.08.2013 e 24.10.2013, espelhados nos itens D. e E. do probatório, foram-no a titulo gratuito, pois, contrariamente ao que discorre dos itens não provados, é verdade que os contraentes nunca transmitiram ao Banco outorgante que as cessões estavam sujeitas a um preço, de que a Cláusula II dos contrato supra referidos foi introduzida pelo Banco sem instruções ou ordens da impugnante ou do respectivo cessionário e que estes assinaram os contratos sem os lerem (vide itens 1) a 4) da matéria de facto não provada).
Alega a Recorrente, em suma, que a cláusula inserta nos contratos de cessão no qual expressamente se menciona o preço, não corresponde à realidade, o que na sua óptica ficou demonstrado em face da prova efectuada documental citada e no depoimento da testemunha inquirida, o que impõem alteração dos itens D. e E. mediante a eliminação do preço ali referenciado e o aditamento de que a cessão de posição foi a título gratuito.
Apreciando.
Na sentença sob recurso encontra-se devidamente sustentada a convicção formada pelo Tribunal a quo relativamente ao depoimento da testemunha e documentos juntos com a petição, fundamentação já aqui reproduzida supra, que se passa a reeditar no excerto pertinente:
«(…)
No que especificamente diz respeitos aos factos provados D) e E) e aos factos não provados 1) a 4), importa esclarecer que o Tribunal ficou convencido que a realidade corresponde ao declarado nos contratos de cessão de posição contratual, ou seja, o Tribunal ficou convencido que as cedências de posição contratual tiveram como contrapartida o preço mencionado nos respectivos contratos.
A convicção do Tribunal quanto a esse facto assentou na análise dos contratos, em cujas cláusulas II, nº 1 se fez constar o preço da cedência (151.210,54 € no caso da “[SCom02...]” e 104.301,74 € no caso da “[SCom03...]”), por se considerar que é lógico, normal e consentâneo com as regras da experiência que o declarado corresponda à realidade, não se afigurando verossímil que a entidade bancária introduzisse cláusulas no contrato que não correspondem à realidade ou que as tivesse introduzido sem conhecimento ou contra a vontade dos demais intervenientes.
Do mesmo modo, não se nos afigura verossímil que nenhum dos intervenientes nos contratos de cessão tenha lido o documento que assinou. De facto, não nos parece razoável, atendendo à importância dos documentos em causa (do ponto de vista da impugnante estava em causa assegurar a viabilidade da sua actividade e evitar a insolvência [cfr., especialmente, o art.º 55º da p.i.]; do ponto de vista das cessionárias estava em causa assumir avultados compromissos financeiras de longo prazo: 96 rendas mensais de 1.083,70 €, no caso da “[SCom02...]”; uma renda no valor de 20.739,79 € e 87 rendas mensais de 484,21 €, no caso da “[SCom03...]”), que nem os representantes da impugnante, nem os representantes das sociedades “[SCom02...]” e “[SCom03...]”, os tenham lido. Note-se ainda que da parte da impugnante tiveram intervenção duas pessoas («AA» teve intervenção no contrato de 20-08-2013 e «DD» teve intervenção no contrato de 24-10-2013) e da parte das cessionárias tiveram intervenção, no total, quatro pessoas («EE» e «FF» tiveram intervenção no contrato de 20-08-2013 e «GG» e «HH» tiveram intervenção no contrato de 24-10-2013). Devemos acreditar que nenhuma destas pessoas leu o que assinou? Mais uma vez, tal resulta inverosímil, atendendo à relevância e às implicações financeiras dos negócios em causa.
Também os documentos particulares juntos aos autos com a p.i. como documentos nºs 9 e 10 não abalam esta convicção, por se tratar de documentos particulares elaborados pela impugnante depois de conhecido o teor do RIT, não podendo o Tribunal deixar de notar que em sede de audição prévia a impugnante nada alegou sobre esta matéria, o que também enfraquece a credibilidade dos documentos em causa.
(...)
A tudo quanto se acaba de dizer acresce ainda que a testemunha ouvida – «AA» – também não logrou convencer o Tribunal do alegado, dado que o seu depoimento não se mostrou isento e descomprometido, antes pelo contrário.
A testemunha em causa, embora tenha declarado ter sido administrador da impugnante apenas até 2013, demonstrou, em vários momentos, manter uma relação de grande proximidade com a impugnante, referindo-se à mesma, amiúde, como se fosse seu administrador (por exemplo, em determinado momento a testemunha disse que “tenho aquilo [os encargos financeiros junto do banco] reduzido a dois processos que me dá um encargo de três mil euros mensais”). Adicionalmente, o seu depoimento foi bastante vago e genérico, especialmente no que diz respeito às interacções mantidas com o banco. Tratou-se, portanto, de um depoimento claramente comprometido com a versão dos factos apresentada pela impugnante na petição inicial, prestado por alguém com evidente interesse no desfecho da causa e que não foi corroborado por mais ninguém.
A contraprova produzida nos autos pela impugnante não foi, assim, dada a sua fragilidade, de molde a criar a dúvida sobre os factos descritos no RIT.
Foram estes, em suma, os motivos que levaram o Tribunal a dar os factos D) e E) como provados e, concomitantemente, os factos 1) a 4) como não provados (art.º 346º do Código Civil [CC] e art.º 414º do Código de Processo Civil [CPC]).
(…)»
Ora, relativamente à formação da convicção do Tribunal a quo, há aqui que referir, antes de mais, que no recurso em apreço a mesma não é concretamente afrontada, limitando-se os Recorrentes a repetir a sua tese, reproduzindo a quase totalidade do teor do depoimento da testemunha, concluindo que o mesmo terá referido “(...)ter sido ele a negociar as cessões de posição contratual, bem como nunca ter sido definido nem fixado qualquer valor a pagar à Impugnante pelas cessionárias, por força daqueles negócios e que os mesmos tiveram tão-só o objectivo de reduzir os encargos da empresa mantendo a sua viabilidade e solvência.”, pautando-se, tão só pela afirmação que tal depoimento ancorado nos documentos n.º 8, 9 e 10 demonstram que as cessões não envolveram o pagamento de qualquer preço e tecendo considerações sobre a necessidade de “admitir uma menor exigência relativamente à demonstração” de factos negativos, face a sua dificuldade de prova.
Compreendemos a posição da Recorrente quando alude a diabolica probatio inerente a prova de que o preço constante de um contrato afinal não corresponde a nenhum preço, não estamos a falar de disparidade de valores, mas tão só a um preço que não existiu na tese da Recorrente, sem que em concreto nenhuma prova directa existe nos autos de que aquele preço não lhes foi pago nem posto à disposição fruto dos contratos.
Mas olvida por certo a Recorrente, que a circunstância de o facto ser negativo não desonera a parte de o provar (Cf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 467, nota 1), o julgador deverá, nestes casos, seguir a máxima segundo a qual iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur. Uma menor exigência probatória imposta ao aplicador do direito, apenas exige dar mais relevo a prova tida por menos pertinentes.
Ora, tal imposição foi cumprida pelo julgador como discorre da fundamentação apresentada.
Por outro lado, este Tribunal ad quem partilha das razões adiantadas pelo Tribunal a quo para não se convencer pelo depoimento prestado pela testemunha inquirida, mais diremos que estranhamente as restantes testemunhas arroladas, testemunhas essas com intervenção nos contratos, perante a sua falta, foram prescindidas pelo mandatário da Impugnante, se bem que ciente da dificuldade da prova, porque diabólica, não atentou que as mesmas seriam fundamentais, atenta a parca prova documental, como disso dá nota o Mm.º Juiz ao referir que os documentos n.º 9 e 10 foram elaborados após o conhecimento do teor do RIT e, da sua vasta defesa apresentada em sede de inspecção em momento algum é, apesar dos valores em questão, aludido a gratuidade das cessões, o que de todo se estranha, sendo de retirar as devidas ilacções.
Com efeito, não só a tese adiantada pela Recorrente não é verosímil à luz da experiência e bom senso, como os mesmo não lograram provar a mesma, seja pelas razões adiantadas pelo Tribunal a quo, seja ainda pela audição da aludida testemunha por nós nesta sede recursória, não se apresenta de molde a instalar a dúvida junto deste Tribunal, bem pelo contrário, o mesmo releva-se manifestamente insuficiente e genérico para concluir o que aqui se pretende, do não pagamento de preço estipulado em contrato.
Por outro lado, impressiona a não apresentação de prova documental e ou testemunhal onde a mesma se revelaria indispensável.
De facto, não pode a Recorrente pretender que se aceite que não existiu qualquer contrapartida por força das cessões das posições contratuais, sem que mais se explique ou prove, sobre as relações existentes entre as partes, a existir outras contrapartidas que não um “preço” quais? Não pode é pretender afirmar a existência da cedência gratuita apenas com base em querer livrar-se do ónus das rendas mensais elevadas que lhe eram acometidas, cedendo a custo zero os valores que, entretanto, já havia despendido por força da vigência do contrato de locação firmado com o Banco.
Em suma, feita a reapreciação da prova testemunhal produzida e da prova documental, neste segmento terá que improceder o presente recurso.
2.2.1. Do erro de julgamento de direito
Concluída que está a apreciação dos erros de julgamento de facto imputados pela Recorrente à sentença em crise, e consequentemente, consolidada que está a decisão sobre a matéria de facto, há que prosseguir, apreciando os erros de julgamento de direito invocados.
Alega a Recorrente que tendo as cessões de posição contratual sido realizadas a título gratuito, não estavam sujeitas a IVA de acordo com os artigos 4.º, n.º 1 e 16º, n.º 1 do CIVA e, mesmo que assim não se entenda, atenta a inexistência de contraprestação, assente na sua gratuidade, sempre estaríamos perante uma liquidação de imposto de zero euros e uma vez que se destinava a fins não alheios à empresa afasta aplicação do artigo 4º, n.º 2 alínea b) do CIVA.
Ou seja, a indignação da Recorrente centra-se na preconizada alteração da matéria de facto que não logrou e que só por si vaticina o desfecho do recurso.
Vejamos da decisão de dar razão à aqui Recorrida, quanto a correção em causa, sustentada na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«A impugnante afirma, de forma conclusiva e não substanciada, num único artigo da petição inicial, que “a subsunção jurídica que a Administração fez desses factos é errada, uma vez que as operações em causa não são tributáveis em sede de IVA” (art.º 109º da p.i.).
Além de se tratar, como já se disse, de alegação conclusiva e não substanciada, trata-se igualmente de alegação que a impugnante parece ter abandonado em sede de alegações pré-sentenciais já que veio, nessa peça processual, alegar, citando jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que a cessão da posição contratual de locatária num contrato de locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a tributação em sede de IVA.
Efectivamente, da fundamentação do acórdão citado pela impugnante – o acórdão do STA de 12-09-2018, prolatado no processo nº 0570/17 – retira-se, por pertinente, o seguinte excerto (toda a jurisprudência citada pode ser consultada em www.dgsi.pt):
Está em causa o valor tributável para efeitos de IVA respeitante à cessão da posição contratual no âmbito de um contrato de locação financeira de bens móveis, cessão que o CIVA considera como prestação de serviços (Como salienta CLOTILDE CELORICO PALMA, «[o] conceito de prestação de serviços acolhido no Código do IVA não corresponde ao civilístico, de acordo com o qual o contrato de prestação de serviços é aquele mediante o qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (artigo 1154.º do Código Civil)» (Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.0 1, Almedina, 6.ª edição, pág. 82).) para efeitos da incidência do imposto (cfr. art. 4.º, n.º 1, do Código). Na verdade, a vocação de universalidade do IVA «implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável» (CLOTILDE CELORICO PALMA, ob. e loc. cit.); assim, para efeitos de incidência do imposto, a cessão de direitos constitui prestação de servi­ços.
No caso, não se questiona a qualificação como prestação de serviços da cessão da po­sição do locatário nos contratos de locação financeira, nem a sua sujeição a IVA – que dissemos já decorrer do n.º 1 do art. 4.º do CIVA –, nem sequer a taxa aplicável, que é prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA, na redacção em vigor à data.
Não obstante, dir-se-á ainda o seguinte.
O art.º 4º, nº 1, do Código do IVA (CIVA) dispõe que “são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”.
Dado que a impugnante alega que não recebeu qualquer contrapartida pela cedência da sua posição contratual (cfr., especialmente, os art.ºs 68º e 97º da p.i.), poder-se-ia pensar que as operações em causa nos autos não se encontram sujeitas a IVA por se tratarem de prestações de serviços realizadas a título gratuito, o que nos remete para a alegação relativa ao erro sobre os pressupostos de facto.
No entanto, mesmo que se pudesse dar como assente que as prestações de serviços em causa nos autos foram realizadas a título gratuito, tal não significaria, de per si, que as mesmas não estivessem sujeitas a tributação em sede de IVA.
É que o nº 2 do art.º 4º do CIVA sujeita a tributação um conjunto de prestações de serviços realizadas a título gratuito, como por exemplo “as prestações de serviços a título gratuito efectuadas pela própria empresa com vista (...) a fins alheios à mesma” (al. b)).
A jurisprudência do TJUE sobre o que se deve entender por “fins alheios” é escassa, mas, ainda assim, decorre dos poucos acórdãos que versaram o tema que este conceito incluirá tudo aquilo que esteja para além do necessário para que o sujeito passivo possa continuar a praticar as suas operações activas, pelo que só ficarão fora de tal conceito as prestações de serviços gratuitas em relação às quais se possa afirmar serem indispensáveis para o exercício da actividade, não bastando por isso a existência de um qualquer nexo indirecto entre a prestação de serviços em causa e a actividade da empresa (cfr. acórdãos do TJUE de 16 de Outubro de 1997, Julius Fillibeck Söhne GmbH & Co. KG, processo C-258/95 e de 11 de Dezembro de 2008, Danfoss A/S e AstraZeneca A/S, processo C‑371/07).
Se assim é, e dado que a cessão da posição de locatária num contrato de locação financeira não apresenta um nexo directo com a actividade da impugnante, também por esta via se concluiria que as operações em causa nos autos se encontram sujeitas a tributação em sede de IVA.
(...)
Do erro sobre os pressupostos de facto
O erro sobre os pressupostos de facto constitui uma ilegalidade material do acto que se traduz numa divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão e a sua efectiva verificação na situação em concreto, seja por se terem considerado, na decisão administrativa, factos não provados, seja por se ter atendido a factos desconformes com a realidade.
In casu, a impugnante alega que o pressuposto de facto em que a administração tributária (AT) se baseou – existência de um preço, de uma contrapartida, pelas cessões – não corresponde à realidade fáctica.
Ora, resulta da matéria de facto, provada (cfr. factos provados D) e E)) e não provada (cfr. factos não provados 1) a 4)), e respectiva motivação, que não assiste razão à impugnante, dado que resultou provado que as cedências de posição contratual tiveram como contrapartida os preços de 151.210,54 € e de 104.301,74 €.
Termos em que julgo este fundamento improcedente.» (fim de transcrição).
Ora, nada há a apontar à sentença recorrida na apreciação que faz da matéria em apreço.
Em sede de enquadramento temos que o contrato de locação financeira encontra-se disciplinado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho (
diploma com as seguintes alterações: DL n.º 265/97, de 02/10; Decl. Rect. N.º 17-B/97, de 31/10; DL 285/2001, de 03/11 e DL 30/2008, de 25/02), que estabelece logo no seu artigo 1.º a definição de locação financeira da seguinte forma; “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados. “.
Por sua vez, o artigo 11.º deste diploma autoriza a transmissão das posições jurídicas do locatário, desde que não haja oposição do locador.
Assim, o locatário (a parte que goza temporariamente do bem) pode ceder a sua posição contratual, ficando o adquirente ou cessionário com os direitos inerentes ao contrato (como a utilização do bem), e os deveres inerentes ao cumprimento do contrato (como o pagamento das rendas devidas até final do contrato de locação financeira).
Por sua vez, a transmissão da posição jurídica, designa-se mais comummente por cessão da posição contratual, a qual tem previsão nos artigos 424.º a 427.º do Código Civil, dispondo o n.º 1 do artigo 427.º, o seguinte: “1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.”.
A cessão da posição contratual (a propósito da qual se fala também em cessão do contrato ou assunção do contrato) distingue-se da cessão ou transmissão de créditos ou das dívidas, pois tem por conteúdo a totalidade da posição contratual, no seu conjunto de direitos e obrigações. A cessão da posição contratual implica a existência de dois contratos: o contrato-base e o contrato-instrumento da cessão, que é o realizado para transmissão de uma das posições derivadas do contrato base. E envolve três sujeitos: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário); e a contraparte do cedente no contrato originário, que passa a ser a contraparte do cessionário (contraente cedido ou, simplesmente, o cedido). A relação contratual que tinha como um dos titulares o cedente é a mesma de que se passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário.
Trata-se, pois, de uma modificação subjectiva, através da qual uma das partes do contrato é substituída por outra que passa a ser titular dos seus direitos e obrigações contratuais, ou seja, o contrato não se extingue, não há a celebração de um novo contrato, há apenas a substituição de um dos sujeitos que irá ocupar o lugar de um dos contraentes.
Tendo em conta o exposto constata-se que, em face da matéria dada como provada se verificou a cessão da posição contratual, encontrando-se esse facto tributário – cessão da posição contratual – sujeito a IVA, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA.
O contrato de cessão da posição contratual, para efeitos de IVA, configura um contrato de prestação de serviços, pois o cedente entrega o contrato-base, que correspondem à contraprestação da contrapartida recebida.
O conceito de «prestação de serviços» tem um carater residual, abrangendo todas as operações decorrentes da atividade económica que não sejam definidas como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
Ora, quando se cede a posição contratual durante a vigência do contrato de locação financeira, ou seja, antes de efetuada a opção de compra, verifica-se uma perda voluntária de um direito que o locatário abdica, atribuindo-o ou cedendo-o a outrem.
Como tal, esta operação constitui uma prestação de serviços tributada, sendo o valor tributável o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, ou seja, neste caso, o valor tributável será o valor estabelecido entre as partes, isto é, o valor da cedência a pagar pelo destinatário.
Conforme refere Conceição Soares Fatela, in “Cadernos IVA 2015”, quando no artigo intitulado «O IVA na Cessão da Posição Contratual da Locatária Financeira», a págs. 171 a 172 refere:
«Nos termos do disposto no artigo 16.º o valor tributável das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente. No caso da cessão da posição contratual que estamos a analisar, a cessão da posição contratual de locatária num contrato de locação financeira, a contraprestação obtida é, precisamente, o preço estipulado por esta cessão e que a cessionária terá de pagar à cedente, sendo este o valor tributável sobre o qual deverá incidir IVA. (…)
O contrato de locação financeira é, para efeitos de IVA, considerado uma prestação de serviços.
De igual modo, também um contrato de cessão da posição contratual de locatária financeira é considerado, para efeitos de IVA, um contrato de prestação de serviços. É este, também o entendimento defendido quer pela Autoridade Tributária quer pela Jurisprudência do TJUE.
Tendo o contrato de cessão da posição contratual como partes um ou dois sujeitos passivos de IVA, o mesmo tem obrigatoriamente de ser um contrato oneroso, havendo, portanto, lugar à estipulação de um preço, acordado entre as partes, que deverá ser pago pelo cessionário ao cedente.
É, precisamente, o preço estipulado que constitui o valor tributável e sobre o qual deverá incidir o IVA devido por esta prestação de serviços.».
Concluindo, a AT logrou demonstrar que se verificavam os pressupostos fáctico-jurídicos fundamentadores da sua actuação e, por outra banda, a Recorrente não logrou demonstrar a tese que defende da inexistência de um preço, de uma contrapartida, pelas cessões de posição contratual.
Deste modo, a sentença recorrida que assim entendeu não merece censura.
Prossegue a Recorrente alegando que a sentença sob recurso errou ao considerar que não foi violado o seu direito de audição e o princípio da cooperação, ao longo do processo de fiscalização que foi alvo (vide conclusões U. a Y. das alegações de recurso).
Vejamos.
O Tribunal a quo sustentou a sua decisão na seguinte fundamentação, que se transcreve «Nos art.ºs 15º a 39º da p.i., a impugnante alega, de forma assaz conclusiva e pouco (ou mesmo nada) circunstanciada, que foram violados o direito de audição e o princípio da cooperação.
Lida a alegação contida nesta parte da p.i., constata-se que a impugnante apenas produz considerações vagas e genéricas, não identificando um único facto concreto que possa dar corpo à alegada violação do direito de audição e do princípio da cooperação.
Constata-se ainda que a pronúncia apresentada em sede de audição prévia (cfr. facto provado G)) nada tem a ver com as liquidações de IVA ora impugnadas.
Se a pronúncia apresentada em sede de audição prévia nada tem a ver com as liquidações ora impugnadas, não se vislumbra como pode ter havido, no que diz respeito a essas liquidações, violação do direito de audição ou do princípio da cooperação.
De qualquer modo, dir-se-á ainda o seguinte.
A impugnante considera que o facto de o direito de audição ter sido analisado na parte final do RIT constitui violação do direito de audição e do princípio da cooperação porquanto “por uma questão sistemática inerente ao relatório, como se entende que fossem relevados os factos, que são importantes para as questões em análise na presente inspeção, se os mesmos apenas são analisados após a formulação das conclusões?” (art.º 31º da p.i.). Ou seja, a impugnante considera que o RIT deveria começar por analisar o direito de audição e só depois, mediante a análise efectuada, deveriam ser expostas as conclusões do procedimento inspectivo; já a estrutura adoptada demonstra, segundo alega, que o direito de audição não foi devidamente ponderado (cfr., especialmente, os art.ºs 16º, 17º, 30º, 32º e 33º da p.i.).
Também neste ponto não tem a impugnante razão.
O RIT segue a habitual estrutura padronizada e a circunstância da última parte do RIT ser constituída pela análise do direito de audição não representa, em si mesma, nenhuma violação do direito de audição ou do princípio da cooperação.
A impugnante teve a oportunidade de se pronunciar acerca do projecto de RIT e essa sua pronúncia foi analisada, encontrando-se expressos no RIT os motivos pelos quais os SIT entenderam que tal pronúncia não era susceptível de alterar as propostas de correcção relativas ao IRC (cfr. factos provados G) e J)).
Pode-se, naturalmente, concordar ou discordar dessa análise, o que não se pode dizer é que o alegado pela impugnante não tenha sido tomado em consideração.
O respeito pelo direito de audição e pelo princípio da cooperação não obriga a que os SIT adiram ao entendimento jurídico ou factual defendido pela impugnante, impondo apenas que expliquem por que motivo a ele não aderem, o que, in casu, sucedeu. É que, tal como a própria impugnante reconhece, “da página 19 até à página 23 (...) o relatório apenas analisa o que foi alegado pela Impugnante e conclusões como corretas ou incorretas” (art.º 20º da p.i.).
É certo que a impugnante discorda do sentido da decisão proferida pela AT, porém, como dissemos, o respeito pelo direito de audição e pelo princípio da cooperação não impõe à AT o dever de concordar com o sujeito passivo, apenas lhe impõe o dever de o ouvir, de ponderar o alegado e de explicar por que motivos não adere à posição defendida pelo sujeito passivo.
Termos em que também este fundamento da impugnação é julgado improcedente.» (fim de transcrição)
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não nos merece censura, devendo ser mantida ordem jurídica.
Advém que em sede de recurso, o entendimento vertido na sentença sob recurso mantem-se incólume perante as afirmações inconsistentes e destituídas de conteúdo da Recorrente apresentadas em sede de recurso versus fundamentação da sentença, efectivamente perante o declínio da aventada alteração de facto proposta nos termos supra veiculados, o afirmado pela Recorrente não logra pôr em causa apreciação e valoração veiculada pelo Tribunal a quo, sendo que não incumbe a este Tribunal ad quem reapreciar ex novo o decidido.
Acolhendo o discurso fundamentador da sentença sob recurso, a qual, em face da factualidade nele adquirida e da argumentação jurídica produzida pugna pelo seu acerto, nenhumas outras considerações se afigura necessário acrescentar perante as conclusões de recurso e alegações apresentadas, restando, pois, concluir, que a sentença não enferma da nulidade que lhe foi assacada, nem errou no julgamento de facto e, consequentemente do alegado erro de direito apontado cuja sindicância tinha intrínseca a alteração da matéria de facto ou sua valoração, pelo que, em consequência, é a mesma de manter na ordem jurídica.

2.3 Conclusões
I. O princípio da plenitude da assistência dos juízes, corolário dos princípios da oralidade e da imediação na apreciação da prova, não é um princípio absoluto. Com a alteração ao Código de Processo Civil introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que entrou em vigor a 1 de setembro de 2013, este princípio passou a aplicar-se também à fase da audiência final, pois que o julgamento da matéria de facto passou a conter-se nesta.
II. No processo tributário o juiz a quem compete elaborar a sentença é aquele a quem o processo está distribuído e não necessariamente aquele que presidiu às diligências de prova, face à singularidade do próprio processo tributário em confronto com o regime existente no Código Processo Civil.
III. Fundando a Administração Tributária a correção no teor de contrato de cessão de posição contratual de contrato de locação financeira assinado entre o sujeito passivo e uma sociedade, cabe ao sujeito o ónus da prova de que o preço ali estipulado não corresponde a realidade, porque a vontade das partes era a da gratuidade da cessão.
IV. O contrato de cessão da posição contratual, para efeitos de IVA, configura um contrato de prestação de serviços, pois o cedente entrega o contrato-base, que correspondem à contraprestação da contrapartida recebida.
V. Nos termos do disposto no art. 16.º, n.º 1, do CIVA, «o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro»
VI. Na cessão da posição contratual de locatária num contrato de locação financeira, o valor tributável para efeitos de IVA é, em princípio, o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, ou seja, é o preço estipulado para a cessão e que a cessionária terá de pagar à cedente.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 21 de março de 2024

Irene Isabel das Neves
Graça Valga Martins
Virgínia Andrade