Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00344/10.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/21/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:INDEMNIZAÇÃO; JUÍZOS DE EQUIDADE; LIQUIDAÇÃO EM INCIDENTE; N.º3 DO ARTIGO 566º DO CÓDIGO CIVIL,
ARTIGOS 378º, N.º2, E 661º, N.º2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:1. Na fixação de indemnização só se pode recorrer a juízos de equidade no caso de não ser possível determinar o montante exacto dos prejuízos – n.º3 do artigo 566º do Código Civil.

2. Sendo possível liquidar posteriormente o respectivo valor, em incidente próprio, deve ser este o meio utilizado para se obterá indemnização devida, sem prejuízo de aí se concluir pela necessidade de fixar a indemnização por recurso aos critérios de equidade – artigos 378º, n.º2, e 661º, n.º2, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:I.. Lda.
Recorrido 1:Município (...) e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.. L.da. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, de 19.10.2020, pela qual foi julgada apenas parcialmente procedente a acção administrativa comum que deduziu contra o Município (...), ora recorrido, a empresa H. L.da, e a Companhia de Seguros (...)., para condenação dos Réus ao pagamento dos prejuízos (danos emergentes e lucros cessantes) que sofreu em consequência de uma inundação que ocorreu no seu estabelecimento comercial provocada por chuvas intensas que se verificaram em (...) em 25..082007 e pelo desvio de uma linha de água que existia nas proximidades no âmbito dos trabalhos de execução de uma obra deste município, a empreitada Via Circular a (...) – 1.ª Fase, levada a cabo pela empresa demandada, sendo que apenas o Município foi condenado e as Rés absolvidas do pedido.

Invocou para tanto que a decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto, tendo dado como não provados factos que deveria ter dado como provados quer face aos documentos juntos aos autos e que não foram por ninguém impugnados quer face aos depoimentos de testemunhas; pelo que, no seu entender, o valor da indemnização deveria ter sido fixado em quantia não inferior a 200.196,26 € (duzentos mil, cento e noventa euros e vinte seis cêntimos) e alterando-se, consequentemente, o valor devido a título de custas.

O Município recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença ora impugnada.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) A água que entrou nas instalações da Autora atingiu uma altura nunca inferior a 1,50 m (um metro e cinquenta centímetros).

b) Em nenhuma fase do processo, a veracidade das facturas juntas pela Autora na sua petição inicial., correspondentes a “vidros e porta; material informático, tal como processadores, monitores, discos, teclado, rato, software, impressora e scanner; mobiliário de escritório, tais como cadeiras, secretarias, prateleiras, estantes; material de escritório, tal como caderno, canetas; mercadoria em stock, tal como tabaco, chicletes, chocolates, café”, - cf. nº 53 dos factos provados, - foi impugnado pelas Rés.

c) Todos os sujeitos processuais aceitaram que essas facturas juntas pela Autora para comprovar a existência desse material, correspondiam ao material, bens e equipamentos que foram totalmente destruídos pela cheia ocorrida no dia 25 de Agosto de 2007.

d) Após o sinistro sub judice a Autora não realizou nenhum outro acto de comércio, - não comprou nem vendeu mercadoria, equipamentos ou bens, - pelo que não podem existir dúvidas “tais bens correspondessem aos identificados nas facturas que juntou aos autos, e, consequentemente, o seu valor, designadamente o que resultou da prova pericial”.

e) A Autora não era proprietária de outros bens com idêntica natureza, nem era proprietária, arrendatária, possuidora ou comodatária de outros local, pelo que nos ensina a mais elementar lógica, que só esse podiam ser os bens destruídos e reclamados.

f) Todas as testemunhas, mesmo as arroladas pelas Rés, foram peremptórias a afirmar que a devastação provocada pelo cataclismo foi total e que nada se aproveitava, tudo era lixo, logo ficaram sem utilidade ou qualquer valor comercial.

g) Dos depoimentos das testemunhas supratranscritos, não podia resultar qualquer hesitação do julgador quanto à destruição de tudo que se encontrava no escritório e armazém da Autora, bem como a completa correlação entre esses bens e os relacionados nos autos, dos quais foi peticionado o seu pagamentos.

h) Sendo um micro empresa, não tendo os seus sócios capacidade financeira e possibilidade de recurso a crédito, sem património para oferecer como garantia – até porque tudo que tinha ficou destruído, - pudesse continuar com a sua laboração tendo em conta a perda total do seu acervo patrimonial, pelo que ficou definitivamente entravada a continuação do exercício da sua actividade.

i) A Autora nunca mais conseguiu exercer a sua actividade tendo sido obrigada a vender a sua carteira de clientes no ano de 2010, para pagar os graves prejuízos acumulados.

Nesta esteira, julgamos existir ancoradouro bastante para:

j) Quanto às mercadorias destruídas, porque o seu valor é manifesto, claro e inequívoco, - quantia verificável pela leitura dos documentos n.º 28 e 29 junto com a petição inicial, não contestados, logo admitidos -até porque sobre ele não foi apresentada qualquer oposição, deverá esse Tribunal considerar assente a quantia de € 83.026,26 (oitenta e seis mil, vinte e seis euros e vinte e seis cêntimos), acrescidos de juros à taxa legal contados desde 25 de Agosto de 2007, até integral pagamento - vd artigos 58.º a 61.º da petição inicial e alínea b) do pedido aí formulado, - condenando quem a final for responsável a proceder ao seu pagamento à Autora.

k) Porque também totalmente destruído, deverá similarmente ser considerada provada a matéria correspondente ao valor peticionado para ressarcimento da destruição do material informático, mobiliário e material de escritório.

l) Aceitando-se, ainda que em seu prejuízo, os valores determinados pelo Relatório Pericial, que assumiu a avaliação dos mesmos pelo critério da depreciação/amortização fiscal, (um dos possíveis) – que quase sempre é inferior ao valor real dos bens, quem têm uma grandeza superior, - pelo que deverá ser considerado, pelo menos, o valor ali determinado de € 7.170,05 (sete mil, cento e setenta euros e cinco cêntimos), verba obtida pelo somatório da resposta dada aos quesitos 1 a 9, do Relatório Pericial.

m) A Autora teve incomensuráveis prejuízos, não podendo nunca esquecermo-nos dos danos morais causados ao sócio gerente P., que viu a sua situação económica e da sua família arruinada, tendo, infelizmente, morrido na quase miséria, pela penosa espera na resolução de um problema que foi alheio e em nada contribuiu, apresentando-se-nos ser uma realidade que não merece contestação, até pela evidência dos factos, condenara a Ré ou Rés responsáveis numa indemnização por lucros cessantes.

n) Aceitando-se, até por dever de ofício, o recurso à equidade, entende a Autora que ser acertada, justa e equilibrada uma quantia nunca inferior a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) para ressarcimento dos lucros cessantes sofridos.

o) A Autora deverá, no somatório dos valores supra reclamados, ser endemizada em valor nunca inferior a € 200.196,26 (duzentos mil, cento e noventa euros e vinte seis cêntimos) e alterando-se, consequentemente, o valor devido a título de custas.

p) O Tribunal a quo julgou incorrectamente factos que se encontram documentalmente provados, artigos 362.º e seguintes do Código Civil, tendo ainda sido violados os artigos 574.º, 596.º, 410.º, 412.º, 413.º, 446.º, 608.º do Código de Processo Civil.

q) Porque se entende que na apreciação o Decisor da 1ª Instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, deverá esse Colendíssimo Tribunal no uso dos poderes conferidos pelo artigo 662.º n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil modificar nessa parte a sentença a quo.

Termos em que, acolhido nos termos do disposto no artigo 144º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ao recurso deve ser dado provimento, alterando-se a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela nos termos pugnados nas presentes alegações, com o que V. Ex.cias, Venerandos Desembargadores, farão a esperada Justiça !!!
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II –Matéria de facto.

a. A rectificação de erros de escrita.

Determina o artigo 614.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Retificação de erros materiais, que:

1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.

No caso dos pontos 52 e 54 verificam-se dois erros de escrita que de tão evidentes e simples, ninguém pôs em causa e não se justifica agora, em nosso entender, por uma questão de economia processual, mandar baixar os autos apenas para rectificação destes erros, no cumprimento rigoroso do preceito acabado de citar.

No ponto 52 onde se escreveu 0,90 cm queria dizer-se, como resulta evidente do contexto, 0,90 m (90 cm)

No ponto 54 onde se escreveu “A Autora obteve os seguintes resultados líquidos nos anos de 2004 a 2005” queria escrever-se, como resulta do quadro que logo se segue, “A Autora obteve os seguintes resultados líquidos nos anos de 2004 a 2010”.

Pelo que se rectificam estes pontos nestes termos.

b. O erro no julgamento da matéria de facto.

Na decisão recorrida deram-se como não provados os seguintes factos:

“10. Em consequência da inundação das suas instalações e dos danos provocados nos bens que ali se encontravam, a A. viu-se impossibilitada de continuar a exercer a sua atividade comercial,

11. Pois não dispunha dos meios necessários, tanto a nível de stock de mercadorias, bem como no que se reporta aos bens necessários para o exercício da atividade comercial,

12. Deixando de obter lucros nos seguintes montantes:

€ 51.675,90, referentes ao exercício do segundo semestre de 2007;
€ 118.854.56, referentes ao exercício de 2008;
€ 136.682,74, referentes ao exercício de 2009.”

Com esta fundamentação:

“Quanto aos danos sofridos pela A. importa dar nota que foi parca a prova produzida. Com efeito, não bastava à A. juntar aos autos as faturas de alegados equipamentos, materiais e produtos adquiridos por si e/ou pelo seus sócios, para daí se poder concluir que tais bens foram danificados pela inundação. Cabia-lhe, desde logo, produzir prova de que aqueles concretos bens constantes das faturas e dos registos de stock se encontravam, à data, em uso e nas instalações da A. que foram alvo das inundações e, por outro, concretizar quais bens foram danificados, pois que das próprias fotografias juntas aos autos se verifica existirem materiais que, por se encontrarem, a uma altura superior à da água não terão ficado inutilizados.

Os depoimentos de C., A., C., D., R., J., associados às fotografias juntas aos autos, apenas permitiram ao Tribunal concluir pela existência do material identificado no ponto 52 dos Factos Provados como danificado, mas sem se poder fazer a correspondência entre esses bens e os constantes de fls. 46 e ss. do suporte físico.

Refira-se que a este respeito a prova pericial acabou por se revelar inócua, pois que permitindo avaliar o valor dos bens objeto das faturas, não é apto a demonstrar que foram aqueles bens que sofreram os danos alegados pela A.

De igual modo a A. não produziu qualquer prova quanto à factualidade por si alegada e inserta nos pontos 10 a 12 dos Factos não provados. Com efeito, não só nenhuma das testemunhas ouvidas se pronunciou quanto às consequências que os danos no material existente nas suas instalações determinaram na atividade comercial, designadamente referindo que a A. paralisou a sua atividade, como na ausência de documentação contabilística reveladora de ativos e passivos, mostrava-se impossível aferir da causalidade entre esses danos e os resultados obtidos.

Note-se que não se tratam de factos notórios concluir pela impossibilidade da A. exercer a sua atividade comercial, nem os prejuízos ao nível de lucros cessantes que sofreu. À mingua de uma concreta demonstração quanto aos bens perdidos, da sua essencialidade para a atividade e da inexistência de meios da A. ou possibilidade da A., designadamente por ausência de seguro ou impossibilidade de recurso a crédito, para suprir as carências resultantes dos danos causados nas suas instalações, o Tribunal não dispunha de elementos e dados objetivos suficientes para considerar demonstrada tal factualidade”.

Entendemos assistir no essencial razão ao Recorrente.

Todas as testemunhas são unânimes em referir, como resulta dos trechos citados pelo Recorrente, que tudo o que estava no estabelecimento do Recorrente ficou destruído.

A própria testemunha a que o Tribunal – e bem – deu mais credibilidade, o soldado da Guarda Nacional Republicana que se deslocou ao local para tomar conta da “ocorrência”, quando questionado sobre a inundação e destruição do que se encontrava no local, o confirma, pois respondeu da seguinte forma:

“(minuto 3:29:59)

Mandatário Autora: O Sr. foi chamado ao local e o que é que o Sr. viu?”

Testemunha: “Diga”.

Mandatário Autora: “faça-me um resumo? ”

Testemunha: “No local, no dia em que lá chegamos estava tudo inundado de água, estava o tabaco a boiar.”

Mandatário Autora: Qual era a altura? Os Srs. conseguiram entrar?

Testemunha: Não, não conseguimos.

Mandatário Autora: Qual era a altura?

Testemunha: Seguimos até ao meio da rampa mais ou menos mas não conseguimos entrar.

Mandatário Autora: Qual era a altura mais ou menos da água?

Testemunha: Não seu precisar e ao tempo que foi.

Mas estava tudo inundado e nem dava hipótese de entrar?

Testemunha: Sim?

Minuto 3:31:15

Mandatário Autora: Viu o material que estava lá?

Testemunha: Vimos tabaco a boiar e pastilhas na água.

Mandatário Autora: Os computadores?

Testemunha: O que estava mais dentro? Não chegamos a entrar.

Mandatário Autora: Mas se aquela parte estava destruída?

Testemunha: Possivelmente estava tudo.”

Mas mais do que a prova testemunhal ou até as fotografias do local – que apenas revelam o nível das águas e o aparente estado das coisas danificadas no momento em que as fotografias foram tiradas, depois do “pico” da enchente verificada nas instalações da Recorrente –, importa reter a prova documental apresentada e que não foi posta em causa por nenhum dos demandados.

Ora em particular dos documentos juntos com os números 28 e 29 com a petição inicial (saídas de “stock” n.ºs 1/2007 e 2/2007, com a data de 24.10.2007) se confirma um abatimento dos bens em stock, destinados ao comércio da Recorrente, no valor de 83.026,26 € (oitenta e seis mil, vinte e seis euros e vinte e seis cêntimos).

O que é confirmado pelo relatório pericial que nesta parte afirma:

“A sociedade Autora tinha um acompanhante permanente por parte de um técnico da Autoridade Tributária, face ao seu volume de negócios, havendo uma interacção sistemática entre o contabilista e o técnico da AT responsável pelo acompanhamento. De acordo com o Perito da Autora a saída de stock, referida nos documentos 28 e 29, foi comunicada à Autoridade Tributária (AT) a operação de destruição e abate das mercadorias tendo, no seu entender, sido feito de acordo com o disposto na lei, sendo que no momento da destruição dos bens, por indisponibilidade da AT não se deslocou nenhum funcionário para presenciar o abate.”

Este valor de resto, é compatível com os valores da declaração de IRC 2007 apresentada pela Autora - e que não foi posta em causa -, assim como o facto dado como provado sob o n.º 54, de que a Recorrente teve um resultado líquido negativo nesse ano, de -95.969,18 €.

Não se vê de onde possa resultar o abatimento destas existências que não seja devido ao facto de terem ficado destruídas com a inundação, no contexto de todos os demais factos provados.

Quanto às consequências que os danos no material existente nas instalações determinaram na atividade comercial, designadamente a paralisação da sua atividade, ao contrário do decidido, mostra-se possível aferir da causalidade entre esses danos e os resultados obtidos.

Na verdade, também das declarações de IRS dos anos 2007 a 2010 – reflectidas no facto dado como provado sob o n.54, bem como dos documentos juntos com os números 28 e 29 com a petição inicial, saídas de “stock” n.ºs 1/2007 e 2/2007, com a data de 24.10.2007, se pode concluir, sem qualquer dificuldade, que a ora Recorrente ficou sem “stock” de mercadorias em Outubro de 2007 e que tal resultou da sua destruição nas inundações de Agosto desse ano.

Quanto ao valor do material informático, mobiliário e material de escritório destruído e face aos meios de prova acima mencionados, não vemos razão para nos afastarmos do valor fixado no relatório pericial, de 7.170,05 € (sete mil, cento e setenta euros e cinco cêntimos), verba obtida pelo somatório da resposta dada aos quesitos 1 a 9.

Sendo certo que não foi feita prova – ou sequer alegado – que a Recorrente tinha outro local – próprio ou arrendado – para desenvolver a sua actividade e sendo certo também que resultou de toda a prova testemunhal que o material ali visto aparentava estar todo inaproveitável.

Sem “stock” de mercadorias e sem material para trabalhar, como é evidente, a actividade comercial da Recorrente tinha de cessar.

Deverão assim ser aditados, como provados os seguintes factos, como base na prova acabada de apreciar:

58. Em consequência da inundação das suas instalações e dos danos provocados nos bens que ali se encontravam, a Autora viu-se impossibilitada de continuar a exercer a sua atividade comercial”.

59. Pois não dispunha dos meios necessários, tanto a nível de stock de mercadorias, bem como no que se reporta aos bens necessários para o exercício da atividade comercial.

Quanto aos lucros cessantes não se trata de matéria provada ou não provada dado que estamos perante mero exercício especulativo do lucro que hipoteticamente a Recorrente teria se não tivesse cessado a actividade.

c. Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio por grosso de bebidas alcoólicas, retalho de máquinas de tabaco, artigos de tabacaria e bazar, comércio a grosso e retalho de tabaco, chicletes, rebuçados, café, chá, cacau e especiarias, com sede na Rua (…) – folhas 21 do suporte físico dos autos.

2. A Autora exercia a sua atividade e detinha estabelecimento comercial na cave do prédio sito na Rua (…), descrito na Conservatória de Registo Predial sob o numero 00057/171285 e aí registada a sua aquisição a favor de J. e I. – folhas 3 do processo administrativo.

3. O referido prédio dispunha nas suas traseiras localizadas a Norte e Nascente de logradouro situado abaixo da cota dos terrenos confinantes.

4. Sendo aí ladeado por muro constituído por blocos sobrepostos.

5. Que não dispunha de resistência para suporte de terras.

6. O estabelecimento comercial dispunha de estação elevatória e poço de bombagem, constituída por eletrobombas destinadas a encaminhar, respetivamente, as águas residuais e as águas pluviais recolhidas ao nível da cobertura, terraços e rampa, para os coletores públicos – folhas sem número do processo administrativo.

7. No âmbito do pedido de licenciamento de obras de remodelação do estabelecimento comercial apresentado pela Autora junto do Município (...), e por este aprovado por despacho de 14.7.2005, mostrava-se prevista a execução de “paredes exteriores de muros de vedação: paredes em betão armado […] no muro de delimitação do lote localizado a sul e poente e norte; paredes exteriores de muros de contenção de terras: paredes em betão armado”, nos termos constantes do projeto cujo teor aqui se dá por reproduzido – folhas sem número do processo administrativo.

8. Anteriormente à construção da Via Circular a (...) existia um canal/linha de água, com cerca de 1 metro de profundidade em relação à cota dos terrenos confinantes, que vinha, pelo menos desde a Barroca, seguindo aproximadamente no sentido Poente – nascente, atravessando os terrenos para o fontanário e daí seguindo na direção da Rua (...).

9. Nas proximidades da qual existiam duas passagens hidráulicas para escoamento de águas.

10. O prédio referido em 2. situava-se aproximadamente a Norte e Nascente da linha de água, confrontando a sul com a Rua (...) e nas proximidades de uma das passagens de escoamento.

11. Em dias de chuva as águas pluviais espraiavam-se e infiltravam-se pelos campos e terrenos confinantes ao prédio referido em 2, encaminhando-se e circulando para a linha de água e desta para as passagens de escoamento.

12. O Município (...), através da N., S.A., elaborou projeto para a execução da Via Circular Norte, posteriormente designada Via Circular a (...), com vista a estabelecer a ligação rodoviária entre o núcleo tradicional da vila e a zona periférica a norte/poente – folhas sem número do processo administrativo.

13. O traçado da Via Circular a (...) desenvolve-se, aproximadamente no sentido Poente – Nascente, desde a interseção da Rua dos (…) à interseção com a Rua (...) e Jardim (…) – folhas sem número do processo administrativo.

14. O projeto da Via Circular a (...) foi dividido em três fases, a primeira compreendendo o troço entre a Rua dos (...) e Rua da (...), a segunda correspondendo ao troço entre a Rua da (...) e a Rua (...) e a terceira ao troço entre a Rua (...) e o Jardim (...) – folhas sem número do processo administrativo.

15. O traçado da Via Circular a (...), nas partes correspondentes aos três troços, desenvolve-se sobre terrenos que constituíam uma bacia hidrográfica e por onde seguia a linha de água,

16. Prevendo-se no projeto, no lado esquerdo da Via Circular a (...) atento o sentido poente-nascente e ao longo de toda a sua extensão entre a Rua dos (...) e o Jardim (...), um canal com secção trapezoidal para a condução das águas, dessa bacia hidrográfica, linha de água e pluviais que ali afluíam, até às passagens hidráulicas e colectores existentes na aproximação à Rua (...) e Jardim (...) e a serem alvo de intervenção com vista ao aumento da sua capacidade – folhas sem número do processo administrativo.

17. O Município (...) optou por executar a obra no sentido Poente - Nascente, executando em primeiro lugar, os troços compreendidos entre a Rua dos (...) e a Rua (...) e, em segundo, lugar o troço entre a Rua (...) e o Jardim (...) – folhas sem número do processo administrativo.

18. O 1.º Réu dividiu a execução da construção da Via Circular a (...) em duas fases, correspondendo a 1.ª Fase à execução dos troços entre a Rua dos (...) e Rua da (...) e entre esta última e a Rua (...) e a 2.ª Fase ao troço entre a Rua (...) e o Jardim (...) – folhas sem número do processo administrativo.

19. O prédio referido em 2. confronta a Nascente e Norte com o troço da Via Circular a (...) – 2.ª Fase.

20. Situando-se do lado direito da Via Circular a (...), no sentido Poente – Nascente – cf. plantas juntas ao processo administrativo.

21. Por deliberação camarária de 20.1.2006 foi aberto o concurso publico para adjudicação da Empreitada de Construção da Via Circular a (...) – 1.ª Fase (doravante Via Circular a (...) – 1.ª Fase ou apenas 1.ª Fase), compreendendo os troços entre a Rua dos (...) e Rua da (...) e entre esta e a Rua (…) – folhas sem número do processo administrativo.

22. Na sequência de adjudicação, os trabalhos correspondentes à execução da Empreitada Via Circular a (...) – 1.ª Fase foram executados pela H..

23. No âmbito dos trabalhos de execução da Empreitada Via Circular a (...) – 1.ª Fase, o empreiteiro realizou trabalhos de aterro e eliminou a linha de água na parte em que corria nos troços abrangidos pela obra a seu cargo,

24. E executou o canal de condução de águas até à Rua (...).

25. Em 17.4.2006 o Chefe de Divisão de Obras Municipais da Camara Municipal de (...) elaborou informação propondo a aprovação do projeto do troço da Via Circular a (...) entre a Rua (...) e o Jardim (...) e a abertura de concurso publico para a execução da empreitada de ¯Construção da Via Circular a (...) – 2.ª Fase – Troço Rua (...) – Jardim (…) (doravante Empreitada Via Circular a (...) – 2.ª Fase), constando da mesma que ¯foi previsto dentro do corredor verde um canal com secção trapezoidal (3x1) revestido a pedra de xisto da região para condução das aguas pluviais resultantes das bacias a montante desse troço” – folhas sem número do processo administrativo.

26. Por deliberação camararia de 21.4.2006 foi aberto o concurso público para adjudicação da Empreitada Via Circular a (...) – 2.ª Fase, de acordo com o caderno de encargos e projeto de execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual se extrai:

“1.1.1. Na execução dos trabalhos e fornecimentos abrangidos pela empreitada e na prestação dos serviços que nela se incluem observar-se-ão:
[…]
a) As clausulas do contrato e o estabelecido em todos os documentos que dele fazem parte;
[…]
A restante legislação aplicável, nomeadamente a que respeita à construção […], à responsabilidade civil perante terceiros;
As regras de arte.
1.1.2. Para os efeitos estabelecidos na alínea a) da clausula 1.1.1. consideram-se integrados no Contrato o Projeto, este Caderno de Encargos e os restantes elementos patenteados em concurso e mencionados no índice geral, a proposta do empreiteiro
[…]

9 - INSTALAÇÕES, EQUIPAMENTOS E OBRAS AUXILIARES
9.1 - Trabalhos preparatórios e acessórios:
- O empreiteiro é obrigado a realizar todos os trabalhos que, por natureza ou segundo o uso corrente, devam considerar-se preparatórios ou acessórios dos que constituem objecto do contrato.
- Entre os trabalhos a que se refere a cláusula anterior compreendem-se, designadamente, salvo determinação expressa em contrário deste caderno de encargos, os seguintes: […]
Os necessários para garantir a segurança de todas as pessoas que trabalhem na obra, incluindo o pessoal dos subempreiteiros, e do público em geral, para evitar danos nos prédios vizinhos e para satisfazer os regulamentos de segurança, higiene e saúde no trabalho e de polícia das vias públicas;
O restabelecimento, por meio de obras provisórias, de todas as servidões e serventias que seja indispensável alterar ou destruir para a execução dos trabalhos previstos no contrato e para evitar a estagnação de águas que os mesmos trabalhos possam originar;
[…]
i) Os trabalhos de escoamento de águas que afectem o estaleiro ou a obra e que se encontrem previstos no projecto ou sejam previsíveis pelo empreiteiro quanto à sua existência e quantidade à data da apresentação da proposta, quer se trate de águas pluviais ou de esgotos quer de águas de condutas. de valas, de rios ou outras;
[…]
9.1.3. O empreiteiro é obrigado a realizar à sua custa todos os trabalhos que devam considerar-se preparatórios ou acessórios dos que constituem o objeto do contrato
[…]”
“Projeto de Execução – Tomo I Projeto Rodoviário
[…]
A “VCN” – Fase 3, tem inicio na Rua (...) onde termina a Fase 2 do Projeto de Execução da VCN e desenvolve-se para nascente, fazendo a ligação à Rua (...), próximo do Jardim (…).
[...]
Refira-se ainda que o perfil longitudinal deste eixo foi construído por forma a que na parte final se consiga garantir cotas de projeto que permitam a ligação ao existente.
[…]
Dado que a via projetada se desenvolve praticamente na totalidade do traçado em situação de aterro […]
As obras de drenagem destinam-se fundamentalmente a dar continuidade ao sistema de drenagem natural da zona envolvente da obra que virá a ser afetada pela construção. […]”

- Folhas sem número do processo administrativo.

27. O projecto de execução da Via Circular a (...) – 2.ª Fase previa a execução da ligação da parte do canal de condução das aguas pluviais executado na Empreitada Via Circular a (...) -1 ª Fase à parte do canal de condução das aguas pluviais executado na Via Circular a (...) – 2.ª Fase – folhas sem número do processo administrativo.

28. Por deliberação de 5.4.2007 a Empreitada Via Circular a (...) – 2.ª Fase foi adjudicada pelo Município (...) à 2.ª Ré, H., Lda – folhas sem número do processo administrativo.

29. Tendo sido em 5.4.2007 celebrado entre o 1.º e a 2.ª Rés contrato de empreitada para a execução da Empreitada Via Circular a (...) – 2.ª Fase – folhas 145 e seguintes dos autos.

30. E em 10.4.2007 deu-se a consignação dos trabalhos da empreitada Via Circular a (...) – 2.ª Fase à 2.ª Ré, lavrando-se auto cujo teor aqui se dá por reproduzido – folhas 238 e seguintes dos autos.

31. Nessa data, os trabalhos da Via Circular a (...) – 1.ª Fase - já se encontravam concluídos.

32. Em virtude da eliminação da linha de água nos troços abrangidos pela Empreitada Via Circular a (...) – 1.ª Fase, da execução, pelo empreiteiro da 1.ª Fase, e da ausência de ligação do canal de condução de águas pluviais à linha de água nos terrenos abrangidos pela empreitada Via Circular a (...) - 2.ª Fase, no troço entre a Rua (...) e o fontanário, encontrava-se sem água e coberta de vegetação.

33. Apenas sendo visível o troço da linha de água compreendido entre o fontanário e a Rua (...).

34. No âmbito dos trabalhos da empreitada Via Circular a (...) – 2.ª Fase a 2.ª Ré procedeu aos trabalhos de desmatação e decapagem nos terrenos abrangidos pela obra.

35. Encontrando-se, por volta de 25.8.2007, a executar trabalhos de aterro para colocar o traçado do arruamento à cota prevista no projeto.

36. Nessa data, a plataforma do arruamento, no troço entre o fontanário e a Rua (...), encontrava-se já a cota superior à dos terrenos confinantes, apresentando um talude de cerca de 1 metro de altura.

37. E, bem assim, uma ligeira inclinação para o lado esquerdo considerando o sentido Poente-Nascente.

38. Existindo do lado esquerdo um rego para encaminhamento das águas que caíssem da plataforma e as que provinham do fontanário.

39. A 2.ª Ré manteve, ao longo da empreitada, o rego acabado de referir e as passagens hidráulicas existentes abertas e limpas.

40. No âmbito dos trabalhos de execução a empreitada, a 2.ª Ré eliminou a linha de água existente e referida supra.

41. A execução dos trabalhos pela 2.ª Ré era fiscalizada pelos funcionários do Município (...).

42. Que pediam aos funcionários da 2.ª Ré para manter limpas as passagens hidráulicas e o canalete do lado esquerdo para escoamento de águas.

43. No dia 25.8.2007, na região de (...), ocorreram, entre as 15.30h e as 17.00h, aguaceiros fortes, em que a quantidade de precipitação alcançou os 15 a 20 milímetros - folhas 688.

44. Atingindo a intensidade de precipitação de 10 milímetros em 10 minutos, ocorrendo uma tromba de água – folhas 688 dos autos.

45. Em virtude das chuvas fortes ocorreu uma sobrecarga nos caudais de águas que confluíam e eram conduzidos pelo canal executado na empreitada Via Circular a (...) – 1.ª Fase.

46. Em consequência, as águas provenientes do canal executado na empreitada Via Circular a (...) – 1.ª Fase galgaram o canal e a plataforma da Rua (...), e afluíram à plataforma de aterro que se encontrava a ser executada pela 2.ª Ré e aos terrenos adjacentes ao lado direito desta.

47. Juntando-se às águas pluviais que caíam na plataforma e nos terrenos abrangidos pela 2.ª Fase.

48. E escorreram pela plataforma de aterro, pelos taludes e pelos terrenos confinantes à direita.

49. Embocando no muro Norte do prédio referido em 2.

50. Em virtude da pressão exercida pela força das águas o muro do prédio referido em 2. foi derrubado.

51. Entrando a água pelo logradouro do prédio referido em 2., rebentando o vidro e inundando as instalações da Autora.

52. A água que entrou pelas instalações da Autora atingiu uma altura de cerca de 0,90 m (90 cm).

53. Em consequência da inundação das suas instalações ficaram danificados os seguintes bens que ali se encontravam: vidros e porta; material informático, tal como processadores, monitores, discos, teclado, rato, software, impressora e scanner; mobiliário de escritório, tais como cadeiras, secretarias, prateleiras, estantes; material de escritório, tal como caderno, canetas; mercadoria em stock, tal como tabaco, chicletes, chocolates, café.

54. A Autora obteve os seguintes resultados líquidos nos anos de 2004 a 2010:


Ano Resultado líquido
2004 27.504,25 €
2005 5.756,44 €
2006 3.340,72 €
2007 - 95.969,18 €
2008 - 31.234,05 €
2009 - 3.755,43 €
2010 54.744,72 €

- Cf. relatório pericial, folhas 61 e seguintes 371 e seguintes e 623 e seguintes dos autos.

55. Mostrava-se tecnicamente inviável a abertura de uma vala provisória, com caraterísticas semelhantes ao canal a construir previsto no projecto, para escoamento das águas que advinham do canal executado na 1.ª Fase.

56. Entre a 2.ª R. e a Companhia de Seguros (...), S.A., foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º 87/38.722, tendo por objeto a garantia da atividade de trabalhos de construção civil / obras publicas, sendo o capital seguro de € 1.500.00,00, sujeito a uma franquia geral de 10%, no mínimo de € 174,58, regendo-se pelas condições particulares e gerais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e das quais se extrai, além do mais,

“Condições Particulares
(…)
Artigo 4.º - Exclusões
Ficam sempre excluídos os seguintes danos:
a) Decorrentes de actos ou omissões do segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável;
(…)
m) Originados por motivo de força maior, nomeadamente os associados a […] trombas de água, ciclones, inundações […]
(…)
3. Salvo convenção expressa em contrario nas Condições Especiais ou Particulares e sem prejuízo de outras exclusões nelas constantes, o presente contrato não garante também os danos:
(…)
e) Resultantes de lucros cessantes, paralisações de actividade e perdas indirectas de qualquer natureza
(…)
Condições Especiais
(…)
Artigo 3.º - Exclusões
Ficam excluídos desta Condiçao Especial, para alem do disposto no art. 4.º das Condições Gerais:
(…)
c) Resultantes da inobservância de disposições legais ou regulamentares. (…)

- folhas 124 e seguintes do SITAF.

57. Nos anos de 2005 a 2007 os valores da precipitação registados na Estação Meteorológica de Vila Real, mais próxima de (...), atingiram,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- Folhas 692 e seguintes do SITAF.

58. Em consequência da inundação das suas instalações e dos danos provocados nos bens que ali se encontravam, a Autora viu-se impossibilitada de continuar a exercer a sua atividade comercial”

59. Pois não dispunha dos meios necessários, tanto a nível de stock de mercadorias, bem como no que se reporta aos bens necessários para o exercício da atividade comercial.
*
III - Enquadramento jurídico.

Dado que não foi posta em causa a existência dos pressupostos da responsabilidade civil do Município (...) – e apenas deste -, mas tão-só o montante indemnizatório fixado, só sobre este tema cabe a este Tribunal de recurso emitir pronúncia.

Assim, face à matéria de facto dada como provada, temos por assente que a Recorrente teve como prejuízos, danos emergentes, as seguintes parcelas:

- O valor de 83.026,26 € (oitenta e seis mil, vinte e seis euros e vinte e seis cêntimos), relativo aos bens em stock destruídos.

- O valor de 7.170,05 € (sete mil, cento e setenta euros e cinco cêntimos), relativo ao material informático, mobiliário e material de escritório destruído, verba obtida pelo somatório da resposta dada aos quesitos 1 a 9 do relatório pericial.

Mas no que respeita aos prejuízos, os lucros cessantes, resultantes da cessação da actividade, os montantes peticionados são claramente exagerados.

A indemnização por danos patrimoniais deve revestir, em primeiro lugar, a forma de reconstituição natural - artigo 562º do Código Civil.

Apenas quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor tem lugar a indemnização em dinheiro que tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos – n.ºs 1 e 2 do artigo 566º do Código Civil.

Só se pode recorrer a juízos de equidade no caso de não ser possível determinar o montante exacto dos prejuízos – n.º 3 do artigo 566º do Código Civil.

Sendo possível liquidar posteriormente o respectivo valor, em incidente próprio, deve ser este o meio utilizado para se obterá indemnização devida, sem prejuízo de aí se concluir pela necessidade de fixar a indemnização por recurso aos critérios de equidade – artigos 378º, n.º2, e 661º, n.º2, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.

No caso concreto, o lucro a ter em conta é o lucro líquido e não o líquido bruto porque só o lucro líquido representa a vantagem que a Recorrente obteria se mantivesse a sua actividade, pois ao lucro bruto sempre teria de deduzir os custos e encargos – artigos 562º e 566º, n.º2, do Código Civil, e artigo 3º do Regime Jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31.12.

E tem de se recorrer à equidade por não haver elementos, nem mesmo em eventual liquidação em execução de sentença, para se fixar o valor destes lucros cessantes – n.º3 do artigo 566º do Código Civil.

Neste contexto a média dos valores líquidos dos anos 2004 a 2006 mostra-se excessivo quer pela queda abrupta de 2004 para 2005 quer pela crise – facto público e notório - nos anos 2008 e seguintes.

Mostra-se mais adequado e justo ficcionar os lucros líquidos que poderiam ter sido obtidos em 2007 a 2010 numa média de 4.000 € (quatro mil euros), um pouco abaixo - tendo em conta a tendência decrescente destes lucros - da média dos anos com lucros líquidos mais próximos, 2005 e 2006.

Como a cessação da actividade no ano de 2007 se verificou apenas no último trimestre, apenas será considerado neste ano o valor de 1.000 € (mil euros).

O que dá como lucros cessantes de 2007 a 2010, o valor global de 13.000 € (treze mil euros).

Tudo, danos emergentes e lucros cessantes, no valor global de 103.196,31 € (cento e três mil, cento e noventa e seis euros, e trinta e um cêntimos.

Os juros de mora são devidos desde a citação – artigo 805º, n.º1, do Código Civil.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A. Revogam parcialmente a sentença impugnada, na parte ora recorrida.

B. Julgam a acção parcialmente procedente nestes distintos termos:

1. Condenam o Município demandado a pagar à Recorrente a indemnização global de 103.196,31 € (cento e três mil, cento e noventa e seis euros, e trinta e um cêntimos).

2. Absolvem na parte restante do pedido o Município.

C. Custas em ambas as Instâncias por Recorrente e Recorrido na proporção do decaimento.
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Porto, 21.05.2021

Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco