Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00710/10.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:DISCIPLINAR. DEMISSÃO. CGD.
Sumário:
I – Do art.º 6.º do RDFC de 1913 (Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 1913 - cuja aplicação foi salvaguardada aquando da transformação da CGD em sociedade anónima, visto o n.º 2 do art.º 7.º do diploma que a operou, o DL 287/93, de 20/08) não consta a pena de aposentação (compulsiva), assim sendo de impossível erro que, esgrimida como mais adequada, não seja essa a pena aplicada. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CVLV
Recorrido 1:Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:CVLV (R. I…, M…, V...) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que julgou improcedente acção administrativa especial intentada contra a Caixa Geral de Depósitos, S.A. (Avª João XXIII, nº 63, Lisboa), na sequência de deliberação desta que lhe aplicou pena de demissão.
*
O recorrente conclui:
A) Da matéria acusatória, resulta que não foi imputado ao recorrente qualquer facto que implicasse o desvio de aplicações da Recorrente para outra entidade, designadamente o facto de a cliente da Caixa Ana Bernardino ter sido induzida pelo recorrente, sem saber o que estava a fazer, a sacar um cheque de 25.000,00€ da sua conta à ordem para a adquirir produtos da Seguradora A....
B) Esse facto não pode fundamentar uma deliberação punitiva de demissão.
C) Atribuir factos não constantes da Nota de Culpa/Acusação ao recorrente e sustentar neles uma sanção punitiva aplicada é sancionado por nulidade insuprível, invocável a todo o tempo.
Com directa implicação em direitos fundamentais nomeadamente no direito à Segurança no Emprego (artigo 58 da CRP) e Direito ao Trabalho (artigo 52º da CRP).
D) O AE publicado no Boletim de Trabalho e Emprego nº 47 de 22/12/2007, refere na sua cláusula 109, nº 11, e transcreve-se:
“Na decisão devem ser ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação da sanção à culpabilidade do trabalhador, bem como os pareceres que tenham sido juntos nos termos do nº 9, sendo o caso e não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou dirimirem a responsabilidade.”
E) A matéria a este propósito entendida como provada pelo Tribunal a quo, e fundamental para sustentar a deliberação punitiva de demissão não pode manter-se,
F) O Tribunal está impossibilitado de conhecer matéria para além da que consta da acusação a única dada como provada pelo instrutor do processo e transcrita no relatório final.
G) A deliberação punitiva ponderou matéria que considerou provada para além da provada no PD.
H) Foram dados como provados todos os factos constantes de 1 a 9 da acusação, onde em nenhum ponto consta a afirmação de que “…valendo-se da sua posição funcional e no seu posto de trabalho – “Front-office”, na agencia de V... – ter vendido produtos financeiros da companhia de seguros A..., nomeadamente, induzindo uma cliente a liquidar uma conta Caixa Poupança e a subscrever a aplicação financeira universal poupança 5%, daquela seguradora no valor de € 25.000,00.”
I) A douta sentença em crise ao dar como provada esta matéria, incorre também na nulidade em que incorre a deliberação punitiva, porquanto esta matéria não consta de nenhum artigo da acusação e consequentemente não consta da matéria dada como provada no relatório final, não podendo por isso validamente constar da deliberação punitiva.
J) Nulidade insanável invocável a todo o tempo, que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos.
L) Violou a este propósito a douta sentença em crise o disposto no 133º e 134º do CPA e 53º e 58º da CRP.
M) A O.S.31/2004 de 23.12.2004 junta aos autos a fls …para alem do que o Mº Juiz “ a quo” refere na sua douta sentença diz no seu ponto 3:
“Os empregados que em resultado da sua actividade anterior à admissão na CGD ou de herança, sejam detentores de carteiras de seguros poderão assegurar a sua manutenção, devendo comunicar tal facto à DPE”
N) O recorrente, juntamente com seu pai, detinha a sociedade C&D;
O) Não ficou demonstrado nos autos desde quando essa sociedade estava constituída
P) Tendo em conta os pontos 15, 16 conjugados com os pontos 1 e 2 da matéria de facto constante da douta sentença poderemos concluir que, a sociedade em causa provem mesmo de antes da admissão do recorrente na CGD em 1983.
Q) Estava unicamente obrigado a comunicar a sua actividade à DPE nos termos no nº 3 da O.S supra referida e transcrita
R) O autor alega que comunicou verbalmente ao Director Regional de V... essa sua actividade
S) O Director Regional é seu superior hierárquico tinha competência para o comunicar a DPE,
T) O Autor com tal comunicação ficou convencido que a sua obrigação ficara cumprida.
U) Os movimentos na conta do empregado CV, analisados na douta sentença em crise, ocorrem num período compreendido entre 1.1.2008 e 16.2.2009, período no qual o pai do recorrente sofreu alguns AVC’s e veio mesmo a falecer em Janeiro de 2009 e são provenientes da gestão da carteira de seguros de seu pai e, porventura da sociedade que o tribunal divisou.
V) Nenhum desses movimentos tem a ver com clientes da caixa.
X) Trata-se de movimentos que ocorrem na conta do Recorrente e que nenhum prejuízo trouxeram à Caixa.
Z) Tais movimentos demonstram mesmo que o Recorrente e porque deu conhecimento dessa actividade ao Director Regional de V..., estava de boa-fé e nada escondia.
AA) E há até movimentos posteriores a 1 de Janeiro de 2009 data do óbito de seu pai, e por isso também abrangidos pela excepção prevista pela ordem de serviços supra referida.
BB) Ainda assim, este facto por si só não justifica a pena de demissão aplicada ao recorrente por se tratar de uma pena desproporcionada e injusta ate tendo em conta a actividade que o pai do recorrente também exerceu enquanto funcionário da Ré sem qualquer reparo por parte desta.
CC) O Recorrente no decurso da sua carreira profissional de 27 anos, teve cinco promoções por mérito e nas avaliações de desempenho a que foi sujeito obteve a notação de adequado, que corresponde ao regular desempenho da função.
DD) As promoções por mérito demonstram que a entidade recorrida reconheceu capacidades ao Recorrente para o exercício da sua actividade bastantes para o promover por mérito cinco vezes, e tal tem de ser ponderado na ponderação da pena.
EE) A matéria provada expurgada da nulidade supra invocada, demonstra que não ocorre impossibilidade de manutenção do vínculo laboral, nem existe uma situação de quebra absoluta ou abalo profundo da relação de confiança entre o trabalhador e o empregador.
FF) A ruptura da relação laboral não é irremediável porque outras sanções são susceptíveis de corresponder à crise contratual ocorrida.
GG) Violou a douta sentença em crise, entre o mais o disposto no art. 19º do ED de 1913, bem como o clausula 109º, nº 11 do AE da empresa.
Sem prescindir, e se se entender que ainda assim tudo o que consta no relatório, mesmo para lá da nota de culpa, se encontra provado, ainda assim a pena disciplinar aplicada é excessiva.
HH) A ponderação feita sobre a aposentação compulsiva não teve em conta a possibilidade da sua aplicação uma vez que entendeu que não se aplicava.
II) Dando como válido tudo quanto consta do relatório final e da deliberação punitiva, fica manifesto que o recorrente não demonstrou capacidade moral para interiorizar os valores que as normas constantes das ordens de serviço em causa e referidas na douta sentença determinavam.
JJ) A violação de tais normas “culposamente”, tal demonstra uma incapacidade moral para o cargo e por isso legitimavam a ponderação da pena da aposentação compulsiva.
LL) Nenhum dos actos imputados na deliberação punitiva em causa configura facto ou acto desonroso.
MM) Facto ou acto desonroso é aquele que ofende a honra de alguém, nomeadamente facto desonesto, ignominioso, aviltante.
NN) Nenhum facto ou acto destes praticou o Recorrente, nem lhe foi imputado, sendo que os factos constantes da nota de culpa e imputados ao recorrente não são factos desonrosos.
OO) Movimentar a sua conta com depósitos e transferências enquanto se encontrava na CGD e alguns deles através do seu terminal;
PP) Ajudar uma cliente da Caixa a proceder a aplicações de dinheiro seu em produtos da Recorrida,
QQ) No limite, “vender produtos de empresa concorrente, sabendo que tal actividade lhe estava vedada e que desviava aplicações da R para outra entidade”, como se diz na douta sentença em crise, configura incapacidade moral para o cargo, não se tratando de factos desonrosos.
RR) A pena adequada deveria ser no limite a aposentação compulsiva.
SS) Violou a douta sentença em crise o disposto no art. 19º do ED de 1913, bem como o DL – 19468 de 16 de Março de 1931.
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Contra-alegou a recorrida, dando em conclusões:
1. O Tribunal a quo julgou bem fazendo correcta decisão sobre a matéria de facto e aplicação do direito aos factos que ficaram provados, não merecendo por isso a censura que lhe faz o Recorrente.
2. Como bem entendeu a Meritíssima Juiz a quo, a decisão de demissão do Recorrente foi inteiramente lícita, proporcional e justa.
3. A matéria de facto provada não deixa dúvidas quanto à licitude da demissão do Recorrente.
4. Provou-se integralmente a matéria que fora imputada ao Recorrente, designadamente, como consta do ponto 6 dos factos provados.
5. Os factos imputados ao Recorrente, acima descritos, e que ficaram provados nos presentes autos assumem a forma de infracções disciplinares muito graves, em virtude da violação, por parte do mesmo, dos deveres profissionais de zelo, lealdade, obediência, diligência e isenção a que estava vinculado.
6. Como bem concluiu a Meritíssima Juiz a quo, os factos em causa, de acordo com o critério a que usualmente a jurisprudência recorre, ou seja, a de um bom pai de família, colocado na posição concreta do agente, impõem concluir-se forçosamente, que o Recorrente não adoptou um esforço exigível ao funcionário bancário médio e normal, sendo a sua conduta passível de um juízo de censura, ou seja, agiu com culpa.
7. Com a sua actuação culposa e objectivamente grave violou o Recorrente, como bem concluiu a Meritíssima Juiz a quo, os deveres funcionais a que estava vinculado, nomeadamente, os deveres de zelo, lealdade, obediência, diligência e isenção.
8. Como consequência da gravidade da sua conduta, esta compromete, de forma irremediável, a subsistência da relação funcional, por quebra absoluta de confiança por parte da Recorrida no mesmo, não podendo exigir-se a um empregador razoável que mantenha ao seu serviço um funcionário em quem não pode confiar.
9. Como tem sido orientação dominante da Jurisprudência a perda de confiança não admite gradações, já que a confiança existe ou deixa de existir. Deixando de existir, não há o suporte psicológico mínimo para a subsistência da relação funcional.
10. Como também concluiu a Meritíssima Juiz a quo, não era exigível à Recorrida, perante o grave comportamento culposo do Recorrente, que mantivesse a subsistência do vínculo funcional estabelecido entre as partes.
11. Diga-se ainda quanto à pretendida pelo Recorrente aplicação da sanção de aposentação compulsiva que, com também entendeu a Meritíssima Juiz a quo, tal sanção não era aplicável no caso.
12. Como se disse, quanto a esta matéria, no elenco das sanções disciplinares previstas no artigo 6.º do Regulamento Disciplinar de 1913, as penas disciplinares iam desde a advertência até à demissão, sendo que a pena de aposentação compulsiva não constava do rol das mesmas.
13. No caso dos presentes autos, a pena de aposentação compulsiva, não é passível de ser aplicada ao Recorrente, em virtude de a sua conduta profissional não ser passível de enquadramento em nenhuma das situações referidas nas alíneas a), b) e c), anteriormente referidas.
14. Nestas condições, como bem concluiu a Meritíssima Juiz a quo, a ponderação da pena a aplicar ao Recorrente, no âmbito do processo disciplinar que lhe foi movido, e dada a gravidade da sua conduta, só podia ser a de demissão.
15. Falecem, assim in totum os argumentos do presente recurso.
16. A douta sentença recorrida não merece a censura que lhe faz o Recorrente, e deve, por tudo quanto se expôs, ser confirmado, negando-se provimento à Apelação.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitiu parecer.
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Os factos que a decisão recorrida julgou provados são os que constam da decisão recorrida, para onde se remete (art.º 663º, nº 6, do CPC).
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De direito:
A decisão recorrida julgou a acção improcedente, mantendo o acto impugnado na ordem jurídica e absolvendo a ré dos pedidos que contra si foram formulados pelo Autor.
O teor do acto impugnado é o seguinte:
“…Apreciado o processo disciplinar instaurado contra o empregado CVLV, o Conselho dá o seu inteiro acordo aos fundamentos de facto e de direito constantes do Relatório Final, considerando provados, nos termos do mesmo Relatório, os factos indicados pelo Instrutor do processo e que fazem parte da Nota de Culpa deduzida contra o arguido. Tal Relatório constitui, pois, parte integrante da presente Deliberação, para todos os efeitos legais. Deste modo, tendo em consideração a conduta do arguido, consubstanciada, em síntese, no facto de: - No âmbito da gestão efectiva de uma carteira de seguros, valendo-se da sua posição funcional e no seu posto de trabalho – “front-office” na Agência de V... –, ter vendido produtos financeiros da Companhia de Seguros A..., nomeadamente, induzindo uma cliente a liquidar uma conta Caixa-Poupança e a subscrever a aplicação financeira “Universal Poupança 5%”, daquela Seguradora, no valor de € 25.000,00, em clara violação do disposto na Instrução de Serviço nº 31/2004, de 23/12, designadamente a alínea b) do nº 1 e alínea b) do nº 2, Parte II - Incompatibilidades; - Ter efectuado movimentos na “caixa” onde operava em contas de que era titular ou sobre as quais dispunha de poderes de movimentação, ao arrepio do previsto na Ordem de Serviço nº 16/90, de 12/04, e das instruções expressas da Gerência. O Conselho concorda com a gravidade que emerge de tal conduta. Com efeito, com tal actuação, o arguido cometeu infracções disciplinares muito graves, por violação, por parte do mesmo, de deveres profissionais que sobre ele impendiam, nomeadamente os de lealdade, isenção, diligência, zelo e obediência. Nestes termos, tendo em atenção os actos praticados pelo arguido, as circunstâncias que concorrem a favor do mesmo e o Parecer da Comissão de Trabalhadores, de acordo com os artigos 5.º, 6.º, n.º 10.º, 8.º, n.º 1.º, e 19.º do Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 22 de Fevereiro de 1913, publicado no Diário do Governo n.º 44, de 24 de Fevereiro de 1913, que continua a aplicar-se na Caixa Geral de Depósitos, conforme jurisprudência pacífica do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Administrativo – cfr., i. a., Acórdão de 24 de Maio de 2005, recurso n.º 927/02, Acórdão de 5 de Julho de 2005, recurso n.º 755/04-20, e Acórdão de 25 de Outubro de 2005, recurso n.º 831/04-20 –, o Conselho aplica ao empregado CVLV a sanção disciplinar de demissão. Publique-se e dê-se conhecimento ao arguido, entregando-se-lhe cópia desta Deliberação e do Relatório do Instrutor do Processo, e remeta-se cópia desta Deliberação à Comissão de Trabalhadores…[cfr. factualidade julgada provada em 13)].
O recorrente vê aqui uma nulidade insuprível, já que nesta decisão punitiva, a seu ver, se ponderou factualidade não constante da acusação (sequer do relatório final), e, portanto, de que também o tribunal “a quo” se não poderia servir.
Decorre da leitura que a decisão punitiva fez seus os “fundamentos de facto e de direito constantes do Relatório Final, considerando provados, nos termos do mesmo Relatório, os factos indicados pelo Instrutor do processo e que fazem parte da Nota de Culpa deduzida contra o arguido” e avaliou disciplinarmente “a conduta do arguido, consubstanciada, em síntese” no que a seguir discorreu, o que o recorrente tem como novidade factual.
Bem ou mal que esteja essa síntese, comporte ou não “acréscimo”, novidade é que agora esgrima tal questão, não tratada na sentença (nem, sequer, causa levada a p. i.).
E «No nosso sistema jurídico é função do recurso a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados, com excepção das questões de conhecimento oficioso.» - (Ac. deste TCAN, de 07-07-2017, proc. nº 01964/13.0BEPRT).
Não colhe a esgrimida violação do “disposto no 133º e 134º do CPA e 53º e 58º da CRP”.
O recorrente sustenta também que face à O.S.31/2004, de 23.12.2004, apenas estava obrigado a comunicar a sua actividade à DPE, ficando convencido que cumpriria com comunicação verbal ao Director Regional de V....
Na decisão recorrida entendeu-se que “em nada releva a comunicação verbal eventual do Autor ao Director Regional de V... da Ré, já que o Autor bem sabia que teria de comunicar o exercício de actividade exterior, por escrito, à Ré, nos moldes prescritos para tal efeito”.
O recorrente não demonstra qual o erro.
Nem, aliás, está demonstrada a alegada comunicação verbal (e, intercalando, observar-se-á que do despacho proferido nos autos em 20/09/2010, dispensando produção de prova, não foi agora interposto recurso, como ocuparia, conforme aferido em despacho de 17/11/2017), nem se compreende razão para essa alegada forma de comunicação verbal – parcelar e verbal – e convencimento, quando até, como se dá conta no processo de averiguações da Direcção de Auditoria Interna (DAI) da Ré “o empregado CV tem vindo a comunicar à DPE, em cada ano, o desempenho de actividades na área da formação da Escola Nacional de Bombeiros e de 2º Comandante dos Bombeiros Voluntários de V...”. [cfr. factualidade julgada provada em 6)]; como faz notar a sentença recorrida “o Autor, juntamente com o seu pai, detinham a sociedade “C&D”; sendo que, desde Março de 2002, o Autor possuía uma “procuração irrevogável” outorgada pelo seu pai e desde, pelo menos, tal data - e com especial insistência, no ano de 2008 -, que o Autor geria a carteira de clientes do seu pai, não tendo dado conhecimento oficial de tal facto à Ré [cf. factualidade julgada provada em 18) a 20)].”.
O recorrente assinala também a existência de movimentos que ocorrem na conta do Recorrente e que nenhum prejuízo trouxeram à Caixa, movimentos que não respeitam a clientes da ré.
Mas daí não surte qualquer êxito de censura à sentença.
Nunca constituiu razão disciplinar a existência de movimentos tais; mas isso não impede compreensão de menção na abrangência de demonstração da actividade que se imputou ao autor desenvolver; também assim a sentença evidenciou que “ao contrário do alegado pelo Autor, a sanção disciplinar que lhe foi aplicada pela Ré não teve por fundamento as aplicações do dinheiro da cliente Ana Bernardino que aquele fez na Ré. Acresce que não está em causa, nos autos, o facto de a cliente ter assinado o cheque, nem se estava devidamente informada do destino a dar ao mesmo, mas sim o facto de o Autor, ter estado, na sua qualidade de empregado da Ré, a vender produtos de empresa concorrente, bem sabendo que, não só tal actividade lhe estava vedada, como estava, a final, a desviar aplicações da Ré para outra entidade - o que consubstancia uma violação grave do dever de lealdade.”.
Merece também censura do recorrente a pena aplicada, que não vê como adequada.
A sua adequação (e a não aplicação de aposentação compulsiva) foi ponderada na sentença recorrida, ajuizando que:
«(…)
a gravidade da sua conduta comprometeu, de forma irremediável, a subsistência da relação funcional, por quebra absoluta de confiança por parte da Ré no mesmo, não podendo exigir-se a um empregador razoável que mantenha ao seu serviço um funcionário em quem não pode confiar. Consequentemente, à Ré não era exigível que, perante o grave comportamento culposo do Autor, mantivesse a subsistência do vínculo funcional estabelecido entre as partes.
(…)
e não obstante o Autor, no decurso da sua carreira profissional, ter tido cinco promoções por mérito (sendo que, nas avaliações de desempenho a que foi sujeito, o Autor obteve notação de “adequado”, correspondente ao “regular desempenho da função”) [cf. Factualidade julgada provada em 14)], o acto impugnado também não violou os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa-fé [consignando o n.º 2, do art. 266.º (Princípios fundamentais) do texto constitucional consigna que “…os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé…”], na medida em que a pena de demissão se afigura proporcional, adequada, equitativa e justa. Com efeito, o Autor não reunia condições para beneficiar da aplicação da sanção de aposentação compulsiva; porquanto, no elenco das sanções disciplinares previstas no art. 6.º do Regulamento Disciplinar de 1913, as penas disciplinares aí previstas vão desde a advertência até à demissão, sendo que a pena de aposentação compulsiva não consta do rol das mesmas.
Porém, esse elenco foi alterado no seu conteúdo em 1928 e em 1931, passando a haver uma nova pena expulsiva - a de aposentação compulsiva [com efeito, o Decreto n.º 16.116 de 07 de Novembro de 1928, estatui, no seu art. 1.º, que “…aos funcionários punidos com as penas culminadas em qualquer dos números 6º a 9º do Regulamento Disciplinar dos funcionários civis aprovado pelo Decreto de 22 de Fevereiro de 1913, pode ser imposta a aposentação por determinação do Ministro respectivo se não houver vaga onde possa ser colocado, independentemente de inspecção médica e qualquer que seja a idade do funcionário, desde que tenha mais de quinze anos de serviço…”; sendo que, em 1931, foi publicado o Decreto n.º 19.468 de 16 de Março (o qual revogou expressamente o Decreto n.º 16.116), mas manteve no elenco das penas disciplinares a de aposentação compulsiva noutros moldes, um dos quais passou a ser por “castigo”, podendo esta ocorrer em processo disciplinar de que não resultasse a pena de demissão, em qualquer das seguintes hipóteses: (i) incapacidade moral; (ii) incompetência profissional; e, (iii) alcoolismo incorrigível].
Todavia, no caso em apreço [e não se olvidando que não cabe a este Tribunal apreciar a medida concreta da pena aplicada, excepto em casos de erro grosseiro - o que não se verifica no caso em apreço (vide, inter alia, o douto Acórdão do COLENDO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (STA), proferido em 11 de Fevereiro de 2010, nos termos do qual, “…se é certo que cabe dentro da competência do Tribunal analisar a existência material dos factos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já lhe escapa a competência para apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, isto é, quando seja manifesta a desproporção entre a pena e a falta cometida, por esta ser uma tarefa da Administração inserida na chamada discricionariedade técnica ou administrativa. […] E, se assim é, e se a CGD entendeu sancionar o comportamento da Recorrente com a pena de demissão em vez de lhe aplicar a pena de aposentação compulsiva nenhuma censura se lhe pode dirigir visto ser claro, por um lado, que tal sanção é adequada e proporcional à sua gravidade e, por outro, que a mesma não resulta da utilização de critérios inadmissíveis nem é o resultado de um erro ostensivamente grosseiro…” – disponível para consulta online em www.dgsi.pt)], a pena de aposentação compulsiva não é passível de ser aplicada ao Autor, em virtude de a sua conduta profissional não ser passível de enquadramento em nenhuma das situações previstas no Decreto n.º 19.468 de 16 de Março.
(…)».
Como se sumaria em Ac. do STA, de 02-12-2009, proc. nº 0310/09:
II - Se é certo que cabe dentro da competência do Tribunal analisar a existência material dos factos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já lhe escapa a competência para apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, isto é, quando seja manifesta a desproporção entre a pena e a falta cometida, por esta ser uma tarefa da Administração inserida na chamada discricionariedade técnica ou administrativa.
III - E, se assim é, e se a CGD entendeu sancionar o comportamento da Recorrente com a pena de demissão em vez de lhe aplicar a pena de aposentação compulsiva nenhuma censura se lhe pode dirigir visto ser claro, por um lado, que tal sanção é adequada e proporcional à sua gravidade e, por outro, que a mesma não resulta da utilização de critérios inadmissíveis nem é o resultado de um erro ostensivamente grosseiro.
Por estas linhas, e nas circunstâncias apuradas, entende-se que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento ao deixar intocada a pena aplicada de demissão.
Por último, é contraditória a alegação do recorrente em que, por um lado, sustenta que as circunstâncias revelam “incapacidade moral para o cargo e por isso legitimavam a ponderação da pena da aposentação compulsiva”, por outro, refuta a sua consideração como “facto ou acto desonroso”.
De todo o modo, na coincidência desta última afirmação também a sentença se guiou, entendendo que “a pena de aposentação compulsiva não é passível de ser aplicada ao Autor, em virtude de a sua conduta profissional não ser passível de enquadramento em nenhuma das situações previstas no Decreto n.º 19.468 de 16 de Março”.
Pelo que por aí a sentença não poderá incorrer em erro de julgamento, quando também ela não abraça a existência de facto ou acto desonroso.
E afastada hipótese de aposentação compulsiva por tal via, certo é que do art.º 6.º do RDFC de 1913 (Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 1913 - cuja aplicação foi salvaguardada aquando da transformação da CGD em sociedade anónima, visto o n.º 2 do art.º 7.º do diploma que a operou , o DL 287/93, de 20/08) não consta a pena de aposentação (compulsiva), assim também sendo de impossível erro que não seja essa a pena aplicada.
É, pois, de confirmar o decidido.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.
Porto, 12 de Julho de 2018.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Alexandra Alendouro
Ass. Hélder Vieira, em substituição