Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00342/15.0BEAVR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 02/05/2021 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | Paulo Ferreira de Magalhães |
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Descritores: | CARREIRA DOCENTE UNIVERSITÁRIA; CONCURSO; PROFESSOR ASSOCIADO; EDITAL; REQUISITOS DA CANDIDATURA; DIREITO DE ACESSO À FUNÇÃO PÚBLICA |
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Sumário: | 1 – Nos termos dos artigos 37.º e 41.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária [ECDU], o concurso para Professor Associado é internacional e aberto para uma área ou áreas disciplinares a especificar no aviso de abertura, especificação essa que não deve ser feita de forma restritiva de forma a estreitar de forma inadequada o universo dos candidatos, e a ele podendo candidatar-se os titulares do grau de doutor há mais de cinco anos. 2 – Nos termos do artigo 38.º, n.º 1 do ECDU, o concurso para Professor Associado destina-se a averiguar a capacidade e o desempenho dos candidatos nos diferentes aspectos que integram o conjunto das funções a desempenhar [funções dos docentes universitários, a que se reporta o artigo 4.º do ECDU]. 3 - Atento o princípio da legalidade, e a necessária precedência de lei, o Reitor da UNIVERSIDADE (...), in casu, e no que é atinente aos termos e pressupostos de abertura de procedimentos concursais de pessoal docente, apenas pode prosseguir na fixação de critérios de admissão de candidaturas que a lei lhe permitir. 4 - Estando em causa um procedimento de selecção para acesso à categoria de Professor Associado na área disciplinar de Biologia, para além de o aviso de abertura publicitado por Edital prever como requisito de admissão a que se reporta o artigo 41.º do ECDU, que os candidatos fossem detentores do grau de doutor [em Biologia, Ecologia ou área afim] há mais de 5 anos contados da data limite para a entrega das candidaturas, fixou ainda um requisito adicional [desdobrável em três], que se não cumprido pelo candidato era passível da sua exclusão do procedimento, o que extravasa o regime jurídico aplicável a que se reportam os artigos 37.º e 41.º do ECDU. 5 - A imposição de que um mínimo de 60% dos artigos publicados pelo candidato deve constar de uma concreta base de dados, e classificados em uma de duas áreas de investigação, não deixa de constituir a imposição de um requisito mínimo de produção científica, porquanto, um candidato que fosse detentor do requisito de admissão a que se reporta o artigo 41.º do ECDU, ou seja, titular de doutoramento há pelo menos 5 anos, mas que apenas conseguisse provar que tem publicados nessa base de dados 59% de todos os seus artigos, ainda que em uma das duas áreas de investigação, estaria irremediavelmente arredado do procedimento concursal, ou seja, e linearmente, nunca a sua candidatura seria admitida para efeitos de ser graduada. 6 - Ao prosseguir no procedimento concursal nos termos e pressupostos que adoptou, é manifesto que a Ré restringiu o universo dos possíveis candidatos, limitando de forma ilegal o acesso ao cargo de Professor Associado, a doutorados em Biologia com mais de 5 anos que não reunissem os requisitos autónomos/adicionais elencados sob a alínea b) do ponto 2.2 do Edital 252/2014, e dessa forma obviando à expressão da candidatura de quem fosse titular do requisito a que se reporta artigo 41.º do ECDU, o que é flagrantemente violador do conteúdo essencial do direito de acesso à função pública, consagrado no artigo 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.* * Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | UNIVERSIDADE (...) |
Recorrido 1: | Ministério Público e Outro |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | N/A |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO A UNIVERSIDADE (...), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 08 de novembro de 2019, pelo qual julgou procedente o pedido formulado na Petição inicial [atinente à nulidade do despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...), datado de 26 de fevereiro de 2014, que determinou a abertura do concurso de Professor Associado na área disciplinar de Biologia, bem como a nulidade consequente de todos os actos praticados a posteriori do procedimento concursal e do contrato de trabalho celebrado ao abrigo desse concurso], e consequentemente declarou a nulidade do acto administrativo consubstanciado no despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...), de 26 de fevereiro de 2014, bem como de todos os actos concursais subsequentes, incluindo o contrato de trabalho celebrado entre a UNIVERSIDADE (...) e o docente H.. No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 370 e seguintes dos autos, SITAF]], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “CONCLUSÕES A) A Recorrente não pode concordar com o entendimento perfilhado na douta Sentença do Tribunal a quo, que decidiu declarar a nulidade do ato administrativo consubstanciado no Despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...), de 26 de fevereiro de 2014, bem como de todos os atos concursais subsequentes, incluindo o contrato de trabalho celebrado entre a UNIVERSIDADE (...) e o docente H.; B) Na verdade, o ato em crise não padece de nenhum dos vícios que lhe são apontados, estando de acordo com o quadro legal aplicável; C) O Edital posto em crise nos presente autos não estabelece nenhum requisito mínimo de produção científica para a admissão ao procedimento concursal, tendo sido garantido o princípio da liberdade de candidatura e, consequentemente, de acesso ao concurso, para todos os possíveis opositores, detentores de grau de doutor em Biologia há mais de cinco anos; D) Foram publicados dois editais (quase) em simultâneo que visavam a contratação de dois professores associados para a área disciplinar de Biologia, sendo que se pretendeu distribuir os possíveis candidatos (detentores de grau de doutor em Biologia há mais de cinco anos), entre os dois procedimentos concursais, em função da (eventual) área de investigação; E) Os domínios referidos nos editais (Ciências Ambientais e Ecologia, Biologia Marinha, Biologia Aquática, Zoologia e Botânica), todos eles domínios reconhecidos e estandardizados internacionalmente, abarcam todos os domínios da área disciplinar da Biologia, lecionados na UNIVERSIDADE (...); F) Na verdade, a UNIVERSIDADE (...) adotou o procedimento que permitiu avalisar a contratação de dois professores associados, com perfis distintos, de modo a garantir a continuação de Mestrados e/ou Programas Doutorais na área da Biologia, ministrados na UNIVERSIDADE (...), canalizando os candidatos para o procedimento concursal mais adequado à respetiva área de atividade, sem, no entanto, impor um requisito de mínimo de produção científica para a admissão ao procedimento, nem beliscar os poderes/competências do júri do procedimento; G) A UNIVERSIDADE (...) adotou, portanto, o procedimento que melhor se adequou à satisfação do interesse público, que está obrigada a cumprir, sem restringir o universo dos possíveis candidatos, nem afetar nenhum interesse legítimo; H) A solicitação aos candidatos da indicação de que a sua produção científica recaia numa determinada área não consubstancia, de forma alguma, um requisito mínimo de produção científica para a admissão ao procedimento, tendo sido garantido o princípio da liberdade de candidatura e, consequentemente, de acesso ao concurso, para todos os possíveis opositores, detentores de grau de doutor em Biologia há mais de cinco anos, num dos dois procedimentos concursais publicados em Diário da Repúblico em março de 2014; I) O procedimento concursal não violou, portanto, o direito enunciado no artigo 47.º, n.º 2, da CRP, nem os princípios fundamentais previstos no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, não padecendo de nenhuma invalidade; J) Todavia, ainda que se entendesse que o Edital do procedimento concursal posto em crise impõe um requisito mínimo de produção científica, o que não se concede, esse requisito não seria contra legem, uma vez que o legislador concedeu aos órgãos das Instituições de Ensino Superior a competência para definir, ao abrigo da autonomia científica, os requisitos e condições necessários à gestão do pessoal docente, mormente ao recrutamento de docentes de carreira; K) Assim, decorre do ECDU que o legislador entregou às Instituições de Ensino Superior espaço para determinar/concretizar, ao abrigo da sua autonomia científica, os requisitos especiais aplicáveis aos procedimentos concursais. L) O legislador limitou-se a proibir que fosse fixado como critério de admissão ao concurso de professor associado uma condição relacionada com a experiência docente, sem, no entanto, vedar, nem expressa nem tacitamente, a fixação pelas universidades de outros requisitos de admissão, desde que, obviamente, esses sejam objetivos, máxime, fundados nas exigências do lugar a prover e relacionados com a finalidade do procedimento concursal; M) O conjunto de normas do ECDU aplicáveis aos concursos não impõe portanto como único requisito de admissão a um concurso para professor associado a titularidade de grau de doutor há mais de cinco anos, remetendo para as Instituições de Ensino Superior, ao abrigo do princípio da autonomia universitária, a determinação das regras aplicáveis à execução das disposições do ECDU, nomeadamente a definição dos requisitos de admissão aos concursos de recrutamento dos docentes de carreira. N) Diga-se ainda que, ainda que se entendesse que o Edital contém um requisito de admissão ao concurso contrário à Lei, o que não se concede, por não ser verdade, verifica-se que não houve nenhuma ofensa ao conteúdo essencial do direito consagrado no artigo 47.º, n.º 2, da CRP, porquanto a celebração do contrato de trabalho foi precedida pela abertura de um procedimento concursal, de âmbito internacional, que foi amplamente divulgado, tendo sido garantido um período de 30 dias úteis para a apresentação das candidaturas que foram apreciadas por um júri composto maioritariamente por membros externos à UNIVERSIDADE (...). O) Pelo exposto, bom de ver é que a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento na interpretação e aplicação das normas ao declarar a nulidade do ato administrativo consubstanciado no Despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...), de 26 de fevereiro de 2014, bem como de todos os atos concursais subsequentes, incluindo o contrato de trabalho celebrado entre a UNIVERSIDADE (...) e o docente H.. Termos em que Com o douto suprimento de vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se a decisão recorrida, como é legal e de inteira Justiça.” ** O Recorrido Ministério Público apresentou Contra alegações [Cfr. fls. 392 e seguintes dos autos, SITAF], no âmbito das quais, a final, elencou as conclusões que ora se reproduzem: “Conclusões: 1) A douta sentença proferida nos presentes autos, a qual julgou procedente a acção interposta pelo Ministério Público, declarando, em consequência, a nulidade do acto administrativo consubstanciado no despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...) de 26 de Fevereiro de 2014 (publicado no Edital n.º 252/2014, Diário da República, 2.ª Serie, n.º 60) bem como de todos os actos consequentes, incluindo o contrato de trabalho celebrado entre a Ré e o Contra Interessado Professor Doutor H., nenhum reparo nos merece. 2) Conforme se pugnou em sede de acção, e teve acolhimento na douta sentença, dispõe o art. 47º, nº 2, da C.R.P., sob a epígrafe “Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública”, o seguinte: “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”. 3) E, no art. 266º, nº 2, da mesma Lei Fundamental, sob a epígrafe “Princípios fundamentais”, estipula-se o seguinte: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.” 4) Consagra-se, assim, nessas disposições constitucionais, o princípio da igualdade de oportunidades no acesso à função pública, matéria que constitui um direito fundamental dos cidadãos. 5) Por força da natureza do direito fundamental de acesso à função pública, consagrado no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, é pacífico que as restrições a tal direito só podem ser impostas por lei, pelo que os únicos requisitos aos candidatos são os que constarem na lei, não podendo a administração instituir outros que àqueles acresçam. 6) Resulta, no caso em apreço, do artigo 41.º do Estatuto das Carreiras de Docente Universitário e Politécnico, quais são os requisitos gerais e especiais que os candidatos têm de possuir para poderem ser opositores aos diversos concursos para a carreira de professor, e dele não consta qualquer alusão à produção científica. 7) Diga-se, ainda que, “A natureza taxativa das causas de exclusão dos candidatos deriva da integração do direito de acesso à função pública no catálogo constitucional dos direitos fundamentais – cfr. artigo 47 n.º 2 da CRP(…)”, como se refere no Acórdão do 2.º Juízo do CA Tribunal Central Administrativo Sul, de 25-6-2009, no processo 5060/08. Daí que, continua o mesmo Acórdão: “6. Sendo matéria sujeita a numerus clausus sob a forma legal, ex vi artigo 18. n.º 2 (reserva de Lei restritiva) e artigo 47, n.º 2 da CRP (direito de acesso à função pública), trata-se de vício (vício decorrente do desrespeito dos requisitos legais) cuja sanção integra o regime próprio dos actos nulos por ofensa de conteúdo essencial de um direito fundamental, expressamente previsto no artigo 133, n.º 2, alínea d) do CPA, cabe declarar a sua nulidade”. 8) No caso sub judice, entendeu-se que a exigência consignada no ponto 2.2 do Edital viola o preceituado no artigo 41.º do EDCU, que estatui que, ao concurso para recrutamento de professores associados, podem candidatar-se os titulares com o grau de doutor há mais de cinco anos. 9) Aliás, tal exigência colide, de igual forma, com o artigo 6.º, n.º 1, alínea d) do Regulamento, o qual dispõe: Podem candidatar-se ao concurso para recrutamento de:(…)Professores associados, os titulares de grau de doutor há mais de cinco anos e, também, por outro lado, no artigo 19.º do supra referenciado Regulamento, sob a epígrafe Instrução de candidatura, nenhuma indicação é dada no sentido da exigência para a admissão ao concurso de tais provas cumulativas de produção científica dos oponentes. 10) Na actual estrutura prevista no ECDU (após a revisão de 2009 e alteração de 2010) para o processo de recrutamento dos docentes de carreira (categorias de professor catedrático, associado e auxiliar), a admissão ao concurso está apenas sujeita à verificação da detenção do grau de doutor (na área disciplinar a concurso), à detenção do título de agregado (no caso dos concursos para recrutamento de professores catedráticos) e ao tempo de detenção do grau de doutor (5 anos para catedrático e associado, não sendo nenhuma exigência mencionada quanto a requisitos ou ratios mínimos de produção científica. 11) Tanto mais que, nos termos do artigo 39.º do ECDU, os concursos de recrutamento (no caso para professor associado) destinam-se a averiguar a capacidade e o desempenho dos candidatos nos diferentes aspectos que integram o conjunto de funções a desempenhar e que, nos termos do artigo 50.º do mesmo diploma legal, caberá ao júri apreciar fundamentadamente o desempenho científico do candidato, a capacidade pedagógica e outras actividades relevantes para missão da instituição (vide o Ponto 6.1.1.- Critérios para avaliação da vertente Desempenho Científico: - Produção científica que permitem ao júri, em conjugação com os pesos de ponderação da Tabela, o melhor exercício de avaliação do candidato nesta vertente). 12) Ora, ao exigir para a admissão ao concurso em menção, tais requisitos mínimos de produção científica está o Edital a usurpar uma função que é exclusiva do júri. 13) Há, aqui, consequentemente, uma intenção de vincular o júri no seu exercício de apreciação e avaliação dos candidatos, quer na admissão/exclusão (vide Ponto 7.2: O júri delibera sobre a aprovação em mérito absoluto, com base no mérito do currículo global dos candidatos na área disciplinar do concurso e tendo ainda em conta, cumulativamente, o cumprimento dos requisitos anteriormente especificados), quer, porventura, na escolha do candidato a prover. 14) Com a admissão (não fundamentada e não prevista no ECDU e no Regulamento dos Concursos da UNIVERSIDADE (...)) de prova cumulativa de requisitos mínimos de produção científica, para a mera admissão a concurso, a Ré, como bem concluiu a Ex.ma Sr.ª Juiz, limitou a liberdade de candidatura ao concurso com base numa escolha discricionária de requisitos de admissão, violando o princípio da igualdade de acesso, e pôs em causa a transparência do procedimento, claudicando o princípio da imparcialidade na sua vertente negativa. 15) E, nessa exacta medida, concluiu que o acto ora impugnado violou directa e indirectamente (através da violação das normas do ECDU) o núcleo essencial de protecção contido no artigo 47.º n.º 2 da CRP, determinando a sua nulidade. 16) Destarte, só nos resta concluir, e como bem o fez a Ex.ma Sr.ª Juiz na douta sentença ora em crise, que o despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...), que determinou a abertura do concurso documental, de âmbito internacional, para recrutamento de um posto de Trabalho de Professor Associado, na área disciplinar de Biologia, pelos motivos indicados, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental (princípios da igualdade e da imparcialidade), sendo, pois, nulo, por força do disposto no art. 133º, nº 2, al. d), do C.P.A. na redação aplicável, com referência ao disposto nos arts. 47º, nº 2, e 266º, nº 2, da C.R.P. E a consequente nulidade de todos os actos subsequentes do procedimento concursal, assim como o contrato de trabalho em funções públicas celebrado entre a UNIVERSIDADE (...) e o contra-interessado Professor Doutor H., razão pela qual, no nosso entender, nenhum reparo nos merece a douta sentença, que, por isso mesmo, deverá ser mantida na íntegra. 17) Tudo exposto, concluímos dizendo que não deve ser dado provimento ao presente recurso, uma vez que a sentença recorrida não cometeu qualquer erro de interpretação e de aplicação de direito, não nos merecendo qualquer reparo. Mas, Vossas Excelências decidirão de acordo com a melhor JUSTIÇA!” * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.*** Com dispensa dos vistos legais, tendo para o efeito, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC, sido obtida a concordância dos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir. *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas. Assim, as questões suscitadas pela Recorrente e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento na vertente da interpretação e aplicação do direito. ** III - FUNDAMENTOSIIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue: “II. Fundamentação A) Em 26.03.2014, foi publicado o edital n.º 252/2014, no Diário da República, 2.ª Série, n.º 60, relativo ao “concurso documental, de âmbito internacional, para recrutamento de um posto de trabalho de professor associado, na área disciplinar de biologia, da UNIVERSIDADE (...)”, aprovado por despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...) de 26 de Fevereiro de 2014, do qual se extrai o seguinte: “1 – Requisitos de admissão: 1.1. Constitui requisito de admissão ao concurso, em conformidade com o que determina o artigo 41.º do ECDU: ser titular do grau de doutor em Biologia ou Ecologia, ou em área afim, atribuído há mais de cinco anos, contados da data limite para a entrega das candidaturas, nos termos do artigo 41.º do ECDU. 2- Formalização das candidaturas: (…) 2.2 - O requerimento é acompanhado da seguinte documentação: (…) b) Prova de que o candidato cumpre os requisitos de ter um índice h igual ou superior a 14 e ter pelo menos 60 % dos seus artigos constantes na base de dados bibliográficos «Web of Science Core Collection» classificados numa das seguintes «research areas»: «Environmental Sciences/Ecology» ou «Marine Freshwater Biology»; 2.6 – O incumprimento do prazo de apresentação da candidatura fixado, bem como a falta de apresentação ou a apresentação fora do prazo de qualquer dos documentos referidos nas alíneas a) a g) do n.º 2.2, determinam a exclusão da candidatura. (…) 6.1 — Critérios para avaliação da vertente Desempenho Científico: 6.1.1 — Produção científica. Qualidade e quantidade da produção científica na área para que é aberto o concurso (livros, artigos em revistas, comunicações orais convidadas em congressos ou workshops, excluindo todas as restantes apresentações, orais ou em forma de painel) expressa pelo número e tipo de publicações, e pelo reconhecimento que lhe é prestado pela comunidade científica (traduzida nas referências que lhes são feitas por outros autores). Na avaliação deste parâmetro serão valorizados o impacto das mesmas no seio da comunidade científica através do número de citações médio por artigo (excluindo autor referências), o factor de impacto relativo na área de publicação de cada revista, de acordo com o definido na ISI Web of Science, bem como a posição de autoria para cada publicação, aplicando-se um factor de ponderação sobre a percentagem do total de artigos ISI publicados que será igual a 1 quando primeiro ou último autor, igual a 0,6 se em segundo ou penúltimo autor e 0,3 com autoria em qualquer outra posição. (…) 7 — Avaliação e selecção: 7.1 — Finda a fase de admissão ao concurso, o júri dá início à apreciação das candidaturas, tendo em conta os critérios e os parâmetros constantes do presente edital. 7.2 — O júri delibera sobre a aprovação em mérito absoluto, com base no mérito do currículo global dos candidatos na área disciplinar do concurso indicados, e tendo ainda em conta o cumprimento dos requisitos anteriormente especificados bem como, cumulativamente, o seguinte: um total de 30 ou mais artigos constantes na base «Web of Science Core Collection», sendo primeiro ou último autor em pelo menos 40 % do total de artigos constantes na base «Web of Science Core Collection»” (cfr. fls. 81 a 93 e 116, do processo administrativo); B) Em 09.05.2014, o Reitor da UNIVERSIDADE (...) proferiu o seguinte despacho, com referência a um anterior despacho de 24.03.2014, constante do edital n.º 298/2014: “(…) 1. Por despacho de 24 de março de 2014, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 74, de 15 de abril, foi aprovada a abertura de um concurso documental, de âmbito internacional, para recrutamento de 1 (um) posto de trabalho de Professor Auxiliar, na área de Biologia; 2. Na sequência desta publicação foram suscitadas interpretações dúbias quanto aos termos como está redigido o Edital identificado, nomeadamente quanto à admissibilidade dos requisitos exigidos para a apresentação de candidaturas; 3. Pese embora a convicção de que essa redação não viola as normas legais impostas, entendeu-se que a manutenção do procedimento concursal, nos termos atuais, poderia causar prejuízos na indispensável segurança e na estabilidade de todo o processo. 4. Assim, perante a necessidade de, em quaisquer circunstâncias e inequivocamente, salvaguardar os padrões de exigência e os princípios da transparência, isenção e imparcialidade, pelos quais se pauta a conduta desta Universidade, e uma vez que não foram ainda apresentadas candidaturas, pelo meu Despacho datado de 09 de maio de 2014 (cfr. anexo), que se encontra a aguardar publicação em Diário da República, determinei a revogação do ato administrativo, ao abrigo do artigo 138.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, que autorizou a abertura do procedimento concursal supramencionado.” (cfr. documento n.º 4 da petição inicial); C) Na alínea b) do ponto 2.2. do indicado edital n.º 298/2014, extrai-se o seguinte: “(…) 2.2 - O requerimento é acompanhado da seguinte documentação: (…) b) Prova de que o candidato cumpre, cumulativamente, os seguintes requisitos: b.1) Tenha um índice h igual ou superior a 13; b.2) Tenha pelo menos 70 % dos seus artigos constantes na base de dados bibliográficos «Web ofScience Core Collection» classificados na «research area» «EnvironmentalSciences/Ecology» cumulativamente com pelo menos 10 % na de «Marine FreshwaterBiology» e 10 % na de «Agriculture»; b.3) Tenha publicado um total de 30 ou mais artigos constantes na base «Web ofScience Core Collection», sendo primeiro ou último autor em pelo menos 40 % do total de artigos constantes nessa mesma base de dados.” (cfr. Diário da República, 2.ª Série, n.º 74, de 15 de Abril); D) Em 12.09.2014, foi realizada a primeira reunião do júri, na qual foram admitidos ao concurso os dois únicos candidatos, o Contra-Interessado H. e M. (cfr. fls 153 e 154 do processo administrativo); E) Em 03.11.2014, foi realizada a segunda reunião do Júri, na qual se procedeu à avaliação e ordenação dos candidatos, nos seguintes termos: “1.º Doutor H. 2.º Doutor M.” (cfr. fls. 186 do processo administrativo); F) Em 21.11.2014, a lista unitária de ordenação final a que se reporta a alínea anterior, foi homologada pelo Reitor da UNIVERSIDADE (...) (cfr. fls. 176 do processo administrativo); G) Em 09.12.2014, a Ré celebrou contrato de trabalho em funções púbicas com o Contra-Interessado (cfr. documento nº 3, junto com a petição inicial); H) Em 17.03.2015, a presente acção deu entrada neste Tribunal (fls. 1 dos autos). * A matéria de facto dada como provada nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, tendo por base a análise crítica dos documentos juntos aos articulados, bem como daqueles que constituem o processo administrativo apenso aos autos, e a vontade concordante das partes.“** IIIii - DE DIREITOEstá em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 08 de novembro de 2019, pelo qual julgou procedente o pedido formulado na Petição inicial, e consequentemente declarou a nulidade do acto administrativo consubstanciado no despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...), datado de 26 de fevereiro de 2014, assim como de todos os actos concursais subsequentes, incluindo o contrato de trabalho celebrado entre a UNIVERSIDADE (...) e o docente H.. Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu. Como deflui das Alegações de recurso motivadas pela Recorrente UNIVERSIDADE (...), e no que releva para efeitos de apreciação do seu mérito, a Recorrente imputa à Sentença recorrida a ocorrência de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, e em face do que foi vertido nas conclusões enunciadas a final, a mesma [Recorrente] vem a renovar neste Tribunal Superior a mesma argumentação que sustentou no âmbito da Contestação deduzida em 1.ª instância, no Tribunal recorrido. No fundo, o que a Recorrente sustentou e continua a sustentar, é que no Edital n.º 252/2014, não está contido nenhum requisito mínimo de produção científica para a admissão ao procedimento concursal, nem nenhum outro requisito de admissão ao concurso contrário à lei, mormente, em violação do disposto nos artigos 37.º e 41.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária [ECDU], e que também não ocorreu nenhuma ofensa ao conteúdo essencial do direito consagrado no artigo 47.º, n.º 2 da CRP, nem foram violados os princípios previstos no artigo 266.º, n.º 2 da mesma CRP, e que estava garantida a liberdade de candidatura a todos os possíveis candidatos que fossem detentores de grau de doutor em Biologia há mais de 5 anos. Ou seja, sustenta a Recorrente, que face aos termos constantes do publicitado Edital n.º 252/2014, que não limitou o acesso a determinada área disciplinar, pelo facto de até ter feito publicar, em simultâneo, dois Editais que visavam o recrutamento de dois Professores Associados que abarcavam todos os domínios da área disciplinar de Biologia [Ciências Ambientais e Ecologia, Biologia Marinha, Biologia Aquática, Zoologia e Botânica], domínios esses reconhecidos e estandartizados internacionalmente e que são lecionados na UNIVERSIDADE (...), e que ao ter procedido dessa forma procurou canalizar os potenciais candidatos para o procedimento concursal mais adequado à respectiva área de actividade, e assim também que melhor se adequou ao interesse público, e em suma, que a previsão no Edital de que a produção científica dos candidatos devia recair numa determinada área não consubstancia qualquer limitação de acesso ao procedimento concursal, mas sempre e de todo o modo, sem prescindir, referiu que o legislador conferiu às instituições de ensino superior o poder de fixar outros requisitos de admissão a concurso ao abrigo do princípio da autonomia universitária. Cumpre então apreciar e decidir da ocorrência do invocado erro de julgamento na vertente da interpretação e aplicação do direito [Cfr. conclusões B), C), F), G), H), J), H), L), M), N) e O)]. Neste patamar. Depois de ter fixado a matéria de facto que julgou ser relevante para efeitos de apreciação do mérito da pretensão do Autor [ou seja, saber se o despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...) padecia das invalidades que lhe vinham assacadas na Petição inicial], o Tribunal recorrido começou por enunciar qual o regime jurídico convocável emergente do Estatuto da Carreira Docente Universitária [ECDU], tendo logo após, em sede do discurso fundamentador aportado, expendido o que para aqui se extracta como segue: Início da transcrição “[...] Resulta da factualidade assente que a Ré erigiu como requisito de admissão ao concurso que os candidatos fossem “titular do grau de doutor em Biologia ou Ecologia, ou em área afim, atribuído há mais de cinco anos, contados da data limite para a entrega das candidaturas‖, mas exigiu para a formalização da candidatura ao concurso prova de que “…o candidato cumpre os requisitos de ter um índice h igual ou superior a 14 e ter pelo menos 60 % dos seus artigos constantes na base de dados bibliográficos «Web of Science Core Collection» classificados numa das seguintes «research areas»: «Environmental Sciences/Ecology» ou «Marine Freshwater Biology»”, sob pena de exclusão (factos assentes na alínea a)). Ora, resulta do artigo 37.º, n.os 1 e 2, supra transcrito, que os concursos para professor associado são internacionais e “…abertos para uma área ou áreas disciplinares…”, sendo que “a especificação da área ou áreas disciplinares não deve ser feita de forma restritiva, que estreite de forma inadequada o universo dos candidatos”, e do artigo 41.º, que a este concurso poderiam “candidatar-se os titulares do grau de doutor há mais de cinco anos”. O mesmo consta também dos artigos 5.º, n.os 2 e 3 e 6.º, n.º 1, alínea d), do Regulamento n.º 842/2010, de 28 de Outubro de 2010 (Regulamento Interno dos Concursos para a Contratação de Pessoal Docente em Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas). Assim, é manifesto que a Ré, apesar de admitir que titulares do grau de doutor em mais de uma área disciplinar fossem oponentes ao concurso, acabou por limitar a admissão ao referido concurso apenas aos candidatos que fizessem prova de determinados índices de citação ou de produção bibliográfica em áreas específicas de investigação. Ou seja, desta forma restringiu o acesso a determinados candidatos, através da obrigatoriedade de apresentação de prova de cumprimento de requisitos atinentes a áreas de busca ou pesquisa (“research áreas”) em bases de dados bibliográficos especializadas (“Web of Science Core Collection”), sob pena de exclusão. Assim, a utilização destes critérios é susceptível de violar os critérios previstos no ECDU (artigos 37.º e 41.º), pois os requisitos de admissão de candidatos para professor associado na carreira de docente universitária consistem apenas (e tão somente) na titularidade de grau de doutor, há mais 5 anos, circunscrito ao âmbito da área disciplinar colocada a concurso. [...].“ Fim da transcrição Logo após, em sede da apreciação em torno da invocada competência dos orgãos das instituições de ensino superior para definirem, ao abrigo da sua autonomia científica, os requisitos e condições necessárias à gestão da carreira docente, mormente, quanto ao recrutamento de docentes de carreira, e bem assim, sobre a invocada violação do artigo 47.º, n.º 2 da CRP, o Tribunal recorrido também enunciou qual o regime jurídico convocável, tendo feito a sua interpretação e aplicação aos factos em apreço, tendo nesse domínio, em sede do discurso fundamentador aportado, expendido o que para aqui se extracta como segue: Início da transcrição “[...] Não colhe igualmente o argumento da Ré de que a previsão do ponto 2.2. do edital tem suporte nas competências do Reitor. Com efeito, as alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 92.º, da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior - RJIES) atribuem competência ao Reitor para “superintender na gestão académica, decidindo, designadamente, quanto à abertura de concursos, à nomeação e contratação de pessoal, a qualquer título, à designação dos júris de concursos e de provas académicas e ao sistema e regulamentos de avaliação de docentes e discentes”; e para “orientar e superintender na gestão administrativa e financeira da instituição, assegurando a eficiência no emprego dos seus meios e recursos.” Sucede que a superintendência corresponde ao poder de emitir orientações genéricas e conselhos de natureza estratégica. Ora, decidir sobre a abertura de concursos não significa decidir sobre o alcance do universo de candidatos que podem ser admitidos concurso, sob pena de tal interpretação não se compatibilizar com os artigos 37.º e 41.º do ECDU, contrariando a presunção de que, quanto ao sentido e alcance da lei, o legislador “…consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil). Por outro lado, há profundas diferenças na função das normas contidas no ECDU e no enunciado do artigo 92.º, da Lei n.º 62/2007: este último preceito tem uma função regulatória, atinente ao exercício de um poder. Não é o que sucede com as normas dos artigos 37.º e 41.º do ECDU, na medida em que, por incidirem sobre efeitos jurídicos, têm uma função constitutiva: nas universidades portuguesas, qualquer pessoa pode candidatar-se a professor associado se tiver um doutoramento há 5 anos na área disciplinar a concurso. Também não procede a alegação da Ré de que o previsto no ponto 2.2 do edital é admissível no quadro da autonomia universitária. A autonomia universitária tem reconhecimento constitucional (artigo 76.º da Constituição da República Portuguesa). O n.º 2 do artigo 76.º da Constituição da República Portuguesa prevê a autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, ressalvando, porém, que o seu gozo é feito “…nos termos da lei”. O artigo 11.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, estabelece que “as instituições de ensino superior públicas gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza”. Os artigos 73.º e 74.º do mesmo diploma definem a autonomia científica como “…a capacidade de definir, programar e executar a investigação e demais actividades científicas, sem prejuízo dos critérios e procedimentos de financiamento público da investigação”; e a autonomia pedagógica como “…a capacidade para elaborar os planos de estudos, definir o objecto das unidades curriculares, definir os métodos de ensino, afectar os recursos e escolher os processos de avaliação de conhecimentos, gozando os professores e estudantes de liberdade intelectual nos processos de ensino e de aprendizagem.” O n.º 2 do artigo 110.º do mesmo diploma, estabelece que a autonomia administrativa permite às instituições de ensino superior públicas “a) Emitir regulamentos nos casos previstos na lei e nos seus estatutos; b) Praticar actos administrativos; c) Celebrar contratos administrativos”. Novamente, a estrutura das normas do ECDU contrasta com a das normas previstas contidas nos artigos 73.º, 74.º e 110.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro: estas últimas consubstanciam normas definitórias ou de competência, ou seja, normas secundárias, sem qualquer operador deôntico associado (i.e., permissão, proibição ou obrigação), ao contrário dos artigos 37.º e 41.º do ECDU, que exprimem normas primárias dirigidas à realidade exterior, cuja estatuição incide sobre condutas ou comportamentos. Com efeito, no caso do artigo 37.º, encontramos operadores deônticos de obrigação (“Os concursos (…) são internacionais e abertos…”) e de proibição (“A especificação da área ou áreas disciplinares não deve ser feita de forma restritiva…”; “O factor experiência docente não pode ser critério de exclusão…); e no artigo 41.º encontramos um operador permissivo (“…podem candidatar-se…”). Ao invés, as normas dos artigos 73.º, 74.º da Lei n.º 62/2007 dão-nos, tão só, definições estipulativas, enquanto a norma do artigo 110.º, n.º 2, limita-se a atribuir competências administrativas às instituições de ensino superior. Mas as diferenças são também sintácticas quanto à previsão (antecedente) e estatuição (consequente) normativa: as normas dos artigos 37.º e 41.º do ECDU permitem divisar um antecedente (“se”) e um consequente (“então”) na estrutura condicional da proposição normativa (“se…então”), ou seja, “se o protocandidato for doutorado há mais de 5 anos na(s) área(s) disciplinar(es) colocada(s) a concurso, então pode candidatar-se”. O mesmo já não sucede com as normas dos artigos 73.º, 74.º e 110.º, n.º 2 da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, sem antecedente na proposição, dada a sua função definitória ou estrutura de norma secundária, isto é, norma sobre normas. Assim, não é aceitável retirar de normas secundárias ou definitórias consequências típicas das normas primárias, dirigidas a condutas. Ou seja, as normas sobre a autonomia universitária, em particular a autonomia científica, pedagógica e administrativa, não são estruturalmente aptas a alterar o sentido de normas sobre condutas previstas no ECDU, especificamente dirigidas aos concursos da carreira docente. Pelo exposto, conclui-se que o despacho de 26 de Fevereiro de 2014, publicado no edital n.º 252/2014, padece do vício de violação de lei, mais concretamente, do ECDU. Da violação do disposto no artigo 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa O Autor alega ainda que o despacho impugnado é nulo por violação do conteúdo essencial do direito fundamental previsto no artigo 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. A Ré contesta, alegando que, apesar de tudo, foi garantido o princípio de liberdade de candidatura e de acesso ao concurso para todos os possíveis opositores e que o acto impugnado não violou o conteúdo essencial do direito fundamental do artigo 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. [...] Ora, resulta do que se disse supra que a Ré utilizou critérios de admissão não previstos na lei, estreitando o acesso não através de áreas disciplinares – o que sempre seria admissível, se adequado aos fins pretendidos –, mas ao limitar a admissão ao referido concurso aos candidatos que fizessem prova de mínimos percentuais bibliométricos, aferidos a partir de descritores sistematizados numa base de dados internacional. Como se disse já, esta opção restringiu, de forma legalmente não admitida, o acesso ao concurso por outros potenciais candidatos, com doutoramento há mais de 5 anos em Biologia, ainda que de forma potencial. Ora, é precisamente isso que o artigo 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa também pretende evitar. Mostra-se, assim, violado o princípio da igualdade de acesso à função pública. Acresce que o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa inclui uma garantia, ao estatuir que a escolha do candidato deve, em regra, ser efectuada através de concurso, pretendendo com este método evitar escolhas discricionárias ou afeiçoadas. Dito de outro modo, a escolha deve ser imparcial. [...] No caso dos autos, a Ré, através do despacho do Reitor da UNIVERSIDADE (...), ponderou na sua decisão quanto à admissão das candidaturas critérios não autorizados pelo ECDU, violando assim a vertente negativa do princípio da imparcialidade. Os desvios positivos na ponderação de interesses não permitidos por lei põem em causa a objectividade exigida, lançando a suspeita de afeiçoamento dos requisitos de admissão. No caso dos autos, bastaria prever descritores em áreas de investigação (“research área”) em que o candidato pretendido tivesse mais publicações para, simultaneamente, favorecer o candidato pretendido e afastar potenciais candidatos com menos publicações classificadas em descritores das áreas de investigação publicitadas. [...]“ Fim da transcrição Aqui chegados. Tendo presente que a aferição da pretensão recursiva se afere se afere pelas conclusões apresentadas a final das Alegações de recurso e bem assim, tendo presente o extraído supra a partir da Sentença recorrida, adiantamos desde já que não assiste razão à Recorrente e que bem decidiu o Tribunal a quo, cujo julgamento não merece qualquer censura jurídica. Vejamos. Como assim apreciou o Tribunal a quo tendo por referência o Edital n.º 252/2014, publicado no Diário da República, n.º 60, 2.ª série, em 26 de março de 2014, e a que se reporta a alínea A) do probatório, da concatenação do vertido nos pontos 1.1, 2.2, alínea b), e 2.6, resulta evidente que a UNIVERSIDADE (...), ao ter exigido que aqueles que se apresentassem como candidatos tinham de fazer prova de que cumpriam os requisitos de ter um índice h igual ou superior a 14 e ter pelo menos 60 % dos seus artigos constantes na base de dados bibliográficos «Web of Science Core Collection» classificados numa de duas áreas de investigação [«research areas»]: «Environmental Sciences/Ecology» ou «Marine Freshwater Biology»”, instituiu no âmbito do procedimento concursal em causa um requisito autónomo de admissão da candidatura. Com efeito, estando em causa um procedimento de selecção para acesso à categoria de Professor Associado na área disciplinar de Biologia, para além de prever como requisito de admissão a que se reporta o artigo 41.º do ECDU, que os candidatos fossem detentores do grau de doutor [em Biologia, Ecologia ou área afim] há mais de 5 anos contados da data limite para a entrega das candidaturas, o que não merece reparo, fixou ainda um requisito adicional [desdobrável em três], que se não cumprido pelo candidato era passível da sua exclusão do procedimento, o que extravasa o regime jurídico aplicável a que se reporta os artigos 37.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 41.º do ECDU. Efectivamente, sendo a área disciplinar para a qual foi aberto o procedimento concursal, a de “Biologia“, apesar de a base de recrutamento estar alargada, não só a quem tem doutoramento em Biologia, mas também a quem tem doutoramento noutras áreas afins, todavia, a indexação da admissão da candidatura ao cumprimento de três outros requisitos, cumulativos com a detenção do doutoramento, viola aqueles supra identificados normativos. Ao contrário do que sustenta a Recorrente, o julgamento empreendido pelo Tribunal a quo não colocou sob nenhum patamar, que a Ré, ora Recorrente, estabeleceu no procedimento concursal um qualquer requisito mínimo de produção científica para que uma candidatura de um concorrente fosse admitida. O que resulta claro da Sentença recorrida, é que a Ré não tem um poder discricionário na escolha dos critérios de admissão dos candidatos, sendo que no Edital em causa, para além da detenção do grau doutoramento há pelo menos 5 anos, a Ré exigiu a prova de cumprimento, adicional, de três requisitos, a saber i) que o candidato tenha um índice h igual ou inferior a 14; ii) que o candidato tenha pelo menos 60 % dos seus artigos constantes numa concreta base de dados bibliográficos, a «Web of Science Core Collection»; e iii) que essa percentagem de trabalhos estejam classificados em uma de duas áreas de investigação: «Environmental Sciences/Ecology» ou «Marine Freshwater Biology». Ou seja, se algum candidato não fizer prova de qualquer destes requisitos adicionais [v.g., um índice h inferior a 14; deter menos de 60% de artigos publicados na base; ou tendo esse mínimo de 60%, não eram todos relativos às duas áreas de investigação elencadas (numa tradução literal, “Ciências do Ambiente/Ecologia“ ou “Biologia Marinha de água doce“], prescrevia o ponto 2.6 do Edital que a sua não apresentação [de outro modo, a não feitura dessa prova/documentação na candidatura] era determinante da exclusão. E para efeitos de apreciação da legalidade desta determinação regulamentar publicitada pela Ré, e assim, para a apreciação do mérito do recurso, é absolutamente irrelevante se a Ré tinha publicitado, por essa altura, um outro Edital com o qual também visou abarcar todas as áreas de investigação da Biologia. Ao contrário do que refere a Recorrente, é claro que a imposição de um mínimo de 60% de artigos publicados na referida base de dados, e classificados em uma de duas áreas de investigação, não deixa de constituir a imposição de um requisito mínimo de produção científica, porquanto, um candidato que fosse detentor do requisito de admissão a que se reporta o artigo 41.º do ECDU, ou seja, titular de doutoramento há pelo menos 5 anos, mas apenas conseguisse provar que tem publicados na base de dados 59% de todos os seus artigos, ainda que em uma das duas áreas de investigação, estaria irremediavelmente arredado do procedimento concursal, ou seja, e linearmente, nunca a sua candidatura seria admitida para efeitos de ser graduada. Assim é que, ao prosseguir no procedimento concursal nos termos e pressupostos que adoptou, é manifesto que a Ré restringiu o universo dos possíveis candidatos, limitando de forma ilegal o acesso ao cargo de Professor Associado, a doutorados em Biologia com mais de 5 anos que não reunissem os requisitos autónomos/adicionais elencados sob a alínea b) do ponto 2.2 do Edital 252/2014, e dessa forma obviando à expressão da candidatura de quem fosse titular do requisito a que se reporta artigo 41.º do ECDU, o que é flagrantemente violador do conteúdo essencial do direito de acesso à função pública, consagrado no artigo 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Tendo presente o que já apreciamos e decidimos supra, apreciando agora o que é atinente ao constante das conclusões J), K), L) e M) das Alegações de recurso, a pretensão da Recorrente também não pode merecer acolhimento, e desde logo, porque a Recorrente não concretiza, não evidencia a partir de que concretos normativos, é que considera que o legislador concedeu aos orgãos das instituições de ensino superior, ao abrigo da sua autonomia científica, a competência para definir requisitos e condições de recrutamento dos docentes no âmbito dos procedimentos concursais, e nessa medida, por que termos é que o Tribunal recorrido prosseguiu numa errada interpretação desses normativos e consequentemente na sua errada aplicação e julgamento. Neste conspecto, é de realçar que atento o princípio da legalidade, e a necessária precedência de lei, o Reitor da UNIVERSIDADE (...), in casu, e no que é atinente aos termos e pressupostos de abertura de procedimentos concursais de pessoal docente, apenas pode prosseguir na fixação de critérios de admissão de candidaturas que a lei lhe permitir, sendo que, como resulta do artigo 38.º, n.º 1 do ECDU, o concurso para Professor Associado destina-se a averiguar a capacidade e o desempenho dos candidatos nos diferentes aspectos que integram o conjunto das funções a desempenhar [funções dos docentes universitários, a que se reporta o artigo 4.º do ECDU], sendo que o artigo 41.º do mesmo diploma, por sua vez, dispõe sem margem para interpretações, que a esse procedimento pode candidatar-se quem for titular do grau de doutor há mais de 5 anos. Tudo o mais são factores de avaliação da candidatura, e que virão a ser determinantes da graduação que o júri nomeado vai prosseguir. Forçoso é, pois, concluir que a Sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe vêm imputados pela Recorrente, improcedendo as conclusões das suas Alegações, e assim, a sua pretensão recursiva. * E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO: Descritores: Carreira docente universitária; Concurso; Professor Associado; Edital; Requisitos da candidatura; Direito de acesso à função pública. 1 – Nos termos dos artigos 37.º e 41.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária [ECDU], o concurso para Professor Associado é internacional e aberto para uma área ou áreas disciplinares a especificar no aviso de abertura, especificação essa que não deve ser feita de forma restritiva de forma a estreitar de forma inadequada o universo dos candidatos, e a ele podendo candidatar-se os titulares do grau de doutor há mais de cinco anos. 2 – Nos termos do artigo 38.º, n.º 1 do ECDU, o concurso para Professor Associado destina-se a averiguar a capacidade e o desempenho dos candidatos nos diferentes aspectos que integram o conjunto das funções a desempenhar [funções dos docentes universitários, a que se reporta o artigo 4.º do ECDU]. 3 - Atento o princípio da legalidade, e a necessária precedência de lei, o Reitor da UNIVERSIDADE (...), in casu, e no que é atinente aos termos e pressupostos de abertura de procedimentos concursais de pessoal docente, apenas pode prosseguir na fixação de critérios de admissão de candidaturas que a lei lhe permitir. 4 - Estando em causa um procedimento de selecção para acesso à categoria de Professor Associado na área disciplinar de Biologia, para além de o aviso de abertura publicitado por Edital prever como requisito de admissão a que se reporta o artigo 41.º do ECDU, que os candidatos fossem detentores do grau de doutor [em Biologia, Ecologia ou área afim] há mais de 5 anos contados da data limite para a entrega das candidaturas, fixou ainda um requisito adicional [desdobrável em três], que se não cumprido pelo candidato era passível da sua exclusão do procedimento, o que extravasa o regime jurídico aplicável a que se reportam os artigos 37.º e 41.º do ECDU. 5 - A imposição de que um mínimo de 60% dos artigos publicados pelo candidato deve constar de uma concreta base de dados, e classificados em uma de duas áreas de investigação, não deixa de constituir a imposição de um requisito mínimo de produção científica, porquanto, um candidato que fosse detentor do requisito de admissão a que se reporta o artigo 41.º do ECDU, ou seja, titular de doutoramento há pelo menos 5 anos, mas que apenas conseguisse provar que tem publicados nessa base de dados 59% de todos os seus artigos, ainda que em uma das duas áreas de investigação, estaria irremediavelmente arredado do procedimento concursal, ou seja, e linearmente, nunca a sua candidatura seria admitida para efeitos de ser graduada. 6 - Ao prosseguir no procedimento concursal nos termos e pressupostos que adoptou, é manifesto que a Ré restringiu o universo dos possíveis candidatos, limitando de forma ilegal o acesso ao cargo de Professor Associado, a doutorados em Biologia com mais de 5 anos que não reunissem os requisitos autónomos/adicionais elencados sob a alínea b) do ponto 2.2 do Edital 252/2014, e dessa forma obviando à expressão da candidatura de quem fosse titular do requisito a que se reporta artigo 41.º do ECDU, o que é flagrantemente violador do conteúdo essencial do direito de acesso à função pública, consagrado no artigo 47.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. *** IV – DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente UNIVERSIDADE (...), e consequentemente, em manter a Sentença recorrida. * Custas a cargo da Recorrente UNIVERSIDADE (...).** Notifique.* Porto, 05 de fevereiro de 2021. Paulo Ferreira de Magalhães Fernanda Brandão Hélder Vieira |