Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00391/24.8BECBR |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/30/2025 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | VITOR SALAZAR UNAS |
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Descritores: | RECLAMAÇÃO DE ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL; CASO JULGADO; TÍTULO EXECUTIVO; |
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Sumário: | I - Ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (autoridade do caso julgado) e uma função negativa (exceção do caso julgado). II - Por via da autoridade do caso julgado, há que aplicar no caso concreto a jurisprudência fixada em acórdão anterior transitado sobre os efeitos a retirar do acordo realizado no procedimento de revisão, nos termos do qual todos os processos pendentes, resultantes da ação de inspeção a que se reportava o procedimento de revisão, teriam que ser extintos, sem qualquer consequência para o contribuinte. III - A finalidade do título executivo é o de assegurar à entidade perante quem corre a execução a possibilidade de verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo, bastando que, através de prova produzida no processo de execução fiscal, se comprove a existência dessas condições, para estar satisfeito tal objetivo. IV - No caso, não sendo a dívida exigível, evidência que não é superável com qualquer prova documental, ocorre a nulidade do título executivo por falta deste requisito [art. 165.º, n.º 1, alínea b) do CPPT] e, em consequência, verifica-se igualmente a nulidade do processo de execução fiscal.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO: «AA», contribuinte fiscal n.º ...66, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a Reclamação de atos do órgão de execução fiscal, por si apresentada contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças ..., datado de 06/06/2024, que indeferiu os pedidos (i) de reconhecimento da “nulidade da citação”, (ii) da nulidade do título executivo, (iii) da nulidade “por preterição de audiência prévia” e (iv) de “prestação de elementos em falta relativamente à fundamentação do acto tributário subjacente à execução nos termos do art. 37.º, n.º 1 do CPPT». A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «(…). 1. O presente recurso vem interposto da, aliás, douta, sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a reclamação apresentada, porém, não pode, a ora recorrente, conformar-se com os termos de tal decisão, porquanto a mesma encontra-se ferida de nulidade, como iremos demonstrar, tendo, ainda, o Tribunal “a quo” errado grosseiramente na análise dos factos e na consequente aplicação do direito. 2. Após ter sido notificada da contestação apresentada pela AT e da documentação a ela anexa, a ora recorrente, ao abrigo do princípio do contraditório, veio pronunciar-se, através de requerimento datado de17.07.2024, com a ref.ª 005342733, tendo ali junto a ata do acordo firmado entre a AT e a ora recorrente (ref.ª 005342736), relativo à matéria tributável correspondente aos exercícios de 2016 e 2017, do qual resulta o seguinte: “(…) o presente acordo é firmado no pressuposto que todos os demais processos existentes resultantes da ação de inspeção a que se reporta o presente procedimento de revisão são extintos, daí não resultando qualquer consequência para o contribuinte.”. (…)”. 3. Na sequência da notificação do despacho com certidão do processo n.º 364/24.0BECBR, a ora recorrente exerceu o seu direito ao contraditório, através de requerimento datado de 26.09.2024, ref.ª 005356487, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 4. Data vénia, perscrutada que foi a decisão proferida, percebe-se que o douto Tribunal “a quo” abstém-se de se pronunciar sobre o acordo já anteriormente alcançado entre a ora recorrente e a AT, bem como sobre o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 370/20.8BECBR, questões que se revestem de essencialidade para a resolução do dissidio subjudice. 5. Tanto o acordo, como a decisão sobredita, têm implicações diretas nos presentes autos, uma vez que, os períodos de tributação em causa no processo de contraordenação, cuja cobrança coerciva, culminou na instauração da respetiva execução, que ocorre já em 2024, e consequente penhora, são os mesmos que foram contemplados no acordo, leia-se, 2016 e 2017, do qual, reitera-se, resulta que “(…) o presente acordo é firmado no pressuposto que todos os demais processos existentes resultantes da ação de inspeção a que se reporta o presente procedimento de revisão são extintos, daí não resultando qualquer consequência para o contribuinte.” (…)”. 6. Pelo que, o processo de contraordenação em apreço deveria ter sido extinto, face ao acordo firmado e ao já decidido no Acórdão proferido a 27.05.2021, pelo douto Tribunal Administrativo Norte, no âmbito do processo n.º 379/20.8BECBR. 7. Ademais, não se compreende, de todo, a repristinação de um procedimento contraordenacional que, em resultado do acordo firmado, devia ter sido, de imediato, extinto, pois, percebemos, hoje, com a instauração da execução que tal processo não foi extinto, aliás, tal e qual como os processos de execução já existentes que se mantiveram indevidamente ativos, que a AT, num manifesto exercício de má-fé procedimental, e perseguição processual, inexplicavelmente não extinguiu, o que, só veio a ocorrer vários meses subsequentes à prolação do douto acórdão e em seu cumprimento. 8. Quando foi instaurado o procedimento contraordenacional, que, reitera-se, é relativo à factualidade emergente dos exercícios de 2016 e 2017, cujo supracitado acordo foi firmado, já se encontrava constituído o mandato a favor do ora signatário, pois, interveio nesse pedido de revisão já constituído como mandatário da ora reclamante. 9. Pelo que, necessariamente, a contribuinte deveria ter sido notificada na pessoa do seu mandatário ali constituído, atento o disposto no art.º 40º do CPPT, pois, se a coima em causa no processo de contraordenação é relativa aos mesmos exercícios que foram tidos em conta no acordo, acordo esse que eximiu a ora recorrente do pagamento de qualquer quantia relativa àqueles exercícios, então exigia-se que o mandatário constituído fosse notificado. O que não se verificou, o que determina a inexistência da citada notificação, impedindo que esta produza efeitos na esfera jurídica da ora recorrente. 10. Ora dúvidas não podem subsistir que, nos termos determinados pelo artigo 40º do CPPT, após a constituição de mandato, as notificações são feitas na pessoa do mandatário e no seu escritório, o que, malogradamente, não se verificou no procedimento contraordenacional que deu origem à execução de que resultam os presentes autos. A falta de notificação do mandatário é geradora de nulidade, cujo reconhecimento, desde já, se requer. 11. Ora, facto é que, perscrutada a decisão agora em crise, não se vislumbra qualquer pronúncia relativamente ao mandato constituído, sendo total o silêncio do douto Tribunal “a quo” quanto a esta matéria. 12. Com efeito, o n.º 1 do artigo 125.º tem como epígrafe “Nulidades da sentença”, dispondo o seguinte: “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.” (negrito e sublinhado nossos). 13. No mesmo sentido, veja-se o art.º 615º do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicável “ex vi” da al. e) do art.º 2º do CPPT, prevê as causas de nulidade da sentença, sendo que, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar». 14. Não é qualquer omissão de pronúncia que conduz à nulidade da sentença. Essa omissão só será, para estes efeitos, relevante quando se verifique a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa. 15. Essas questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. 16. Desta forma, a omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer motivo ou argumento aduzido pelas partes. 17. A pronúncia cuja omissão releva incide, assim, sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal, correspondendo aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir (ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir) e não aos motivos ou às razões alegadas. – cfr. Ac. proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 10.12.2020, in Proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1 e, ainda, o proferido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.10.2022, in Proc. n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, ambos disponíveis para consulta integral em www.dgsi.pt.. 18. Na sentença ora em crise, o Tribunal “a quo” não recusa, seja de que forma for, o conhecimento da totalidade das questões apresentadas pela reclamante, como também não indicou qualquer tipo de razão para se abster de tal conhecimento, sendo certo que, só ele terá legitimidade e o poder judicial para decidir sobre o peticionado. 19. Assim, e em face do expendido, requer, respeitosamente, que a sentença proferida seja declarada nula, nos termos do n.º 1 do art.º 125º do CPPT e da al. d), do n.º 1, do art.º 615º do CPC, por não se pronunciar sobre o acordo firmado entre a AT e a ora reclamante, datado de 24.10.2019 e sobre o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 379/20.8BECBR, e as consequências dos mesmos em relação ao processo de contraordenação, cuja cobrança coerciva, culminou na instauração da respetiva execução e consequente penhora, porquanto, tal processo de contraordenação, atentos os períodos de tributação e o teor do citado acordo, deveria ter sido extinto, e, por não se pronunciar relativamente ao mandato que já se encontrava constituído desde o pedido de revisão efetuado relativamente aos exercícios de 2016 e 2017, que, em consequência, determina a inexistência da notificação, não podendo, assim, esta produzir qualquer efeito na esfera jurídica da ora recorrente. 20. A verdade é que, a ora recorrente após ter tido conhecimento da instauração do processo de contraordenação, de imediato, juntou procuração aos autos – cfr. Doc. n.º 1 em anexo -, tendo, inclusivamente, após a decisão final no processo de contraordenação, remetido requerimento para a AT, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. - cfr. Doc. n.º 2 em anexo. 21. Ora, perscrutados que foram os autos, verifica-se que, inexplicavelmente, a AT não junta na sua contestação, aos autos, os supra citados requerimentos, cuja junção agora se requer, pois, de facto, tanto a contribuinte, como a AT, sabiam que a matéria tributável em causa, objeto de procedimento contraordenacional, era a mesma que se encontrava a ser objeto de apreciação, que, como já foi amplamente aduzido nestes autos, resultou com o acordo firmado entre a ora recorrente e a AT, que se verifica não ter sido tido em conta no procedimento contraordenacional aqui em crise. 22. Pelo que, deveria a AT ter-se eximido de manter ativo tal procedimento de contraordenação, uma vez que, existia o pedido de revisão, aquando do conhecimento da instauração do procedimento contraordenacional, e, depois, verificou-se o acordo do qual resulta não existir qualquer consequência para a contribuinte, nos termos sobreditos e ali constantes, no que concerne à liquidação da matéria tributável respeitante aos exercícios de 2016 e 2017, objeto do acordo. 23. A AT desrespeitou o acordo firmado, só tendo dado o respetivo cumprimento após a prolação do acórdão já suprarreferido, e, unilateralmente, decidiu manter ativos processos que deveriam ter sido extintos, sendo o espelho da sua má-fé a prossecução da execução da presente coima aqui em crise, que, inexplicavelmente, e com a violação dos princípios elementares de boa-fé, se manteve ativo. 24. Pelo que, exigia-se outro tipo de pronúncia por parte do douto Tribunal “a quo” pois, mantendo a penhora na esfera jurídica da ora recorrente, é alicerçar a má conduta da AT, que resulta na violação do acordo celebrado com a contribuinte e no desrespeito pela decisão proferida no âmbito do processo n.º 379/20.8BECBR, o que não se aceita, devendo a sentença ser revogada, reconhecendo a nulidade da inexistência do procedimento contraordenacional, com o consequente e imediato levantamento da penhora manifestamente ilegal que a ora recorrente foi objeto. 25. A aceitação e a sedimentação de uma decisão como a que foi proferida nos presentes autos, no nosso ordenamento jurídico, é atentatório de um dos princípios mais elementares da justiça portuguesa, o princípio do caso julgado. 26. O acórdão em causa reconheceu o acordo firmado e no qual ficou assente a extinção de todos os processos, sem consequências para o contribuinte, resultando do teor do mesmo que se a execução se encontrava extinta, as penhoras deveriam ser levantadas e, por maioria de razão, não serem realizadas novas penhoras: “Em resumo, não obstante a Administração Tributária não cumprir o acordado, que tinha como pressuposto extinguir os processos de execução fiscal então em curso, não pode a mesma ficar incólume a esse incumprimento, por isso não se admite que se possa realizar qualquer penhora numa execução fiscal que já devia estar extinta.”. 27. Ora, atendendo ao facto de, na sequência do douto acórdão proferido, as execuções terem sido extintas, vários meses depois e por determinação da Direção Distrital de Finanças ..., e consequentemente, as penhoras anuladas e levantadas, os processos de contraordenação, objeto de um ilegal procedimento nos termos sobreditos, em tudo similar às execuções que a AT manteve pendentes e só anulou após a prolação do supracitado acórdão, não se compreende de todo a eclosão do presente processo de contraordenacional, objeto de execução fiscal, pois, dúvidas não poderão subsistir que, tais processos também deveriam ter sido extintos, pois, a factualidade que lhes havia dado origem, foi judicialmente extinta. 28. Ora, por força do princípio do caso julgado, encontra-se o Tribunal “a quo” obrigado a respeitar o que ficou doutamente decidido no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 379/20.8BECBR, pois, a presente sentença ali proferida, aqui em crise, ao decidir em sentido contrário, e a manter-se no ordenamento jurídico, viola grosseiramente o sobredito princípio, o que, desde já, se deixa invocado para todos os devidos e legais efeitos daí decorrentes. - cfr. Ac. proferido pelo TR de Coimbra, datado de 11.06.2019, in Proc. n.º 355/16.5T8PMS.C1, disponível para consulta integral em www.dgsi.pt. 29. Assim, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais daí decorrentes. 30. Resulta dos autos, mais concretamente dos documentos 2 e 3 juntos com a contestação apresentada pela fazenda que o processo contraordenacional se reporta aos exercícios de 2016 e 2017. 31. A factispecie que originou procedimento contraordenacional ocorreu naqueles exercícios, pelo que, resulta evidente que a dívida tributária dali emergente se encontra prescrita, o que, apesar de ser de conhecimento oficioso, vício que se deixa aqui invocado para os devidos e legais efeitos daí decorrentes. Nestes termos e nos mais de Direito, em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais daí decorrentes.» Não foram apresentadas contra alegações. * O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da verificação da nulidade por omissão de pronúncia, com os seguintes termos: […]. Consigna-se que in casu, a coima tem como fundamento o Processo de Execução Fiscal nº ...75, que foi instaurado contra a reclamante/recorrente para cobrança coerciva de dívidas de coimas e encargos administrativos com o processo de contraordenação n. ...44, no valor de 8 113,16 euros. Ora, o caso em apreço tem como antecedente e contém, ainda, uma nuance pouco usual que é o facto de ter sido firmado, entre a ora reclamante/recorrente a e a AT, em sede de acordo de revisão da matéria coletável, nos termos do artigo 92.º da Lei Geral Tributária, o seguinte: Que o presente acordo é firmado no pressuposto que todos os demais processos existentes resultantes da ação de inspeção a que se reporta o presente procedimento de revisão são extintos, daí não resultando qualquer consequência para o contribuinte. Este trecho do acordo é realizado no pressuposto da extinção dos processos onde estavam em causa os tributos abrangidos pela ação de inspeção (portanto IRS e IVA de 2016 e 2017), como sejam os processos de execução fiscal pendentes. Atenta a consignação em tal acordo de que os processos existentes (como os processos de execução fiscal) deverem ser extintos, sem consequências para o contribuinte. Se ficou exarado que não havia consequências para o contribuinte, significa que não era lícito à AT manter as penhoras já realizadas, muito menos realizar mais outra penhora num processo que deveria estar findo. Assim, verificando-se que as contraordenações de que derivam as coimas aqui em dissidio, se reportam a matéria tributável respeitante aos exercícios de 2016 e 2017 e objeto do sobredito acordo firmado na Comissão de revisão, e agora junto, é manifesto que a execução e penhora efetuadas deverão ser consideradas ilegais, por constituírem violação grosseira do acordo firmado no pedido de revisão da matéria tributável, conforme, aliás, foi doutamente decidido no Acórdão deste TCA Norte, proferido a 27.05.2021, no âmbito do processo n.º 379/20.8 BECBR, subsumível mutatis mutandis aos presentes autos, pois, os factos, os sujeitos e os períodos em causa são os mesmos, tendo no âmbito do citado acordo ter ficado expressamente consignado que mais nenhuma consequência fiscal afetaria a esfera jurídica da ora reclamante/recorrente, para além dos valores de IVA e de IRS resultante da matéria tributável fixada, reitera-se, por acordo. O acórdão em causa reconheceu o acordo firmado e no qual ficou assente a extinção de todos os processos, sem consequências para o contribuinte, resultando do teor do mesmo que se a execução se encontrava extinta, as penhoras deveriam ser levantadas e, por maioria de razão, não serem realizadas novas penhoras: “Em resumo, não obstante a Administração Tributária não cumprir o acordado, que tinha como pressuposto extinguir os processos de execução fiscal então em curso, não pode a mesma ficar incólume a esse incumprimento, por isso não se admite que se possa realizar qualquer penhora numa execução fiscal que já devia estar extinta.”. Ora, por força do princípio do caso julgado e da harmonia do sistema jurídico, encontra-se o Tribunal a quo obrigado a respeitar o que ficou doutamente decidido no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 379/20.8 BECBR, pois, a presente sentença ali proferida, aqui em crise, ao decidir em sentido contrário, e a manter-se no ordenamento jurídico, viola grosseiramente os sobreditos princípios. - cf. Ac. do TR de Coimbra, de 11.06.2019, in Proc. n.º 355/16.5T8PMS.C1, disponível para consulta integral em www.dgsi.pt. Destarte e não obstante, a sentença recorrida ao não se ter pronunciado e decidido sobre as consequências do aludido acordo firmado com a AT – quando o mesmo foi inventariado pelo próprio reclamante/recorrente – padece de nulidade, por omissão de pronúncia, o que deve ser declarado. Como consequência, deve o processo de contraordenação em apreço ser extinto, face ao acordo firmado e ao já decidido no Acórdão proferido a 27.05.2021, pelo douto TCA Norte, no âmbito do processo n.º 379/20.8BECBR.» * Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo [cfr. artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR. As questões que cumpre conhecer relacionam-se com a existência de (i) nulidade da sentença por omissão de pronúncia e (ii) erro de julgamento em várias vertentes conforme se extrai das conclusões do recurso. * III – FUNDAMENTAÇÃO: III.1 – DE FACTO Na sentença recorrida foi fixada a seguinte materialidade: «1. Em 09.02.2024 foi emitida a Certidão de Dívida nº ...68, electronicamente assinada pela Directora Geral da Direcção de Finanças ... «BB», com o seguinte teor: CERTIDÃO DE DÍVIDA MINISTÉRIO DAS FINANÇAS AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA MORADA Rua da Prata, n.º 10, Lisboa NIF: ...79 «BB», Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e legal representante da exequente, certifica os elementos infra descritos, nos termos dos artigos 88º, 162º e 163º todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e ainda dos demais normativos aplicáveis, para fins de instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva de dívida certa, líquida e exigível, e do seu acrescido, de que é (são) devedor(es), o(s) executado(s): EXECUTADO(S): A) «AA» ESTR ... Nº 18 NIF: ...66 SF ... A) NIF: SF DF N.º PROCESSO: ...75 N.º RELAÇÃO: 10 DATA DE EMISSÃO: 2024-02-09 N.º CERTIDÃO DÍVIDA: ...68 NATUREZA DA DÍVIDA PROVENIÊNCIA: 1J9 Coimas e Encargos de Processos de Contra-Ordenação Descrição da dívida conforme anexo. TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 8.113,16 EXTENSO: Oito Mil Cento e Treze Euros e Dezasseis Cêntimos JUROS DE MORA VENCIDOS: 0,00 PAGAMENTO VOLUNTÁRIO ATÉ: Conforme anexo JUROS DE MORA A PARTIR DE Conforme anexo VALOR SUJEITO A JUROS DE MORA OUTROS ELEMENTOS: Valor integral de liquidação LOCALIDADE: ... DATA: 2024-02-09 76,50 A Diretora-Geral
2. A Certidão de Dívida referida no ponto anterior contém anexo com o seguinte teor: (Cfr. Anexo à Certidão de dívida constante da página 3 do documento inserto fls. 3 dos autos); 3. Em 09.02.2024 foi instaurado à aqui reclamante o processo de execução fiscal nº ...75, para cobrança coerciva de dívida de coima e de encargos de contraordenação no valor de 8.113,16 EUR (Cfr. Capa do visado PEF, na página 1 do documento inserto a fls. 3 do SITAF); 4. Em 25.03.2024 foi entregue na caixa postal electrónica do via CTT da ora reclamante ofício destinado a operar a sua citação no processo de execução fiscal referido no ponto anterior, o qual tem o seguinte teor: Autoridade Tributária e Aduaneira Em caso de dúvida contactar: SF-... R- PROF. ... G. ... ... ... «AA» ESTR ... Nº 18 ... ... ... CITAÇÃO PESSOAL Nº do processo: ...75 Identificação do executado: ...66 Data: 25.03.2014 Fica por este meio citado(a), nos termos dos artigos 189.º e 190.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da instauração do(s) processo(s) de execução fiscal à margem referido(s), para cobrança da dívida abaixo identificada. A presente citação refere-se à globalidade das dívidas, nos termos do nº 7 do art.º 190º do CPPT, podendo os seus elementos ser consultados no Portal das Finanças em www.portaldasfinancas.gov.pt. No prazo de 30 dias após a presente citação, deverá proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido. No mesmo prazo, poderá requerer a dação em pagamento, nos termos do artigo 201.º do CPPT, ou deduzir oposição, com os fundamentos previstos no artigo 204.º do CPPT. Até à marcação da venda dos bens penhorados poderá, ainda, requerer o pagamento em prestações, nos termos do artigo 196.º do CPPT com prestação de garantia nos termos do n.º 6 do art.º 199.º do CPPT ou requerendo a dispensa da mesma, nos termos do n.º 4 do art.º 199.º do CPPT. Decorrido o prazo antes referido sem que a dívida exequenda e acrescido tenham sido pagos, ou tenha sido prestada garantia que suspenda a execução nos termos dos artigos 169.º e 199.º do CPPT, prosseguirá o processo com a penhora de bens ou direitos existentes no seu património de valor suficiente para a cobrança da dívida, conforme valor infra indicado. O pagamento pode ser efectuado nos Serviços de Finanças, no Multibanco, nos CTT, nos Bancos ou através de homebanking. Identificação da Dívida em Cobrança Coerciva
Total: 8.113,16 ; 15,04 Custas: 93,69 Total a Pagar: € 8.221,89 Nota: os juros de mora estão calculados até ao último dia do mês anterior ao da presente citação. Se o pagamento da dívida não for efectuado no prazo de 30 dias após a presente citação, a este valor acrescerá juros de mora à taxa legal (taxa legal fixada anualmente), não se contabilizando no seu cálculo, os dias incluídos no mês de calendário em que se fizer o pagamento. As custas foram calculadas em função da fase processual e dos encargos. (Cfr. ofício de citação e Print de página do Via CTT constantes das páginas 4 e 5 do documento inserto a fls. s do SITAF). 5. Em 24.05.2022 a ora reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças ... requerimento com o seguinte teor: «AA», contribuinte fiscal n.º ...66, com residência na Estrada ..., ..., ..., ..., executada no âmbito do processo de execução supra identificado, vem expor, para a final, requerer a V.a Ex.a o seguinte: 1. A ora executada teve conhecimento, no dia 22.05.2024, data em que foi aberta a notificação eletrónica efetuada via CTT, pelo gabinete de contabilidade, que lhe comunicou ter sido instaurado contra si o processo de execução fiscal supra identificado — cfr. declaração emitida pelo Gabinete de Contabilidade responsável, que se anexa como doc. 1. 2. Porém, a verdade é que, desconhece a que título se encontra pendente tal execução, a sua origem e a que título se encontra a ser responsabilizada, uma vez que nunca foi notificada dos respetivos encargos e coimas ali referidos, nunca deles teve conhecimento, pelo que, dada a natureza receptícia do ato tributário e, uma vez que, nunca chegaram ao conhecimento da destinatária, ora requerente, são inexistentes e, por isso, inaptos a produzir qualquer efeito na esfera jurídica da ora requerente. 3. Assim, respeitosamente, requer, a V.a Ex.a, ao abrigo do disposto no n.° 1, do art.° 37° do CPPT, a notificação dos requisitos omitidos, isto é: - Qual a “factispecie” que gerou as obrigações tributárias e em que data ocorreram; - Qual a natureza da dívida/tributo; - Qual o período contributivo a que se reporta tal dívida; - Em que data foi citado o contribuinte, e sendo caso disso, a prova documental respetiva; - Qual a data de instauração do processo executivo; - Conhecimento da prescrição, com indicação do tempo já decorrido para esse efeito; - Qualidade em que é citado; - A que ano se reporta a dívida que lhe está a ser imputada e a que título; - O presente pedido de notificação dos fundamentos omitidos é requerido com os efeitos previstos no n.° 2, do supracitado art.° 37° do CPPT. Sem prescindir, Nulidade da citação 2. Da nulidade por falta dos elementos essenciais da citação 6. " Dispõe o artigo 77.°, n.° 2, da LGT que a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. 7. Ocorre, nos presentes autos, a omissão de notificação dos elementos essenciais da liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais, o que fere a alegada citação de nulidade, nos termos do art." 191°, n.° 1 do CPC. 8. O art° 190°, n.° 1 do CPPT prevê o seguinte: “A citação deve conter os elementos previstos nas alíneas af c), d) e e) do n." 1 do artigo 163." do presente Código ou, em alternativa, ser acompanhada de cópia do titulo executivo. 9. " O art.° 163° do mesmo diploma dispõe que: "1 - São requisitos essenciais dos títulos executivos: a) Menção da entidade emissora ou promotora da execução; b) Assinatura da entidade emissora ou promotora da execução, por chancela nos termos do presente Código ou, preferencialmente, através de aposição de assinatura electrónica avançada; cl Data em que foi emitido; d) Nome e número de contribuinte do ou dos devedores; e) Natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante (negrito e sublinhado nossos). 10. Ora, é clarividente que do documento “CITAÇÃO” não consta qualquer informação relativa à natureza ou à proveniência da dívida, apenas o seu montante. 11. Reiterando o já supra aduzido, o ora requerente desconhece qual o tributo em causa nos autos, a que período/exercício corresponde e quais as razões fático-legais que estão na sua origem, isto é, qual o raciocínio cognoscitivo por de trás da emissão de tal documento. 12. Pelo que, a falta dos requisitos essenciais do título executivo, agora invocados, constitui nulidade insanável, cujo reconhecimento, desde já, se requer, requerendo-se, igualmente, a anulação dos termos subsequentes do processo, tudo conforme disposto no art.° 165° do CPPT. 3. Da nulidade por omissão da notificação para o exercício de audição 13. A verdade é que, para além de não ter rececionado a alegada citação, também não foi objeto de qualquer notificação prévia à liquidação do tributo em causa, para o exercício do seu direito de audição, tendo-lhe sido coartado tal direito. 14. O que constitui flagrante violação da lei, já que num Estado de Direito como o nosso, não é admissível que seja proferida uma decisão condenatória, sem que o destinatário seja ouvido e tenha direito à sua defesa. 15. Constituindo, ainda, violação grosseira do princípio do contraditório. 16. O direito de audição tem raiz constitucional, sendo postulado pelo artigo 267.°, n.° 5, da CRP, que estabelece que: “o processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito''. 17. O transcrito normativo não prevê o regime do direito de audição, relegando para lei especial”, neste conspecto, art.°60° da LGT. 18. Conforme supra exposto, o direito ao exercício do contraditório, constituiu um direito dos administrados legal e constitucionalmente previsto. 19. Pelo que, sendo a AT, um órgão da Administração Pública, toda a sua conduta está subordinada à Constituição e à lei, atento o princípio da tipicidade a que a AT, na sua ação, está vinculada, devendo pautar-se pelo respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, em especial, in casu, pelo direito do exercício de audição. - cfr. Art.° 266° da CRP. 20. O que, manifestamente, não aconteceu no caso que nos ocupa. 21. O princípio do contraditório tem especial importância no domínio do procedimento e processo tributário, pela natureza das obrigações que lhe subjazem e pela desproporção de meios e de poder que o contribuinte pode opor ao Estado, munido de um poder que claramente exprime a relação de força em que se baseia o seu ius imperi o poder coercivo de instaurar execuções e arrecadar as correspondentes receitas, após proceder à respetiva liquidação do tributo. 22. A notificação para o exercício do direito de audição, precedente à decisão de reversão, é imperativa, sob pena de ser cerceado ao requerente o seu direito de audição, constitucionalmente consagrado, pelo que, a não verificação de tal notificação, além de constituir nulidade insanável, viola o disposto no artigo 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa. 23. Estamos perante uma omissão de um ato que a lei prescreve, que influiu no exame e na decisão da causa, o que de acordo com o vertido no artigo 195° do CPC, constitui uma nulidade, que desde já de deixa arguida para os devidos efeitos legais. Ainda sem prescindir. 24. A ora requerente, foi objeto de uma ação de fiscalização desencadeada pela AT, que incidiu nos exercícios de 2016 e 2017, tendo, na sequência da notificação das conclusões do relatório da ação inspetiva, requerido procedimento de revisão da matéria tributável, ao abrigo do disposto no artigo 92.° da LGT, tendo para esse efeito constituído mandatário, através da junção da procuração respetiva. 25. Ora, após a constituição de mandatário, todas as notificações efetuadas à contribuinte para que sejam válidas, obrigatoriamente, têm de ser feitas na pessoa do mandatário constituído e no seu domicílio profissional. 26. Verifica-se que tal exigência legal não se encontra cumprida, o que gera a inexistência do ato tributário, por falta da respetiva notificação, o que constitui nulidade que, desde já, se deixa invocada para todos os devidos e legais efeitos, não podendo, por isso, produzir qualquer efeito na esfera jurídica da ora requerente. 27. Reitera-se o pedido de informação, pela falta de fundamentação do ato tributário de citação ao abrigo do disposto no artigo 37.°, n.° 1 do CPPT, com os efeitos previstos no seu n.° 2” 4. Em 06.06.2024 a Chefe do Serviço de Finanças proferiu despacho de indeferimento do requerimento da ora reclamante reproduzido no ponto anterior, despacho cuja fundamentação é remetida para Informação da qual consta designadamente o seguinte teor: “Através de requerimento, remetido a este Serviço de Finanças, por via postal em 24 de maio de 2024, vem «AA» NIF ...66..., na pessoa do seu mandatário, no seguimento da citação do processo de execução fiscal n.° ...75, solicitar o seguinte: a) ao abrigo do disposto no n° 1 do art° 37 do CPPT, seja notificado dos requisitos omitidos, b) a nulidade da citação por falta dos elementos essenciais da citação, c) da nulidade da citação por omissão da notificação para exercício de audição; d) nulidade da citação por falta de notificação do mandatário. (…) Decisão a) O requerente requer a notificação dos requisitos omitidos na citação, conforme disposto no n.° 1 do art° 37.° do CPPT. O regime das notificações prevista no artigo 36° (e seguintes) do CPPT não é aplicável às citações efetuadas no processo de execução fiscal “ a não ser às que sejam feitas de atos conexionados com o processo de execução fiscal, mas que não constituem atos processuais próprios da sua tramitação, antes constituem verdadeiros “atos em matéria tributária" que põem termo a procedimentos tributários conexos com o processo de execução fiscal, mas dele distintos - assim, Jorge Lopes de Sousa, in ob. cit., p. 342 e acórdão do STA de 4/11/2009, Processo 896/09. Da conjugação do artigos 36 ° e 37.° do CPPT resulta, que o n.° 2 do artigo 37.° se destina apenas aos casos em que a notificação diz respeito a atos tributários (em matéria tributária) que possam ser objeto de meio legal de reação contra a sua validade e existência, não se destinando a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de atos, designadamente de atos processuais, praticados no âmbito de processos judiciais, cujas regras de cumprimento e validade estão previstas no artigos 188.° e seguintes do Código de Processo Civil. b) No caso em apreço e analisada a citação remetida verifica-se que a mesma contém, a indicação da menção da entidade emissora ou promotora da execução, a data em que foi emitido, o nome e número de contribuinte da devedora e a natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante. C) No caso em apreço, verifica-se que a citação do processo de execução fiscal não se encontra elencado no n.D 1 do art,° 60 do CPPT. d) Verifica-se que a citação tem carácter pessoal não podendo ser efetuada na pessoa do mandatário. Verifica-se da análise do processo de execução fiscal ...75, que não foi apresentado qualquer mandato antes da citação. Verificando-se a natureza judicial do processo de execução fiscal, prevista no artigo 103.° da LGT, e sendo que a aplicação dos artigos 36.° e 37.° do CPPT se restringe ao procedimento administrativo, verificando-se todos os requisitos previstos no n.° 1 do artigo 190.° do CPPT, não tendo aplicação o direito de participação prevista no artigo 60.° da LGT, sou de opinião que se indefira a pretensão do requerente. (Cfr. Despacho e Informação constantes das páginas 18 a 21 do documento inserto a fls. 3 do SITAF); 5. Do despacho referido no ponto anterior foi apresentada a presente Reclamação. * Não se identificam factos que releve para a decisão da Reclamação julgar não provados. * A Convicção do Tribunal quanto aos factos julgados provados resulta do exame dos documentos que integram o processo de execução fiscal, conforme vem indicado, para cada facto, em cada ponto do probatório.» * Aditamento oficioso à matéria de facto [art. 662.º, n.º 1 do CPC.] 6. A Recorrente foi objeto de ação inspetiva [ordens de serviço n.ºs OI20.....84 e OI20.....65] aos exercícios de 2016 e 2017, que culminou com a elaboração de relatório final de correções, com recurso a métodos indiretos, em sede de IVA [nos montantes de € 28.150,81 e € 29.712,16] e de IRS [nos montantes de € 84.088,30 e € 88.635,67], sancionado pelo Diretor de Finanças ..., 13.08.2019, do qual se destaca o seguinte: «(…). [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [cfr. pág. 10 a 24 da mencionada certidão]; 7. A 10.09.2019 o Serviço de Finanças ... instaurou contra a Recorrente o procedimento por contraordenação com o n.º ...44, por infrações decorrentes da falta de entrega de imposto exigível conjuntamente com a respetiva declaração dos períodos de 2016/12T e 2017/12T e omissões e inexatidões praticadas na declaração de rendimentos com imposto a liquidar nos períodos de 2016 e 2017 [cfr. págs. 6 e 7 da certidão incorporada no sitaf de págs. 229 a 274]; 8. O procedimento contraordenacional teve origem no requerimento apresentado pela Recorrente, a 12.06.2019, de redução de coima, dirigido ao Chefe de Finanças ..., formulado nos seguintes termos: «(…). [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [cfr. pág. 9 da certidão mencionada]; 9. A 27.09.2019, foi proferida decisão de aplicação de coima, no procedimento mencionado em 7., dela se extratando de relevante o seguinte: «(…). [Imagem que aqui se dá por reproduzida] […]. [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [cfr. págs. 34 e 35 da certidão]; 10. Por correio registado no dia 10.10.2019, foi enviado ofício à Recorrente com vista à notificação da decisão mencionada em 9. [cfr. págs. 39 e 42 da certidão]; 11. Por correio registado no dia 17.10.2019, a Recorrente remeteu ao Serviço de Finanças ... e dirigido ao procedimento contraordenacional um requerimento, com o seguinte teor: «(…). [Imagem que aqui se dá por reproduzida] […].» [cfr. págs. 40 e 41 da certidão]; 12. A 24.10.2019, no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, na decorrência da ação inspetiva referida em 6., foi alcançado acordo, tendo ficado consignado, para além do mais, o seguinte: «Que o presente acordo é firmado no pressuposto que todos os demais processos existentes resultantes da ação de inspeção a que se reporta o presente procedimento de revisão são extintos, daí não resultando qualquer consequência para o contribuinte. Em consequência, temos: […]. Desta forma temos como rendimento líquido da categoria B de IRS acordado para os anos de 2016 e 2017, nos montantes de € 40.601,39 e € 43835,77, (…). O imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) acordado, para os anos de 2016 e 2017, nos montantes de € 6.002,11 e € 11.085,39, respectivamente, (…).» [cfr. Acta n.º 016B/LGT referente à reunião dos peritos da ATA e da ora Reclamante no âmbito do aludido procedimento de revisão da matéria tributável, inserto a págs. 219 a 222 do sitaf]; 13. A Reclamante apresentou da Reclamação de atos do órgão de execução fiscal contra a penhora realizada de saldo bancário pelo Serviço de Finanças ..., no processo de execução fiscal n.º ...82, que correu termos no TAF de Coimbra sob o n.º 379/20.8BECBR [cfr. certidão junta de págs. 285 a 306 do sitaf]; 14. A 27.05.2021, na sequência do recurso apresentado pela Reclamante, foi proferido acórdão por este TCA Norte a 27.05.2021, já transitado em julgado, do qual se extrata o seguinte: «(…). III – FUNDAMENTAÇÃO De facto Com interesse para a decisão da Reclamação, consideram-se documentalmente provados, os seguintes factos: […]. 3. Em 24.10.2019 foi alcançado acordo em procedimento de revisão da matéria tributável da ora Reclamante, sendo fixados como seus rendimentos líquidos da categoria B em sede de IRS, nos anos de 2016 e 2017, os montantes de € 40.601,39 e € 43.835,77, respectivamente (a que correspondia o rendimento liquido global do agregado familiar nos anos em causa, de € 49.181,39 e € 52.597,77), e fixando-se o IVA em falta no ano de 2016 em € 6.002,11, e no ano de 2017 em € 11.085,39; Cfr. Acta n.º 016B/LGT referente à reunião dos peritos da ATA e da ora Reclamante no âmbito do aludido procedimento de revisão da matéria tributável - cfr. documento n.º 1 junto com a p.i. de reclamação, não impugnado. 4. Na sequência do aludido acordo, entre o mais, «foi a liquidação de IVA n.º ...55, relativa ao quarto trimestre de 2016, anulada parcialmente, no valor de € 6.248,33, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios n.º ...38, anulada no montante de 602,90 (...) Quanto à liquidação de IVA relativa ao quarto trimestre de [2017] (...) com o n.º ...02, foi a mesma anulada na totalidade, tendo sido emitida nova liquidação com o n.º ...61, no montante de € 25.691,74 e data limite de pagamento a 30/12/2019 (...) Tais anulações tiveram como consequência a extinção do Processo de Execução Fiscal n.º ...90, onde se encontrava em cobrança coerciva a liquidação de IVA n.º (...) e a anulação parcial do Processo de Execução Fiscal n.º ...82 onde se encontrava em cobrança coerciva a liquidação de IVA n.º (...)», tendo a Reclamante disso conhecimento, pelo menos desde 26.12.2019; Alegado pela Reclamante na conclusão 23.ª da presente Reclamação. Cfr. informação prestada pelo ERFP no dia 26.12.2029 no âmbito do processo n.º 613/19.7BECBR, que constitui o documento n.º 2 junto pela Reclamante em 11.01.2021, a fls. 94 dos autos em suporte electrónico - SITAF, tendo sido consultado os aludidos autos via SITAF para confirmação da efectiva apresentação de tal resposta e sua notificação à ora Reclamante naquela data; cfr. ainda nota de anulação n.º 2019/301741 emitida em 12.11.2019 no âmbito do PEF aludido em 1., no valor de € 6.248,33, a fls. 28 do PEF em apenso. […]. *** Apreciação jurídica do recurso. […]. O caso em apreço contém, ainda, uma nuance pouco usual que é o facto de ter sido firmado, em sede de acordo de revisão da matéria coletável, nos termos do artigo 92.º da Lei Geral Tributária, o seguinte: Que o presente acordo é firmado no pressuposto que todos os demais processos existentes resultantes da ação de inspeção a que se reporta o presente procedimento de revisão são extintos, daí não resultando qualquer consequência para o contribuinte. Parece pressupor esta afirmação que o acordo é realizado no pressuposto da extinção dos processos onde estavam em causa os tributos abrangidos pela ação de inspeção (portanto IRS e IVA de 2016 e 2017), como sejam os processos de execução fiscal pendentes. Atenta a consignação em tal acordo de que os processos existentes (como os processos de execução fiscal) deverem ser extintos, sem consequências para o contribuinte, implicava para a Administração Tributária, honrar os princípios da boa-fé e da colaboração com o contribuinte, cumprindo-o nos seus exatos termos. Se ficou exarado que não havia consequências para o contribuinte, significa que não era lícito à Administração Tributária manter as penhoras já realizadas, muito menos realizar mais outra penhora num processo que deveria estar findo. […]. O que ficou assente era a extinção de todos os processos, sem consequências para o contribuinte. Portanto, a execução fiscal não devia ter prosseguido, ou melhor, devia ter sido extinta, mas não podendo neste processo ser analisada essa situação (conforme acima já explicado), sempre se pode decidir que não podem ser realizadas quaisquer diligências com consequências para o contribuinte em tal processo, incluindo atos de penhora. […]. Em resumo, não obstante a Administração Tributária não cumprir o acordado, que tinha como pressuposto extinguir os processos de execução fiscal então em curso, não pode a mesma ficar incólume a esse incumprimento, por isso não se admite que se possa realizar qualquer penhora numa execução fiscal que já devia estar extinta. Em face do exposto, resulta que a penhora foi ilegalmente realizada, pelo que deve ser levantada. […].» [cfr. certidão junta a págs. 285 a 306 do sitaf]. * IV –DE DIREITO: Conforme adiantamos a primeira questão que cumpre conhecer prende-se em saber se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia. Quanto a esta pretensão recursiva, desenvolvida nas conclusões 1.ª a 19.º, culmina a Recorrente com um pedido nos seguintes termos: «Assim, e em face do expendido, requer, respeitosamente, que a sentença proferida seja declarada nula, nos termos do n.º 1 do art.º 125º do CPPT e da al. d), do n.º 1, do art.º 615º do CPC, por não se pronunciar sobre o acordo firmado entre a AT e a ora reclamante, datado de 24.10.2019 e sobre o Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 379/20.8BECBR, e as consequências dos mesmos em relação ao processo de contraordenação, cuja cobrança coerciva, culminou na instauração da respetiva execução e consequente penhora, porquanto, tal processo de contraordenação, atentos os períodos de tributação e o teor do citado acordo, deveria ter sido extinto, e, por não se pronunciar relativamente ao mandato que já se encontrava constituído desde o pedido de revisão efetuado relativamente aos exercícios de 2016 e 2017, que, em consequência, determina a inexistência da notificação, não podendo, assim, esta produzir qualquer efeito na esfera jurídica da ora recorrente. [conclusão 19.]. Vejamos, pois, se lhe assiste razão. Segundo o disposto no artigo 125.º, nº 1 do CPPT (à semelhança do previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está diretamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 608.º, n.º 2 do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia. Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, ou seja, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais exceções invocadas), ficando apenas excluído o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicado pela solução dada a outras. Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (vd., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Setembro de 2012, proferido no Processo nº 0862/12, integralmente disponível em www.dgsi.pt). Por último, conforme é jurisprudência constante, poderá haver erro de julgamento, se for erróneo o entendimento em que se baseia o não conhecimento da(s) questão(ões), mas não nulidade por omissão de pronúncia (cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de novembro de 2020, proferido no Processo nº 0699/17.9BELRA, integralmente disponível em www.dgsi.pt). Em síntese, só ocorrerá omissão de pronúncia quando o juiz (1) não toma posição sobre questão colocada pelas partes, (2) não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, (3) nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento e (4) da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio. Usando uma formulação positiva, podemos, então, afirmar que, para efeitos da verificação da nulidade por omissão de pronúncia, constitui forma válida de conhecimento a afirmação justificada de que não se pode conhecer da questão. Quanto à omissão de pronúncia «relativamente ao mandato que já se encontrava constituído desde o pedido de revisão efetuado relativamente aos exercícios de 2016 e 2017, que, em consequência, determina a inexistência da notificação, não podendo, assim, esta produzir qualquer efeito na esfera jurídica da ora recorrente.», inelutavelmente não se verifica. Na verdade, como decorre da simples leitura da sentença, a questão assinalada foi a terceira questão a ser conhecida, destacada com o título «Do pedido de reconhecimento da nulidade de falta de notificação válida da decisão que aplicou a coima em execução». Extrata-se, por ser elucidativo do conhecimento desta questão, o seguinte excerto. «Pediu a reclamante ao órgão de execução fiscal que reconhecesse a nulidade consubstanciada na falta de notificação válida da decisão de aplicação de coima (sendo a esta que deve entender-se que se refere quando fala, impropriamente, do “acto de liquidação do tributo”) , alegando designadamente que constituíra mandatário no âmbito do procedimento de revisão oficiosa da matéria colectável que instaurou em momento anterior à instauração do processo de contraordenação. No entanto, a falta de notificação válida da decisão que subjaz à dívida em execução – neste caso, a decisão de aplicação de coima – não constitui, tão-pouco, uma nulidade do processo de execução fiscal, embora afecte a eficácia da decisão que deu origem à dívida exequenda, pois reporta-se, de todo o modo, a momento anterior à instauração da execução, e não consubstancia por, isso, a omissão de qualquer acto processual legalmente devido que se inscreva no âmbito do processo de execução fiscal. Não poderia, pois, o órgão de execução fiscal ter reconhecido tal nulidade. […]. Não enferma, pois, de ilegalidade o despacho reclamado pelo facto de não ter deferido qualquer pretensão da reclamante com base a arguição da falta de notificação da decisão que aplicou a coima.» Do exposto, o tribunal recorrido, ao contrário do pugnado pela Recorrente, conheceu [e, antecipa-se, bem] da questão relacionada com a falta de notificação do mandatário constituído da decisão de aplicação de coima, não padecendo a sentença de nulidade por omissão de pronúncia. A Recorrente alega também que o tribunal não se pronunciou sobre a questão da existência do acordo celebrado com autoridade tributária e aduaneira relativo à matéria tributável referente aos exercícios de 2016 e 2017, que já foi objeto de pronúncia no acórdão proferido no processo n.º 370/20.8BECBR, conforme resulta dos requerimentos e documentos que os acompanharam, apresentados a 17.07.2024 e 26.09.2024. Ora, do ora alegado, em consonância com o vertido nos referidos requerimentos apresentados nos autos, resulta que pretendia a Reclamante que o tribunal tivesse emitido pronúncia sobre a jurisprudência firmada no acórdão deste TCA Norte a propósito da relevância e consequências do acordo celebrado no procedimento de revisão para os processos pendentes à data sua celebração, designadamente o procedimento contraordenacional e a execução fiscal. Dito de outro modo, pretendia que se refletisse na presente ação os efeitos do caso julgado formado sobre aquela concreta questão. E a verdade é que o tribunal não emitiu qualquer pronúncia sobre esta matéria, não justificando o seu não conhecimento e nem o mesmo se mostra prejudicado pela solução dada às restantes questões, pelo que na prolação da sentença incorreu em omissão de pronúncia, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 615.º, n.º1, alínea d), do CPC e 125.º, n.º1, do CPPT, sendo a mesma de anular parcialmente. Do conhecimento em substituição. Declarada a nulidade parcial da sentença, há que fazer apelo ao artigo 665.º do CPC, uma vez que a anulação da decisão não tem como efeito incontornável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo este tribunal ad quem proceder à apreciação da questão não conhecida se dispuser dos elementos necessários para tal – cfr. art. 662.º, n.º 1 do CPC -, o que no presente caso se verifica. A questão que cumpre conhecer é, então, da alegada existência das figuras de caso julgado ou autoridade de caso julgado, por força do já decidido no acórdão transitado em julgado, relativamente aos efeitos e consequências do acordo celebrado no procedimento de revisão da matéria coletável. Uma nota inicial para dizer que, dada a oficiosidade do conhecimento do caso julgado, o mesmo não tinha que ser inicialmente invocado perante o órgão de execução fiscal, pois sempre cumpriria ao tribunal a averiguação da sua ocorrência. A figura jurídico-processual do caso julgado, como decorre do disposto nos artigos 580.º [conceito], 581.º [requisitos], 619.º [valor da sentença transitada em julgado], 620.º [caso julgado formal], 621.º [alcance do caso julgado] e 625.º [casos julgados contraditórios] do Código de Processo Civil, pressupõe a existência de uma decisão que resolveu uma questão que se entronca na relação material controvertida ou que versa sobre a relação processual, e visa evitar que essa mesma questão venha a ser definida, mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal. Na verdade, transitada em julgado, a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, qual seja, o pronunciamento definitivo do órgão jurisdicional sobre a relação material controvertida, pondo assim termo ao litígio. É o que se designa por caso julgado material, definido no artigo 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. A nossa lei adjetiva define, assim, o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado [cfr., ainda, artigo 628.º do CPC]. E ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (autoridade do caso julgado) e uma função negativa (exceção do caso julgado). Nas palavras de Castro Neves «os efeitos de autoridade do caso julgado e a exceção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda» [in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pág. 36 e segs.]. Sobre esta matéria, sublinha Teixeira de Sousa: «O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, respeitam) o que foi decidido anteriormente (…).» [in «Preclusão e "contrario contraditório"», Cadernos de Direito Privado, n.º 41, págs. 24-25]. Perfilhando este entendimento doutrinal sobre esta questão, vide, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019, processo n.º 4043/10.8TBVLG.P1.S1, e de 13.11.2018, proc. n.º 4263/16.1T8VCT.G1.S1, e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019, proc. n.º 2143/05.5BELSB, e acórdão deste TCA de 08.02.2024, proc. n.º 2044/20.7BEPRT (relatado pela segunda adjunta desta formação). Como se refere no mencionado acórdão deste TCA, «as exigências de segurança jurídica têm sido apontadas como fundamento primordial do caso julgado material, sendo um garante da tendencial imutabilidade das decisões transitadas em julgado, fundamental até em termos de manutenção da paz social – cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. III, p. 94, Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, pp. 286 e 287, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 1985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 705». Neste conspecto, podemos, então, estabelecer a seguinte distinção: · A exceção dilatória do caso julgado «destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir; · A autoridade de caso julgado «tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida. Feitos estes considerandos, retomemos o caso concreto. A pretensão da Reclamante é que se irradie para os presentes autos o que foi decidido, sobre a matéria a respeito do acordo celebrado no procedimento de revisão, na RAOEF n.º 379/20.8BECBR, por acórdão já transitado em julgado. Vejamos. Da fundamentação do acórdão [cfr. pontos 12 e 13 elencados no probatório], depois de refletidos na matéria de facto provada os termos do acordo [seus pontos 3 e 4], consta o seguinte: «O caso em apreço contém, ainda, uma nuance pouco usual que é o facto de ter sido firmado, em sede de acordo de revisão da matéria coletável, nos termos do artigo 92.º da Lei Geral Tributária, o seguinte: Que o presente acordo é firmado no pressuposto que todos os demais processos existentes resultantes da ação de inspeção a que se reporta o presente procedimento de revisão são extintos, daí não resultando qualquer consequência para o contribuinte. Parece pressupor esta afirmação que o acordo é realizado no pressuposto da extinção dos processos onde estavam em causa os tributos abrangidos pela ação de inspeção (portanto IRS e IVA de 2016 e 2017), como sejam os processos de execução fiscal pendentes. Atenta a consignação em tal acordo de que os processos existentes (como os processos de execução fiscal) deverem ser extintos, sem consequências para o contribuinte, implicava para a Administração Tributária, honrar os princípios da boa-fé e da colaboração com o contribuinte, cumprindo-o nos seus exatos termos. Se ficou exarado que não havia consequências para o contribuinte, significa que não era lícito à Administração Tributária manter as penhoras já realizadas, muito menos realizar mais outra penhora num processo que deveria estar findo. […]. O que ficou assente era a extinção de todos os processos, sem consequências para o contribuinte. Portanto, a execução fiscal não devia ter prosseguido, ou melhor, devia ter sido extinta, mas não podendo neste processo ser analisada essa situação (conforme acima já explicado), sempre se pode decidir que não podem ser realizadas quaisquer diligências com consequências para o contribuinte em tal processo, incluindo atos de penhora. […]. Em resumo, não obstante a Administração Tributária não cumprir o acordado, que tinha como pressuposto extinguir os processos de execução fiscal então em curso, não pode a mesma ficar incólume a esse incumprimento, por isso não se admite que se possa realizar qualquer penhora numa execução fiscal que já devia estar extinta. Em face do exposto, resulta que a penhora foi ilegalmente realizada, pelo que deve ser levantada.» Do exposto resulta que, por força do acórdão em exegese, (i) a celebração do acordo realizado no procedimento de revisão tem como consequência que todos os processos pendentes que resultam da ação de inspeção a que se reporta o procedimento de revisão teriam que ser extintos, sem qualquer consequência para o contribuinte; E (ii) atenta esta consignação implica para a Administração Tributária, honrar os princípios da boa-fé e da colaboração com o contribuinte, cumprindo-o nos seus exatos termos. Como é referido pelo Digno Procurador Geral Adjunto, «por força do princípio do caso julgado e da harmonia do sistema jurídico, encontra-se o Tribunal a quo obrigado a respeitar o que ficou doutamente decidido no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 379/20.8 BECBR, pois, a presente sentença ali proferida, aqui em crise, ao decidir em sentido contrário, e a manter-se no ordenamento jurídico, viola grosseiramente os sobreditos princípios. - cf. Ac. do TR de Coimbra, de 11.06.2019, in Proc. n.º 355/16.5T8PMS.C1, disponível para consulta integral em www.dgsi.pt.» Fixada esta jurisprudência, cumpre agora fazê-la operar na presente reclamação. Conforme se extrai do elenco da factualidade provada, o procedimento contraordenacional, cujos valores estão a ser cobrados na execução aqui em causa, foi instaurado na sequência das infrações verificadas na ação inspetiva [ordens de serviço de OI20.....84 e OI20.....65], de que foi alvo a Reclamante aos exercícios de 2016 e 2017 [cfr. pontos 6. a 8.], fazendo a decisão de aplicação de coima essa mesma referência [ponto 9.]. Espelha ainda, a matéria de facto que, na sequência da notificação da decisão de aplicação de coima, e antes de a mesma se ter consolidado na ordem jurídica [findo o prazo de 20 dias após a notificação (art. 79.º, n.º 2, do RGIT)], a Reclamante, a 17.10.2019, deu conhecimento do pedido de revisão ao serviço de finanças, solicitando a anulação da “dívida” [cfr. pontos 9. a 11.]. Ora, o acordo celebrado a 24.10.2019 - no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, na decorrência da referida ação inspetiva, da qual resultou o procedimento contraordenacional – ocorreu também antes de a decisão de aplicação de coima formar caso decidido. Nesta sequência, tendo ficado consignado que o acordo foi firmado no pressuposto de que todos os processos pendentes resultantes da ação inspetiva, como é o caso, seriam extintos, não resultando qualquer consequência para o contribuinte, leia-se, Reclamante, a autoridade tributária teria que ser consequente com esse desiderato, honrando, assim, os princípios da boa-fé e da colaboração com o contribuinte, cumprindo o acordo nos seus exatos termos. E, sendo assim, no que releva para a presente situação, impunha-se que fosse anulada ex oficio a decisão de aplicação de coima ou, então, que não fosse instaurada posteriormente a execução fiscal, como veio a acontecer, uma vez que a dívida deixou de ser exigível. Não tendo ocorrido nenhuma daquelas duas hipóteses, há que aquilatar as consequências dessa omissão na presente ação, considerando as concretas causas de pedir. Ora, a Reclamante alega, para além do mais, a nulidade do título executivo. Como ensina o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado”, volume III, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, páginas 141 e seguintes, com doutrina que acompanhámos: «A nulidade do processo de execução fiscal por falta de requisitos essenciais do titulo executivo, prevista na alínea b) do nº 1 deste art. 165º do CPPT, ocorre quando lhe falte algum dos requisitos indicados no nº 1 do art. 163º deste Código. Essa falta, porém, apenas constitui nulidade insanável se não puder ser suprida por prova documental.» Refere, ainda, o mesmo autor, em anotação ao art. 163.º [requisitos dos títulos executivos], do CPPT, in ob. cit., pág. 125, que[o]s títulos executivos têm uma dupla função no processo de execução fiscal. Por um lado, visam assegurar à entidade perante quem corre a execução a possibilidade de verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo, em que se incluem as de se estar perante uma dívida certa, líquida e exigível. Por outro, têm também a função de informar o executado sobre a dívida que se executa e poder organizar a sua defesa, se assim o entender. […]. É à luz desta função do título executivo que tem de ser apreciada a existência de nulidade insanável e a possibilidade da sua sanação através de prova documental, para efeitos do art. 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT.» Em suma, no que se refere ao credor, a finalidade do título executivo é o de assegurar à entidade perante quem corre a execução a possibilidade de verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo, bastando que, através de prova produzida no processo de execução fiscal, se comprove a existência dessas condições, para estar satisfeito tal objetivo. No caso, como antecipamos, a dívida não é exigível, evidência que não é superável com qualquer prova documental, pelo que ocorre a nulidade do título executivo por falta deste requisito [art. 165.º, n.º 1, alínea b) do CPPT]. Destarte, faltando esse requisito o título executivo é nulo e, em consequência, verifica-se igualmente a nulidade do processo de execução fiscal. Nesta conformidade, julga-se procedente a presente reclamação de atos do órgão de execução fiscal. Em consequência, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas quer na reclamação quer as invocadas no presente recurso. * Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, e nessa sequência, anular em parte a sentença e, conhecendo em substituição, julgar a Reclamação procedente e anular o despacho reclamado. * Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO: I - Ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (autoridade do caso julgado) e uma função negativa (exceção do caso julgado). II - Por via da autoridade do caso julgado, há que aplicar no caso concreto a jurisprudência fixada em acórdão anterior transitado sobre os efeitos a retirar do acordo realizado no procedimento de revisão, nos termos do qual todos os processos pendentes, resultantes da ação de inspeção a que se reportava o procedimento de revisão, teriam que ser extintos, sem qualquer consequência para o contribuinte. III - A finalidade do título executivo é o de assegurar à entidade perante quem corre a execução a possibilidade de verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo, bastando que, através de prova produzida no processo de execução fiscal, se comprove a existência dessas condições, para estar satisfeito tal objetivo. IV - No caso, não sendo a dívida exigível, evidência que não é superável com qualquer prova documental, ocorre a nulidade do título executivo por falta deste requisito [art. 165.º, n.º 1, alínea b) do CPPT] e, em consequência, verifica-se igualmente a nulidade do processo de execução fiscal. * V – DECISÃO: Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, e nessa sequência, anular em parte a sentença e, conhecendo em substituição, julgar a Reclamação procedente e anular o despacho reclamado. Custas pela Fazenda Pública. Porto, 30 de janeiro de 2025 Vítor Salazar Unas Ana Paula Santos Ana Patrocínio |