Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00811//05.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IVA; CRÉDITO DE IMPOSTO;
REPORTE; DIREITO À DEDUÇÃO;
DESCONSIDERAÇÃO;
Sumário:I. O exercício do direito à dedução do IVA consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/05/1977), mais exactamente no seu artigo 17º, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito.

II. Para exercer o seu direito à dedução do imposto suportado o sujeito passivo de IVA pode, conforme as circunstâncias em que se encontre, recorrer a um de três métodos previstos na lei: (i) Método subtractivo indirecto - de acordo com este método, ao valor do imposto liquidado durante um determinado período declarativo deduz-se o valor do imposto suportado no mesmo período (cf. artigo 22º, nº.1, do CIVA); (ii) Método do reporte - caso o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, o sujeito passivo deverá recorrer ao método do reporte, de acordo com o qual o imposto em excesso será reportado para o período de tributação seguinte (cf. artigo 22º, nº.4, do CIVA); (iii) Método do reembolso - todavia, nas situações em que o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, pode o sujeito passivo optar por solicitar o reembolso do imposto, desde que se verifiquem as condições legalmente previstas no artigo 22º, nºs.5 e 6, do CIVA.

III. No caso específico do método de reporte de IVA, o respectivo regime legal encontra-se consagrado, essencialmente, no artigo 22º, do CIVA, donde decorre que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração.

IV. O acto de liquidação adicional de IVA praticado na sequência de um procedimento de inspecção tributária, que desconsideres o IVA dedutível, ou seja que coloque em causa o “crédito de imposto” utilizado por via de reporte em declaração posterior do mesmo, terá que ser emitida com referência ao período em que o crédito de imposto veio a ser subtraído pela Impugnante ao imposto liquidado (em que o crédito foi exigido), pois só nessa declaração posterior figura “um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos”, que cumpre liquidar pela diferença (artigo 82º do CIVA, então em vigor)..*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que foi julgada procedente o pedido da ora recorrida de anulação da liquidação adicional de IVA e da liquidação de juros compensatórios, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. A questão a dirimir tem que depender da consideração da seguinte factualidade, que não foi devidamente fixada no probatório da sentença recorrida, devendo, por isso, proceder-se à alteração da alínea P) do probatório, e aditando-se nova alínea, nos seguintes termos:
(...)
P) O I.V.A. liquidado à Impugnante nas facturas mencionadas na alínea H), no montante de 6.109.059$00, foi indevidamente deduzido na declaração do I.V.A. relativa ao 4º trimestre de 2000, tendo a impugnante ficado, por esse facto, na situação de “crédito de imposto”, a reportar.
Q) A aplicação de tal excesso a reportar (do I.V.A. indevidamente deduzido na declaração relativa ao 4º trimestre de 2000) foi feita nas declarações de I.V.A. relativas ao 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003.
R) Retoma a partir da anterior alínea Q) (...)
B. A impugnante utilizou o saldo acumulado - crédito de imposto por si declarado - do 4º trimestre de 2000, o que significa que, em períodos subsequentes àquele, utilizou montante de crédito resultante da dedução indevida de I.V.A., beneficiando indevidamente do mesmo.
C. Do exame da factualidade provada, e concluindo-se, como se concluiu na sentença proferida pelo Tribunal a quo, “pela improcedência do vício de violação de lei invocado pela Impugnante, sendo de excluir o direito à dedução do imposto (cfr n.º 3 do artigo 19.º do C.I.V.A.)”, a diferença entre a autoliquidação e a correção ao IVA efectuada pela Inspeção Tributária, relativas ao 4º trimestre de 2000 (crédito inferior ao da declaração substituída/corrigida), teria obrigatoriamente que originar a emissão, nos termos do artº. 82º do C.I.V.A. (actual 87º), de uma liquidação adicional em quantia correspondente à diferença entre os respectivos valores, acrescida dos respectivos juros compensatórios.
D. A propósito desta questão, embora com enfoque particular na questão dos juros compensatórios, retira-se do douto Acórdão do TCAS, proferido em 17-03-2016 no processo nº 09282/16, que “A questão é que, mesmo havendo “apenas” uma redução do crédito que o sujeito passivo tem sobre o Estado (que passa a ser menor), verificam-se os pressupostos previstos no artº. 35, da L.G.T., para que sejam liquidados juros compensatórios.
E. Mesmo havendo “apenas” uma redução do crédito que o sujeito passivo tem sobre o Estado (que passa a ser menor), verificam-se os pressupostos legalmente previstos para a emissão, nos termos do artº.82 do C.I.V.A. (actual 87º), de uma liquidação adicional em quantia correspondente à diferença entre a autoliquidação efectuada pelo S.P. e correção ao IVA efectuada pela Inspeção Tributária, relativas ao 4º trimestre de 2000.
F. Ao contrário do decidido na sentença recorrida, entende a Fazenda Pública que o I.V.A. em questão não podia ser subtraído nas declarações do 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003, devendo a correcção (I.V.A. não dedutível) reportar-se apenas ao 4.º trimestre de 2000, porque foi neste período que o IVA foi indevidamente deduzido.
G. O sistema de dedução de I.V.A. consiste na dedução do imposto liquidado nos respectivos inputs ao imposto liquidado nos seus outputs, tudo reportado ao mesmo período de tempo (mensal ou trimestral).
H. O n.º 1 do artigo 22.º do C.I.V.A. estabelece que “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.”.
I. “Dessa operação de subtracção do imposto dedutível ao imposto liquidado pode resultar, para cada período, o apuramento de um débito do sujeito passivo ao Estado (quando o imposto dedutível é inferior ao imposto liquidado), que constitui a sua dívida tributária desse período, ou de um crédito perante o Estado (quando o imposto dedutível excede o imposto liquidado), que transitará para os períodos de tributação seguintes como imposto a recuperar (n.º 4 do artigo 22.º do C.I.V.A.), sem prejuízo da possibilidade do sujeito passivo solicitar o reembolso desse crédito de I.V.A. (n.ºs 5 e 6 do artigo 22.º do C.I.V.A. e Decreto-Lei n.º 229/95, de 11/9).” – afirmado na fundamentação da sentença, e não merecedor de contestação.
J. Nos termos do n.º 1 do artigo 82.º do C.I.V.A. (na redacção em vigor à data dos factos), “...o chefe de repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.”, acrescentando o n.º 3 que “As inexactidões ou omissões poderão ... ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo,...”.).” – afirmado na fundamentação da sentença, e não merecedor de contestação.
K. Deste modo - e aqui a Fazenda Pública tem entendimento diverso do plasmado na sentença recorrida – na situação trazida aos autos, em que, da rectificação da declaração periódica, consubstanciada na desconsideração do I.V.A. deduzido pelo sujeito passivo, não resultou uma situação de falta de entrega de imposto, estavam preenchidos os requisitos para a emissão de uma liquidação adicional.
L. Considerando a A.T. que, no período em causa (4º trimestre de 2000), determinado I.V.A. não era dedutível, tinha obrigatoriamente de rectificar a declaração periódica desse período e emitir a liquidação adicional para o próprio período, pois, foi nesse período que o imposto dedutível foi deduzido ao imposto liquidado.
M. No caso em apreço, a I.T. concluiu pela não dedutibilidade do I.V.A. constante das facturas emitidas pela “R……” à Impugnante, imposto que foi (indevidamente) deduzido na declaração de I.V.A. do 4.º trimestre de 2000, tendo a impugnante ficado, por esse facto, na situação de “crédito de imposto”, a reportar. A aplicação de tal excesso a reportar (do I.V.A. indevidamente deduzido na declaração relativa ao 4º trimestre de 2000) foi feita nas declarações de I.V.A. relativas ao 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003.
N. Todavia, a AT estava impedida de, por esse motivo, emitir declarações adicionais relativas a estes dois últimos períodos. Desde logo, pelo regime do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de setembro - Regime Jurídico da Cobrança do IVA e do Pagamento dos Reembolsos – cfr. na redacção à época vigente, artigo 8.º (“Utilização dos créditos”).
O. Portanto, o facto de tal excesso a reportar, vindo da declaração relativa ao 4º trimestre de 2000, apenas ter sido aplicado nas declarações do 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003 não pode relevar para efeitos de liquidação adicional relativa a estes períodos. Isto porque, até 2011, por via daquele Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de setembro, a AT apenas podia actuar, no que ao caso interessa, sobre a 1ª declaração (a declaração atempada) do período de imposto, começando e mantendo-se inalterável, a partir daí, a cadeia do crédito de imposto.
P. O mesmo que dizer, era a tempestiva declaração que valia para o efeito de apuramento das eventuais diferenças de imposto que se apurassem para o mesmo período, e na qual se refletiam as reliquidações de imposto para o período respectivo, sem que se pudesse mexer nas declarações da cadeia do crédito de imposto que dali resultassem. De tal forma era assim, que a “declaração periódica de substituição Mod. C” nunca possuía o “campo 61”, que é o campo onde se inscreveria o crédito de imposto.
Q. E, se a AT estava legalmente impedida de emitir liquidações adicionais - por causa de um crédito de imposto advindo do 4º trimestre de 2000 - referentes aos períodos de 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003, apenas poderia, assim, fazê-lo com referência ao período onde tal crédito foi indevidamente apurado, em face de I.V.A. indevidamente liquidado, que foi o período de 4º trimestre de 2000.
R. Mais, se a AT ficasse impedida de emitir a liquidação adicional para o 4º trimestre de 2000, com o apuramento do imposto correspondente ao do crédito de imposto desconsiderado, tal significaria que, tendo o S.P. usado tal crédito em período posterior, em face da impossibilidade de actuação da AT, o S.P. obteria uma vantagem patrimonial absolutamente injustificada com prejuízo definitivo, porque irrecuperável, para o erário público.
S. O direito da A.T. de liquidar adicionalmente o imposto aqui considerado não dedutível não poderia ter sido exercido com referência ao 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003 -, mas, apenas, relativamente ao 4.º trimestre de 2000 (pois é este o período inicial da “cadeia de crédito”).
T. Assim, se a AT se visse impedida, pelo entendimento do julgado sob recurso, de promover, nos termos da Lei, a liquidação adicional com referência ao 4.º trimestre de 2000, a consequência seria que a Impugnante ficaria com uma vantagem patrimonial efectiva resultante da aplicação do crédito de imposto que a A.T. e o próprio Tribunal consideraram oriundo de uma dedução indevida de IVA, ficando o Estado definitivamente prejudicado no montante de imposto em causa através do uso ulterior, pela impugnante, de um direito de crédito, assim, inexistente.
U. Em entendimento diverso do vertido na sentença sob recurso (p.25), deve considerar-se que, para o 4.º trimestre de 2000, existiu falta de entrega da prestação tributária nos cofres do Estado, pelo facto de que não podia a A.T. emitir liquidação adicional para o 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003 com apuramento de imposto relativo ao 4.º trimestre de 2000.
V. Em entendimento diverso do vertido na sentença sob recurso (p.25), verifica-se que, da desconsideração do I.V.A. dedutível, apenas poderia, e deveria, ter resultado uma anulação do correspondente crédito de imposto a reportar para os períodos subsequentes, com a consequente liquidação adicional para o 4.º trimestre de 2000, pois as rectificações fora do prazo não permitiam a consideração de “excessos a reportar, bem como as regularizações a crédito, transportados de períodos anteriores”, e, do mesmo modo, as declarações de rectificação fora do prazo (declaração periódica de substituição Mod. C) não contemplavam o campo 61 para inscrição do imposto em crédito.
W. Deste modo, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a anulação das liquidações em crise no presente recurso, violando o disposto nos artigos 19º, nº 1, 20º, nº 1, 22º, nº 1 e 78º (ex art. 82º) CIVA, e no D.L. nº 229/95, de 11/9.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as devidas consequências legais.»

1.2. A Recorrida («X Portugal, Lda.».), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:
«1ª Nestas contra-alegações, vem a Recorrida demonstrar a bondade da interpretação da lei e respectiva aplicação pelo Tribunal recorrido, no que respeita à questão que fundou o sentido da decisão anulatória.
2ª Subsidiariamente, caso venha a merecer provimento o recurso interposto pela Recorrente na parte em invoca a inexistência do vício reconhecido pelo Tribunal a quo, vem a Recorrida requerer, nos termos do nº 1 e 2 do artigo 636º do C.P.Civil sejam apreciadas as seguintes questões:
a) o erro de julgamento do Tribunal a quo na decisão que tomou de selecção da matéria de facto, traduzido na não inclusão no objecto do processo de factos essenciais e relevantes para a decisão da causa, articulados nos artigos 12º a 32º; 14º e 15º; 69º; 7ºº e 123º; 18º; 19º; 21º a 24º; 27º; 28º; 20º; 30º; 150º; 43º; 44º e 45º; 72º; 4º, 80º e 196º; 213º; 215º da p.i. (que adiante se enunciarão), os quais, atenta a prova documental e testemunhal produzida devem ser dados como provados (e ainda de facto complementar demonstrado por documento).
b) O erro de julgamento do Tribunal a quo na decisão tomada quanto ao preenchimento da previsão normativa do nº 3 do artº 19º do Código do IVA e a licitude do direito à dedução do IVA pela Recorrida.
3ª Andou bem o Tribunal a quo ao sustentar que, para efeitos de desconsideração do IVA suportado em operações tidas por simuladas, a Administração Fiscal apenas pode exercer o direito à liquidação adicional de imposto, por referência aos períodos em que o crédito subjacente às deduções daquele imposto tenha sido efectivamente utilizado pelo sujeito passivo.
4ª Não pode proceder a impugnação da matéria de facto deduzida pela Fazenda Pública, por serem desadequados e desnecessários os termos da alteração e aditamento propostos.
5ª Os factos considerados provados ou não provados devem conter apenas a descrição dos eventos de vida relevantes, abstraídos de quaisquer qualificações jurídicas, técnica que a Fazenda Pública não respeita na redacção dos pontos de facto alternativos P) e Q) que propõe nas suas alegações.
6ª Por outro lado, desprovidos das inadmissíveis expressões de natureza jurídica, a essência factual dos pontos alternativos propostos pela Fazenda Pública encontra-se já captada na descrição dos factos constantes do probatório 7ª Para apreciar a questão do período a que se podem reportar as liquidações adicionais de IVA emitidas nos termos do nº 1 do artº 82º do Código do IVA, afiguram-se suficientes os factos descritos na sentença recorrida e que traduzem os momentos em que o sujeito passivo (i) suportou o IVA liquidado nas operações controvertidas; (ii) o indicou à Administração Fiscal como imposto dedutível; e (iii) efectivamente subtraiu esse IVA ao imposto que devia entregar ao Estado.
8ª A decisão jurisprudencial a que a Fazenda Pública se reporta (Ac. TCAS de 17/372016, Proc. 09282/16) para justificar que qualquer correcção que tenha por efeito a redução do crédito de imposto do sujeito passivo sobre o Estado desde logo determina a verificação dos pressupostos de emissão de liquidação adicional e de juros compensatórios não tem aptidão para sustentar o pretendido.
9ª Os pressupostos de facto da identificada decisão, na verdade, são substancialmente diferentes dos do presente processo.
10ª Contrariamente ao invocado, não se defende naquela decisão que os pressupostos de liquidação adicional (nos termos do artº 82º do CIVA) e de liquidação de juros compensatórios fiquem preenchidos quando se verifique “apenas uma redução do crédito” do sujeito passivo sobre o Estado; apenas que tal ocorre se – e quando - o sujeito passivo solicitar reembolso indevido, o que no caso não sucedeu.
11ª A Fazenda Pública comete equívoco quando afirma que o IVA liquidado nas operações controvertidas foi deduzido pela Recorrida no 4º trimestre de 2000, confundindo os conceitos e momentos de ocorrência da constituição do direito à dedução e o do respectivo exercício.
12ª Nos termos do artº 82º do Código do IVA (redacção em vigor em 2000), o pressuposto para a liquidação adicional é o exercício do direito à dedução, em valor superior ao devido, numa concreta declaração periódica, que se concretiza com a efectiva subtracção do imposto liquidado nas operações tributáveis realizadas a montante ao imposto devido ao Estado num determinado período ou com o recebimento de reembolso.
13ª O elemento literal da norma prevista no nº 4 do artº 22º do CIVA, apenas permite a interpretação de que o exercício do direito à dedução ocorre quando é possível subtrair o valor reportado ao imposto a entregar ao Estado (e não imediatamente com a indicação do imposto dedutível na declaração periódica correspondente ao da sua liquidação).
14ª Por outro lado, caso se considerasse exercido o direito à dedução no momento em que o sujeito passivo não subtrai qualquer montante ao valor a entregar ao Estado (por tal imposto inexistir), não se compreenderia que o ordenamento admitisse que aquele, em momento subsequente, viesse solicitar o reembolso do imposto apurado a seu favor – já que o reembolso que constitui uma forma alternativa e subsidiária de satisfação do mesmo direito.
15ª O tribunal arbitral presidido pelo Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, formado no âmbito do CAAD para julgamento do processo 53/2014-T, sancionou o entendimento propugnado (de que o direito à dedução apenas é exercido quando seja possível subtrair o valor do crédito apurado a favor do sujeito passivo ao valor do imposto a entregar ao estado), em decisão proferida em 20/10/2014 que se acompanha.
16ª Conforme tem sido sancionado pela jurisprudência dos Tribunais (devidamente citada), o fim essencial prosseguido pela norma do nº1 do artº 82° do Código do IVA é o de impedir que, por erro na declaração do sujeito passivo, o mesmo indevidamente enriqueça e provoque um empobrecimento do Estado, pela não entrega de quantias que lhe são devidas.
17ª É ilícito, pois, nos termos do artº 82º do Código do IVA, o procedimento da Administração Fiscal como o que ocorreu no caso sub judice, em que foi promovida liquidação adicional em momento em que não era devida prestação ao Estado.
18ª São ilícitas também as liquidações de juros compensatórios correspondentes às liquidações de imposto impugnadas, pois a obrigação de juros apenas se constitui quando a conduta do contribuinte se mostra apta a causar prejuízos ao Estado, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso.
19ª A acção do contribuinte já não constitui a causa de qualquer dano indemnizável, nos casos em que o Estado não teria direito a receber quaisquer montantes mesmo se aquele tivesse cumprido integralmente as suas obrigações declarativas.
20ª Não tendo o Estado Português deixado de receber da Recorrida qualquer quantia que devesse ter entrado nos seus cofres até, pelo menos, ao quarto trimestre de 2002, não merece crítica a decisão recorrida ao decidir que a liquidação adicional impugnada, reportada aos quatro trimestres de 2000, bem como as de juros compensatórios correspondentes, padecem de violação de lei e devem ser anuladas.
QUANTO À AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
21ª Os factos naturalísticos que as partes alegam e se propõem provar relevam processualmente na medida em que correspondam a factos jurídicos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos de direitos e obrigações, podendo a sua relevância depender da sua conjugação.
22ª Analisada a sentença quanto à questão da materialidade das operações com o fornecedor «Y, Lda.», verifica a Recorrida que o Tribunal a quo não logrou percepcionar a relevância jurídica dos factos por esta alegados e a foi dirigida a sua actividade probatória.
23ª Na sua Petição Inicial e nas Alegações produzidas em Primeira Instância, a Recorrida invocou designadamente não ter existido divergência entre a vontade declarada e a vontade real das partes nas operações controvertidas; não ter tido intenção de enganar o Estado e de o prejudicar na receita fiscal.
24ª Estes são os factos (jurídicos) impeditivos da simulação, que por sua vez é circunstância impeditiva do direito da Recorrida deduzir o IVA liquidado a seu favor, nos termos do nº 3 do artº 19º do Código do IVA.
25ª Uma vez que tais factos têm cariz conclusivo, negativo e psicológico, a Recorrida não podia pretender demonstrá-los directamente, pelo que os concretizou em factos simples, naturalísticos e externos, formulados de forma positiva, dos quais pudesse depreender-se a sua vontade e intenção reais.
26ª A percepção da relevância dos factos simples alegados pode não ser imediata, mas resulta da sua ponderação conjunta e, tendo presente o enquadramento que lhes foi dado, da sua integração em factos complexos.
27ª É neste contexto que relevam factos sobre (i) a relação empresarial existente entre a Recorrida e a sociedade «X, S.A.», a actividade desta e as suas necessidades de matéria prima; (ii) o que foi transmitido pelo representante da «Y, Lda.» quando abordado para vender bens à sociedade espanhola; (iii) os termos do acordo existente entre Recorrida e «X, S.A.» relativo aos bens adquiridos à «Y, Lda.», em particular a forma como eram operacionalizadas as aquisições e a Recorrida era remunerada; (iv) o efectivo pagamento do IVA liquidado pela Recorrida à «Y, Lda.» e o momento em que aquela tomou conhecimento de que esta não entregou IVA devido ao Estado.
28ª Os factos que o Tribunal a quo desprezou, e sobre os quais foi produzida prova, eram relevantes na medida da sua aptidão para: (i) demonstrar a verificação dos pressupostos constitutivos do direito à dedução do IVA nas operações com a «Y, Lda.»; (ii) impedir o direito à liquidação de imposto adicional pelo Estado.
29ª Deste modo, a Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção dos factos essenciais invocado sob os artigos 12º/32º, 14º/15º E 69º da Petição Inicial (devidamente elencados no corpo da Alegação) e sustentar que os mesmos devem ser considerados provados, por terem sido demonstrados pelos docs. de fls. 106 e ss, fls. 117 e ss, fls. 555, fls. 518 e ss e 557 e ss, pelas declarações de parte da sua representante e pelo depoimento da testemunha «AA» (cfr. passagens da gravação indicadas com exactidão).
30ª A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção do facto essencial invocado sob os artigos 70/123º a Petição Inicial (devidamente elencados no corpo da Alegação) e sustentar que o mesmo deve ser considerado provado, porque demonstrado pelo documento de fls. 111 e ss. dos autos.
31ª A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção dos factos essenciais invocado sob o artigo 18º da Petição Inicial (devidamente elencado no corpo da Alegação) e sustentar que o mesmo deve ser considerado provado, por ter resultado demonstrados pelos docs. de fls. 79 e ss, fls. 636 e ss e 664, pelas declarações de parte da sua representante e pelo depoimento da testemunha «AA» (cfr. passagens da gravação indicadas com exactidão);
32ª A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção dos factos essenciais invocado sob os artigos 19º A 24º, 27º, 28º 30º E 150º da Petição Inicial (devidamente elencados no corpo da Alegação) e sustentar que os mesmos devem ser considerados provados, por terem sido demonstrados pelos docs. de fls. 664 e de fls. 148 e ss, pelas declarações de parte da sua representante e pelo depoimento das testemunhas «AA» e «BB» (cfr. passagens da gravação indicadas com exactidão).
33ª A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção dos factos essenciais invocado sob os artigos 43º A 45º E 72º da Petição Inicial (devidamente elencados no corpo da Alegação) e sustentar que os mesmos devem ser considerados provados, por terem sido demonstrados pelos docs. de fls. 148 e ss., fls. 185 e ss., fls. 666, fls. 681 e ss, fls. 697 e ss e fls. 711 e ss, fls. 448, fls. 274 e ss, 299 e ss e 360 e ss, fls. 196 e ss e fls. 518 e ss e 557 e ss dos autos, pelas declarações de parte da sua representante e pelo depoimento das testemunhas «AA» e «BB» (cfr. passagens da gravação indicadas com exactidão).
34ª A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção dos factos essenciais invocado sob os artigos 4º, 80 E 196º, 213º E 215º da Petição Inicial (devidamente elencados no corpo da Alegação) e sustentar que os mesmos devem ser considerados provados, por terem sido demonstrados pelos docs. de fls. 148 e ss. e por todos os antes indicados que ajudam a explicitar a materialidade das operações controvertidas, bem como pelas declarações de parte da sua representante e pelo depoimento da testemunha «AA» (cfr. passagens da gravação indicadas com exactidão).
35ª Quanto à selecção da matéria de facto, por último, vem a Recorrida impugnar a decisão do Tribunal a quo que não deu como provado que Os pagamentos realizados pela «X, S.A.» referidos no ponto J) do Probatório foram contabilizados como empréstimos efectuados por empresa do Grupo («X, S.A.») à Impugnante (ora Recorrida), ficando registada uma dívida desta à primeira.
36ª Este facto, cuja enunciação é essencial para não desvirtuar o sentido real do facto descrito no ponto J do probatório (que integra um facto complexo), resulta sem mais dos elementos documentais do processo, a fls. 274 e ss., 299 e ss e 360 e ss, devendo ser considerado na prolação da sentença nos termos do nº 4 do artº 607º do C.P.Civil.
37ª Sem prejuízo das regras de distribuição do ónus da prova referidas pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, entende a Recorrida que, nesta fase processual, está plenamente realizada a demonstração da materialidade das operações por si realizadas com o fornecedor «Y, Lda.».
38ª Salvo o devido respeito, assim não foi entendido na sentença recorrida pois o Tribunal a quo não identificou os exactos termos que caracterizam a relação jurídica subjacente a tais operações, não fez o seu correcto enquadramento e errou, por isso, na interpretação e aplicação da lei – designadamente, da norma prevista no nº 3 do artº 19º do Código do IVA.
39ª O Tribunal a quo, na verdade, cometeu diversos equívocos no iter decisório, a saber: (i) atendeu a elementos que não caracterizam um contrato de compra e venda, para concluir que foi celebrado um tal contrato (dissimulado) entre «Y, Lda.» e «X, S.A.»; (ii) não considerou a real vontade das partes (mormente a da «Y, Lda.»), quando conclui pela celebração de tal contrato; (iii) concluiu pela existência de uma “interposição subjectiva” da Recorrida, sem identificar a relação jurídica típica estabelecida entre «Y, Lda.», Recorrida e «X, S.A.», que a explica tal interposição, lhe dá enquadramento e lhe retira qualquer carácter ilícito; e, por fim, (iv) não atende à falta de intuito da Recorrida prejudicar terceiros, quando conclui pela existência de uma situação de simulação.
40ª Nos termos do artº 874º do Código Civil, o contrato de compra e venda de sucata é consensual e será celebrado de forma válida quando uma das partes pretenda transmitir a propriedade de um bem a outra, que a pretenda adquirir e por ela pagar uma contraprestação de natureza patrimonial – o que sucedeu no caso sub judice, entre Recorrida e «Y, Lda.»;
41ª Os pressupostos desta operação não se verificaram entre «Y, Lda.» e a «X, S.A.» por falta do elemento volitivo da primeira sociedade: conforme resultou demonstrado, o representante da «Y, Lda.» expressa e inequivocamente não pretendia a celebração de um contrato com entidade de direito estrangeiro, não residente em Portugal.
42ª Sabendo apenas que, por motivos que entendia aceitáveis, a «Y, Lda.» não realizaria uma transmissão intracomunitária de bens, e tendo em vista corresponder a um interesse superior do grupo económico em que se inseria, a Recorrida formou entretanto vontade de adquirir a tal sociedade a sucata de que aquela era proprietária, para posteriormente a revender, e para tanto assumiu a obrigação de pagar um preço em dinheiro.
43ª As manifestações de vontade (reais) da Recorrida (de adquirir sucata - para posterior revenda - e de por esta pagar um preço em dinheiro) e da sociedades «Y, Lda.» aceitar o acordo formulado nestes termos são as necessárias e suficientes para a qualificação do negócio como uma compra e venda;
44ª A efectivação e materialidade de um contrato de compra e venda não se encontra dependente da vontade do comprador de, para além de adquirir o bem transmitido, fazer ainda permanecer o mesmo na sua esfera jurídica por um certo período de tempo;
45ª Embora tenha sido a sociedade espanhola «X, S.A.» a efectuar as transferências bancárias pelas quais foi pago o preço da sucata à «Y, Lda.» (o que não é vedado pelo artº 767º do C.Civil), na contabilidade da Recorrida foi correspondentemente registado um crédito a seu favor;
46ª O pagamento do preço da sucata foi, assim, efectuado pela «X, S.A.», mas por conta da Recorrida.
47ª Os contratos de compra e venda celebrados entre a Recorrida e «Y, Lda.» e, em especial, a indagação sobre a respectiva materialidade, não podem ser analisados isoladamente, sendo necessário fazê-lo à luz da relação jurídica estabelecida entre Recorrida e «X, S.A.».
48ª Em face dos elementos definidores da relação jurídica estabelecida entre a Recorrida e a «X, S.A.», é possível qualificá-la, nos termos do artº 1180º do C.Civil, como um mandato sem representação – o qual, tendo sido celebrado entre dois comerciantes e tendo em vista a prática de actos de comércio, é especialmente tipificado como contrato de comissão, nos termos do artº 266º e ss. do Código Comercial.
49ª Não visando os actos a praticar pela Recorrida (comissário) contornar uma impossibilidade legal ou defraudar a lei, nem sendo contrários à ordem público e aos bons costumes, o mandato e os actos praticados em sua execução são lícitos e admissíveis.
50ª Ao admitir que entre Recorrida e «X, S.A.» poderá ter existido, “quando muito”, uma prestação de serviços, o Tribunal a quo errou na qualificação jurídica da relação estabelecida entre as partes, o que teve consequências no restante enquadramento do caso.
51ª No ordenamento jurídico português, encontra-se estabelecido o princípio da dupla transferência quanto à projecção dos efeitos dos actos praticados pelo mandatário sem representação na esfera jurídica do mandante (artº 1180º e nº 1 do artº 1181º do C.Civil)
52ª Nos termos da alínea c) do nº 3 do artº 3º do Código do IVA, é também determinado o tratamento autonomizado das duas transmissões de bens ou serviços efectuadas no âmbito de um contrato de comissão – em consonância com o princípio da dupla transferência.
53ª Para efeitos fiscais, é irrelevante o facto de as mercadorias terem sido transportadas directamente pelo fornecedor para as instalações do comitente; 54ª As operações realizadas pela Recorrida foram tratadas correctamente para efeitos contabilístico-fiscais: nos termos gerais do artº 3º do CIVA, as transmissões entre a «Y, Lda.» e a Recorrida foram consideradas operações internas sujeitas a imposto e dele não isentas; a segunda transmissão entre a Recorrida e a «X, S.A.» constituiu uma transmissão intracomunitária e beneficiou da isenção prevista na alínea a) do artº 14º do RITI.
55ª Nos termos do artº 19º do CIVA, o imposto suportado pela Recorrente (comissário) com a aquisição de bens ao fornecedor podia ser deduzido nas operações tributáveis efectuadas a jusante, tanto mais que foram respeitadas no caso as exigências documentais decorrentes da alínea b) do nº 1 do artº 29º (na redacção em vigor à data dos factos) e artº 35º e cumpridas as obrigações declarativas previstas no mesmo diploma.
56ª Tendo enquadrado de forma adequada as transmissões de bens em que interveio, cumprido regularmente as obrigações declarativas a que se encontrava vinculada e estando todas as operações suportadas em documentos adequados, foi lícito o exercício do direito à dedução pela Recorrida.
57ª Conforme previsto no artº 240º do C.Civil, a simulação pressupõe a verificação cumulativa de: (i) uma divergência entre a declaração negocial e a vontade real; (ii) um acordo simulatório entre declarante e declaratário; (iii) intuito de enganar terceiros;
58ª Em nenhum momento se verificou um acordo entre Recorrida e «Y, Lda.» para proferir declarações negociais não coincidentes com a sua vontade real, tendo as declarações de compra e venda correspondido integralmente à vontade das partes.
59ª A Recorrida não pretendeu criar ilusão destinada a enganar terceiros e desconhecia (e não podia conhecer), até tal lhe ser comunicado pela Administração Fiscal, que a «Y, Lda.» incumpriam as suas obrigações contributivas em sede de IVA.
60ª A interposição de pessoas num negócio jurídico é real quando o intermediário intervém no negócio jurídico como verdadeiro outorgante (embora no interesse de outra pessoa), deseja contratar, declara essa sua vontade e o resultado económico da contratação é equivalente ao que se obteria se nela interviesse o real interessado no negócio.
61ª A interposição será fictícia se “o intermediário apenas empresta o seu nome no quadro da contratação” e, apenas neste caso, existirá um acordo simulatório entre as partes a quem o negócio realmente interessa e o intermediário aparente; tal circunstância não se verifica no contrato de mandato, nem nos actos que por força dele se praticam.
62ª Na sentença recorrida, o Tribunal a quo não diferencia interposição real e fictícia e abstém-se de concluir, como devia, que a interposição assumida pela Recorrida, porque real, não é censurável, nem constitui simulação.
63ª Não se verificando, no caso sub judice, qualquer dos três elementos de que depende a simulação, o Tribunal a quo violou o nº 3 do artº 19º do CIVA que, correctamente interpretada, conduziria à conclusão da sua não aplicabilidade à matéria fáctica em causa – e consequente inexistência de circunstância impeditiva do direito à dedução do IVA suportado pela Recorrida nas operações com a «Y, Lda.».
64ª Tendo em vista o apropriado enquadramento jurídico do caso, deveria o Tribunal a quo ter aplicado as normas previstas nos artigos 1180º e nº 1 artigo 1181º do C.Civil (que consagram o princípio da dupla transferência quanto à projecção dos efeitos dos negócios concluídos pelo mandatário sem representação na esfera jurídica do mandante) e na alínea c) do nº 3 do artº 3º do Código do IVA (que dá aplicação a tal princípio no quadro do IVA, exigindo que os primeiros actos de aquisição e as subsequentes alienações praticadas no âmbito de um contrato de comissão sejam tratadas como operações autónomas).
65ª Para concluir pela inadmissibilidade da correcção do IVA realizada pela Administração Fiscal, nas presentes contra-alegações, a Recorrida aborda ainda duas questões marginais, mas também relevantes.
66ª Em face dos argumentos invocados, a Administração Fiscal parece defender, não que as partes simularam os contratos (por nunca invocar divergência entre a vontade real e a vontade declarada), mas que adoptaram um determinado esquema negocial como instrumento de uma finalidade que não lhe é típica ou que conduz a resultados abusivos.
67ª Por não ter a Administração Fiscal obedecido ao procedimento, nem ao prazo estabelecidos no artº 63º do C.P.P.T. (conjugado com o nº 2 do artigo 38º e 39º da LGT), a invocação de tal argumento nunca permitia, sequer em abstracto, sustentar a legalidade da liquidação.
68ª Em qualquer caso, uma hipotética finalidade fraudulenta da «Y, Lda.» nas transmissões de bens que realizava, porque desconhecida da Recorrida, não pode ser aceite como fundamento da indedutibilidade do IVA suportado por esta, um terceiro agente económico envolvido acidentalmente na mesma cadeia de operações tributáveis (neste sentido Acórdãos Optigen [processos C-354/03, C-355/03 e C-484/03], Kittel e Recolta Recycle [Procs. C-439/04 e C-440/04], Mahagében e Dávid [C-80/11 e C-142/11] - e Bonik EOOD [C-285/11] do TJCE; 69ª Acresce que o esquema negocial adoptado se afigura neutro, do ponto de vista fiscal, relativamente ao que, em alternativa, poderia ter sido adoptado face à recusa da «Y, Lda.» em realizar uma venda intracomunitária, a saber, a nomeação, pela sociedade espanhola de um representante fiscal em Portugal, nos termos do artº 24º do RITI, para concluir os negócios com aquele fornecedor.
70ª A neutralidade do esquema negocial alternativo vem corroborar que a relação jurídica estabelecida entre Recorrida, os fornecedores e a «X, S.A.» não prosseguiu qualquer finalidade fiscalmente abusiva.
Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis:
A) Deverá o recurso interposto pela Fazenda Pública improceder, por infundado, mantendo-se a sentença recorrida que anula os actos impugnados.
Subsidiariamente, na circunstância de ser julgada procedente a questão suscitada pela Recorrente na alegação quanto à não verificação do vício que determinou a anulação dos actos impugnados,
B1) Requer a Recorrida, nos termos do nº 1 do artº 636º do C.P.Civil, a ampliação do objecto do recurso, por forma a serem conhecidos:
i. o erro de julgamento do Tribunal a quo na decisão que tomou de selecção da matéria de facto, traduzido na não inclusão no objecto do processo de factos essenciais e relevantes para a decisão da causa, articulados nos artigos 12º a 32º; 14º e 15º; 69º; 70º e 123º; 18º; 19º; 21º a 24º; 27º; 28º; 20º; 30º; 150º; 43º; 44º e 45º; 72º; 4º, 80º e 196º; 213º e 215º da petição inicial (e ainda de facto complementar demonstrado por documento), todos devidamente identificados no corpo destas contra-alegações,e que, pelos motivos aqui expostos, devem ser dados como provados.
ii. O erro de julgamento do Tribunal a quo na decisão tomada quanto ao preenchimento da previsão normativa do nº 3 do artº 19º do Código do IVA e a licitude do direito à dedução do IVA pela Recorrida.
B2) Analisada e ponderada toda a matéria fáctica relevante, deverá o Tribunal ad quem concluir pela materialidade das operações controvertidas e, em consequência, considerar verificado o vício de violação de lei invocado e proferir acórdão que, substituindo a decisão do Tribunal a quo quanto a esta questão, declare a invalidade dos actos impugnados.»

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 1253 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos:
«A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença da Mmª Juiz do TAF do Porto que no âmbito de impugnação judicial de liquidação adicional de IVA, relativa ao 4º trimestre de 2000 e respectivos juros compensatórios, a julgou procedente nessa parte.
«X Portugal, Lda.», foi objecto de uma acção inspectiva e em resultado da qual a AT procedeu a correcções de natureza meramente aritméticas, por não aceitar a dedução de IVA, relativo à aquisição de mercadorias, ao ter desconsiderado as facturas que as titulavam, devido a reportarem transacções fictícias, o que deu lugar à referida liquidação.
Impugnou-a, invocando, entre outros fundamentos, que as facturas que contabilizou e foram emitidas, por «Y, Lda.» titularem operações económicas reais que foram realizadas com uma empresa do grupo, in casu, a «X Espanha», tendo servido a impugnante de intermediária.
Mais refere a ilegalidade da liquidação adicional de IVA, reportada ao 4º trimestre de 2000, por quanto esse imposto foi subtraído nas declarações de o 4º trimestre de 2002 e 1º trimestre de 2003, pelo que, a correcção deveria reportar-se a esses períodos
É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente das respectivas alegações.
«X Portugal, Lda.» contra-alegou e veio requerer a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artigo 636º nº 2 do CPC.
Alega a Fazenda Pública, em resumo, que sentença enferma de erro de julgamento por incorrecta apreciação da matéria factual que deveria ser acrescentada e errada aplicação dos preceitos legais, dado que, face a essa factualidade resulta que a correcção efectuada reporta-se apenas ao 4º trimestre de 2000, porque foi neste período que o IVA foi indevidamente deduzido.
Cremos que não lhe assiste razão.
Como se salienta na decisão “da leitura do Relatório da Inspecção (transcrito na alínea 9) dos factos provados) verifica-se que a AT não colocou em causa as relações de grupo, a decisão de não pedir o reembolso em 2000... mas sim a realidade das operações de aquisição de sucata pela Impugnante à «Y, Lda.», ou seja, a interposição da impetrante no negócio de compra de sucata pela «X Espanha».
Face ao que o Tribunal deu comprovado nas alíneas O) e P), não merece censura o ter concluído que “não se justifica a liquidação adicional relativa ao 4º trimestre de 2000, pois a impugnante, em situação de crédito de imposto nesse período, não solicitou o reembolso, tendo apenas reportado o crédito, sucessivamente nas declarações seguintes, até estar em condições de o utilizar (subtraindo-o ao IVA liquidado), o que apenas veio a suceder no 4º trimestre de 2002 e 1º trimestre de 2003”, conforme a fundamentação aduzida a fls. 1056 e seg..
A sentença não enferma dos vícios arguidos, pelo que, em nosso entender, se deve negar provimento ao recurso.»
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Ø A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao anular a liquidação adicional de IVA do ano 2000;
Ø Ulteriormente, e em caso de procedência do recurso da Fazenda Pública, da reapreciação da sentença a título subsidiário solicitada pela Recorrida, a saber, do erro de julgamento de facto e erro de direito da sentença no segmento em que julgou improcedente a causa de pedir assente na falta de preenchimento dos pressupostos inerentes à previsão normativa do nº 3 do artigo 19º do Código do IVA e da licitude do direito à dedução do IVA pela Recorrida.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Factos provados
A) A Impugnante foi constituída por “Contrato de Sociedade”, celebrado em 17/07/2000, com o objecto social de “comercialização, aplicação, importação e exportação de alumínios e outros materiais para a construção civil, prestação de serviços conexos, gestão de participações sociais, de investimentos imobiliários e da sua carteira de títulos.”
Fls 107 a 115.
B) Em 03/11/2004, foi elaborado o Projecto de Relatório de inspecção tributária com o seguinte teor:
(Documento na sentença original)
Fls 57 a 64.
C) A Impugnante apresentou direito de audição, do qual consta o seguinte:
“(...)
(Documento na sentença original)
Fls 68 a 77.
D) Em 02/12/2004, foi elaborado o Relatório de inspecção tributária com o seguinte teor:
(Documento na sentença original)
Fls 79 a 102.
E) Foi emitida liquidação adicional de I.V.A., relativa ao 4.º trimestre de 2000, no valor de € 30.471,85 e juros compensatórios no montante de € 6.642,03.
Fls 52.
F) A Impugnante está registada no regime de I.V.A. normal trimestral.
Fls 125 a 128.
G) A sociedade «Y, Lda.» é um sujeito passivo de I.V.A. em Portugal.
Fls 104.
H) Em 2000, a «Y, Lda.» emitiu as seguintes facturas à Impugnante:
(Tabela na sentença original)
Fls 149, 153, 157, 161, 164, 171, 173, 177 e 179.
I) Das guias de remessa consta “Local de carga: .... Local de descarga: ... - ... / Carretera...” e matrículas ..-..-NB e ..-..-KE.
Fls 148, 152, 156, 160, 163, 166, 170, 172, 176 e 178.
J) Os pagamentos à «Y, Lda.» foram realizados pela «X Espanha», através de transferências bancárias.
Fls 150, 154, 158, 169, 175 e 181.
K) A «X Espanha» é um sujeito passivo de I.V.A. em Espanha.
Fls 183.
L) A Impugnante emitiu as seguintes facturas à sociedade «X Espanha»:
N.º da facturaDataMercadoriaKgsIVATotal
112-12-2000Sucata de alumínio diversa13.200,00Isento3.564.000$00
212-12-2000Sucata de alumínio diversa12.205,00Isento3.295.350$00
312-12-2000Sucata de alumínio diversa14.900,00Isento4.023.000$00
412-12-2000Sucata de alumínio diversa15.040,00Isento4.060.800$00
512-12-2000Sucata de alumínio diversa15.250,00Isento4.117.500$00
618-12-2000Sucata de alumínio diversa11.820,00Isento3.191.400$00
726-12-2000Sucata de alumínio diversa13.135,00Isento3.546.450$00
826-12-2000Sucata de alumínio diversa12.775,00Isento3.449.250$00
912-01-2001Sucata de alumínio diversa12.060,00Isento3.256.200$00
1012-01-2001Sucata de alumínio diversa12.710,00Isento3.431.700$00
Total133.095,0035.935.650$00
Fls 185 a 194.
M) A viatura com a matrícula ..-..-KE, marca ..., esteve registada em nome da «Y, Lda.» desde 09/08/2000 até 07/11/2001.
Fls 485.
N) A viatura com a matrícula ..-..-NB, marca ..., esteve registada em nome da «Y, Lda.» desde 05/09/2000 até 25/03/2002.
Fls 486.
O) O I.V.A. liquidado à Impugnante nas facturas mencionadas na alínea H), no montante de 6.109.059$00, foi inscrito no campo 22 da declaração de I.V.A. do 4.º trimestre de 2000, ficando a Impugnante numa situação de “Crédito de imposto”.
Fls 130 e 131.
P) O I.V.A. liquidado à Impugnante nas facturas mencionadas na alínea H), no montante de 6.109.059$00, foi deduzido nas declarações de I.V.A. relativas ao 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003.
Fls 202 a 204.
Q) A Impugnante emitiu a factura n.º...7 à «X Espanha», com data de 27/12/2001, com a descrição “Comissão na venda de Alumínio ref. a 2000 e 2001. 917.530 Kg a 1.010 Esc./Kg”, no montante de 926.706$00.
Fls 666.
R) A «Y, Lda.» não entregou ao Estado o I.V.A. liquidado nas facturas mencionadas na alínea H).
Acordo das partes.
S) No Serviço de Finanças ... foi instaurado o PEF n.º ...94, para cobrança da dívida relativa à liquidação ora impugnada.
Fls 243 e244.
T) Em 23/11/2005, a Impugnante prestou garantia bancária no montante de € 51.862,80, emitida em 21/11/2005.
Fls 249 e 251 a 254.
U) A petição da presente Impugnação foi apresentada em 18/04/2005.
Fls 3.
V) Em 15/11/2010, veio a Impugnante requerer, nos presentes autos, em caso de procedência da acção, a condenação da Fazenda Pública no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
Fls 238 a 241.
W) Em 20/12/2013, a Impugnante efectuou o pagamento da liquidação de I.V.A. no valor de € 30.471,86.
Fls 888 e 889.
X) A Impugnante solicitou ao Serviço de Finanças ... a restituição da garantia, que foi restituída em 13/01/2014.
Fls 885 e 886.
Y) A Impugnante suportou custos com a garantia no montante de € 2.929,33.
Fls 883.
Factos não provados
O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.
Motivação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados e que se mostraram relevantes, e na posição processual assumida pelas partes, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.
Da prestação de declarações de parte e da inquirição das testemunhas não foram extraídos factos com relevo para a decisão, a dar como provados, uma vez que os depoimentos versaram sobre matéria que a A.T. não colocou em causa (no Relatório da inspecção).
De facto, a prestação de declarações pela gerente da impetrante e os depoimentos das testemunhas debruçaram-se sobre os seguintes aspectos:
- a decisão da Impugnante de não pedir o reembolso de I.V.A. em 2000, ficando em situação de crédito de imposto, aguardando pela existência de vendas nacionais para poder deduzir o I.V.A., o que apenas veio a acontecer em 2002;
- as relações existentes entre as empresas do «Grupo X», sua localização e actividade;
- caracterização da «X Espanha» e da Impugnante (objectivo da sua constituição, actividade, instalações) e
- a efectividade das aquisições de sucata pela sociedade «X Espanha» à «Y, Lda.», ou seja, a gerente e as testemunhas afirmaram que essas operações foram reais, descrevendo a actividade da sociedade espanhola, a necessidade de adquirir sucata em Portugal, a forma como decorreram as negociações (obtenção de lista de fornecedores portugueses, contactos telefónicos, reuniões em ...), como era efectuado o transporte da sucata para Espanha e a realização dos pagamentos por transferência bancária.
Ora, da leitura do Relatório da inspecção (transcrito na alínea D) dos factos provados) verifica-se que a A.T. não colocou em causa as relações de grupo, a decisão de não pedir o reembolso em 2000 e nem a realidade das aquisições de sucata à «Y, Lda.» pela «X Espanha» mas sim a realidade das operações de aquisição de sucata pela Impugnante à «Y, Lda.», ou seja, a interposição da impetrante no negócio de compra de sucata pela «X Espanha».»

2.2. De direito
In casu, a Recorrente (Fazenda Pública) não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial intentada contra a liquidação adicional de IVA, relativa ao 4º trimestre de 2000 e respectivos juros compensatórios.
A «X Portugal, Lda.» (Recorrida), foi objecto de uma acção inspectiva na sequência da qual a AT procedeu a correcções de natureza meramente aritméticas, decorrente da não aceitação de dedução do IVA, constante das facturas emitidas pela «Y, Lda.» à Recorrida, no ano de 2000, uma vez que concluiu que as operações nelas mencionadas foram simuladas, não tendo existido as vendas de sucata à Recorrida que as mesmas titulam, mas sim da «Y, Lda.» à «X Espanha», o que fundamentou a subsequente liquidação adicional de IVA e juros compensatórios objecto dos presentes autos.
Em sede de petição inicial a Recorrida, invoca o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por entender que estão preenchidos os requisitos do direito à dedução, que as facturas que contabilizou emitidas pela «Y, Lda.» titularem operações económicas reais que foram realizadas com uma empresa do grupo, in casu, a «X Espanha», tendo servido a impugnante de intermediária.
Mais ali alegou que a liquidação adicional de IVA, reportada ao 4º trimestre de 2000, padece de ilegalidade, por quanto esse imposto foi efectivamente deduzido nas declarações do 4º trimestre de 2002 e 1º trimestre de 2003, pelo que, a correcção deveria reportar-se a esses períodos e não ao 4º trimestre de 2000.
A sentença sob recurso conhecendo do invocado, considerou que: “(...) as operações de compra de sucata pela Impugnante à «Y, Lda.» não são verdadeiras (negócio simulado), correspondendo o negócio dissimulado à venda de sucata pela «Y, Lda.» directamente à «X Espanha» (transmissão intracomunitária)./ Existiu, pois, uma simulação quanto aos sujeitos (simulação subjectiva), através da interposição da Impugnante entre o vendedor/fornecedor e a verdadeira adquirente (a sociedade espanhola), o que resultou de um acordo entre os três intervenientes./Em face do exposto, conclui-se pela improcedência do vício de violação de lei invocado pela Impugnante, sendo de excluir o direito à dedução do imposto (cfr n.º 3 do artigo 19.º do C.I.V.A.).” Mas prosseguindo no conhecimento, do mais alegado, conclui que “(...) Da desconsideração do I.V.A. dedutível apenas poderia, e deveria, ter resultado uma anulação do correspondente crédito de imposto a reportar para os períodos subsequentes (rectificação das declarações)./ (...) Nestes termos, conclui-se que a Impugnante, com referência ao 4.º trimestre de 2000, não deixou de entregar qualquer montante de I.V.A. nos cofres do Estado nem, consequentemente, retardou qualquer liquidação de imposto, pelo que as liquidações adicionais de I.V.A. e as de juros compensatórios, efectuadas pela A.T., reportadas a esse período, padecem de ilegalidade, razão pela qual se determina a sua anulação.”
Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do Código de Processo Civil (CPC) e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões cumpre aferir se a sentença enferma de erro de julgamento por incorrecta apreciação da matéria factual, a qual cumpre ser aditada nos termos solicitados, e da errada aplicação dos preceitos legais aplicáveis, dado que, face a essa factualidade advém que a correcção efectuada reporta-se apenas ao 4º trimestre de 2000, porque foi neste período que o IVA foi indevidamente deduzido, como se afere das conclusões e alegações da Fazenda Pública (Recorrente), pois apenas em caso de procedência do mesmo, cumprirá conhecer subsidiariamente da ampliação do recurso que discorre das contra alegações da Recorrida.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
2.2.1. Do erro de Julgamento de facto
Vem a Recorrente alegar que a douta sentença não fixou devidamente a factualidade evidenciada, devendo, por isso, proceder-se à alteração da alínea p) do probatório, e ser aditada uma nova alínea, com o seguinte teor (vide conclusões A) e B)):
«P) O I.V.A. liquidado à Impugnante nas facturas mencionadas na alínea H), no montante de 6.109.059$00, foi indevidamente deduzido na declaração do I.V.A. relativa ao 4º trimestre de 2000, tendo a impugnante ficado, por esse facto, na situação de “crédito de imposto”, a reportar.
Q) A aplicação de tal excesso a reportar (do I.V.A. indevidamente deduzido na declaração relativa ao 4º trimestre de 2000) foi feita nas declarações de I.V.A. relativas ao 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003.
R) Retoma a partir da anterior alínea Q) (...)»
Vejamos.
No caso sub judice, independentemente de se considerar que a Recorrente (FP) deu cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º, nº. 2, alínea a) e b), do CPC, indicando os respectivos meios probatórios (menção expressa no fim de cada texto que pretende ver aditado), temos que a pretensão pretendida está manifestamente votada ao insucesso que decorre da mera análise substancial e da pertinência da alteração e aditamento peticionado à luz dos factos que integram a decisão sob recurso e as questões resolvidas a merecer sindicância da nossa parte.
Desde logo, se atentarmos ao texto do item P) do probatório do mesmo consta que «O I.V.A. liquidado à Impugnante nas facturas mencionadas na alínea H), no montante de 6.109.059$00, foi deduzido nas declarações de I.V.A. relativas ao 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003.», da confrontação deste com a aclamada correcção pela Recorrente, a mesma, apenas pretende ver aditada a palavra «indevidamente» por referência ao deduzido nas declarações de IVA.
E, por via do aditamento [facto Q)] insiste na utilização dos advérbios de «excesso» e «indevidamente» por alusão ao reporte e ao IVA deduzido.
Ora estamos notoriamente perante factos conclusivos ou de direito, e que, como tal, não são susceptíveis de serem reconduzidos ao probatório.
Como é pacífico, além das afirmações de direito, também as conclusões (ou juízos conclusivos) não são factos: trata-se de matéria equiparável a matéria de direito, pelo que similarmente se cuida de alegações que são insusceptíveis de constarem na decisão que venha a ser proferida sobre a matéria de facto em discussão numa determinada acção.
Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta”.
Por outro lado, “quando se fala em matéria de direito, estamos a referirmo-nos aos conceitos estritamente jurídicos que não têm qualquer sentido corrente… tem sido entendido que podem ser consideradas matéria de facto expressões que são utilizadas simultaneamente em sentido corrente e jurídico, a não ser que face à natureza da acção, seja precisamente esse o objecto da disputa ou controvérsia entre as partes e dele dependa a resolução das questões jurídicas que no processo de discutem, constituindo nessa medida o objecto da própria decisão final da causa” [Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111].
Ora, a alteração e aditamento que nos é proposta é constituído por matéria manifestamente conclusiva a roçar mesmo à matéria de direito, o que de per si impede a sua recondução ao probatório. Estamos manifestamente perante “não factos”, se assim os podemos apelar, pois que a sua composição assenta em matéria conclusiva e de direito, e para tal asserção, basta atentarmos que a sua inserção no probatório continham em si questões jurídicas e/ou respostas que definem a posição das partes em sede de acção, e por maioria de razão, em sede de recurso.
Assim sendo, dá-se por improcedente a alteração e aditamento referido por extravasar o conceito de facto, o que se decide e consigna, dando-se por estabilizada a matéria de facto.
2.2.2. Do erro de julgamento de direito
Em relação ao thema decidendum do presente recurso o Tribunal a quo veio a dar razão à Recorrida, assente no seguinte discurso argumentativo:
«Da ilegalidade da liquidação adicional por se reportar a 2000
Em segundo lugar, alega a Impugnante que a liquidação padece de ilegalidade, porquanto o I.V.A. foi subtraído nas declarações do 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003, pelo que, a correcção (I.V.A. não dedutível) deveria reportar-se a esses períodos e não ao 4.º trimestre de 2000.
Vejamos.
O sistema de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (n.º 1 do artigo 19.º, n.º 1 do artigo 20.º e n.º 1 do artigo 22.º, todos do C.I.V.A.).
Estamos, assim, perante o denominado método subtractivo indirecto (ou de crédito de imposto), que consiste na dedução do imposto liquidado nos respectivos inputs ao imposto liquidado nos seus outputs, tudo reportado ao mesmo período de tempo (mensal ou trimestral).
Estabelece, assim, o n.º 1 do artigo 22.º do C.I.V.A. que “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.”.
Dessa operação de subtracção do imposto dedutível ao imposto liquidado pode resultar, para cada período, o apuramento de um débito do sujeito passivo ao Estado (quando o imposto dedutível é inferior ao imposto liquidado), que constitui a sua dívida tributária desse período, ou de um crédito perante o Estado (quando o imposto dedutível excede o imposto liquidado), que transitará para os períodos de tributação seguintes como imposto a recuperar (n.º 4 do artigo 22.º do C.I.V.A.), sem prejuízo da possibilidade do sujeito passivo solicitar o reembolso desse crédito de I.V.A. (n.ºs 5 e 6 do artigo 22.º do C.I.V.A. e Decreto-Lei n.º 229/95, de 11/9).
Nos termos do n.º 1 do artigo 82.º do C.I.V.A. (na redacção em vigor à data dos factos), “...o chefe de repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.” [sublinhado e negrito nossos], acrescentando o n.º 3 que “As inexactidões ou omissões poderão ... ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo,...”.
Resulta, assim, do normativo referido, que a A.T. deve proceder oficiosamente à rectificação das declarações nas situações em que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, mas apenas existirá uma liquidação adicional se dessas declarações tiver resultado algum efeito negativo para o Estado ao nível do imposto que deveria ser arrecadado.
Deste modo, nas situações em que, da rectificação das declarações periódicas, consubstanciada na desconsideração do I.V.A. deduzido pelo sujeito passivo, não resulte uma situação de falta de entrega de imposto (ou de recebimento indevido de reembolso), não estão preenchidos os requisitos para a emissão de uma liquidação adicional.
Assim, considerando a A.T. que, num certo período, determinado I.V.A. não é dedutível, terá de rectificar a declaração periódica desse período, bem como as declarações subsequentes em que esse crédito de imposto tenha sido reportado mas apenas poderá emitir a liquidação adicional no(s) período(s) em que o crédito for efectivamente utilizado (por subtracção ao imposto liquidado) ou pedido o seu reembolso.
A relevância da imputação das liquidações de imposto em falta aos períodos em que, mediante a utilização do crédito de imposto, foi efectivamente utilizada a dedução de I.V.A., é particularmente evidente no que respeita aos juros compensatórios, pois, de acordo com a lei (n.º 1 do artigo 89.º do C.I.V.A. e artigo 35.º da L.G.T.), estes são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação do imposto devido, sendo calculados sobre o montante do imposto em falta desde o termo do prazo de apresentação da correspondente declaração até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação (n.º 3 do artigo 35.º da L.G.T.).
No caso em apreço, a A.T. concluiu pela não dedutibilidade do I.V.A. constante das facturas emitidas pela «Y, Lda.» à Impugnante, imposto que foi inscrito na declaração de I.V.A. do 4.º trimestre de 2000, mas apenas foi deduzido nas declarações do 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003 (alíneas O) e P) dos factos provados).
Assim, e face ao exposto, o direito da A.T. de liquidar adicionalmente o imposto considerado não dedutível deveria ter sido exercido com referência aos períodos em que o crédito gerado foi efectivamente utilizado - 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003 -, e não relativamente ao 4.º trimestre de 2000 (pois neste período a Impugnante não retirou vantagem do crédito que a A.T. considerou indevido nem, consequentemente, o Estado ficou prejudicado em qualquer montante de imposto).
De facto, é manifesto que no caso dos autos se está perante uma situação em que não se justifica a liquidação adicional relativa ao 4.º trimestre de 2000, pois a Impugnante, em situação de crédito de imposto nesse período, não solicitou o reembolso, tendo apenas reportado o crédito, sucessivamente nas declarações seguintes, até estar em condições de o utilizar (subtraindo-o ao I.V.A. liquidado), o que apenas veio a suceder no 4.º trimestre de 2002 e 1.º trimestre de 2003.
Não pode, assim, considerar-se que, para o 4.º trimestre de 2000, existiu falta de entrega da prestação tributária nos cofres do Estado, pelo que não podia a A.T. emitir a liquidação adicional com apuramento de imposto para esse período nem qualquer liquidação de juros compensatórios.
Da desconsideração do I.V.A. dedutível apenas poderia, e deveria, ter resultado uma anulação do correspondente crédito de imposto a reportar para os períodos subsequentes (rectificação das declarações).
O pressuposto da liquidação adicional apenas nasceu nos períodos em que a Impugnante utilizou o crédito de imposto (subtraindo-o ao imposto liquidado, decorrente de operações sujeitas a imposto), ou seja, a liquidação adicional de I.V.A. tinha de reportar-se ao 4.º trimestre de 2002 e ao 1.º trimestre de 2003, bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios.
Nestes termos, conclui-se que a Impugnante, com referência ao 4.º trimestre de 2000, não deixou de entregar qualquer montante de I.V.A. nos cofres do Estado nem, consequentemente, retardou qualquer liquidação de imposto, pelo que as liquidações adicionais de I.V.A. e as de juros compensatórios, efectuadas pela A.T., reportadas a esse período, padecem de ilegalidade, razão pela qual se determina a sua anulação.» (fim de transcrição)
Insurge-se a Recorrente contra o assim decidido, seguindo duas linhas de argumentação, a saber:
(i) Sustenta que o IVA foi por si considerado indevidamente deduzido no 4º trimestre de 2000, por se esse o período a que se reporta, ainda que o momento da sua aplicação efectiva pelo sujeito passivo tenha ocorrido no último trimestre de 2002 e 1º trimestre de 2003 [itens 11º a 34º das alegações; conclusões B) a L)];
(ii) E que, por força do regime legal do DL 229/95, de 11 de setembro, se encontrava impedida de emitir liquidações adicionais referentes aos períodos do 4º trimestre de 2002 e 1º trimestre de 2003, em que o IVA considerado indedutível foi aplicado pelo sujeito passivo [itens 35º a 44º e conclusões M) a V) das alegações].
Desde já adiantamos que não sufragamos os argumentos apresentados pela Recorrente, os quais não abalam a correcção do julgado.
Vejamos.
Dá-se aqui por adquirido o discorrido na sentença sob recurso em sede de enquadramento jurídico do regime do IVA, o qual foi expressamente aceite pela Recorrente nas suas alegações e, não nos merece qualquer reparo.
Efectivamente, segundo o método do crédito de imposto, ou método das faturas, ou ainda, o método indireto subtrativo (ou método do crédito de imposto), o montante de IVA a entregar por cada sujeito passivo é apurado através da dedução do imposto suportado a montante – inputs - ao imposto liquidado a jusante – outputs - em determinado período de tributação. Findo este período, o sujeito passivo entrega ao Estado apenas a diferença entre o montante do IVA que liquidou e o montante que deduziu, quando aquele valor superar este último. No caso de o sujeito passivo ter suportado, em determinado período de tributação, um montante de IVA superior àquele que liquidou aos seus clientes, fica com um crédito sobre o Estado.
O direito à dedução é assim apontado como um princípio estruturante do IVA já que está na base de toda a mecânica do imposto. Neste sentido, o direito à dedução, materializado no método do crédito de imposto, deve ser visto como a regra fundamental do IVA em relação a todas as operações tributáveis [neste sentido, o recente acórdão do TJUE de 21 de março de 2018, Volkswagen, C-533/16, EU:C:2018:204, n.º 39 e jurisprudência aí mencionada]. O sujeito passivo deverá incluir o imposto suportado subjacente às operações realizadas a montante (inputs), as quais deverão ter sido efetuadas no âmbito do exercício exclusivo de uma atividade económica, na declaração de IVA correspondente ao período no qual recepcione as respetivas facturas, ou na declaração do período seguinte. O momento da dedução do imposto está delimitado pelas regras legais, isto é, o sujeito passivo não pode exercer o direito à dedução quando entender, sem prejuízo do prazo de caducidade do direito à dedução. Assim, salvo nos casos em que haja lugar a reembolso do IVA, o sujeito passivo deverá incluir o montante do seu crédito na declaração periódica do período ou períodos seguintes - trata-se da efectivação do método do reporte.
O direito à dedução é, como tal, um direito subjectivo relativo, oponível à AT, correspondendo ao poder jurídico reconhecido ao sujeito passivo de, por sua vontade, com referência a cada período tributário relevante, deduzir aos montantes de IVA a entregar (ou acrescer aos montantes de IVA a reportar, sendo disso caso) determinados montantes de imposto que haja suportado ou liquidado.
Temos pois que o direito à dedução do IVA suportado (in casu 2000), nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível (in casu 2002 e 2003), o qual podia ser realizado, em atenção às circunstâncias relevantes, por via de três modalidades ou métodos: o (i) método subtractivo indirecto, pelo qual o sujeito passivo subtrai ao montante global do imposto liquidado durante um período de tributação o montante do imposto dedutível respeitante ao mesmo período (n.º 1 do artigo 22.º do CIVA); o (ii) método do reporte, pelo qual, caso o imposto dedutível seja superior ao imposto liquidado, o excesso é objecto de dedução pelo sujeito passivo nos períodos de imposto seguintes (n.º 4 do artigo 22.º do CIVA); e (iii) o método do reembolso, nos termos do qual se, decorridos 12 meses após o período em que se iniciou o excesso, persistir crédito superior a €250,00 a favor do sujeito passivo, este pode solicitar o reembolso (n.º 5 do artigo 22.º do CIVA).
Do exposto, podemos, pois, concluir que o direito à dedução apenas existe na esfera jurídica do seu titular (sujeito passivo) enquanto o mesmo não acionar os mecanismos que lhe estão associadas (reembolso e reporte) perante o devedor – ou seja, perante a AT. Estamos pois perante a faculdade do exercício de um seu direito que depende da verificação de diversos requisitos objectivos e subjectivos, sendo certo que a norma legal ínsita no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA alude especificamente ao momento do nascimento do direito. Ao abrigo daquele normativo, como disso dá nota a sentença recorrida, «[o] direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível (…), efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributárias do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do montante de imposto dedutível, exigível durante o mesmo período». Complementarmente, por força do disposto no n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA, «(…) a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas (…)».
Volvendo aos factos, temos por adquirido que temos um crédito de imposto existente por parte do sujeito passivo no último trimestre de 2002 e primeiro de 2003, portanto, referente ao “período de imposto” de 2002 e 2003 (cf. artigo 22.º, n.º 4 do CIVA); aquele “crédito de imposto” é reporte das deduções de IVA referentes ao 4º trimestre de 2000; deduções essas do 4º trimestre de 2000, julgadas indevidas decorrente da correcção operada pelos SIT, correcções essas que determinaram a emissão da liquidação adicional de IVA do 4º trimestre de 2000, objecto de impugnação nos presentes autos.
Consabidamente, o apuramento do IVA devido assenta num mecanismo de crédito que envolve o exercício pelo sujeito passivo do direito de dedução do imposto suportado a montante (artigo 19.º CIVA), do que pode vir a resultar, em atenção ao imposto liquidado nas operações tributáveis realizadas a jusante, um crédito de imposto a favor do sujeito passivo em certo período declarativo, o qual pode ser reportado para as declarações periódicas seguintes, de modo a ser deduzido nos períodos de imposto seguintes (cf. artigo 22.º, n.º 4 do CIVA) e, mantendo-se a situação de crédito de imposto, uma vez verificados os respetivos pressupostos, ser objecto de pedido de reembolso do imposto (artigo 22.º, n.º 5 do CIVA).
In casu, é patente esta situação de crédito de imposto acumulado – 4º trimestre de 2000, sucessivamente reportado pela Recorrida que só o viria a utilizar o mesmo em 2002 e 2003, sendo que por esta não foi apresentado pedido de reembolso tendo optado pelo reporte do seu crédito (cf. facto provado. P)), tudo opera na lógica, correntemente convocada para descrever o mecanismo do IVA, de uma conta-corrente ou de um acerto periódico de contas entre o sujeito passivo e o Estado, que tem em conta o período em que surgiu, mas também os períodos em que se acumulou, o crédito de imposto, em razão do excesso do montante das deduções suportadas perante o imposto liquidado.
Ora, para efeitos da análise desta conta-corrente entre o sujeito passivo e o Estado e do crédito de imposto por ela manifestado vigente, no caso, no último trimestre de 2002 e primeiro de 2003, reconhece-se e não se pode ignorar que o apuramento a colocar em questão o crédito teria que assentar num exame a na não dedutibilidade do IVA por referência a 2000, isto porque a aferição do imposto dedutível suportado e das operações realizadas e dos pressupostos exigidos para o direito à dedução do IVA, são controlados por referência temporal a factos ocorridos em 2000, mas tão só numa perspectiva de aferir da viabilidade do “crédito do imposto” e da sua utilização para efeito do seu reconhecimento no momento em que é utilizado pelo sujeito passivo, ou seja em 2002 e 2003, pelo que as liquidações adicionais teriam que se reportar a estes mesmos anos e não 2000.
É que , no que tange ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, prevê o artigo 22.º do CIVA, sobre o “Momento e modalidades do exercício do direito à dedução”, no que para aqui mais directamente releva, que: “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período” (n.º 1); e, “Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes” (n.º 4).
Concretizando, é no ano de utilização do crédito por parte da credora de IVA - Recorrida, atento o facto de se encontrar em condições decorrente do pagamento global de imposto a pagar no último trimestre de 2002 que lhe permite (em parte) o reporte do crédito que lhe assiste, que AT, constatando que o crédito que lhe estava a ser exigido assentava em “operações fictícias”, o que por força do n.º 3 do artigo 19º do CIVA determinava a não dedutibilidade do IVA, lhe confere o direito de liquidar adicionalmente o IVA, anulando o crédito que a Recorrida se arroga e exigindo a reposição do valor que a utilização do mesmo lhe negara, enquanto seu crédito.
O IVA em que o sujeito passivo incorra nos seus inputs não é gerado na sua esfera nem a ele lhe é exigível, constituindo, bem pelo contrário, um crédito que este pode ou não mobilizar contra o estado, exercendo o direito à dedução. E, a este respeito chamamos à colação as considerações tecidas por Sérgio Vasques, quanto ao regime de caducidade, ao aludir que “No tocante ao IVA, o alcance evidente do artigo 45.º, n.º 3 da LGT está em fazer com que o prazo de caducidade de quatro anos de que a administração dispõe para proceder a uma liquidação adicional se conte a partir do momento em que o sujeito passivo exerce o direito à dedução do imposto, sempre que a liquidação adicional a tenha por objecto. O prazo tem então início na data em que é entregue a declaração em que esse direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em momento anterior. E esta é uma regra que vale para todos os casos em que, no apuramento do IVA, o sujeito passivo mobilize um direito contra o estado, esteja em causa a dedução de imposto incorrido com a aquisição de bens e serviços associados à sua actividade, esteja em causa um crédito gerado por regularizações de imposto feitas nos termos da lei.” (in A Caducidade do Direito à Liquidação do IVA, em Cadernos IVA 2016, Almedina, página 362)
Julga-se perfeitamente pertinente a distinção, assim preconizada, quanto à intervenção correctiva da AT, por via de liquidação de IVA, entre imposto liquidado ou dedução de imposto suportado, pois que a “dedução indevida” só ocorre enquanto prejuízo do estado aquando da liquidação de imposto por força do reporte accionado pelo credor, sujeito passivo.
O imposto devido se apura mediante dedução ao imposto liquidado a jusante do imposto suportado a montante pelos sujeitos passivos, o que envolve que, ao dever de liquidação do imposto respeitante às operações activas, necessariamente obrigatório, se associa o direito de dedução, facultativo e eventual, do imposto suportado nas operações passivas, pelo que, ainda que nascido em momento anterior (n.º 1 do artigo 22.º do CIVA), só com a sua subtracção no competente período de declaração ou subsequente reporte nas declarações periódicas subsequentes ou com o pedido de reembolso se manifesta – é exercido – efectivamente este direito.
Regia então, o n.º 1 do artigo 82° do CIVA (na redacção dada pelo nº 1 do artigo 3.º, do Dec. Lei n.º 472/99, de 8 de novembro) que a Administração Tributária «(...) procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença».
O n.º 2 do mesmo artigo estabelecia que «As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações poderão resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua».
No caso em apreço, o projecto de relatório de inspecção data de 03.11.2004 (cf. item B) do probatório), ou seja quando se iniciou o procedimento inspectivo já a AT sabia e tinha conhecimento da utilização do crédito e da exigibilidade do mesmo efectivada, pelo que não se compreende o por si alegado de que, por força do regime legal do DL 229/95, de 11 de setembro, artigo 8º, se encontrava impedida de emitir liquidações adicionais referentes aos períodos dos 4º trimestre de 2002 e 1º trimestre de 2003, em que o IVA considerado indedutível foi aplicado pelo sujeito passivo.
Pois que o artigo em questão, na redacção em vigor, regula a apresentação, pelo sujeito passivo, de declarações periódicas de substituição ou fora do prazo, impedindo que nesse caso fosse tomado em conta imposto dedutível reportado de períodos anteriores ou regularizações de IVA a crédito do sujeito passivo. Pelo que não se vislumbra a sua aplicação à situação dos autos, em que as declarações foram apresentadas supostamente no prazo legal, pois nada é referido em contrário, e foi a AT que procedeu oficiosamente a correcções aos elementos declarados, afastando aplicação de qualquer regime inerente à substituição de declaração pelo sujeito passivo.
Razões pelas quais a situação dos autos de liquidação adicional cai na alçada do artigo 82º do CIVA, na redacção então vigente, que determina expressamente que qualquer liquidação adicional lançada com base em declarações tem que ser fundamentada e tem que ter subjacente um imposto que não foi pago ou uma dedução superior aos devidos.
Assim, para justificar uma liquidação adicional ao 4º trimestre de 2000, nestas situações em que nas declarações figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, é necessário que dessa declaração tenha resultado algum efeito negativo para o Estado a nível do imposto que deveria ser arrecadado.
Numa situação hipotética em que ocorrendo um crédito de imposto a favor do sujeito passivo mas em que este não chegue sequer a utilizar por via de reporte (ou a pedir o reembolso de) tal crédito, nem chegará a ocorrer o direito da Administração Fiscal liquidar adicionalmente o imposto, porque, neste caso, o sujeito passivo nunca tirou vantagem do crédito que a Administração Fiscal possa vir a considerar indevido nem, consequentemente, o Estado ficou prejudicado em qualquer montante de imposto.
A presente interpretação é a única que se compagina com os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade, que a Autoridade Tributária e Aduaneira deve observar em toda a sua actividade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), e com o princípio da tributação em função da capacidade contributiva, pois não se poderia justificar a imposição ao sujeito passivo do pagamento de imposto que não é devido.
Assim, na esteira do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.02.2008, proferido no processo n.º 00917/05, o referido artigo 82.º tem como ratio «permitir a correcção das declarações entregues quando seja evidente que as mesmas, tal qual foram apresentadas, dariam causa a um enriquecimento injustificado dos sujeitos passivos, através da não entrega de quantias devidas ao Estado» e pode «entender-se que não haveria lugar à dedução nas declarações periódicas, mas a ser assim, a conclusão a extrair seria a de considerar indevida a dedução e indeferir qualquer pedido de reembolso, mas nunca liquidar adicionalmente um valor de imposto já cobrado e notificar o sujeito passivo que o havia pago, para o pagar de novo quando é certo que nunca chegou a receber o reembolso do 2º pedido que lhe foi indeferido».
A esta luz, é manifesto que no caso dos autos se está perante uma situação em que não se justifica a liquidação adicional ao 4º trimestre de 2000, pois, como se infere nenhuma quantia relativa a IVA daquele período foi recebida como efeito de dedução excessiva ou indevida.
Por outro lado, como supra referenciamos, a utilização do “crédito de imposto” ocorreu por via do reporte nas declarações do 4º trimestre de 2002 e 1º trimestre de 2003, essa sim, a utilização, poderia justificar uma liquidação adicional pela diferença fundamentada na dedução indevida e assente de que o sujeito passivo não tinha efectivamente pago o IVA inerente às transacções com a «Y, Lda.», ou seja, da inexistência do crédito de imposto a que o sujeito passivo tinha direito, mas sempre as liquidações adicionais teriam que ser pela diferença.
Sopesando todos os elementos legais, doutrinais e jurisprudenciais compulsados, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, dando-se por prejudicado o conhecimento do recurso subordinado apresentado pela Recorrida.
2.3. Conclusões
I. O exercício do direito à dedução do IVA consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/05/1977), mais exactamente no seu artigo 17º, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito.
II. Para exercer o seu direito à dedução do imposto suportado o sujeito passivo de IVA pode, conforme as circunstâncias em que se encontre, recorrer a um de três métodos previstos na lei: (i) Método subtractivo indirecto - de acordo com este método, ao valor do imposto liquidado durante um determinado período declarativo deduz-se o valor do imposto suportado no mesmo período (cf. artigo 22º, nº.1, do CIVA); (ii) Método do reporte - caso o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, o sujeito passivo deverá recorrer ao método do reporte, de acordo com o qual o imposto em excesso será reportado para o período de tributação seguinte (cf. artigo 22º, nº.4, do CIVA); (iii) Método do reembolso - todavia, nas situações em que o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, pode o sujeito passivo optar por solicitar o reembolso do imposto, desde que se verifiquem as condições legalmente previstas no artigo 22º, nºs.5 e 6, do CIVA.
III. No caso específico do método de reporte de IVA, o respectivo regime legal encontra-se consagrado, essencialmente, no artigo 22º, do CIVA, donde decorre que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração
IV. O acto de liquidação adicional de IVA praticado na sequência de um procedimento de inspecção tributária, que desconsideres o IVA dedutível, ou seja que coloque em causa o “crédito de imposto” utilizado por via de reporte em declaração posterior do mesmo, terá que ser emitida com referência ao período em que o crédito de imposto veio a ser subtraído pela Impugnante ao imposto liquidado (em que o crédito foi exigido), pois só nessa declaração posterior figura “um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos”, que cumpre liquidar pela diferença (artigo 82º do CIVA, então em vigor).
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 11 de maio de 2023

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis