Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01404/20.8BEBRG |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 05/09/2025 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
| Descritores: | REPOSIÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO DO CONTRATO; CADUCIDADE; |
| Sumário: | I – O prazo de 30 dias previsto no artigo 354.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos para apresentação do pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato de empreitada conta-se a partir do momento em que o empreiteiro tenha conhecimento do evento que o constitui, não sendo exigível que, nesse momento, conheça a extensão integral dos danos. II – No caso de eventos continuados, como sejam vicissitudes que se prolongam no tempo e cuja afetação de encargos ao empreiteiro não ocorre de modo instantâneo, o prazo de 30 dias só começa a correr a partir do início da afetação efetiva desses encargos, não devendo ser tomado como termo inicial o simples levantamento de uma suspensão de trabalhos. III – A prorrogação do prazo de execução da empreitada, deferida pelo dono da obra com fundamento em vicissitudes imputáveis ao mesmo e reconhecida como medida de reposição do equilíbrio financeiro [nos termos do artigo 282.º, n.º 3, do CCP], constitui o evento relevante para efeitos de início da contagem do prazo referido no artigo 354.º, n.º 2, do CCP. IV – Tendo o pedido de reposição do equilíbrio financeiro sido apresentado no prazo de 30 dias contados da notificação da decisão de prorrogação do prazo de execução, não se verifica a caducidade do direito. V – Não sendo de declarar a caducidade, deve a causa ser remetida à primeira instância para apreciação do mérito do pedido principal de reposição do equilíbrio financeiro e do pedido subsidiário com base no instituto do enriquecimento sem causa.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. A sociedade comercial [SCom01...] S.A., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Réu o MUNICÍPIO ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, editada em 18.11.2024, que, com fundamento na procedência da exceção de caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro invocada, julgou a presente ação improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido. 2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, que conheceu do mérito da ação e, em consequência, julgou a ação improcedente, verificada a exceção de caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, por decurso do prazo previsto no artigo 354.º do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), pelo que absolveu o Réu/Recorrido do pedido, decisão essa que merece censura. Ao abrigo do disposto nos artigos 282.º, 314.º e 354.º, todos do CCP, a Recorrente tem direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato. II. Com o devido respeito, o que o tribunal a quo fez na decisão recorrida foi acolher acriticamente a tese Réu/Recorrido, e alterar a própria causa de pedir da ação formulada pela Autora/Recorrente, transformando um pedido de reequilíbrio financeiro por prorrogação do prazo no pagamento de prejuízos associados a suspensões de trabalhos, quando, em boa verdade, o evento originador da necessidade de reposição do equilíbrio financeiro do contrato não foi a suspensão da empreitada, mas sim a prorrogação do prazo de execução da empreitada pelo período de 265 dias. III. A sentença recorrida padece de erros de julgamento evidentes, uma vez que fez uma errada aplicação do direito aos factos (não ponderando toda a factualidade alegada e controvertida) e parte de pressupostos errados: em primeiro lugar, o direito a que a Recorrente se arroga não decorre da suspensão do prazo de execução da empreitada, mas da necessidade de prorrogação do prazo de execução da empreitada e dos custos a ela associados; em segundo lugar, não decorreram mais do que trinta dias contados da data em que a Recorrente tomou conhecimento do deferimento da prorrogação do prazo e afetou tais meios e custos com a prorrogação à empreitada. IV. Por outro lado, o evento – a prorrogação do prazo, e os eventos que lhe deram origem, eram eventos continuados – pelo que a afetação de custos/mão de obra em montante superior ao contratualmente estabelecido não surge nas suspensões dos prazos, mas no período em que esse prazo foi prorrogado. V. No decurso da execução da Empreitada sub judice, foram surgindo e sendo impostas pelo Recorrido alteração aos pressupostos iniciais – por motivos não imputáveis à Recorrente – e que acarretaram implicações diretas e nefastas na execução dos trabalhos e, portanto, nos custos e prazos de execução da obra. VI. Resulta da factualidade provada, que, em 06.06.2018 (facto C da matéria dada como provada), foi celebrado, entre a Recorrente e a Recorrida, o contrato de empreitada, designado de “Complexo das Piscinas Municipais da Rodovia – Requalificação dos Balneários e Construção de Edifício de Apoio”, sendo o prazo de execução da empreitada de 250 dias a contar da consignação da obra, que ocorreu em 20.09.2018 (facto D da matéria dada como provada e contrato junto a fls. 344 ss do PA). VII. O contrato de execução da empreitada foi objeto de dois aditamentos: o primeiro, celebrado em 15 de abril de 2019, que determinou que o prazo de execução fosse prorrogado por 23 (vinte e três) dias –cfr. fls. 1620 do PA; e, o segundo, celebrado em 12 de junho de 2019, que determinou que o prazo de execução fosse prorrogado por 5 (cinco) dias – cfr. fls. 1683 do PA que aqui se dá por integrado. VIII. Além disso, a empreitada foi objeto de duas suspensões parciais dos trabalhos, entre o dia 10 de outubro de 2018 e o dia 10 de janeiro de 2019 (93 dias) e entre 13 de setembro de 2019 e 21 de janeiro de 2020 (131 dias) – cfr. PA que aqui se dá por integrado e factos n.ºs E a J) da matéria dada como provada. IX. No pedido de prorrogação de prazo que a Recorrente formulou junto do Recorrido de 06 de janeiro de 2020 [por um prazo por 369 dias, até 21 de maio de 2020 – cfr. fls. 3013 e ss do PA] e que viria a fundamentar o pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato – junto com o PA, alegou a Autora/Recorrente, conforme, de resto, se fez constar do artigo 21.º da petição inicial, a Recorrente sustentou-o nos seguintes factos: Impossibilidade de implementação do planeamento contratual por motivos imputáveis ao R.; Suspensão parcial dos trabalhos que obrigou a uma reprogramação total dos trabalhos e perda de rendimentos; Ainda que a suspensão fosse parcial estava a A. objetivamente impossibilitada de executar quaisquer trabalhos expressivos na presente empreitada; De acordo com o Plano de Trabalhos de concurso a signatária tinha previsto o início da execução dos trabalhos pelos Edifício A e C, ou seja, com duas frentes de trabalho; Volvidos 3 meses estava previsto o incremento de uma terceira frente de trabalho, nomeadamente, a desenvolver-se no Edifício B; Por força da suspensão parcial da empreitada e as reais condições de execução dos trabalhos foi a A. forçada a alterar completa e absolutamente o planeamento preconizado, tendo sido forçada a iniciar os trabalhos pelo Edifício B, com apenas uma frente de trabalho com claros e manifestos impactos na execução dos trabalhos, subvertendo toda a lógica em que assentou a elaboração do Plano de Trabalhos contratual, tornando o mesmo obsoleto; Em acrescento, iniciados os trabalhos no Edifício B, de forma absolutamente inesperada, apareceram cabos de média tensão (não cadastrados) no alinhamento das sapatas da estrutura metálica que, por sua vez, acarretaram a suspensão da execução de grande parte dos trabalhos do Edifício B por uns adicionais 65 dias (aparecimento das infraestruturas em 28/11/2018, resolução pelo Dono da Obra em 31/01/2019); De igual modo, a referida suspensão dos trabalhos durou (formalmente) por 93 dias tendo sido levantada em 10/01/2019 – dizemos formalmente porque materialmente grande parte das condicionantes a esta data ainda se verificavam; Posteriormente ao levantamento da suspensão, mais vicissitudes foram sendo enfrentadas que impossibilitaram o cumprimento do planeamento inicial, introduzindo modificações no contrato que impossibilitaram a A. de executar os trabalhos nos moldes em que havia preconizado impossibilitando, também dessa forma, a obtenção dos rendimentos preconizados e, concomitantemente, impossibilitando o cumprimento do prazo de execução de cada uma das espécies de trabalho afetadas pelas alterações e vicissitudes que foram surgindo (…). A título de exemplo, o aparecimento de infraestruturas não cadastradas, cuja indefinição subsistiu por 207 dias só ficou solucionada com a assinatura do adicional a 15 de abril de 2019, sendo que, esta indefinição afetava e impossibilitava (por exemplo) a execução dos seguintes trabalhos: Movimento de terras; Betão Armado; Alvenarias; Coberturas; Drenagem de águas residuais; Drenagem de águas pluviais. Ou seja, todos os trabalhos dependentes da definição do que fazer relativamente ao aparecimento das infraestruturas não cadastradas, foram empurrados para data posterior; Por seu turno, a necessidade de efetuar o Ensoleiramento sobre terras existentes (lamacentas sem resistência) e/ou substituição de solos no Edifício C, para além de acarretar que todos os trabalhos de movimentos de terras a executar nesta zona fossem efetuados em total desrespeito pelo planeamento inicial, acarretou a execução dos trabalhos com uma onerosidade e dificuldade acrescidas, com claras e evidentes perdas de rendimento e, claro está, com reflexos no prazo de execução; Apenas em 10/09/2019 o R. fez chegar à A. os elementos de solução da obra para execução do Edifício C. Tendo os desenhos editáveis chegado em 23/09/2019, tendo sido enviada a proposta de trabalhos complementares no dia 10/10/2019 sendo que, até à data do pedido de prorrogação de prazo, não tinha havido pronúncia do R. muito menos foram formalizados os trabalhos complementares decorrentes da alteração do Projeto de arquitetura do Edifício C, não se encontrando o empreiteiro legalmente habilitado e com título contratual que lhe permitisse executar estes trabalhos e os que deles dependiam; De igual modo, em 08/10/2019 houve uma alteração do layout da bancada da copa do Edifício C, sendo que, em virtude de ter ocorrido um manifesto lapso da Exma. Projetista, em 07/11/2019, houve a necessidade de proceder a nova alteração dos trabalhos; De outra parte, também não é despicienda a influência que a indefinição associada à execução dos torniquetes teve na empreitada, uma vez que, condicionou a execução dos pavimentos nas zonas em que estes se encontravam previstos ser colocados; Tendo esta indefinição culminado com a retirada do objeto do contrato da execução dos mesmos em 08/11/2019, ainda assim, sem que fosse possível apagar o impacto que esta indefinição teve no prazo de execução da empreitada; Toda a factualidade elencada supra, para além de ter introduzido alterações no contrato tal como inicialmente apresentado à A., acarretou profundas alterações ao planeamento previsto, uma vez que, implicou a alteração das datas de execução dos trabalhos, do faseamento construtivo, com constantes mobilizações e desmobilizações, alterações aos processos e métodos construtivos preconizados, contrariando o previsto contratualmente, legitimando a prorrogação do prazo de execução da empreitada (transcrição art.º 21.º da p.i., itálico nosso).” XI. Assim, facilmente verificamos que o fundamento do pedido da prorrogação não foi exclusivamente determinado pela suspensão – que foi apenas parcial e não total – dos trabalhos, antes se deveu a circunstâncias difusas, que passam designadamente, mas não apenas, conforme se descreveu no art.º 21.º da petição inicial, e que se dá por reproduzido, pela suspensão parcial dos trabalhos, pelo aparecimento de infraestruturas não cadastradas, pela necessidade de executar trabalhos diversos dos previstos, pelo atraso no envio de elementos de solução de obra, alterações e indefinições de trabalhos, que acarretaram alterações no planeamento previsto. XII. Com efeito, por comunicação datada de 05 de fevereiro de 2020, mas rececionada em 10 de fevereiro de 2020, o Recorrido concedeu à Recorrente a prorrogação legal do prazo até 17 de fevereiro de 2020, pelo período de 265 dias – facto não impugnado pelo Recorrido e provado por documento junto ao PA a fls. 3024 e ss e 3027. XIII. Em 03 de março de 2020, conforme evidencia o doc. n.º 1 junto com a petição inicial e de resto, consta da matéria dada como provada sob o facto n.º K), dentro do prazo de 30 dias após tomar conhecimento do deferimento do pedido de prorrogação do prazo, a Recorrente apresentou ao Recorrido um pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato no montante global de € 386.756,13 (trezentos e oitenta e seis mil, setecentos e cinquenta e seis euros e treze cêntimos), o qual se sustentava na prorrogação do prazo de execução da empreitada pelo período de 265 além do inicialmente previsto (facto dado como provado sob a al. L da sentença). XIV. Na aludida comunicação a Recorrente reportou quer os eventos danosos e quantifica os respetivos custos que reclamou, que incluía, custos com pessoal, instalações vedações acessos pavimentações, gastos gerais, ferramentas e equipamentos, viaturas ligeiras e transportes e estrutura / sede. XV. Deste modo, entre a data do deferimento da prorrogação e a data do pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato não tinham decorrido, ainda, 30 dias, pelo se tem a caducidade por impedida, tendo o pedido de reposição do equilíbrio económico financeiro do contrato sido apresentado dentro do prazo a que alude o art.º 354.º do CCP, ou seja, dentro do prazo de 30 dias contado da data do conhecimento do deferimento do prazo que lhe corresponde. XVI. Ora, na altura em que foi elaborada a referida comunicação (03.03.2020), ainda não tinham decorrido trinta dias desde a data em que o Recorrido reconheceu o direito da Recorrente à prorrogação de prazo (e sublinhe-se à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, como expressamente resulta da comunicação – cfr. PA que se dá por reproduzido). XVII. Com efeito, e como é bom de ver, tanto os eventos indicados na comunicação da Recorrente de 06 de janeiro de 2020, como a prorrogação do prazo em si mesma, tratam-se de eventos de natureza continuada, sendo que a Recorrente reclamou o direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, em função dos mesmos, dentro do prazo que permitia impedir a sua caducidade. XVIII. Por outro lado, e diferentemente do alegado pelo Recorrido e acolhido pelo tribunal a quo, a caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato não está diretamente relacionada com suspensão dos trabalhos, mas com a prorrogação do prazo de execução da empreitada que se tornou necessária em virtude dessa suspensão e de diversas outras vicissitudes, que se mantiveram ao longo da execução da empreitada. XIX. Assim, consideram-se que os eventos referidos eram eventos continuados, cujas consequências foram além da data da celebração do aludido contrato, conforme se acabou de referir, pelo que acolhendo-se, por hipótese de raciocínio, o ensinamento de DIOGO DUARTE CAMPOS/JOANA BRANDÃO in ““O reequilíbrio económico-financeiro dos contratos de empreitada decorrentes da maior permanência em obra” in Revista da Ordem dos Advogados, ano 80, n.° 12, Jan-Jun 2020, p. 98, nota 8”, o momento relevante para a apresentação do pedido do reequilíbrio financeiro do contrato (e para o início da contagem do prazo de 30 dias), na interpretação do n.º 3 do art.º 354.º do CCP, seria o final do evento continuado, pelo que, também nesta aceção se considerava impedida a caducidade. XX. Por outro lado, uma vez que competia ao Réu/Recorrido, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, mormente, da data de início da afetação dos encargos e custos do empreiteiro relativamente aos eventos de duração continuada caracterizados nos autos, a dúvida deveria ter sido resolvida contra o mesmo, nos termos do art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil, vício que se aponta à sentença recorrida. XXI. Assim, sempre deveria o tribunal a quo ter julgado improcedente a exceção invocada pelo Recorrido e apreciar o mérito da pretensão da Recorrente, ou, em alternativa, relegar o conhecimento da exceção para o momento após a realização da audiência de julgamento. XXII. Mas ainda que se considerasse que o pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, como entendeu o tribunal a quo, se sustentava diretamente nas suspensões de prazo de execução da empreitada, sempre também o tribunal a quo podia e devia ter apreciado a questão à luz do disposto no art.º 282.º do CCP e concluir que não caducou o direito da Recorrente. XXIII. Com efeito, através do deferimento da prorrogação do prazo o Recorrido procedeu, parcialmente, à reposição do equilíbrio financeiro do contrato em termos de prazo de execução (vide n.º 3, do artigo 282.º, do CCP), e reconheceu expressamente, permanecendo em falta a devida compensação financeira decorrente desse facto, uma vez que é o próprio Recorrido que, na sua comunicação de 05.02.2020 (junta a fls. 3027 do PA), através de ofício n.º 2671, indica que a prorrogação do prazo até ao dia 17.02.2020 era feito a título de reposição do equilíbrio financeiro do contrato nos termos do disposto nos arts. 354.º e 282.º do CC XXIV. Mais, o n.º 3, do artigo 282.º, do CCP refere que “A reposição do equilíbrio financeiro produz os seus efeitos desde a data da ocorrência do facto que alterou os pressupostos referidos no número anterior, sendo efectuada, na falta de estipulação contratual, designadamente, através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato, da revisão de preços ou da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar à contraparte o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato”, XXV. Ora, de tudo o quanto vem exposto resulta evidente que, o direito à reposição do equilíbrio financeiro foi expressamente reconhecido pelo Recorrido ao conceder as prorrogações legais do prazo solicitadas pela Recorrente, sendo que, conjeturando-se a tese do tribunal recorrido, de que se reportavam apenas à suspensão, determina o art.º 298.º n.º 2 do CCP que, sendo legais, às mesmas acresce o direito do empreiteiro de exigir o ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes, pois “não é razoável nem justo, transferir para o cocontratante os encargos dos atrasos de que não é responsável” XXVI. A interpretação da norma do art.º 282.º do CCP é a de que um cocontratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais determinou o valor das prestações e desde que o contratante público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos. XXVII. No caso dos autos, a Recorrente, como adjudicatária, invoca, como pressuposto para a exigência do direito à reposição do equilíbrio financeiro, o custo acrescido com a manutenção de meios afetos à obra no período da sua prorrogação, por facto imputável apenas à contraparte, dono da obra, pois que altera o valor dos custos constantes da sua proposta, sendo certo que o dono da obra não poderia ignorar estes pressupostos. XXVIII. Isto é, a Recorrente, além de ter direito a uma prorrogação do tempo para a execução do contrato, o que foi expressamente reconhecido pelo Recorrido, ao permanecer em obra por mais 265 dias do que os inicialmente previstos, por motivos que não lhe eram imputáveis, sempre teria direito a ser ressarcida dos custos inerentes à manutenção/afetação de meios e materiais e custos de estrutura à obra pelo período de prorrogação. XXIX. Os factos que determinaram as novas circunstâncias em que se desenvolvem os trabalhos no período de prorrogação – melhor descritos supra – não eram previsíveis e são absolutamente estranhos à vontade e circunstâncias pessoais da Recorrente e os custos reclamados pela Autora correspondem ao necessário para repor a proporção financeira em que assentou o contrato e agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato, pelo que sempre teria aquela de ser ressarcida à luz da interpretação do disposto nos n.ºs 3 a 6 do art.º 282.º do CCP, vertida no Ac. do Tribunal Central Administrativo do Norte de 15.04.2014, Processo n.º 00549/12.2BEAVR. “1. Um cocontratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, quando o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais determinou o valor das prestações e desde que o contratante público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos. 2. A recorrente, como adjudicatária, como pressuposto para o direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, tem direito ao custo acrescido com a manutenção do estaleiro da obra, no período de suspensão da mesma, por facto imputável apenas à contraparte, dono da obra, pois que, por via da suspensão, se alterou o valor dos custos constantes da sua proposta, sendo certo que o dono da obra não poderia ignorar estes pressupostos.”. (sublinhado nosso). XXX. Ainda noutro sentido, e revisitando-se tudo o que já se expôs quanto à injustiça da imputação de custos que foram provocados pelo dono da obra na esfera jurídica da Recorrente, e dando-se essa exposição por reproduzida, ainda que se rejeitasse a aplicação do princípio do reequilíbrio financeiro do contrato, a ordem jurídica sempre teria de reconhecer à Recorrente, uma fonte habilitante do seu direito de crédito sobre o Recorrido, através do instituto do enriquecimento sem causa, que deveria ser conjeturado pelo tribunal recorrido, em caso de improcedência do pedido de equilíbrio financeiro do contrato ao abrigo dos arestos do Código dos Contratos Públicos. XXXI. Sendo instituto de aplicação residual, o mesmo visa, precisamente a sua aplicação a situações como a vertida nestes autos, em que é evidente a desproporção e injustiça entre as prestações da Recorrente e Recorrido, tendo este último obtido uma vantagem patrimonial com a realização dos trabalhos pela Recorrente a um preço muito superior daquele que, efetivamente, pagou e essa vantagem foi obtida a expensas da Recorrente que, para além dos custos diretos com a execução dos trabalhos complementares suportou custos indiretos com a manutenção do estaleiro decorrentes de uma maior permanência em obra. XXXII. Ao julgar procedente a exceção de caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro invocada pela Recorrente, a douta sentença recorrida VIOLOU o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 354.º do CCP, art.º 282.º do CCP, art.º 298.º do CCP, assim como do art.º 342.º, n.º 2 e 473.º do Código Civil, devendo ser revogada e ordenada a baixa dos autos à primeira instância para apreciação dos pedidos formulados pela Autora/Recorrente (…)”. * 1. A Autora sustenta que o direito à reposição do equilíbrio financeiro decorre do Código dos Contratos Públicos (CCP), nomeadamente dos artigos 282.º, 314.º e 354.º, que preveem o ressarcimento ao empreiteiro por custos adicionais resultantes de alterações anormais e imprevisíveis das circunstâncias, imputáveis à entidade pública. 2. O requerimento para reposição do equilíbrio financeiro do contrato foi apresentado pela Autora por carta registada com aviso de receção datada de 03/03/2020 – cfr. al. K) da matéria dada como provada e item 27º da P.I. 3. A primeira suspensão dos trabalhos, embora parcial, data de 10/10/2018, suspensão essa que foi levantada em 10/01/2019 - cfr. al. E) e al. G) da matéria dada como provada. 4. Posteriormente, a 13/09/2019, houve nova suspensão parcial dos trabalhos, sendo que essa suspensão foi levantada em 21/01/2020– cfr. al. H) e al. J) da matéria dada como provada. 5. Assim, relativamente à primeira suspensão de trabalhos, o prazo para requerer a reposição do equilíbrio financeiro do contrato – a ser benevolente e tendo em conta o levantamento da suspensão dos trabalhos – começaria a correr em 10/01/2019, pelo que o prazo constante do artigo 354.º, n.º 2 do CCP terminaria a 10/02/2019. 6. Por outro lado, relativamente à segunda suspensão, que foi levantada a 21/01/2020, o prazo constante do artigo 354.º, n.º 2 do CCP terminaria a 20/02/2020. 7. Ou seja: como resulta da al. K) da matéria dada como provada (que não é colocada em causa pela ora Recorrente) e do item 27º da P.I, o requerimento para reposição do equilíbrio financeiro do contrato foi apresentado pela Autora por carta registada com aviso de receção datada de 03/03/2020, isto é, depois de decorrido o prazo para o exercício de tal prerrogativa. 8. Caducou, pois, em 20/02/2020, o direito da Autora requerer a reposição do equilíbrio financeiro do contrato. 9. Não pode, igualmente, colher a alegação “ex-novo” da Recorrente que o pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato foi feito tendo por base a prorrogação do prazo da empreitada, e não os períodos de suspensão. 10. Da leitura atenta dos motivos que levaram ao pedido de prorrogação, verifica-se que, claramente, a suspensão dos trabalhos foi o motivo preponderante para este pedido – cfr. artigo 21.º da PI. 11. O motivo originador ou causador de um eventual pedido de reequilíbrio financeiro do contrato, na aceção dada pelo CCP, sempre seria a suspensões dos trabalhos, sendo o pedido de prorrogação uma mera decorrência daquelas suspensões. 12. Ou seja, o evento a ter em conta sempre serão as suspensões e nunca a prorrogação do prazo: “O direito à reposição do equilíbrio financeiro previsto no número anterior caduca no prazo de 30 dias a contar do evento que o constitua ou do momento em que o empreiteiro dele tome conhecimento, sem que este apresente reclamação dos danos correspondentes nos termos do número seguinte, ainda que desconheça a extensão integral dos mesmos.” – artigo 354.º, n.º 2 do CCP. DA EXECUÇÃO DO CONTRATO 13. O contrato em causa nos autos foi adjudicado à Recorrente pelo valor de € 898.771,71 (oitocentos e noventa e oito mil, setecentos e setenta e um euros e setenta e um cêntimos), sendo o respetivo prazo de execução de 250 (duzentos e cinquenta) dias. 14. A obra foi consignada em 20/09/2018, tendo o local da obra sido entregue como um todo, pelo que os trabalhos puderam iniciar-se de imediato. 15. Em 10/10/2018, foi lavrado um auto de suspensão parcial dos trabalhos, que se deveu à questão da requalificação dos balneários e instalação de balneários alternativos para que a piscina coberta pudesse ser utilizada durante a obra, sendo esta a zona que se encontrava denominada como “Zona A”: ou seja, a suspensão abrangeu, apenas, a dita “Zona A” podendo, por isso, a obra na “Zona B” e na “Zona C” prosseguir sem constrangimentos. 16. Para que se dê início aos trabalhos, a Recorrente, como Entidade Executante da obra, tem de apresentar ao Dono da Obra – o Recorrido – um Plano de Segurança e Saúde. 17. A Recorrente apenas apresentou ao Recorrido um Plano de Segurança e Saúde que cumprisse na totalidade os requisitos exigidos em 23/10/2018, pelo que, tendo decorrido desde a data da consignação – 20/09/2018 – 33 (trinta e três) dias, não pode a Recorrente eximir-se que este período seja da sua exclusiva responsabilidade. 18. Durante o período de suspensão da obra, a Recorrente nunca enviou ao Recorrido, Dona da Obra, quaisquer notas de débito, referentes aos encargos suportados com a suspensão da empreitada nem juntou qualquer nota discriminativa e justificativa dos custos. 19. Posteriormente, em 15/04/2019, foi celebrado o aditamento n.º 1 ao contrato de empreitada, para inclusão de trabalhos complementares, sendo que nos termos da cláusula 2.ª do aditamento, os trabalhos ali constantes constituíam trabalhos de suprimento de erros e omissões do projeto, nos termos do disposto no artigo 370.º, n.º 2 do CCP, sendo que a estes trabalhos foi atribuído o valor de € 61.764,90 (sessenta e um mil setecentos e sessenta e quatro euros e noventa cêntimos) e foi fixado o prazo para execução desses trabalhos complementares em 23 dias. 20. Em 12/06/2019, foi celebrado o aditamento n.º 2 ao contrato de empreitada, sendo que os trabalhos ali constantes constituíam trabalhos de espécie e quantidade não incluídas no contrato inicial, tendo sido atribuído o valor de € 18.016,23 (dezoito mil e dezasseis euros e vinte e três cêntimos) a título de trabalhos de suprimento de erros e omissões e € 4.579,40 (quatro mil, quinhentos e setenta e nove euros e quarenta cêntimos), a título de trabalhos a mais, e foi fixado o prazo para execução desses trabalhos em 5 dias. 21. Em 13/09/2019, foi lavrado novo auto de suspensão dos trabalhos, suspensão esta que, mais uma vez, foi parcial sendo que no mesmo “reconheceu-se a impossibilidade de prosseguir com os trabalhos de pavimentação de parte do percurso de acesso pedonal circundante aos campos de ténis, dada a necessidade de requalificar o equipamento desportivo afeto aos campos de ténis incluindo melhorar toda a rede perimetral de drenagem de águas pluviais aí existente”. 22. Apenas “as atividades mencionadas e respetivas zonas de trabalho afetadas” foram suspensas e deveriam recomeçar logo que cessassem as causas que determinaram a suspensão. 23. Daqui se retira, sem qualquer sombra de dúvidas, que a Recorrente não tinha porque estar nem esteve de todo “parada”, uma vez que os trabalhos que foram suspensos neste caso não afetavam o caminho crítico da empreitada, uma vez que as atividades suspensas não afetavam as atividades previstas para a conclusão do edifício propriamente dito, pelo que não podem restar dúvidas que os restantes trabalhos puderam prosseguir. 24. Conforme consta do auto de reinício dos trabalhos, “(…) uma vez que os mesmos foram alvo de uma ordem de supressão de trabalhos no dia 20/01/2020, permitindo a prossecução do contrato, cessaram as causas que a determinaram estando verificadas, a partir da presente data, todas as condições necessárias ao levantamento da mesma e à continuidade do plano de trabalhos contratual.” 25. É que, relativamente a esta suspensão, e conforme consta do auto de reinício de trabalhos supracitado, o que a Recorrente omite – provavelmente, porque não lhe convém lembrar – é que os trabalhos que motivaram a suspensão parcial dos trabalhos foram, inclusivamente, retirados da empreitada, aliás, conforme consta da informação n.º 3447, datada de 31/01/2020, sob o assunto “Trabalhos a menos. Ordem de supressão de trabalhos. Justificação, fundamentação e aprovação”. 26. Ou seja, da suspensão em causa não adveio qualquer prejuízo para a Recorrente pelo que nada tem, nem pode ter, direito a receber a título de reposição do equilíbrio financeiro do contrato. 27. É verdade que a Autora solicitou, em 06/01/2020, uma prorrogação de prazo, até 31/05/2020, para conclusão da obra. É também verdade que o prazo foi prorrogado pelo Réu até 17/02/2020. Mas fê-lo no seu exclusivo interesse e por necessidade suas e não decorrentes de qualquer suspensão provocada pela Ré ou de trabalhos a mais que por esta pudessem ter sido pedidos. 28. A Recorrente nada disse nem antes, nem durante a pendência desta segunda suspensão ou nos 30 dias subsequentes ao seu levantamento, apenas se limitando, a participar/assinar o Auto de Suspensão da empreitada. 29. Não ocorreu qualquer alteração dos pressupostos iniciais – condição sine qua non para que se possa requerer a reposição do equilíbrio financeiro do contrato. 30. O facto de, durante a execução de um contrato, surgirem situações pontuais que alterem a factualidade inicialmente equacionada entre os contraentes não equivale, desde logo e de forma automática, que essas situações sejam tidas como excecionais. 31. Para que o fossem, tinham de resultar de alteração anormal e imprevisível, que ocasionasse um aumento grave dos encargos na execução da obra que não fossem cobertos pelos riscos tidos como normais. Não foi isso que sucedeu no caso dos presentes autos. In casu trata-se de factos próprios do contrato e da sua execução, 32. As alterações que ocorreram no decurso da obra determinaram a celebração dos dois aditamentos já referidos – e que foram devidamente pagos à Autora. 33. Por fim, relativamente aos custos que alegadamente a Recorrente teve de suportar, a mesma limita-se de forma vaga e genérica a referir que existiram, nada especifica ou prova, nem, tão pouco, junta qualquer nota discriminativa e justificativa de custos. 34. Não se encontram documentados os alegados custos com instalações, acessos, vedações e pavimentações, nem se entende o que são gastos gerais e porque razão se perdeu rendimento com ferramentas e equipamentos, a que acresce o facto de não serem especificados os equipamentos alocados à obra que “perderam rendimento”, como, tão pouco, se fundamenta factualmente ou prova de que forma foi perdido esse rendimento. DO DIREITO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO DO CONTRATO 35. Prescreve o artigo 282.º, n.º 1 do CCP que “Há lugar à reposição do equilíbrio financeiro apenas nos casos especialmente previstos na lei ou, a título excecional, no próprio contrato.” O n.º 2 do mesmo normativo legal prescreve que “Sem prejuízo do disposto no número anterior, o cocontratante só tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais o cocontratante determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.” 36. Ambas as suspensões – parciais – decorrem do normal curso da execução do contrato, sendo certo que, no caso da segunda suspensão, a mesma não teve qualquer repercussão na esfera da Autora, uma vez que não só a Autora podia prosseguir, como prosseguiu, com outros trabalhos como os trabalhos dela constantes foram suprimidos da empreitada. 37. O artigo 314.º do CCP não é aplicável ao caso em apreço: esta norma refere-se à figura da modificação objetiva do contrato e suas consequências, sendo que as questões que coloca à consideração deste Tribunal se prendem com a suspensão de trabalhos e não com modificações objetivas. 38. O artigo 314.º, em termos de organização do próprio Código, encontra-se na parte geral do mesmo, ou seja, é um artigo que se aplica a todos os contratos abrangidos pelo Código, na falta de disposição especial. 39. No Título II – Contratos Administrativos em Especial encontra-se um capítulo que se dedica especificamente aos contratos de empreitada de obras públicas – Capítulo I do referido Título II. É nesse Capítulo I do Título II que se localiza o artigo 354.º. 40. Tendo em conta o princípio geral do Direito de que a lei especial derroga a lei geral, também por aí o artigo 314.º não é aplicável ao caso em apreço. 41. O propósito do artigo 354.º é o de o empreiteiro não suportar as modificações aos pressupostos de formação do CEOP, quando aquelas sejam imputáveis ao dono da obra, seja por exercício do poder de modificação unilateral ou por fait du prince. 42. Dos factos dados como provados não resulta qualquer dificuldade de execução da obra para o empreiteiro. 43. O mecanismo da reposição do equilíbrio financeiro está originariamente pensado para os casos em que o cocontratante, mercê da sua situação de sujeição aos poderes conformadores do contraente público, vê a sua esfera contratual financeiramente afetada. 44. Mas mais importante que o mecanismo legal em si é a sua ratio, que tem que ver sobretudo com todas as variações no equilíbrio financeiro de que contrato pode padecer ao longo da sua existência, as quais devem ser debeladas, de molde a saná-las. 45. O n.º 2 do artigo 354.º prescreve que o empreiteiro tem o prazo de 30 dias a contar do evento que constitua o direito para requerer a reposição do equilíbrio financeiro do contrato, o que, como já se viu em sede de exceção e por economia processual se dá por reproduzido, a Autora não fez atempadamente, pelo que caducou o seu direito. 46. A Recorrente apenas teria direito à reposição do equilíbrio financeiro quando o facto invocado como fundamento desse direito tivesse alterado os pressupostos nos quais determinou o valor das prestações e desde que o contratante público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos. DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA 47. A relação entre as partes traduziu-se num negócio em que a Recorrente se obrigou, em relação ao Recorrido, a realizar certas obras, mediante contraprestação pecuniária a prestar por este, tendo sido pelo contrato em causa nos autos foram pagos à Recorrente € 983.132,24 (novecentos e oitenta e três mil, cento e trinta e dois euros e vinte e quatro cêntimos). 48. Ainda que a obra entregue seja valorizada em € 1.139.699,37 (um milhão, cento e trinta e nove mil, seiscentos e noventa e nove euros e trinta e sete cêntimos) – o que a Recorrente não logrou provar – não se encontram preenchidos os requisitos para aplicar o instituto do enriquecimento sem causa, desde logo, porque não existiu qualquer empobrecimento por parte da Recorrente. (…)”. *
* 4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * 5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.. * 6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida “(…) ao julgar procedente a exceção de caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro invocada pela Recorrente, a douta sentença recorrida VIOLOU o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 354.º do CCP, art.º 282.º do CCP, art.º 298.º do CCP, assim como do art.º 342.º, n.º 2 e 473.º do Código Civil, devendo ser revogada e ordenada a baixa dos autos à primeira instância para apreciação dos pedidos formulados pela Autora/Recorrente (…)”. 9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO 10. O quadro fáctico apurado na sentença recorrida – aqui sem reparos - foi o seguinte: A) Por anúncio publicado no Diário da República, a Entidade Demandada deu publicidade ao concurso público para execução da Empreitada denominada por “COMPLEXO DAS PISCINAS MUNICIPAIS DA RODOVIA -REQUALIFICAÇÃO DOS BALNEÁRIOS E CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO DE APOIO” - facto não controvertido; B) A Autora apresentou proposta ao referido contrato, tendo sido a adjudicatária -facto não controvertido; C) A 06 de Junho de 2018, Autora e Entidade Demandada celebraram o respectivo contrato - facto não controvertido; D) A consignação da obra ocorreu a 20 de Setembro de 2018 - cfr. fls. 266 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; E) A 10 de Outubro de 2018 foi determinada a suspensão parcial dos trabalhos - cfr. fls. - 131 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; F) Do auto de suspensão consta o seguinte: “1. A decisão do dono da obra de utilização da piscina coberta em simultâneo com as obras de requalificação dos respetivos balneários (intervenção – zona A), situação não contemplada no plano de trabalhos contratual, implicará a execução de infraestruturas elétricas provisórias para alimentação daquele espaço e campos de ténis/padel previamente à requalificação dos balneários. Igualmente, só após esta intervenção, provisória, haverá condições de execução das fundações previstas em frente à designada zona A, pelo facto de aí se encontrarem as atuais infraestruturas elétricas e outras, as quais serão futuramente desativadas. 2. Igualmente, aguarda-se por uma alternativa viável aos balneários a requalificar (contentores apropriados) de modo a que a utilização da piscina coberta, em simultâneo com a requalificação dos balneários, seja praticável. 3. Ainda, aquando da execução das fundações da estrutura adjacente à designada zona A, constatou-se a existência de uma “galeria”, reticulado de pilares e vigas do edifício existente, inviabilizando o projeto de execução de fundações previsto nesta zona, pela fragilidade geotécnica exposta. De acordo com o coordenador do projeto, não foi disponibilizado o respetivo cadastro, apesar de o mesmo ter sido solicitado, pelo que a situação surgida foi inesperável. O período de suspensão decorrente de facto imputável ao dono da obra será aquele que resultar do processo administrativo da respetiva contratualização, já em curso, da infraestrutura elétrica provisória, dos espaços alternativos (contentores), bem como, da necessária revisão do projeto de fundações, estimando-se uma duração de mais de 30 dias. Desta forma, as atividades mencionadas e respetivas zonas de trabalho afetadas encontram-se suspensas pelo prazo estimado de 30 dias”. - cfr. fls. 131 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; G) A 10 de Janeiro de 2019 foi levantada a referida suspensão - cfr. fls. 1031 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; H) A 13 de Setembro de 2019 os trabalhos forma novamente suspensos - cfr. fls. 2168 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; I) Do auto de suspensão consta o seguinte: “Neste ato reconheceu-se a impossibilidade temporária de cumprimento parcial do contrato, designadamente em virtude de mora do dono da obra na disponibilização de parte da zona onde serão executados os pavimentos em betão drenante, percurso de acesso pedonal aos campos de ténis e padel. Conforme exposto nos movimentos relativos às informações internas n.ºs 3238/19 e 10885/19, houve a necessidade de requalificar o equipamento desportivo afeto aos campos de ténis, incluindo melhorar toda a rede perimetral de drenagem das águas pluviais aí existente. Estes trabalhos por concluir inviabilizam outros trabalhos de pavimentação de parte do percurso de acesso pedonal circundante aos campos de ténis adjudicados no presente contrato, o que terá como consequência legal uma suspensão parcial. O período de suspensão decorrente de facto imputável ao dono da obra será aquele que resultar do processo administrativo da respetiva contratualização e execução do objeto do contrato em causa. Contudo, as atividades mencionadas e respetivas zonas de trabalho afetadas encontram-se suspensas recomeçando logo que cessem as causas que determinaram a suspensão, sendo o empreiteiro notificado por escrito para o efeito.” - cfr. fls. 2168 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; J) A suspensão foi levantada a 21 de Janeiro de 2020 - cfr. fls. 2912 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; K) A 3 de Março de 2020 a Autora apresentou junto da Entidade Demandada um pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, no valor de 386.756,13 euros - cfr. documento 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e confissão – cfr. Item 27.º da petição inicial; L) O pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato assenta no facto de o prazo de execução ter sido prorrogado por 265 dias para lá do inicialmente estabelecido – confissão cfr. Item 28.º da petição inicial. * Nos termos do artigo 662º do CPC, aplicável ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, adita-se a seguinte factualidade que se mostra documentalmente comprovada: M) Em 06 de fevereiro de 2020, a Autora formulou um pedido de prorrogação do prazo de execução da empreitada até ao dia 31 de maio de 2020, com base numa série de "vicissitudes" e alterações não imputáveis à signatária, concretamente, a indefinição e alterações no projeto, condições meteorológicas adversas, suspensão parcial dos trabalhos e ainda questões relacionadas com o pagamento [cfr. fls. 2297 a 3013 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]; N) Por despacho do Presidente da Câmara Municipal ..., datado de 05.02.2029, foi deferido o pedido de prorrogação do prazo de execução da empreitada até ao dia 31 de maio de 2020, decisão que foi notificada à Autora no dia 10 de fevereiro de 2020 [cfr. fls. 3024 e seguintes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]; * * 10. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Juízo dos Contratos Públicos, no âmbito da Ação Administrativa identificada com o Processo n.º 1404/20.8BEBRG, intentada por [SCom01...], S.A. [aqui Recorrente] contra o MUNICÍPIO ... [aqui Recorrido]. 11. Na referida ação, a Autora/Recorrente formulou pedido de condenação do Réu/Recorrido no pagamento da quantia de 386.756,13 €, sustentando o seu direito na reposição do equilíbrio financeiro do contrato de empreitada celebrado entre as partes, em virtude da prorrogação do prazo de execução da obra por 265 dias imputável ao Réu, que gerou sobrecustos não previstos no preço inicial, tendo subsidiariamente invocado o regime de enriquecimento sem causa. 12. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a ação improcedente, acolhendo a exceção de caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato invocada pelo Réu/Recorrido. 13. No que respeita aos motivos pelos quais assim se entendeu, extrai-se da fundamentação da decisão recorrida o seguinte:”(…) Dispõe o Artigo 354.º do CCP que, “1 - Se o dono da obra praticar ou der causa a facto donde resulte maior dificuldade na execução da obra, com agravamentos dos encargos respetivos, o empreiteiro tem o direito à reposição do equilíbrio financeiro. 2 - O direito à reposição do equilíbrio financeiro previsto no número anterior caduca no prazo de 30 dias a contar do evento que o constitua ou do momento em que o empreiteiro dele tome conhecimento, sem que este apresente reclamação dos danos correspondentes nos termos do número seguinte, ainda que desconheça a extensão integral dos mesmos. 3 - A reclamação é apresentada por meio de requerimento no qual o empreiteiro deve expor os fundamentos de facto e de direito e oferecer os documentos ou outros meios de prova que considere convenientes. 4 - O dono da obra aprecia e decide a reclamação no prazo de 90 dias, podendo este prazo ser prorrogado por decisão daquele, caso se revele necessário proceder à realização de diligências complementares. 5 - A decisão, ou a sua omissão no prazo devido, pode ser objeto de impugnação nos tribunais administrativos, nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. É sabido que o princípio do equilíbrio financeiro tem subjacente a atribuição de um uma contrapartida indemnizatória ao co-contratante, sempre que a relação inicial seja desvirtuada por actos do contraente público ou pela sua actuação, mesmo que fora da relação contratual, mas com produção directa de efeitos na mesma. Ou seja, “o racional subjacente à reposição do equilíbrio financeiro do contrato é o de que quando o empreiteiro seja impedido de executar os trabalhos (i) nos termos e condições inicialmente planeadas e (ii) tal alteração esteja para além do risco assumido pelo empreiteiro no respetivo contrato, este deverá ser reequilibrado” (Diogo Duarte Campos e Joana Brandão, in “O reequilíbrio económico-financeiro dos contratos de empreitada decorrentes da maior permanência em obra, disponível in https://portal.oa.pt/media/131417/diogo-duarte-de-campos.pdf, fls. 98). Admitindo o legislador um verdadeiro reequilíbrio económico-financeiro do contrato potenciando que o co contraente seja colocada no ponto de equilíbrio que lhe era proporcionado pelo contrato inicial, “[c]omo contrapartida desse regime, o legislador estabeleceu um mecanismo particularmente exigente para que uma reclamação de reequilíbrio possa ser considerada pela entidade pública, impondo um conjunto de ónus ao empreiteiro que pretenda ver o seu contrato reequilibrado económica e financeiramente […]. Assim, o referido direito caduca se não for exercido no prazo de “30 dias a contar do evento que o constitua ou do momento em que o empreiteiro dele tome conhecimento”. Para esse efeito, o empreiteiro deverá reclamar os “danos correspondentes (…)”, mediante requerimento no qual “o empreiteiro deve expor os fundamentos de facto e de direito e oferecer os documentos ou outros meios de prova que considere convenientes”. […] Assim, em primeiro lugar, sobretudo em eventos continuados não é claro qual deva ser o momento essencial a ter em consideração para efeito do início de contagem dos 30 dias dir-se-á, naturalmente (até por uma questão de cautela), que se deverá contar desde o início do evento em causa, seja ele uma tempestade ou uma pandemia como se vive atualmente ou a instrução para executar uma diferente solução de projecto. Porém, a verdade é que, não raras vezes, é a continuação do evento que impõe um dano e não o evento por si só, pelo que seria totalmente desrazoável impor ao empreiteiro que, relativamente a todos os potenciais eventos, apresente uma reclamação, ainda que à cautela. Donde, em relação a eventos continuados, propendemos a considerar, ainda que com cautelas, que o momento relevante apenas poderá ser o final daquele. Com efeito, não é igual, por exemplo, o empreiteiro receber uma instrução que implica a olho nu uma maior onerosidade na execução dos trabalhos ou, por exemplo, o atual estado de pandemia que nem se sabe bem quando verdadeiramente começou e que tem efeitos cumulativos e, por isso, só se pode afirmar a existência de um dano com a continuação do evento. Por outro lado, também não é claro o significado normativo da exigência no sentido de que “o empreiteiro deve expor os fundamentos de facto e de direito e oferecer os documentos ou outros meios de prova que considere convenientes”. Se, por uma banda, deste segmento normativo se pode retirar uma exigência acrescida sobre o empreiteiro de fundamentação da sua reclamação, por outra banda, verdadeiramente, não se parece retirar que sobre o mesmo impenda uma exigência de, desde logo, contabilizar todos os seus danos, sendo admissível que o mesmo se limite a reservar os seus direitos (seja de extensão de prazo seja monetário). Com efeito, a lei ao impor expressamente que o empreiteiro apresente uma reclamação sobre os danos ainda que desconheça a extensão integral dos mesmos, não pode ao mesmo tempo impor que nessa reclamação, desde logo, se liquidem todos os danos que podem até ainda não ser conhecidos. Também nesse sentido aponta uma interpretação teleológica da norma, como facilmente se demonstra. o problema pressuposto pela norma prende-se, em geral, em não acumular eventos indemnizatórios na esfera jurídica do dono da obra. Como muito bem se compreende sem uma norma como aquela em análise, o dono da obra poderia ser confrontado, a final, com um conjunto de reclamações relativamente a eventos que não sabia suscetíveis de criar danos (e que por isso não documentou ou teve em especial consideração). ora, para responder ao problema pressuposto pela norma não se exige mais do que a descrição do concreto evento e das potenciais consequências, sejam monetárias sejam no prazo de execução do contrato, mas já nos parece excessivo a sua liquidação final (que pode até não ser possível). Acresce, por último, que a uma imposição maior sobre o empreiteiro implicaria, no fundo, negar-lhe o direito a ser ressarcido por potenciais danos por se terem de considerar caducos, o que significa sempre aceitar um enriquecimento do dono da obra.” (Diogo Duarte Campos e Joana Brandão, in “O reequilíbrio económico-financeiro dos contratos de empreitada decorrentes da maior permanência em obra, disponível in https://portal.oa.pt/media/131417/diogo-duarte-de-campos.pdf, fls. 99). Importa reter que a caducidade é uma forma de extinção de direitos (e dos correspondentes deveres) em consequência do seu não exercício durante um determinado período de tempo, implicando a extinção definitiva do direito (e do correlativo dever), que não subsiste, sequer, a título de obrigação natural. Neste contexto, importa reter que a Autora sustenta o seu direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato no facto de o prazo de execução ter sido prorrogado por 265 dias para lá do inicialmente estabelecido [cfr. Item L) do probatório], o que gerou maiores dificuldades na execução da empreitada e maior permanência em obra – com a suspensão dos trabalhos da empreitada entre 10 de Outubro de 2018 e 10 de Janeiro de 2019 – primeira suspensão – e entre 13 de Setembro de 2019 e 21 de Janeiro de 2020 – segunda suspensão. - tudo cfr. Itens E) a J) do probatório. Para efeitos de aferição do termo inicial do prazo de caducidade o legislador manda atender ao evento que constitui o direito, ou o momento em que o empreiteiro dele tome conhecimento. Considerando o probatório o primeiro evento que constitui o direito à reposição do equilíbrio financeiro ocorre 10 de Outubro de 2018, com a primeira suspensão dos trabalhos, que se mantém até 10 de Janeiro de 2019; já o segundo evento ocorre a 13 de Setembro de 2019, com a segunda suspensão dos trabalhos, que se mantém até 21 de Janeiro de 2020. Sem prejuízo de se aceitar que, em eventos continuados em que o elemento gerador do dano não é o evento per si mas sim a sua continuação, na asserção do termo inicial do prazo de caducidade se deva ponderar o momento em que se verifica que a continuação do evento é susceptível de impor o dano (ou, nos termos do Artigo 329.º do CC, o momento em que o direito pode legalmente ser exercido) ou, como notam os autores citados, “com cautela” o termo do evento, no caso dos autos, ainda que, por cautela se atente ao termo do evento, tanto para a primeira suspensão, como para a segunda suspensão, a 3 de Março de 2020 – data em que a Autora apresentou junto da Entidade Demandada um pedido de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, no valor de 386.756,13 euros, cfr. Item K) do probatório – já o prazo de 30 dias se havia esgotado. Com efeito, contados os 30 dias após o termo da primeira suspensão, o que se afigura é os 30 dias terminaram a 9 de Fevereiro de 2019; sendo que, já para a segunda suspensão, o prazo terminaria a 20 de Fevereiro de 2020. Assim, à luz do disposto no Artigo 354.º, n.º 2 e 3 do CCP apresentou a Autora em 3 de Março de 2020, além dos 30 dias contados desde 10 de Janeiro de 2019 [termo da primeira suspensão] e desde 21 de Janeiro de 2020 [termo da segunda suspensão], a reclamação na qual pretendia exercer o seu direito à reposição do equilíbrio financeiro. No entanto, nessa data o seu direito encontrava-se caduco. Procede, pois, a excepção de caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro invocada. * Relativamente ao pedido efetuado ao abrigo do regime do enriquecimento sem causa, conforme resulta do Artigo 474.º do Código Civil, este é um regime subsidiário ou residual, consagrando assim, aquela disposição legal, o chamado princípio da subsidiariedade daquele instituto em relação a outros meios específicos de tutela. O referido princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa deve ser interpretado na linha da sua articulação com um concorrente meio de tutela específico, visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio em causa e não de forma absoluta ou meramente genérica. Daí que se coloque, em princípio, o primado da tutela por via da acção de cumprimento, em detrimento do instituto do enriquecimento sem causa; e assim sendo, quando, no âmbito de uma acção de cumprimento não tiver sido reconhecido o direito a indemnização, não devido a carência de meio ou a obstáculo legal, mas sim ao facto de o Autor não ter utilizado aquele de forma eficiente – in casu, por não ter exercido o seu direito em tempo – não se mostra lícito que este lance mão do enriquecimento sem causa para a obtenção do mesmo efeito prático-jurídico – nesse sentido vide o Acórdão do STJ de 28/06/2018, p. 1567/11.3TVLSB.S2. Assim sendo, nada mais haverá que dizer quanto à causa de pedir subsidiária gizada pelo Autora na petição inicial; improcedendo, portanto, in totum, o pedido da Autora. O que se determinará infra (…)”. 14. Sintetizando a motivação de direito que se vem ora de transcrever, dir-se-á, para o que ora nos interessa, que o Tribunal recorrido considerou que o direito da Autora havia caducado por não ter sido exercido no prazo de 30 dias previsto no artigo 354.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos, tendo identificado como factos constitutivos da contagem dos referidos prazos o terminus dos períodos de suspensão das obras, estabelecendo como marcos temporais de caducidade o dia 9 de fevereiro de 2019 e o dia 20 de fevereiro de 2020, respetivamente para a primeira e segunda suspensões. 15. Em consequência, e considerando que o requerimento apenas foi apresentado em 3 de março de 2020, ou seja, em momento ulterior aos prazos legalmente estabelecidos, o Tribunal recorrido julgou improcedente não apenas o pedido principal, mas também o pedido subsidiário fundamentado no instituto do enriquecimento sem causa, atendendo à sua natureza subsidiária que impede a sua invocação nos casos em que o mecanismo primário de tutela jurisdicional não foi tempestivamente exercido pelo interessado. 16. Inconformada com esta decisão, a Autora veio dela interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo do Norte, concluindo as suas alegações no sentido da revogação da sentença recorrida e da baixa dos autos à primeira instância para apreciação dos pedidos formulados. 17. Em sede de alegações recursórias, a Recorrente argui a existência de erro de julgamento na douta sentença recorrida, por incorreta aplicação do direito aos factos e por assentar em pressupostos juridicamente inexatos, sustentando que o facto constitutivo do direito à reposição do equilíbrio financeiro não residiu na suspensão da empreitada, mas antes na prorrogação do prazo de execução por 265 dias, tendo o respetivo requerimento sido apresentado em 3 de março de 2020, em plena observância do prazo perentório de 30 dias, contados a partir do conhecimento do deferimento da prorrogação, ocorrido em 10 de fevereiro de 2020. 18. Aduz ainda a Recorrente que os eventos que conduziram à necessidade de prorrogação revestiram natureza continuada, tendo o próprio Recorrido, ao conceder a prorrogação a título de reposição do equilíbrio financeiro, reconhecido expressamente o direito invocado, cujo fundamento legal reside nos artigos 282.º, 314.º e 354.º do Código dos Contratos Públicos, acrescentando, quanto ao instituto do enriquecimento sem causa, que este, não obstante a sua natureza subsidiária, visa precisamente obstar ao locupletamento injustificado à custa alheia, pelo que deveria ter merecido adequada consideração por parte do Tribunal a quo. 19. A questão central a decidir por este Tribunal ad quem é, portanto, se ocorreu a caducidade do direito da Recorrente à reposição do equilíbrio financeiro do contrato e, em caso negativo, quais as consequências para o pedido subsidiário e para a tramitação processual subsequente. 20. A resposta a esta indagação é claramente favorável às pretensões da Recorrente. 21. Na verdade, a sentença recorrida fundamentou a caducidade do direito da Autora no disposto no artigo 354.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos, que estabelece o seguinte: “(…) O direito à reposição do equilíbrio financeiro previsto no número anterior caduca no prazo de 30 dias a contar do evento que o constitua ou do momento em que o empreiteiro dele tome conhecimento, sem que este apresente reclamação dos danos correspondentes nos termos do número seguinte, ainda que desconheça a extensão integral dos mesmos (…)”. 22. Na interpretação desta normação, deve-se sopesar que o prazo de 30 dias previsto no n.º 2 da normação supra transcrita é um prazo impositivo e certo para o exercício do direito de requerer a reposição do equilíbrio financeiro. 23. O que quer dizer, portanto, que tal direito deve ser exercido no prazo de 30 dias (i) a partir do evento que o constitua ou (ii) do momento em que o empreiteiro dele tome conhecimento, sem que este apresente reclamação dos danos correspondentes nos termos do número seguinte, ainda que desconheça a extensão integral dos mesmos. 24. Vale isto por dizer que, no caso de eventos que impõem um dano instantâneo, a contagem de tal prazo inicia-se aquando da consumação dos mesmos, atento o evidente nexo ligante danoso. 25. Já no caso dos eventos cujos danos resultem, não da sua verificação instantânea, mas antes da continuação dos mesmos, é nosso entendimento que a interpretação de que “o início da contagem do prazo de prescrição deve coincidir com a data de finalização dos referidos eventos” não se coaduna, perante as regras de interpretação jurídica, com a previsão de “dispensa de conhecimento da extensão integral dos danos do empreiteiro” aposta na parte final do n.º 2 do artigo 354.º do C.C.P. 26. Realmente, a dispensa do conhecimento da integralidade dos danos do empreiteiro serve, precisamente, o propósito de viabilização do exercício do direito versado logo após o conhecimento da afetação dos custos e encargos do empreiteiro, constituindo, por isso, o entendimento preconizado na decisão judicial um resultado não consentido pelo legislador. 27. Donde, em relação a eventos continuados, propendemos a considerar que o início da contagem do prazo de prescrição deve coincidir com momento que se iniciou a afetação dos encargos e custos do empreiteiro. 28. O Tribunal a quo, na sua interpretação, considerou que o "evento constitutivo" do direito à reposição do equilíbrio financeiro, para efeitos de aplicação do prazo perentório previsto no artigo 354.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos, consubstanciava-se no terminus dos períodos de suspensão dos trabalhos, tendo estabelecido como marcos temporais relevantes o dia 10 de janeiro de 2019 para a primeira suspensão e o dia 21 de janeiro de 2020 para a segunda suspensão. 29. Destarte, considerando que os prazos de 30 dias para apresentação da respetiva reclamação expiraram, respetivamente, a 9 de fevereiro de 2019 e a 20 de fevereiro de 2020, e verificando-se que a reclamação apenas foi apresentada em 3 de março de 2020, o Tribunal a quo concluiu, em conformidade com os preceitos legais aplicáveis, pela verificação da caducidade do direito invocado pela parte reclamante. 30. Salvo o devido respeito, não acompanhamos esta posição. 31. De facto, examinado o probatório coligido, verifica-se que dimana claramente do mesmo que o pedido de reposição do equilíbrio financeiro no montante de 386.756,13 € foi formalmente apresentado em 3 de março de 2020, fundamentando-se na prorrogação do prazo da execução da empreitada por 265 dias [cfr. alínea L)]. 32. Este facto [a prorrogação do prazo e a consequente obrigação de suportar custos por mais tempo] é a causa direta e imediata da maior onerosidade que a Recorrente pretende ver compensada. 33. Embora as suspensões e outros fatores [infraestruturas não cadastradas, alterações de projeto, etc.] tenham sido a causa remota que justificou a necessidade da prorrogação, a causa próxima e determinante do pedido de reequilíbrio financeiro formulado é a prorrogação do prazo em si mesma e os custos inerentes à manutenção da estrutura da empreitada durante esse período adicional. 34. Da análise criteriosa dos factos provados, resulta inequívoco que a Recorrente apenas tomou conhecimento do deferimento da prorrogação do prazo em 10 de fevereiro de 2020, conforme evidenciado na alínea N) da matéria factual fixada. 35. Por conseguinte, o prazo de 30 dias estatuído no artigo 354.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos para a apresentação da reclamação apenas se completaria em 11 de março de 2020, pelo que, tendo a mesma sido formalizada em 3 de março de 2020, afigura-se manifestamente tempestiva. 36. A exegese adotada na sentença recorrida, ao determinar como dies a quo o termo dos períodos de suspensão, seria adequada se a reclamação da Recorrente se limitasse a peticionar custos relacionados diretamente e exclusivamente com os períodos de suspensão [como, por exemplo, custos de paragem ou mobilização/desmobilização]. 37. Contudo, o pedido de reposição do equilíbrio financeiro em causa tem como fundamento e causa de pedir principal os sobrecustos decorrentes da prorrogação do prazo total da empreitada, a qual, embora desencadeada por diversos fatores [incluindo suspensões], foi formalmente concedida pelo Réu como uma medida de reequilíbrio. 38. Nestas circunstâncias, o "evento" relevante para o início da contagem do prazo de caducidade para esta específica pretensão é o conhecimento da prorrogação legal do prazo. 39. Assim, impõe-se concluir que a Recorrente exerceu o seu direito à reclamação de reposição do equilíbrio financeiro dentro do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do deferimento da prorrogação do prazo, nos termos do disposto no artigo 354.º, n.º 2 do CCP. 40. Deste modo, não sendo este o caminho trilhado na sentença recorrida, impõe-se reconhecer que esta não fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal aplicável, sendo, portanto, merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige no particular conspecto em análise. 41. Assim, por tudo o quanto se vem de expor, ressuma evidente que devem os autos baixar à primeira instância para que aí se proceda ao regular julgamento da causa, apreciando-se o mérito do pedido principal de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, incluindo a verificação dos respetivos pressupostos e a quantificação dos sobrecustos reclamados, e, subsidiariamente, o pedido de enriquecimento sem causa, caso o primeiro não proceda. 42. Ao que se proverá no dispositivo. * * IV – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice”, e, em consequência: (i) Revogar a douta sentença recorrida; (ii) Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato invocada pelo Recorrido. (iii) Ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para que se proceda à sua normal tramitação e à apreciação do mérito dos pedidos principal e subsidiário formulados pela Autora. Custas pelo Recorrido. Registe e Notifique-se. * * Porto, 9 de maio de 2025, Ricardo de Oliveira e Sousa Tiago Afonso Lopes de Miranda Clara Ambrósio |