Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02327/14.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/28/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:IVA; DEDUTIBILIDADE;FINALIDADE;
ACTIVIDADE SOCIEDADE;
NEXO ENTRE O SERVIÇO ADQUIRIDO (INPUT) E A EVENTUAL EXISTÊNCIA DE OUTPUT TRIBUTADO;
Sumário:
I. É ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar.

II. A AT pode exigir ao próprio contribuinte as provas que considere necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada.

III. A possibilidade de deduzir IVA também se afere pela finalidade empresarial do input, não tendo o gasto, necessariamente, de redundar em proveitos, e como tal ter reflexos positivos na contabilidade.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1 – RELATÓRIO
A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 4.11.2019 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...] S.A. contra a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado nº ...33, referente ao período 1012T, no montante total a pagar de €10.458,00 e correspondente liquidação de juros compensatórios nº ...34 no montante de €1.314,56, perfazendo o total de €11.772,56.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IVA nº ...33 respeitante ao quarto trimestre de 2010, no valor de € 10.458,00 e correspondente liquidação de juros compensatórios nº ...34 no montante de € 1.314,56, determinando a sua anulação, com a consequente restituição do imposto pago pela Impugnante, acrescido dos juros indemnizatórios devidos.
B. A sentença deu como provados, entre outros os seguintes factos:
“1. A impugnante é uma sociedade anónima inscrita para o exercício da actividade de "OLIVICULTURA' (CAE 1261) - cfr. acordo e página 2 do Relatório de Inspecção Tributária a fls. 91 dos autos.
2. A impugnante é proprietária e exploradora de uma propriedade denominada de Herdade A, situada no concelho ..., no distrito ..., na qual exerce a sua actividade principal de produção e venda de azeite - cfr. acordo e página 2 do Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 91 dos autos.
3. Sob a ordem de serviço nº ...07 de 17.01.2012, com vista à apreciação do enquadramento tributário relacionado com os serviços adquiridos de avaliação da propriedade Herdade A foi realizada à impugnante acção de inspecção externa para o exercício de 2010- cfr. página 1 do RIT a fls. 90 dos autos.
5.No Relatório da Inspecção Tributária consta, designadamente, o seguinte:
(…) Em função do que se referiu, questiona-se o motivo pelo qual o gasto com a realização da avaliação da Herdade A a que se refere a factura n º 287 de 2010/12/10 emitida por [SCom02...] LDA, NIF ...62, foi suportada, paga e considerada como gasto pelo sujeito passivo, o qual deduziu igualmente o valor do IVA mencionado naquela factura”(…)
7. A 27.3.2009, foi dirigido ao “Grupo ..., Exmo. Sr. «AA»” pela [SCom03...], Lda. uma carta com assunto “Herdades no Alentejo”, com o seguinte teor: “Exmo. Senhor, Após visita às vossas herdades abaixo identificadas, vimos por este meio apresentar o nosso interesse na compra das mesmas e saber qual o valor pedido por cada herdade. - Herdade B no distrito .... - Herdade C no distrito .... - [SCom01...] no distrito .... Sem outro assunto de momento, (…)” – cfr. carta a fls. 55 v do PA
C. A questão decidenda consiste em saber se a impugnante poderia ter deduzido, como deduziu, o IVA no valor de € 10.458,00 contido na fatura n º 287 de 20-12-2010 emitida por [SCom02...] Lda. referente à avaliação da Herdade A.
D. A sentença recorrida decidiu que a impugnante provou a existência de relação entre a despesa com a avaliação em causa e a sua atividade para efeitos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, dando procedência ao argumento aduzido relacionado com a existência de investidores interessados na aquisição da Herdade ou em investir na mesma;
E. Concluindo então que “Deste modo, a circunstância de a carta em questão ser dirigida à [SCom04...], não afasta de todo a possibilidade de uma eventual transacção por intermédio da sociedade de mediação imobiliária em questão poder ter sido realizada directamente através da impugnante. Note-se que, detendo a [SCom04...] a maioria do capital da impugnante, poderia facilmente redireccionar o negócio para a esfera desta.” (…). Em primeiro lugar (…) a impugnante invocou ter sido abordada por terceiros no sentido de investir ou adquirir a Herdade ou parte da mesma. Assim, uma eventual transacção relativa à Herdade não passaria necessariamente pela alienação da totalidade dos activos da impugnante. Em segundo lugar, mesmo que a impugnante vendesse “toda” a Herdade, o certo é que tal não determinaria o esvaziamento do objecto social da impugnante, pois esta poderia adquirir outras herdades com o mesmo propósito ou mesmo adquirir outro tipo de activos, ampliando o seu objecto social. Acresce que, conforme resulta da factualidade dada como assente (cfr. facto 8), a impugnante à data dos factos dos autos foi abordada por investidores para a compra da Herdade, pelo que sempre seria de dar como válida a razão justificativa mencionada no ponto i) supra.
(…) Ora, o recurso ao crédito é uma opção de gestão que é frequentemente ponderada pelas empresas. Assim, mesmo que a impugnante não tenha abordado entidades bancárias no sentido de contrair um empréstimo, numa óptica de gestão, uma vez que poderia, a qualquer momento, ser equacionada essa hipótese, é legítimo que a impugnante pretendesse estar munida dos elementos que considerasse necessários para o efeito, designadamente, no seu entender, a avaliação em causa nos autos.
Ora, o facto de a avaliação não ser elemento “suficiente” para contrair um empréstimo, não significa que não seja um elemento útil para o efeito, podendo servir de complemento aos documentos contabilísticos da impugnante, na medida em que na mesma consta o valor de mercado da Herdade, não espelhado no balanço da impugnante, já que a mesma foi registada ao custo histórico.
Deste modo, tem de ser considerar como válida também esta razão justificativa apresentada pela impugnante para contratação do serviço em causa nos autos. “
F. A decisão em recurso concluiu então “Ficou, portanto, demonstrado que a avaliação em apreço teve subjacente duas razões justificativas - (i) a possibilidade de investimento na herdade ou aquisição da mesma, na totalidade ou em parte, e (ii) a possibilidade de a mesma ser apresentada a credores e entidades bancárias pela impugnante para demonstração do valor de mercado da herdade. A impugnante logrou, portanto, demonstrar como era seu ónus (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), a existência de relação entre a despesa com a avaliação em causa e a sua actividade para efeitos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.”
G. A Fazenda Pública não se conforma com a decisão, por entender que a sentença em recurso, aderindo à tese sufragada pela Impugnante, permite a dedutibilidade do IVA contido na fatura, com base em suposições, hipóteses ou fins que a avaliação da herdade, cujo documento consta dos autos, poderá teoricamente, vir a servir.
H. Contudo, e recordando aqui a razão desta correção e que consta do RIT transcrito no ponto 5 do probatório: “Da mesma forma uma vez que aquela despesa com a avaliação da Herdade A não contribuiu para a realização das operações revistas no n ° 1 do artigo 20° do Código do IVA, incluindo a realização de "transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas', não é aceite nos termos daquele normativo, a dedução do IVA no valor de 10 458,00 euros mencionado na factura n º 287 de 2010/12/10 emitida por [SCom02...] Lda, NIF ...62.”
I. A alínea a) do nº.1 do art.º 20º do CIVA reconhece o direito à dedução do IVA suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o exercício da atividade do sujeito passivo de imposto.
J. Trata-se, portanto, de “inputs” para fins empresariais,
K. Não preenchem esta condição os bens ou serviços que, de forma habitual, se destinem alternadamente a atividades económicas e a outras atividades distintas, os bens ou serviços que sejam utilizados simultaneamente para atividades económicas e para fins privados, os bens que não estejam integrados nos bens da empresa, bem como os bens destinados a fins privados do sujeito passivo, dos seus familiares ou empregados como resulta do disposto nos artigos 20º e 21º do CIVA.
L. Como resultou provado a sociedade impugnante é proprietária da propriedade denominada Herdade A, onde exerce a atividade de olivicultura.
M. A Recorrida não demonstrou que a avaliação da propriedade, teve qualquer reflexo na contabilidade para além de ter aumentado os custos fiscais para efeitos de IRC com reflexos no que ao IVA concerne.
N. De acordo com a análise exaustiva de todas as justificações apresentada no âmbito do procedimento de inspeção, para a contratação do serviço de avaliação da Herdade A, o gasto suportado com a avaliação da propriedade, não serviu a atividade desenvolvida pela impugnante, não teve qualquer reflexo na sua produtividade ou no custo/preço dos produtos que produz e comercializa
O. A prova documental apresentada, reunida no processo administrativo de impugnação revelou que o propósito daquele gasto, serviu não a atividade da impugnante, mas a atividade dos acionistas do Grupo ..., como a seguir se descreve:
O documento referido no ponto 7 do probatório foi dirigido ao Grupo ... e ao seu Presidente, Sr. «AA».
No documento em questão, a Sociedade de Mediação Imobiliária manifestou interesse na compra não só da “[SCom01...], no distrito ...”, mas também noutras herdades, pertencentes a outras sociedades comerciais, do Grupo económico a quem a carta foi dirigida([SCom04...]).
A proposta de honorários datada de 25-02-2010 apresentada pela sociedade de mediação imobiliária (folhas 59) e sua aceitação (folhas 60), documentos de folhas 58 a 60 verso do Processo administrativo de impugnação, foram trocadas entre o Grupo ... e a mediadora Imobiliária, e referindo sempre como objeto de estudo os diferentes patrimónios agrícolas do Grupo ....
P. Donde se deverá depreender, em nosso entendimento, e ao contrário do que entendeu a decisão em recurso, que a avaliação da Herdade A, foi encomendada por e no interesse dos acionistas do Grupo ....
Q. O resultado dessa avaliação encontra-se enquadrado numa eventual transação entre os detentores e os potenciais compradores do capital da impugnante e não numa transação a realizar diretamente por esta.
R. Repare-se que, da própria resposta da Impugnante à notificação dos SIT se retira qual foi o objetivo desta avaliação folhas 58- 58 V do processo administrativo de impugnação, no Ponto 3.2 (resultado da avaliação) “ O objetivo desta avaliação era obter por uma entidade terceira, uma avaliação que permitisse conferir o valor global do património (…) O que efetivamente interessava era obter um valor global do património por forma a que, caso aparecesse uma oferta de compra, os accionistas tivessem uma noção do valor da empresa. (…)” e ainda “(…) veio permitir aos accionistas terem uma referencia do valor global do património. Valor esse que o SROC veio a considerar para a avaliação do valor das acções da «AA»”.
S. A douta sentença em recurso, ao apreciar esta questão referiu “ (…) apesar de a impugnante ter afirmado em sede de inspecção que o objectivo da avaliação era de que "caso aparecesse uma oferta de compra, os accionistas tivessem uma noção do valor da empresa", o certo é que os investimentos ou aquisições de activos que sejam detidos por uma pessoa colectiva, poderão ser à partida sempre realizados através de duas formas alternativas: (i) directamente através da sociedade detentora dos activos ou (ii) indirectamente através da aquisição das participações de tal sociedade aos seus sócios. e
T. “Não resultando dos autos qualquer especificidade no negócio da impugnante que obstasse a que um eventual investimento/aquisição da Herdade ou parte desta pudesse ser realizado directamente pela impugnante (e não através dos seus accionistas), e, conforme referido, podendo este tipo de transacções ser realizado das duas enunciadas formas, tem se se concluir que a hipótese de investimento/aquisição direta era à data dos factos em causa equacionada pela impugnante.” Ora,
U. A finalidade da avaliação da propriedade, conforme informado pela impugnante, visou a satisfação de interesses dos seus acionistas e não da impugnante.
V. Assim, entende a Fazenda Pública não poder esse gasto, relevar para efeitos fiscais, porquanto da prova documental que consta dos autos resulta que o gasto serviu, não as motivações empresariais, mas motivações alheias ao interesse empresarial da sociedade.
W. Neste sentido, v.g. Rui Duarte Morais: "Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável." (cfr. "Apontamentos de IRC", Edições Almedina, 2009).
X. Acresce ainda que na sentença em recurso, o Tribunal considerou que “mesmo que a impugnante não tenha abordado entidades bancárias no sentido de contrair um empréstimo, numa óptica de gestão, uma vez que poderia, a qualquer momento, ser equacionada essa hipótese, é legítimo que a impugnante pretendesse estar munida dos elementos que considerasse necessários para o efeito, designadamente, no seu entender, a avaliação em causa nos autos. (…) o facto de a avaliação não ser elemento “suficiente” para contrair um empréstimo, não significa que não seja um elemento útil para o efeito, podendo servir de complemento aos documentos contabilísticos da impugnante, na medida em que na mesma consta o valor de mercado da Herdade, não espelhado no balanço da impugnante, já que a mesma foi registada ao custo histórico. Deste modo, tem de ser considerar como válida também esta razão justificativa apresentada pela impugnante para contratação do serviço em causa nos autos.”
Y. Mais uma vez não concordamos com a decisão recorrida, pelas razões já aduzidas, em sede de contestação e alegações, (e que a douta sentença considerou como insuficientes) e que se resumem no facto de a avaliação a que concerne a fatura em questão nos autos, ser absolutamente inócua para a obtenção de empréstimo, junto de qualquer entidade bancária.
Z. Pois só assim não seria caso a Impugnante tivesse relevado o valor da avaliação na contabilidade, o que, como resulta da sentença em recurso, não sucedeu.
AA. Pelo supra exposto entende a Fazenda Pública, sempre com o devido respeito, que a decisão em recurso padece de erro de julgamento da matéria de facto, o que conduziu a um erro de julgamento de direito, concretamente quanto ao estatuído no art.º 20º nº 1 alínea a) do CIVA.
Termos em, deve ser dado provimento ao presente recurso e a douta sentença revogada.”

A Recorrida apresentou contra-alegações do recurso interposto, sustentando a rejeição do recurso interposto, na medida em que a Recorrente não cumpriu o ónus de impugnação dos concretos pontos de facto que lhe era exigido.
Ademais, defende que bem andou o Tribunal de 1ª instância a concluir pela dedutibilidade do IVA suportado na aquisição dos serviços de avaliação da Herdade A.
Por último, e subsidiariamente, deduz ampliação do objecto do recurso, defendendo que deverá ser dado como comprovada a terceira razão justificativa de que a avaliação era determinante para que num primeiro momento a Recorrida pudesse avaliar da aplicação do método do justo valor como critério de mensuração da Herdade A.
O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos ao abrigo do disposto no artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

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Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir i) da rejeição do recurso ii) se o Tribunal a quo errou ao considerar que a Recorrida poderia ter deduzido, como deduziu, o IVA no valor de €10.458,00 contido na fatura nº 287 de 20.12.2010, emitida por [SCom02...] Lda. referente à avaliação da Herdade A, e, no caso de se conceder provimento ao recurso interposto, apreciar a sua ampliação e decidir iii) da ampliação da matéria de facto e da consideração de tal facto na decisão a proferir.

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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz:
“Factos Provados:
1. A impugnante é uma sociedade anónima inscrita para o exercício da actividade de "OLIVICULTURA' (CAE 1261) - cfr. acordo e página 2 do Relatório de Inspecção Tributária a fls. 91 dos autos.
2. A impugnante é proprietária e exploradora de uma propriedade denominada de Herdade A, situada no concelho ..., no distrito ..., na qual exerce a sua actividade principal de produção e venda de azeite - cfr. acordo e página 2 do Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 91 dos autos.
3. Sob a ordem de serviço nº ...07 de 17.01.2012, com vista à apreciação do enquadramento tributário relacionado com os serviços adquiridos de avaliação da propriedade Herdade A foi realizada à impugnante acção de inspecção externa para o exercício de 2010- cfr. página 1 do RIT a fls. 90 dos autos.
4. Através do ofício nº 23414/0510, de 11.04.2014, foi comunicado à impugnante o relatório da IT- cfr. ofício a fls. 45 do processo administrativo (PA) e relatório a fls. 22 a 44 do PA.
5. No Relatório da Inspecção Tributária consta, designadamente, o seguinte:
- “Na resposta, o sujeito passivo veio a referir o seguinte:
"A [SCom01...], desde 2009, tem vindo a ser abordada por investidores interessados quer em investir, quer em adquirir a mesma. Estas circunstâncias exigiram assim que a [SCom01...] solicitasse à «[SCom02...], Lda» que efectuasse a avaliação do seu património, de modo a que a mesma dispusesse de uma avaliação mais próxima do seu real valor, até porque na realidade, ao longo da sua existência, ainda não havia sido sujeita a qualquer avaliação.
Por outro lado, em 13 de Julho de 2009 foi aprovado pelo DL 158/2009, o Sistema de Normalização Contabilística (doravante SNC), que veio revogar o Plano Oficial de Contabilidade e instituir um sistema contabilístico mais centrado na qualidade da informação prestada aos investidores
Nesse sentido, a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 7 (Activos Fixos Tangíveis) veio definir o Justo valor como critério mais adequado para avaliar os activos fixos tangíveis das empresas Deste modo basta atentar nos parágrafos 16 a 42 da referida norma e, muito em particular, no seu parágrafo 32, segundo o qual «o justo valor de terrenos e edifícios deve ser determinado a partir de provas com base no mercado por avaliação que deverá ser realizada por avaliadores profissionalmente qualificados e independentes»
Concluindo, nos termos do SNC, as empresas deveriam preferencialmente utilizar o método do justo valor na avaliação dos seus activos tangíveis. que se materializaria em avaliações levadas a cabo por avaliadores qualificados e independentes, tal como a «[SCom02...] Lda». Todavia, por razões diversas, a [SCom01...] acabou por utilizar o método alternativo para efectuar a avaliação do seu património
Acresce que em 2010, verificou-se a transacção de um grande numero de acções da [SCom01...], tendo o revisor, por forma a validar os preços praticados, solicitado uma avaliação externa do valor da sociedade. Entre outras, estas foram as principais razões que levaram a [SCom01...] a solicitar a avaliação aqui em causa" – cfr. página 7 do Relatório da IT;
- “3.1.1 - ENQUADRAMENTO TRIBUTÁRIO DA SITUAÇÃO
De forma resumida, verifica-se que o sujeito passivo apresentou três ordens de grandeza para a realização do gasto a que se refere a factura n ° 287 de 2010/12/10 emitida por [SCom02...] LDA, NIF ...62
a) Razões ligadas às alterações na normalização contabilística;
b) Razões ligadas a sondagens por parte de potenciais interessados em investir ou adquirir a propriedade "Herdade A";
c) Razões ligadas à transacção, em 2010, de acções do sujeito passivo, tendo sido necessário validar o preço pelo qual aquelas acções foram transaccionadas.
No entanto, na resposta a notificação realizada em 2014/01/08, o sujeito passivo veio afirmar que o valor da avaliação foi considerado “para a avaliação do valor das acções da «AA»"” – cfr. página 11 do Relatório da IT;
-“Finalmente, é de referir que o sujeito passivo aplicou o modelo do justo valor na mensuração dos activos biológicos de produção que se encontravam incorporados na propriedade objecto de avaliação pela [SCom02...] LDA, NIF ...62
Deste modo, se como refere o sujeito passivo, “o objectivo desta avaliação era o de obter, por uma entidade terceira, uma avaliação que permitisse conferir o valor global do património, não tendo, por isso, sido apresentadas quaisquer exigências de critérios de avaliação por parte da Empresa, nomeadamente por áreas de produção ou equipamentos", então a avaliação realizada não parece adequada para o objectivo de aplicar o modelo de revalorização previsto nos parágrafos 31 a 42 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 7 já que, para tal, seria necessário avaliar exclusivamente os activos fixos tangíveis, excluindo o valor dos activos biológicos de produção que se encontravam incorporados no terreno De facto, como refere a alínea b) do parágrafo 3 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 7. esta norma não se aplica a "activos biológicos relacionados com a actividade agrícola (ver NCRF 17 – Agricultura)”. Ora, na resposta do sujeito passivo fica claro que o objectivo era realizar uma "avaliação que permitisse conferir o valor global do património", não apenas avaliar os activos fixos tangíveis para efeitos da aplicação do modelo da revalorização, já que, como se referiu, isso implicaria avaliar separadamente os activos biológicos de produção, o que não foi feito.” – cfr. páginas 13 e 14 do Relatório da IT;
-“Em segundo lugar, o sujeito passivo argumentou que "a [SCom01...], desde 2009, tem vindo a ser abordada por investidores interessados quer em investir, quer em adquirir a mesma" tendo juntado, nomeadamente, uma comunicação datada de 2009/03/27 emitida por [SCom03...], Lda, na qual esta sociedade vem apresentar o interesse na compra e solicitar a informação sobre o preço pedido por diversas herdades no Alentejo, incluindo a "[SCom01...]”.
Tal comunicação encontra-se dirigida ao “Grupo ..., Exmo Sr «AA»". – cfr. página 14 do Relatório da IT;
- “Ora de acordo com o que atrás se referiu:
- Não ficou demonstrado o argumento do sujeito passivo de que a avaliação realizada pela [SCom02...] LDA, NIF .... esteve relacionada com razões ligadas ás alterações na normalização contabilística. nomeadamente, com a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística em 2010/01/01
- Quanto à existência de sondagens por parte de potenciais interessados em investir ou adquirir a propriedade "Herdade A", o sujeito passivo veio referir que o objectivo da avaliação era de que "caso aparecesse uma oferta de compra, os accionistas tivessem uma noção do valor da empresa", pelo que se conclui que o resultado da avaliação se encontra enquadrado numa eventual transacção entre os detentores e os potenciais compradores do capital do sujeito passivo e não numa eventual transacção a realizar directamente por este, já que, sendo a actividade do sujeito passivo a exploração da Herdade A, sem este património a sociedade não conseguiria prosseguir a sua actividade e o seu objecto social ficaria esvaziado;
- Dos argumentos apresentados pelo sujeito passivo, apenas concordamos com o que estabelece a ligação entre aquela avaliação e a transacção, em Abril de 2010, de acções representativas do seu capital social. Contudo. como se referiu, não existem dúvidas de que aquela avaliação se reporta a transacções realizadas entre «BB», NIF ...61..., «CC», NIF ...16..., «DD», NIF ...08 e «EE», NIF ...84..., por um lado, e a sociedade [SCom04...] SGPS, SA, NIF ...26, por outro, tendo por objecto acções do sujeito passivo.
Deste modo, apenas se confirmou que a avaliação levada a cabo pela [SCom02...] LDA, NIF ...62, se inseriu no âmbito da avaliação do valor da [SCom01...], SA, a qual visava a validação dos preços praticados na transacção de acções representativas do seu capital social em Abril de 2010. Assim sendo, conclui-se que a relação entre esta operação e o sujeito passivo apenas existe porque a transacção envolveu a transmissão do seu capital social
Em função do que se referiu, questiona-se o motivo pelo qual o gasto com a realização da avaliação da Herdade A a que se refere a factura n º 287 de 2010/12/10 emitida por [SCom02...] LDA, NIF ...62, foi suportada, paga e considerada como gasto pelo sujeito passivo, o qual deduziu igualmente o valor do IVA mencionado naquela factura. De facto, se a avaliação em causa se inseria no âmbito da avaliação do valor da [SCom01...], SA, a qual visava a validação dos preços praticados na transacção de acções representativas do seu capital social em Abril de 2010, não se estabelece qualquer relação entre este gasto e o escopo societário e a actividade exercida por aquela sociedade, devendo, ao invés, ser suportado pelas entidades intervenientes naquelas transacções
Assim sendo, pela falta de relação entre a despesa com a avaliação em causa e a actividade do sujeito passivo, conclui-se que a mesma não é aceite fiscalmente como gasto, nos termos do n º 1 do artigo 23º do Código do IRC, por não ser indispensável à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Deste modo, não é aceite fiscalmente como gasto, nos termos do n º 1 do artigo 23º do Código do IRC, no ano 2011, o gasto no valor de 49 800 euros a que se refere a factura n º 287 de 2010/12/10 emitida por [SCom02...] LDA NIF ...62.
Da mesma forma uma vez que aquela despesa com a avaliação da Herdade A não contribuiu para a realização das operações previstas no n ° 1 do artigo 20° do Código do IVA, incluindo a realização de "transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas', não é aceite nos termos daquele normativo, a dedução do IVA no valor de 10 458,00 euros mencionado na factura n º 287 de 2010/12/10 emitida por [SCom02...] LDA, NIF ...62 A dedução em causa ocorreu no quarto trimestre de 2010. – cfr. 18 a 20 do Relatório da IT;
- “IV DIREITO DE AUDIÇÃO
O sujeito passivo foi notificado em 2014/03/10 (3° dia após a data de registo nos CTT, a qual ocorreu em 2014103107), através do ofício n º ...600/0510 de 2014/03/07, do teor do projecto de relatório elaborado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 60° da Lei Geral Tributária e artigo 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária
Em resposta ao ofício mencionado no parágrafo anterior, deu entrada nesta Direcção de Finanças, em 2014/04/04, uma exposição do sujeito passivo na qual este refere que decidiu "proceder à regularização voluntária a situação tributária relacionada com o "subsídio ao investimento a incluir no lucro tributável" no valor de 3 965.17 euros", acrescentando porém que "relativamente às demais correcções. a Empresa irá oportunamente e nos termos e prazos legais, proceder à sua contestação" – cfr. página 40 do RIT.
6. Foram emitidas a liquidação de IVA n.º ...33, referente ao período 1012T, no montante total a pagar de € 10.458,00 e a correspondente liquidação de juros compensatórios n.º ...34 no montante de € 1.314,56, ambas com data limite de pagamento voluntário de 30.06.2014 – cfr. notas de liquidação a fls. 18 e 19 do PA.
7. A 27.3.2009, foi dirigido ao “Grupo ..., Exmo. Sr. «AA»” pela [SCom03...], Lda. uma carta com assunto “Herdades no Alentejo”, com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor,
Após visita às vossas herdades abaixo identificadas, vimos por este meio apresentar o nosso interesse na compra das mesmas e saber qual o valor pedido por cada herdade.
- Herdade B no distrito ....
- Herdade C no distrito ....
- [SCom01...] no distrito ....
Sem outro assunto de momento, (…)” – cfr. carta a fls. 55 v do PA
8. A impugnante recebeu em 2010 e continua a receber propostas de investidores para aquisição da Herdade A.
9. A impugnante pagou o valor de imposto referente às liquidações mencionadas no facto 6 - cfr. informação sobre a tramitação do processo a fls. 20 do PA.
Factos não Provados:
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos, bem como nos documentos apresentados pela impugnante, conforme se indicou ao longo dos factos considerados provados, sendo que relativamente ao facto 8, a convicção do Tribunal baseou-se na prova testemunhal produzida, conforme se explicitará infra.
«FF», contabilista certificado da sociedade [SCom04...] SGPS, S.A., sociedade accionista maioritária da impugnante, referiu a existência de potenciais compradores da Herdade A à data dos factos em causa nos autos e que a impugnante equaciona ainda vendê-la, sendo que se tal suceder a avaliação efectuada servirá como um dado de partida.
A segunda testemunha arrolada, «GG», contabilista certificado da impugnante, afirmou igualmente que à data dos factos dos autos estavam a aparecer efectivamente propostas de compra da Herdade A ou de parte da mesma, concretizando que as propostas eram dirigidas à compra do activo em que se traduz a Herdade e não das partes sociais da impugnante.
«FF» e «GG» depuseram de forma credível, revelando conhecimento da factualidade em causa, em virtude do exercício de funções como contabilistas certificados junto da [SCom04...] SGPS, S.A. e da impugnante, respectivamente.
Face ao exposto, considerou-se provado que a impugnante recebeu em 2010 e continua a receber propostas de investidores para aquisição da Herdade A (cfr. facto 8).
Quanto ao mais, o depoimento das testemunhas incidiu sobre juízos opinativos ou sobre factualidade não controvertida, pelo que não relevou para a formação da convicção do Tribunal”


2.3. Aditamento oficioso à fundamentação de facto:
Dispondo os autos dos elementos probatórios para o efeito indispensáveis e ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, afigura-se-nos alterar a decisão sobre a matéria de facto assente, proferida em 1ª instância, considerando-se relevante fazer constar da mesma os seguintes factos:

2.1. Em 15.02.2010 a sociedade [SCom02...], Lda. remeteu a [SCom04...] missiva com o seguinte teor: “(…) Em função das conversações mantidas e em resposta ao Vosso Convite para apresentar-mos uma proposta de honorários para a realização da Avaliação dos patrimónios de carácter agrícola das diversas sociedades por V/Exas. Detido direta ou indiretamente, somos a informar que o nosso melhor orçamento e dada a complexidade em causa é cobrar 1,25% (…) do valor apurado para efeitos comerciais por propriedade, acrescido de IVA à taxa em vigor. (…)” – cfr. verso de fls. 60 do processo administrativo junto aos autos.
2.2. Em 25.02.2010,a [SCom04...], SA, remeteu à [SCom02...], Lda. missiva de onde decorre entre o mais o seguinte: “(…) Após uma análise pormenorizada à vossa proposta, sugerimos as seguintes alterações (…)
- 1% sobre o valor apurado, por propriedade, acrescido do IVA à taxa em vigor. (…)” – cfr. fls. 60 do processo administrativo junto aos autos.
2.3. Em 1.03.2010, a sociedade [SCom02...], Lda. remeteu a [SCom04...] missiva com o seguinte teor: “(…) Em resposta à Vossa contraproposta de honorários e na sequência do vosso convite para a realização da Avaliação dos Patrimónios de carácter agrícola das diversas sociedades por V/Exa detido direta ou indiretamente, somos a informar que estamos de acordo e aceitamos dar início a tais trabalhos, cobrando somente o correspondente a 1% (…) acrescido de IVA (…)”. – cfr. verso de fls. 59 do processo administrativo junto aos autos.
2.4. A sociedade [SCom02...], Lda., elaborou relatório de avaliação da Herdade A, atribuindo-lhe o valor comercial de €4.980.000,00 - cfr. fls. 69 a 72 do processo administrativo junto aos autos.
2.5. A sociedade [SCom02...], Lda. emitiu em 10.12.2010 em nome de Agro Pecuária de Almargães, SA a factura n.º 287, no montante de €49.800,00, sob que recaiu IVA no montante de €10.458,00, daí decorrendo a seguinte descrição “Avaliação Herdade A” – cfr. fls. 49 do processo administrativo junto aos autos.

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2.4 – O direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...] S.A. contra a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado nº ...33, referente ao período 1012T, no montante total a pagar de €10.458,00 e correspondente liquidação de juros compensatórios nº ...34, no montante de €1.314,56.

2.4.1. Da rejeição do recurso

A Recorrida apresentou contra-alegações do recurso interposto, sustentando a rejeição do recurso, na medida em que, considera que a Recorrente não cumpriu o ónus de impugnação dos concretos pontos de facto que lhe era exigido.
No entanto, e sem longas considerações, consideramos que a Recorrente não vem impugnar a matéria de facto assente, mas tão só discordar da decisão do Tribunal a quo, por sustentar que da prova carreada para os autos resulta que o gasto serviu, não as motivações empresariais, mas motivações alheias ao interesse empresarial da recorrida.
Com efeito, consideramos que as alegações apresentadas no presente recurso contendem com a matéria de facto assente e não com os concretos factos fixados e sua impugnação, pois a posição manifestada pela Recorrente é a errada conclusão extraída pelo Tribunal a quo relativamente aos factos fixados e consequente erro de direito.
Pelo exposto, não é de rejeitar o presente recurso por falta de impugnação devida da matéria de facto assente pelo Tribunal a quo, na medida em que esta não vem impugnada nos termos invocados pela Recorrida.

2.4.2. Do erro de julgamento

O Tribunal a quo considerou que tendo sido demonstrado que a despesa com a avaliação da Herdade A teve subjacente duas razões justificativas (i) a possibilidade de investimento na herdade ou aquisição da mesma, na totalidade ou em parte, e (ii) a possibilidade de a mesma ser apresentada a credores e entidades bancárias pela impugnante para demonstração do valor de mercado da herdade, o IVA é dedutível.A Recorrente, no entanto, vem defender que a ora Recorrida não logrou demonstrar que a avaliação da propriedade teve qualquer reflexo na contabilidade para além de ter aumentado os custos fiscais para efeitos de IRC com reflexos no que ao IVA concerne e não serve a atividade desenvolvida pela Recorrente, não tendo qualquer reflexo na sua produtividade ou no custo/preço dos produtos que produz e comercializa, não podendo assim relevar para efeitos fiscais.
A Recorrida, apresentando contra-alegações, veio sustentar que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, uma vez que perpetrou uma correcta interpretação e aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
Vejamos.
O Imposto Sobre o Valor Acrescentado é um imposto geral que, incidindo sobre todas as despesas, é aplicado a todas as fases do circuito económico (plurifásico).
Nessa medida, é pago por todos os operadores que intervêm no circuito de produção, transformação e comercialização, incidindo sobre o valor acrescentado em cada fase, não produzindo assim, em regra, qualquer efeito cumulativo.
Trata-se de um regime baseado no método de crédito de imposto, em que o valor a entregar ao Estado resulta da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível em determinado período.
A faculdade do contribuinte poder deduzir o imposto que suportou nas aquisições, cujo princípio se encontra consagrado nos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA, constituindo o chamado direito à dedução, elemento nuclear à volta do qual gravita todo o funcionamento do IVA.
Este direito consubstancia-se no direito atribuído a cada sujeito passivo de, no momento em que apure o imposto por si devido, relativo às suas vendas e prestações de serviços, poder deduzir o imposto que suportou nas aquisições de bens e serviços necessários à sua actividade, entregando apenas a diferença entre os dois montantes considerados.
Com efeito, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos (artigos 19.º e 20.º do CIVA).
As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excecionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na Directiva IVA, em função do tipo de despesas em causa (artigo 21.º do CIVA).
Como requisitos subjetivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o exercício da actividade em causa.
O n.º 2 do artigo 17.º da 6ª Diretiva, estatui que “Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor: a) O imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;”
Como resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA “Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado: a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal”
Determinando a incidência subjectiva, estipula a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA que “São sujeitos passivos do imposto: a) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC);”
Por sua vez, o artigo 19.º do Código do IVA estatuía à data dos factos que “1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;”
Em conformidade com o disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA, transposto, em parte, pelo artigo 20.º n.º 1, alínea a) do Código do IVA, o sujeito passivo pode deduzir o IVA que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo nas transmissões de bens e prestações de serviços, quando esses bens ou serviços sejam utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas (operações tributadas).
O artigo 20.º n.º 1 do Código do IVA, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, vem, assim, exigir que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja suscetível de ser dedutível.
Isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação só é dedutível na medida em que possa estar relacionado a jusante com uma operação efectivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado no preço da operação tributada.
Neste contexto, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Caso BLP6, concluiu que os bens ou serviços a montante devem apresentar uma relação direta e imediata com uma ou diversas operações sujeita(s) a imposto a jusante, sendo que o direito à dedução do IVA pressupõe que as despesas em causa devam constituir parte integrante dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas.
Nesta senda e como refere o TCA Norte no Acórdão de 13.10.2016, processo n.º 00089/11.7BEBRG: Nos termos do artº 20º, n.º l, do CIVA, só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito”.
Como tem entendido a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, “O regime das deduções assim estabelecido visa aliviar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante dessa forma a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente do seu fim ou do seu resultado, na condição de essas atividades estarem elas mesmas, em princípio, sujeitas a IVA”. Neste sentido, vide Acórdãos de 29.04.2004, Faxworld, C-137/02, Colet., p. I-5547, n.° 37, e de 22.12.2010, Dankowski, C-438/09, Colet., p. I-14009, n.° 24).
Assim e em resumo, o direito à dedução do IVA, em consonância com o previsto nos artigos 167.º e seguintes da Directiva IVA, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.
No entanto, o exercício do direito à dedução suportado nas operações de aquisição de bens e serviços a sujeitos passivos não é, um direito livre ou incondicionado, dependendo antes da verificação de determinados requisitos subjectivos e objectivos, que, como supra enunciados, se reporta a bens ou serviços por si adquiridos e que sejam utilizados para efeito das próprias operações tributadas.
Acresce que, como bem referencia o Tribunal a quo “em sede de IVA, conforme decidido no Acórdão do TJUE de 15.9.2016, proc. C‑ 516/14, é ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar pelo que a AT pode assim exigir ao próprio contribuinte as provas que considere necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada. A propósito do ónus da prova, o acórdão do TJUE cita a jurisprudência contida no acórdão de 18 de Julho de 2013, Evita-K, Proc. C-78/12, EU:C:2013:486, n° 37, e no acórdão de 27 de Setembro de 2007, Twoh International, C-184/05, EU:C:2007:550, n° 35” – fim de citação.
No caso presente e sob a ordem de serviço nº ...07 de 17.01.2012, com vista à apreciação do enquadramento tributário relacionado com os serviços adquiridos de avaliação da propriedade Herdade A foi realizada à Recorrida acção de inspecção externa para o exercício de 2010 – cfr. ponto 3. da factualidade assente.
Assim, e em sede do procedimento inspectivo a Autoridade Tributária e Aduaneira solicitou à Recorrida informações e esclarecimentos relativamente à dedução de IVA com a avaliação da Herdade A.
Em resposta, a Recorrida apresentou as seguintes razões: i) a existência de investidores interessados na aquisição da Herdade ou em investir na mesma; ii) a análise da possibilidade de aplicação do método do justo valor como critério de mensuração dos activos da impugnante, conforme previsto no Sistema de Normalização Contabilística; iii) a necessidade de validar o preço das acções transmitidas pelos accionistas durante o ano de 2010, a pedido do revisor oficial de contas – cfr. ponto 5. da factualidade assente.
O Tribunal a quo sustentou a sua decisão no facto de existirem investidores interessados na aquisição da Herdade ou em investir na mesma.
A Recorrente, vem, no entanto, defender que o Tribunal decidiu com base em suposições, hipóteses ou fins que a avaliação poderia teoricamente vir a servir, não estando relacionado com a actividade da Recorrida, não consubstanciando inputs para fins empresariais.
Ora, como decorre da factualidade assente, pontos 1. e 2., a Recorrida é uma sociedade anónima inscrita para o exercício da actividade de olivicultura, sendo proprietária e exploradora de uma propriedade denominada de Herdade A.
Num primeiro momento é ostensivo que o gasto não está directamente relacionado com a actividade da Recorrida, pois esta exerce a actividade de olivicultura, mas será que se pode considerar inexistente o nexo entre o serviço adquirido (input) e a eventual existência de output tributado?
Ora, a factualidade assente encontra-se estabilizada, na medida em que, como supra se considerou, a Recorrente não impugnou a matéria de facto assente.
Assim, como resultou comprovado, ponto 8. da matéria de facto assente, a Recorrida recebeu em 2010 e continua a receber propostas de investidores para aquisição da Herdade A.
Nesta medida, é ostensivo que a avaliação corresponde a input perante a hipótese da venda da Herdade, que se traduziria num output seguramente tributado em sede de IRC por via das eventuais mais valias que resultariam da sua venda.
Ademais, e contrariamente ao invocado pela Recorrente, é consabido que nem todos os gastos têm, necessariamente de redundar em proveitos, e como tal ter reflexos positivos na contabilidade, isto porque, como consignado no Acórdão da secção do Contencioso Tributário do STA de 27.06.2018, proc. 01402/17: “a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Assim, um gasto ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)» - neste sentido vide também os Acórdãos Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2011, recurso n.º 107/11, e de 24.09.2014, recurso 779/12.” – fim de citação.
No caso presente, e perante a existência de propostas por parte de investidores para aquisição da Herdade A, não se mostra descabida a prestação de serviço relativa à avaliação da sobredita Herdade, bem pelo contrário, perante tal hipótese, a existência de output seria uma decorrência natural da venda da sobredita Herdade, não podendo deixar de se considerar este input para fins empresariais.
Invoca também a Recorrente que o resultado dessa avaliação encontra-se enquadrada numa eventual transação entre os detentores e os potenciais compradores do capital da recorrida e não numa transacção a realizar directamente por esta, atenta as missivas trocadas entre a sociedade prestadora do serviço e o Grupo ....
Vejamos.
Em 27.3.2009, foi dirigido ao Grupo ..., pela sociedade [SCom03...], Lda. uma carta com assunto “Herdades no Alentejo”, informando o interesse na compra das herdades – cfr. ponto 7. da factualidade assente.
Acresce que, a sociedade [SCom02...], Lda. acordou com a [SCom04...], SA, cobrar 1% do valor apurado para efeitos comerciais por propriedade, acrescido de IVA à taxa em vigor – cfr. pontos 2.1 a 2.3. da factualidade assente por nós aditada.
Nessa senda, elaborado o relatório de avaliação, foi atribuído o valor comercial da Herdade A em €4.980.000,00 e cobrado o montante de €49.800,00 sob que recaiu IVA no montante de €10.458,00 – cfr. pontos 2.4 e 2.5 da factualidade assente por nós aditada.
Assim, não obstante, a manifestação de interesse da compra das Herdades propriedade do Grupo ..., a verdade é que, como aqui demos conta, foi efectuada individualmente a avaliação da Herdade de que a aqui Recorrida é proprietária e atribuído o valor comercial na ordem dos €4.980.000,00.
Nessa senda, o montante cobrado pelo serviço prestado, tal qual acordado, redundou na cobrança de 1% sobre o valor avaliado dessa mesma Herdade e não da totalidade das Herdades que compõem o Grupo ....
Assim, discordamos do invocado, uma vez que, tal alegação não passa de uma suposição, na medida em que, tal como decorre da decisão recorrida “(…) apesar de - como assinala a AT no RIT -, a citada carta ser dirigida à [SCom04...], enquanto sócia da impugnante, e não a esta, a verdade é que tal carta é remetida por uma sociedade de mediação imobiliária, isto é, uma sociedade intermediária da compra e venda de imóveis, e na mesma é solicitado o preço “de cada uma das herdades” e não o valor de quaisquer acções. Deste modo, a circunstância de a carta em questão ser dirigida à [SCom04...], não afasta de todo a possibilidade de uma eventual transacção por intermédio da sociedade de mediação imobiliária em questão poder ter sido realizada directamente através da impugnante. Note-se que, detendo a [SCom04...] a maioria do capital da impugnante, poderia facilmente redireccionar o negócio para a esfera desta.” – fim de citação.
Acresce que, se por um lado, a Recorrente não logrou comprovar que a avaliação da Herdade visou a satisfação de interesses dos seus accionistas e não da Recorrente, até porque, quanto mais não fosse, não decorre dos autos que a sobredita Herdade tenha sido alienada por forma a aferir-se quem foram os beneficiários de tal venda, por outro lado, não se vislumbra em que medida é que a Recorrida não obteria qualquer proveito com a venda da Herdade, uma vez que é a sua proprietária.
Com efeito, e como decorre da decisão recorrida “ Não resultando dos autos qualquer especificidade no negócio da impugnante que obstasse a que um eventual investimento/aquisição da Herdade ou parte desta pudesse ser realizado directamente pela impugnante (e não através dos seus accionistas), e, conforme referido, podendo este tipo de transacções ser realizado das duas enunciadas formas, tem de se concluir que a hipótese de investimento/aquisição directa era à data dos factos em causa nos autos equacionada pela impugnante.” – fim de citação.
Invoca também a Recorrente que a avaliação é absolutamente inócua para obtenção de empréstimo junto de entidade bancária.
Ora, como decidido pelo Tribunal a quo “(…) o recurso ao crédito é uma opção de gestão que é frequentemente ponderada pelas empresas. Assim, mesmo que a impugnante não tenha abordado entidades bancárias no sentido de contrair um empréstimo, numa óptica de gestão, uma vez que poderia, a qualquer momento, ser equacionada essa hipótese, é legítimo que a impugnante pretendesse estar munida dos elementos que considerasse necessários para o efeito, designadamente, no seu entender, a avaliação em causa nos autos. Ora, o facto de a avaliação não ser elemento “suficiente” para contrair um empréstimo, não significa que não seja um elemento útil para o efeito, podendo servir de complemento aos documentos contabilísticos da impugnante, na medida em que na mesma consta o valor de mercado da Herdade, não espelhado no balanço da impugnante, já que a mesma foi registada ao custo histórico.” – fim de citação.
Acresce que, a Recorrida poderia, a qualquer momento, proceder à mensuração dos seus activos, conforme previsto no Sistema de Normalização Contabilística, valorizando a Herdade, antevendo a antecedência de contracção de empréstimo.
Com efeito, é consabido que os activos das sociedades servem para garantir o pagamento de empréstimos bancários.
Nos termos do que dispõe o artigo 349.º do Código Civil “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”
As presunções judiciais representam assim processos mentais do julgador, numa dedução decorrente de factos conhecidos e "são afinal o produto das regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro" - cfr. A. Lopes Cardoso, (in Revista dos Tribunais, 86.º-112).
In casu, é seguro que se pode presumir que a actualização do valor da Herdade, propriedade da Recorrida, podia perfeitamente ter como móbil assegurar a viabilidade de empréstimo bancário para a actividade exercida pela Recorrida.
Consequentemente, não se verifica o alegado erro de julgamento por ter o Tribunal a quo considerado que a Recorrida poderia ter deduzido, como deduziu, o IVA no valor de €10.458,00 contido na fatura n º 287 de 20.12.2010 emitida por [SCom02...] Lda. referente à avaliação da Herdade A, negando-se assim provimento ao recurso interposto.
Pelo exposto, e concluindo-se pelo não provimento do presente recurso jurisdicional, fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela Recorrida em sede de ampliação do recurso.
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Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO:


I. É ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar.
II. A AT pode exigir ao próprio contribuinte as provas que considere necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada.
III. A possibilidade de deduzir IVA também se afere pela finalidade empresarial do input, não tendo o gasto, necessariamente, de redundar em proveitos, e como tal ter reflexos positivos na contabilidade.

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3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida.


Custas pela Recorrente.

Porto, 28 de Novembro de 2024


Virgínia Andrade
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro
Conceição Soares