Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00369/16.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:PRESCRIÇÃO; DECURSO DO PRAZO PARA EXECUTAR;
DECISÃO ADMINISTRATIVA DEFINITIVA, RESTITUIÇÃO DE FINANCIAMENTO;
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM O RECURSO;
Sumário:
I - O artigo 3.º, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, empreendeu regular os efeitos do decurso do tempo, disponibilizado às autoridades administrativas intervenientes, por um lado, para concluírem o procedimento de aplicação de medidas e/ou sanções administrativas, visando o cometimento de irregularidades no domínio do direito comunitário e, por outro, para, terminada essa fase, dentro do previsto prazo prescricional, darem início à execução da decisão, definitiva, que aplicou a concreta medida e/ou sanção administrativa; no caso dessa execução implicar o recebimento de quantias monetárias, instaurarem (com citação) a competente execução fiscal.

II - O prazo de execução da decisão (administrativa), de três anos, imposto pelo artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (primeiro parágrafo), começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insusceptível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa).

III - Fixado em três anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, acrescidos de juros, em consequência da prática de actos lesivos dos interesses financeiros da União, o seu decurso tem de ser sujeito, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como é o caso da citação – cfr. artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil (CC), do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, com a eficácia estabelecida nos artigos 326.º e 327.º n.º 1 do CC.

IV - Portanto, o estabelecido prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão (administrativa), determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efectivada a citação do executado (na execução fiscal).*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP.I.P.) interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 11/11/2024, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por «AA», contribuinte fiscal n.º ...87, residente na Av. ..., ... ..., contra a execução fiscal n.º ......................231, que contra si corre no Serviço de Finanças ..., por dívida referente a juros de mora e custas no valor global de €9.056,62 (calculados sobre o capital de €54.675,39, já liquidado, relativo a atribuição de ajuda no âmbito do programa AGRO).

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso vem interposto de sentença de 11/11/2024, através da qual foi julgada procedente a oposição à execução fiscal interposta por «AA», por prescrição a divida exequenda, no entendimento de que para efeitos de prescrição, releva o prazo de 3 anos constante do nº 2 do Artº 3º do Regulamento nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro, e que na situação em apreço “a decisão administrativa tornou-se definitiva, em 30/05/2011, e a Oponente foi citada para a execução, em 23/09/2016 (cfr. pontos 5 e 8 da factualidade assente nos autos), isto é, a citação foi efetuada após o decurso do prazo de três anos, sem que se tivesse verificado qualquer causa de suspensão ou interrupção, pelo que é manifesto que a dívida exequenda se encontra prescrita”.
B. Desde logo um há erro de julgamento por insuficiência de prova, porquanto o Tribunal não deu como provados dois factos da maior relevância para a boa decisão das questões em apreço nos autos, designadamente, (1) não deu como provado o facto da decisão final de 30/5/2011, referida no ponto 5 da matéria de facto dada como provada, ter sido impugnada judicialmente e (2) não deu como provado o facto de que a decisão judicial proferida no mencionado Proc. n.º 263/11.6BEMDL transitou em julgado em 2019 (designadamente o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte).
C. Importa salientar que resulta expressamente do teor da sentença recorrida (Pág.s 2 e 3) que o IFAP, I.P. no âmbito dos presentes autos apresentou contestação e “suscitou a exceção de litispendência, asseverando que a ora Oponente apresentou ação administrativa especial, alegando a prescrição do procedimento, neste mesmo Tribunal, no âmbito do processo n.º 263/11.6BEMDL” e que em 24/05/2019, foi proferida sentença na qual se julgou procedente a exceção de litispendência e absolveu-se o IFAP, IP da instância”, tendo “na sequência do recurso interposto, o TCA-N proferiu Acórdão, em 27/06/2024, no qual decidiu “(…) revogar a sentença recorrida e determinar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, para que, se a tal nada mais obstar, profira nova sentença, desconsiderando a excepção de litispendência, que não se verifica”.
D. É assim da maior relevância, esses dois factos constarem da matéria de facto dada como provada, porquanto, com os mesmos, afasta-se o entendimento que a decisão administrativa tornou-se definitiva, em 30/05/2011 e dessa forma a dívida exequenda não se encontrava prescrita quando a recorrida foi citada no âmbito do presente processo de execução fiscal em 23/9/2016.
E. Nos termos do disposto nº 2 do Artº 3º, do Regulamento 2988/95, a administração dispõe do prazo de 3 anos, para executar um ato administrativo, contados desde o dia em que a decisão administrativa se torna definitiva.
F. Uma decisão administrativa torna-se definitiva, quando se consolida na ordem jurídica.
G. Na situação em apreço, só após o trânsito em julgado da decisão judicial proferida no âmbito do Proc. n.º 263/11.6BEMDL, na qual foi impugnada a decisão final de 30/5/2011 é que se pode considerar que esta se consolidou na ordem jurídica, pois nos termos do disposto do nº 1 do Artº 323º, do nº 1 do Artº 326º e do nº 1 do Artº 327º, todos do CCiv, sendo que o prazo de prescrição interrompido com a citação, não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que estas disposições aplicam-se à interrupção do prazo de prescrição a que alude o artigo 3º do artigo 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, do Conselho. (Neste sentido vide acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte em 10/2/2023, no âmbito do Proc. 02408/12.0BELSB)
H. A decisão final do IFAP, I.P. consolidou-se na ordem jurídica, não em 30/5/2011 como entendeu o Tribunal a quo, mas em 2019, pelo que, quando a ora recorrida foi citada no âmbito da presente ação para execução fiscal, em 23/9/2016, a dívida exequenda não se encontrava prescrita.
I. Razão pela qual, salvo melhor opinião, além de existir erro de julgamento por insuficiência de prova, o Tribunal não fez uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença ora recorrida e considerando-se improcedente a oposição à execução fiscal interposta por «AA», por a dívida não se encontrar prescrita.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a decisão recorrida, e em consequência considerar-se improcedente a oposição à execução fiscal, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao declarar prescrita a dívida de juros de mora sobre ajuda financeira no âmbito do programa AGRO, por o prazo de execução, da decisão de restituição, de três anos já ter decorrido aquando da citação da oponente.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 8/08/2003, a Oponente apresentou uma candidatura junto do IFADAP, no âmbito da Medida 1 do Programa AGRO, à qual foi atribuído o n.º ......................630 – cfr. fls. 12 do PA;
2. Em 23/11/2004, foi aprovada a candidatura mencionada no ponto que antecede – cfr. fls. 18 do doc. que consta a fls. 80 do SITAF;
3. Em 22/02/2005, a Opoente e o IFADAP assinaram um documento designado “Contrato”, do qual se extrai o seguinte (cfr. fls. 10 a 15 do PA):
[Imagem no original que aqui se tem por reproduzida]
4. Em 26/05/2010, a Oponente foi notificada da carta registada com aviso de receção enviado pelo IFAP, IP, da qual se extrai o seguinte (cfr. fls. 25 e 26 do doc. de fls. 80 do SITAF):
5. [Imagem no original que aqui se tem por reproduzida]
6. Em 30/05/2011, a Oponente foi notificada do ofício do IFAP, I.P., com a referência .......6/2011, para repor a quantia de € 54.675,39, nos seguintes termos (cfr. fls. 16 do PA e 31 e 32 do doc. de fls. 80 do SITAF):
7. Em 5/06/2015, o IFAP, I.P. remeteu à Oponente carta por correio normal, com o seguinte teor (cfr. fls. 16 do PA): [Imagem no original que aqui se tem por reproduzida]
8. Em 22/09/2016, a Autoridade Tributária instaurou o Processo de Execução Fiscal n.º ......................231 contra a Oponente para cobrança coerciva da quantia de € 8.966,84, relativa a juros de mora calculados sobre o capital de € 54.675,39 – cfr. fls. 1 e 2 do processo administrativo que consta a fls. 18 do SITAF;
9. Em 23/09/2016, a AT remeteu ofício para a caixa postal eletrónica do “ViaCTT” da Oponente, do qual se extrai o seguinte (cfr. fls. 18 a 20 do PA): [Imagem no original de documento denominado citação pessoal que aqui se tem por reproduzida]
10. A presente oposição foi apresentada, em 24/10/2016 – cfr. fls. 20 do PA.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com interesse para a decisão.
Motivação
A matéria de facto assente resulta da análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos, e que se encontra identificada em cada um dos respetivos pontos do probatório.”
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Previamente à apreciação da questão suscitada, no recurso interposto, haverá que analisar a possibilidade de junção de documento com as alegações de recurso.
Dispõe o n.º 1 do artigo 627.º do Código de Processo Civil (CPC) que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)” (destacado nosso).
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas.
Dito isto, importará conhecer o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso.
Nos termos do disposto no artigo 425.º do CPC “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.”
Determina, por sua vez, o n.º 1 do artigo 651.º do citado normativo que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Será assim possível, em sede de recurso, as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjectiva [documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido]. Vide, entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e seguintes.
O Recorrente juntou documento com as respectivas alegações de recurso, consubstanciado no acórdão, proferido por este TCA Norte em 18/10/2019, no âmbito do processo n.º 263/11.6BEMDL, referente a acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo, que determinou a reposição de verba paga no âmbito do programa AGRO, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, tendo em vista demonstrar a data em que tal decisão se tornou definitiva.
A primeira sentença lavrada nestes autos foi proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em 24/05/2019, que julgou verificada a excepção de litispendência e absolveu o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP, I.P.) da instância da oposição judicial. Portanto, em relação a tal decisão, o documento agora apresentado apresenta-se objectivamente superveniente, por ter sido produzido posteriormente - em 18/10/2019.
A questão da litispendência, que foi julgada improcedente por este tribunal superior em sede recursiva, relacionava-se precisamente com essa acção administrativa especial que correu trâmites sob o processo n.º 263/11.6BEMDL.
Tanto na contestação como nas alegações escritas (nos termos do artigo 120.º do CPPT) dos presentes autos se dava conta da existência desse processo n.º 263/11.6BEMDL.
Logo, quando, por acórdão prolatado em 27/06/2024 por este tribunal, se concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, para que, se a tal nada mais obstasse, se proferisse nova sentença, desconsiderando a excepção de litispendência, que não se verificava, o tribunal já estava ciente que o acto administrativo de reposição havia sido impugnado judicialmente.
O desfecho e termos dessa acção judicial são factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, pelo que, por pertinentes para a decisão da causa, deveria ter tido em consideração e, socorrendo-se dos mesmos, faria juntar ao processo documento que comprovasse tais factos, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 2 do CPC.
Na medida em que o tribunal recorrido assim não procedeu e julgou a causa sem ter em conta tais elementos, é possível entender que a necessidade de apresentar o documento com as alegações do recurso se revelou em virtude do julgamento recorrido.
Conforme afirmam Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534).
O advérbio ”apenas”, usado na disposição legal, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1.ª instância.
Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95).
Com efeito, a questão suscitada na oposição judicial já impunha a necessidade de demonstração da data em que a decisão administrativa se apresentava definitiva – cfr. artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995.
No entanto, já havia sido proferida sentença nos autos em primeira instância antes da prolação do acórdão pelo TCA Norte em 18/10/2019, que veio a determinar a definitividade da decisão de reposição.
Nesta conformidade, por se mostrar objectivamente superveniente e pertinente para a decisão da causa, admite-se a junção do documento com as alegações do recurso.
Assim sendo, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, adita-se a seguinte matéria ao probatório da decisão da matéria de facto:

11. A decisão mencionada no ponto 5 foi judicialmente impugnada, através de acção administrativa especial de contencioso administrativo, tendo tramitado no âmbito do processo n.º 263/11.6BEMDL e sido proferido acórdão por este TCA Norte em 18/10/2019, que não foi objecto de recurso e confirmou o julgamento de improcedência da acção – cfr. documento junto com as alegações de recurso e informação constante no sistema informático - SITAF.

2. O Direito

O tribunal recorrido, aplicando o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, julgou a oposição procedente, tendo considerado a divida exequenda prescrita, uma vez que havia decorrido o prazo de três anos aí previsto para proceder à execução da decisão administrativa de reposição de ajuda financeira recebida.
Não residem dúvidas que o referido artigo 3.º, n.º 2 estabelece que o prazo para a execução de uma sanção administrativa, neste caso, da decisão final proferida pelo IFAP, I.P., é de 3 anos: O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.
Contudo, o Recorrente não se conforma com a interpretação de facto e de direito realizada pelo tribunal recorrido, dado não ter tido em conta a recente jurisprudência sobre a interpretação do conceito de “decisão definitiva”.
Sobre a interpretação do prazo de prescrição consagrado no artigo 3.º do citado Regulamento, e tendo por base a sua aplicação aos processos de execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas, já se pronunciou, o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no Acórdão de 13 de Julho de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 0281/08.1BECTB 0383/18.
Com efeito, sobre a mesma matéria, veio o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) esclarecer, no seu Acórdão de 07-04-2022, proferido nos processos apensos C-447/20 e C-448/20, que o artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o prazo de execução que estabelece começa a correr a partir da adopção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, devendo esse prazo correr desde o dia em que essa decisão se torne definitiva, ou seja, do dia do termo dos prazos de recurso ou do esgotamento das vias de recurso. E, quanto ao momento em que se deve considerar que a decisão se tornou definitiva, o citado acórdão do TJUE esclareceu que a mesma se torna definitiva a partir do momento em que se tornar inimpugnável, por via do esgotamento das vias de recurso.
Perante esta interpretação, o Recorrente pretende demonstrar, no presente recurso, com rigor, o momento temporal em que se tornou definitiva a decisão proferida pelo IFAP, I.P., de devolução das ajudas recebidas por parte da executada, ora Recorrida. Para tanto, alertou que não foi dado como provado o facto de a decisão final de 30/05/2011, referida no ponto 5 da decisão matéria de facto, ter sido impugnada judicialmente no âmbito do processo n.º 263/11.6BEMDL, e que somente transitou em julgado em 2019.
Vejamos, parcialmente, o segmento recorrido da sentença:
“(…) Destarte, o prazo prescricional de três anos aplicável ao caso trazido à liça iniciou a contagem quando a decisão administrativa de restituição se tornou definitiva e interrompeu-se com a citação da executada no âmbito da execução fiscal. Em concreto, a decisão administrativa tornou-se definitiva, em 30/05/2011, e a Oponente foi citada para a execução, em 23/09/2016 (cfr. pontos 5 e 8 da factualidade assente nos autos), isto é, a citação foi efetuada após o decurso do prazo de três anos, sem que se tivesse verificado qualquer causa de suspensão ou interrupção, pelo que é manifesto que a dívida exequenda se encontra prescrita.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, tem a oposição de proceder. (…)”
Tendo por base o aditamento à decisão da matéria de facto que efectuámos supra, sob o ponto 10 do probatório, verificamos que a decisão administrativa de reposição da ajuda ficou definitiva a partir do momento em que esse acto administrativo se tornou inimpugnável, por via do esgotamento das vias de recurso, ou seja, a partir da altura em que o acórdão prolatado em 18/10/2019 não foi objecto de recurso e, portanto, transitou em julgado.
Nesta conformidade, observa-se que o prazo de três anos para executar a decisão definitiva ainda não tinha decorrido quando a Recorrente foi citada para a execução em 23/09/2016 (nesta perspectiva, com os consequentes reflexos na não prescrição da dívida exequenda).
Importa acentuar a importância da data da citação, que consta do ponto 8 do probatório, não impugnado, (23/09/2016), dado que o estabelecido prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão administrativa, determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efectivada a citação do executado (na execução fiscal) – cfr. Acórdão do STA, de 18/05/2022, proferido no âmbito do processo n.º 02502/21.6BEPRT. Isto, porque, fixado em três anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, acrescidos de juros, em consequência da prática de actos lesivos dos interesses financeiros da União, o seu decurso tem de ser sujeito, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como é o caso da citação – cfr. artigo 323.º n.º 1 do Código Civil (CC), do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, com a eficácia estabelecida nos artigos 326.º e 327.º n.º 1 do CC.
In casu, aquando da citação ainda não havia decorrido qualquer prazo, uma vez que a decisão somente se tornou definitiva em 2019. Porém, a cessação da eficácia do facto interruptivo provocado pela citação é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo de execução fiscal, que ainda não se verificou.
Logo, não corre prazo enquanto o processo de execução fiscal não findar (efeito duradouro da citação) – cfr. artigo 327.º do CC.
Nestes termos, errou o tribunal recorrido nesta parte do julgamento que realizou, devendo ser eliminado da ordem jurídica e, portanto, concedido provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I - O artigo 3.º, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, empreendeu regular os efeitos do decurso do tempo, disponibilizado às autoridades administrativas intervenientes, por um lado, para concluírem o procedimento de aplicação de medidas e/ou sanções administrativas, visando o cometimento de irregularidades no domínio do direito comunitário e, por outro, para, terminada essa fase, dentro do previsto prazo prescricional, darem início à execução da decisão, definitiva, que aplicou a concreta medida e/ou sanção administrativa; no caso dessa execução implicar o recebimento de quantias monetárias, instaurarem (com citação) a competente execução fiscal.
II - O prazo de execução da decisão (administrativa), de três anos, imposto pelo artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento (primeiro parágrafo), começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insusceptível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa).
III - Fixado em três anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, acrescidos de juros, em consequência da prática de actos lesivos dos interesses financeiros da União, o seu decurso tem de ser sujeito, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como é o caso da citação – cfr. artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil (CC), do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, com a eficácia estabelecida nos artigos 326.º e 327.º n.º 1 do CC.
IV - Portanto, o estabelecido prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão (administrativa), determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efectivada a citação do executado (na execução fiscal).

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a oposição improcedente.

Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 27 de Março de 2025

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Vítor Salazar Unas