Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA», n.i.f. ...34, residente na Rua ..., ..., ..., instaurou ação administrativa contra o Fundo de Garantia Salarial e o Instituto da Segurança Social, I.P., formulando, o seguinte pedido:
NESTES TERMOS, deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e consequentemente a decisão de indeferimento do requerimento apresentado pelo Autor «AA», junto do Fundo de Garantia Salarial em 06/04/2022 que ora se impugna, ser declarada nula, com todas as consequências legais.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a ação e absolvido o Réu do pedido.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
I. O Autor, aqui recorrente demandou o Fundo de Garantia Salarial, impugnando a decisão proferida por despacho de 24 de Maio de 2022, que o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial indeferiu o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado junto do Fundo Garantia Salarial.Alicerçou a sua pretensão invocando omissão de pronúncia, violação do direito de audição prévia, falta de fundamentação e violação do direito.
II. O ora Recorrente só com a notificação da sentença proferida teve conhecimento da dispensa da audiência prévia a que alude o artigo 87º-A do C.P.T.A., pelo que o recurso jurisdicional interposto dessa sentença é o meio adequado para reagir contra essa alegada nulidade, razão pela qual importa proceder à sua apreciação.
III. O despacho proferido pela Sra. Juíza a quo, a dispensar a realização da audiência prévia, é, prima facie, um despacho ilegal, pois foi proferido relativamente a situação em que não lhe era permitido dispensar a realização de tal ato processual, atento o desiderato de ir conhecer acerca do mérito da causa
IV. Consequentemente, deve ser declarada a nulidade do despacho que dispensou a audiência prévia a que alude o artigo 87°-A do CPTA, o que determina a nulidade dos atos praticados subsequentemente a tal decisão e que da mesma dependam em absoluto, ou seja, e in casu, o proferido saneador sentença, ordenando-se a baixa dos autos de modo a sanar-se a nulidade processual, com o normal prosseguimento da causa se nada mais obstar, mormente com a realização da audiência prévia a que alude o artigo 87°-A do C.P.T.A.
V. No caso em apreço, a sentença não especificou os fundamentos de facto em que assentou a sua decisão, bem como inexiste análise critica da prova, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo deveria explicar como se comprovaram os factos e, para tanto, apreciar a versão apresentada pelo Recorrente, bem como o estado do Processo de Insolvência requerido pelo Autor, aqui Recorrente.
VI. Daqui se poder concluir, sem quaisquer outros considerandos, que a sentença enferma do vício de falta de fundamentação que lhe aponta o Recorrente, com todas as consequências legais.
VII. No caso em apreço, as questões de direito a discutir no âmbito dos autos consistiam (unicamente) em saber se a decisão impugnada padecia de nulidade de omissão de pronuncia,
VIII. In casu, o Tribunal não tomou conhecimento sobre todas as questões objecto de litigio, porquanto em sede de impugnação do ato admnistrativo de indeferimento de Requerimento de pagamento de créditos salariais, o Autor aqui Recorrente alegou além do mais violação de direito de audição prévia e falta de fundamentação. Deste modo, é nula a sentença nos termos do disposto no art°. 615°, n°. 1 al. d), do CPC, nulidade que expressamente se arguí com todas as consequências legais.
IX. O Tribunal a quo entendeu que “(...) O ato impugnado indeferiu a pretensão do Autor uma vez que não terá sido cumprido o prazo do artigo 2°, n.° 8 do Decreto-lei 59/2015.(...)”.
X. O Recorrente trabalhou por conta e direcção da Devedora [SCom01...], S.A., tendo celebrado contrato de trabalho com a mesma em 15/09/2014.
XI. Em 07 de Agosto de 2020, o Autor, aqui Recorrente «AA» celebrou com a Devedora um “Acordo de cessação de contrato individual de trabalho por extinção do posto de trabalho”.
XII. No âmbito do qual o Recorrente «AA» e a Devedora convencionaram que o contrato de trabalho entre ambas celebrado cessaria a 17 de Agosto de 2020
XIII. No acordo em apreço foi ainda estabelecido que a [SCom01...], S.A. pagaria ao aqui Autor, Recorrente «AA» a título de compensação pecuniária global, a quantia de € 6.152,37 (seis mil cento e cinquenta e dois euros e trinta e sete cêntimos), paga até 08 de Setembro de 2020, o que não aconteceu!
XIV. No dia 28 de Fevereiro de 2021, o aqui Autor requereu a insolvência da [SCom01...], S.A., a saber Processo n.º 619/21...., que corre seus termos junto do Juízo de Comércio de Viana do Castelo.
XV. Consagra o n.º 9 do artigo 2.º do Decreto-lei 59/2015, de 21 de Abril “9 - O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.”.
XVI. No âmbito do Processo Especial de Revitalização que correu seus termos sob o n' 738/22...., junto do Juízo de Comércio de Viana do Castelo, foi proferido despacho de nome do administrador judicial provisório da aqui Devedora, a que se refere alínea a) do n.º3 do artigo 17.ºC do CIRE, conforme consta do anúncio publicado no portal “CITIUS”, no dia 28/02/2022.
XVII. O aqui Recorrente reclamou os seus créditos no dia 20/03/2022.
XVIII. Tal crédito foi reconhecido, conforme declaração do Exmo. Senhor Admnistrador Judicial «BB» junta com o Requerimento inicial.
XIX. No caso presente, embora se tratem de créditos salariais, emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por Documento escrito, vulgo acordo pagamento, aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309° do Código Civil
XX. Assim sendo, quando o Recorrente reclamou junto do Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos seus créditos salariais, estava longe de caducar o seu direito porque também estavam longe de prescrever os créditos salariais.
XXI. É inconstitucional a norma contida no artigo 2.°, n.° 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21.04, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.° 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão n° 447/2018).
XXII. Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.° da Constituição).
XXIII. Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência, como foi o caso sub judice.
XXIV. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo.
XXV. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu o alegado prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.
XXVI. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
XXVII. Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de inconstitucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém.
XXVIII. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano que a configuração do prazo pode tornar “[...] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[...] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”
XXIX. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma sub judicio.
XXX. Tal como foi entendido nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.12.2018, processo 2492/16.7 PRT, de 21.12.2018, processo 232/17.2 CBR, de 21.12.2018, processo 1777/17.0 PRT, e de 11.01.2019, processo 61/17.3 BRG , processo n.º 00295/17.0BEPNF de 25-01-2019.
XXXI. Boa-Fé consiste num princípio geral da ação administrativa que impõe que, no seu desenvolvimento, deve existir uma conduta leal, conduta segundo o direito que tem um aspeto negativo: não lesar a ninguém, e outro positivo: agir de maneira ativa na execução da prestação devida, cumprir fielmente a sua parte na obrigação; enfim, respeito aos direitos do administrado.
XXXII. Apesar do art. 2.º, n.º 8 do referido Regime estatuir que “o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, aquele prazo não é de caducidade, ao contrário do sustentado pela sentença ora recorrida, como aliás, já decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 328/2018, de 27 de Junho de 2018, o qual julgou “inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.” – e está, por isso sujeito a interrupções e suspensões e o agora estatuído no n.º 9 do mesmo artigo, com a redação que lhe foi dada pela Lei 71/2018, de 31 de Dezembro.
XXXIII. Aquele pagamento visa proteger os trabalhadores (e as suas famílias) na situação de insolvência ou de PER da entidade empregadora, através da concessão de prestação pecuniária pelo Estado substitutiva dos rendimentos da atividade profissional perdidos, constituindo uma prestação pecuniária indemnizatória/compensatória, e que é efetivada por se verificar a situação de insolvência ou PER da entidade empregadora, destinando-se a assegurar aos trabalhadores, detentores de créditos remuneratórios em dívida e indemnização relativa à cessação da relação de trabalho, os rendimentos que estes deixaram de auferir, tornando-se um dos direitos que dão ¯expressão àquilo que poderá designar-se por constituição social (não, obviamente, no sentido de ordem constitucional da sociedade, mas sim no sentido de ordem constitucional dos direitos e prestações sociais)‖ [Vide neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 814] e parece estar também abrangida pelo teor literal dos n.ºs 1 e 3 do art. 63.º da CRP, que consagram o direito do acesso à segurança social e à solidariedade e do direito à proteção do sistema de segurança social e à solidariedade em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, em igualdade de oportunidades.
XXXIV. E aqueles direitos têm a natureza análoga a direito, liberdade e garantia (cfr. art. 17.º da CRP), atenta a sua densificação constitucional [Vide neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, págs. 141-142 e 318-320], pelo que os direitos constitucionais dos trabalhadores à igualdade na retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna, assistência material e promoção pelo Estado das condições de retribuição a que têm direito, bem como nas garantias especiais de que gozam os salários, e bem assim do direito de acesso à segurança social e solidariedade e à proteção do sistema de segurança social e de solidariedade em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, em igualdade de oportunidades, aproveitam do regime constitucional próprio dos direitos, liberdades e garantias.
XXXV. Em suma, os arts. 13.º, 59.º e 63.º da CRP são dotados de aplicabilidade direta, não obstante caber ao legislador ordinário a tarefa de assegurar a sua efetividade e concordância com os direitos constitucionalmente protegidos, sendo que as leis que os restrinjam têm de revestir carácter geral e abstrato, e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e alcance do seu conteúdo essencial (arts. 17.º e 18.º da CRP).
XXXVI. Neste sentido, o Acórdão do STA de 26-10-2023, no Processo n.º 621/17.2BEPNF-A - Pleno da ... Secção Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «O prazo de caducidade de um ano para reclamação ao Fundo de Garantia Salarial de créditos emergentes de contrato de trabalho previsto no artigo 2.º n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, é susceptível de suspensão/interrupção, a determinar casuisticamente.»
XXXVII. Por todo exposto, o requerimento apresentado pelo Autor junto do Fundo de Garantia Salarial a 06 de Abril de 2022, deve ser deferido, com todas as consequências legais, bem como a reclamação apresentada ao indeferimento em questão. A decisão de que ora se recorre deve ser declarada NULA, com todas as consequências legais.
NESTES TERMOS e nos demais de direito deverá ser julgado o presente Recurso procedente por provado e em consequência deve sentença ser revogada e substituída por outra que determine a nulidade da decisão do Fundo de garantia salarial de indeferimento do Requerimento de Pagamento de créditos salariais com todas as consequências legais, seguindo-se os demais tramites até final;
Só assim se fazendo a costumada e habitual JUSTIÇA!
O Réu não juntou contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, nos termos que aqui se dão por reproduzidos.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Autor celebrou contrato de trabalho com a empresa [SCom01...], S.A.;
2. A empresa [SCom01...] foi sujeita a um PER, requerido no dia 04.07.2019;
3. O PER correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo do Comércio de Viana do Castelo, sob o n.º 2357/19...., tendo sido proferido despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório em 11.07.2019;
4. O referido PER veio a ser aprovado e homologado em 18.12.2019;
5. Em 07.08.2020, o Autor e a referida empresa celebraram um acordo de cessação de contrato individual de trabalho por extinção do posto de trabalho - cfr. doc. ... junto com a petição inicial;
6. Foi convencionado que a cessação do contrato ocorreria em 17.08.2020 e que a entidade empregadora pagaria a quantia de 6.152,37€ até 08.09.2020 - cfr. doc. ... junto com a petição inicial;
7. Tal pagamento não veio a ocorrer, pelo que o Autor pediu a declaração de insolvência da empresa [SCom01...], em 28.02.2021, que deu origem ao processo de insolvência n.° 619/21.... que corre termos no Juízo do Comércio de Viana do Castelo - cfr. doc. ... junto com a petição inicial;
8. Até à data, não foi decretada a insolvência da empresa [SCom01...];
9. Em 24.02.2022, foi requerido um processo especial de revitalização (PER) da ex-entidade empregadora do Autor, junto do Juízo do Comércio de Viana do Castelo, o qual deu origem ao proc. n.° 738/22....;
10. Este PER veio a encerrar, por recusa do Plano, em 30.08.2022;
11. O Autor veio em 06.04.2022 requerer o FGS, identificando como situação que determina o pedido o processo especial de revitalização n.° ...2..., do Juízo do Comércio de Viana do Castelo - cfr. fls. 1 a 1 verso do PA no SITAF;
12. Em 12.05.2022, foi elaborada informação, sobre a qual incidiu despacho de concordância, com o seguinte teor - cfr. fls. 70 a 71 do PA no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
13. Por ofício datado de 24.05.2022, foi o Autor notificado do seguinte - cfr. fls. 72 do PA no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
14. Em 14.06.2022, foi expedido ofício contendo decisão e indeferimento do requerido pelo Autor - cfr. fls. 73 do PA no SITAF;
15. Em 17.06.2022, o Autor apresentou requerimento relativo a exercício de audiência prévia - cfr. fls. 74 do PA no SITAF;
16. Em 12.07.2022, o Autor apresentou reclamação - cfr. fls. 83 do PA no SITAF;
17. Em 27.07.2022, foi proferido despacho de concordância com informação relativa a indeferimento do pedido pelo Autor, tendo sido considerado o requerimento de audiência prévia como reclamação - cfr. fls. 80 do PA no SITAF;
18. Por ofício datado de 28.07.2022, foi o Autor notificado do seguinte - cfr. fls. 82 do PA no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
19. A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal, em 19.09.2022 - cfr. registo SITAF.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
O Autor, aqui recorrente demandou o Fundo de Garantia Salarial, impugnando a decisão proferida por despacho de 24 de maio de 2022, mediante a qual o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial indeferiu o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado junto do Fundo Garantia Salarial.
Alicerçou a sua pretensão invocando omissão de pronúncia, violação do direito de audição prévia, falta de fundamentação e violação do direito.
Todavia, o Tribunal a quo entendeu o seguinte: Neste seguimento, é forçoso concordar com a tese do Réu, não padecendo de ilegalidade o ato que indeferiu o requerimento do Autor por intempestividade. Deste modo, face ao expendido, improcede a presente ação, absolvendo-se o Réu do pedido.
Tal como alegado, cremos que não se decidiu com acerto.
Como se viu, o Tribunal deu como provado
“(...)
1. O Autor celebrou contrato de trabalho com a empresa [SCom01...], S.A.;
2. A empresa [SCom01...] foi sujeita a um PER, requerido no dia 04.07.2019;
3. O PER correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo do Comércio de Viana do Castelo, sob o n.º 2357/19...., tendo sido proferido despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório em 11.07.2019;
4. O referido PER veio a ser aprovado e homologado em 18.12.2019;
5. Em 07.08.2020, o Autor e a referida empresa celebraram um acordo de cessação de contrato individual de trabalho por extinção do posto de trabalho – cfr. doc. ... junto com a petição inicial;
6. Foi convencionado que a cessação do contrato ocorreria em 17.08.2020 e que a entidade empregadora pagaria a quantia de 6.152,37€ até 08.09.2020 – cfr. doc. ... junto com a petição inicial;
7. Tal pagamento não veio a ocorrer, pelo que o Autor pediu a declaração de insolvência da empresa [SCom01...], em 28.02.2021, que deu origem ao processo de insolvência n.º 619/21.... que corre termos no Juízo do Comércio de Viana do Castelo – cfr. doc. ... junto com a petição inicial; 8. Até à data, não foi decretada a insolvência da empresa [SCom01...];
9. Em 24.02.2022, foi requerido um processo especial de revitalização (PER) da ex-entidade empregadora do Autor, junto do Juízo do Comércio de Viana do Castelo, o qual deu origem ao proc. n.º 738/22....;
10. Este PER veio a encerrar, por recusa do Plano, em 30.08.2022;
11. O Autor veio em 06.04.2022 requerer o FGS, identificando como situação que determina o pedido o processo especial de revitalização n.º ...2..., do Juízo do Comércio de Viana do Castelo – cfr. fls. 1 a 1 verso do PA no SITAF; 12. Em 12.05.2022, foi elaborada informação, sobre a qual incidiu despacho de concordância, com o seguinte teor – cfr. fls. 70 a 71 do PA no SITAF:
13. Por ofício datado de 24.05.2022, foi o Autor notificado do seguinte – cfr. fls. 72 do PA no SITAF
14. Em 14.06.2022, foi expedido ofício contendo decisão e indeferimento do requerido pelo Autor – cfr. fls. 73 do PA no SITAF;
15. Em 17.06.2022, o Autor apresentou requerimento relativo a exercício de audiência prévia – cfr. fls. 74 do PA no SITAF;
16. Em 12.07.2022, o Autor apresentou reclamação – cfr. fls. 83 do PA no SITAF;
17. Em 27.07.2022, foi proferido despacho de concordância com informação relativa a indeferimento do pedido pelo Autor, tendo sido considerado o requerimento de audiência prévia como reclamação – cfr. fls. 80 do PA no SITAF
18. Por ofício datado de 28.07.2022, foi o Autor notificado do seguinte – cfr. fls. 82 do PA no SITAF:
19. A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal, em 19.09.2022 – cfr. registo SITAF
(...)”.
O Recorrente começa por apelar à nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório, aferido na vertente da dispensa ilegal da audiência prévia a que alude o artigo 87º-A do CPTA -
Com efeito, no caso em análise, o ora Recorrente só com a notificação da sentença proferida teve conhecimento da dispensa da audiência prévia a que alude o artigo 87°-A do CPTA, pelo que o recurso jurisdicional interposto dessa sentença é o meio adequado para reagir contra essa alegada nulidade, razão pela qual importa proceder à sua apreciação.
Por conseguinte, vejamos se ocorre o invocado desvio processual, e, em caso afirmativo, se o mesmo é suscetível de gerar ou possa influir no exame ou na decisão da causa, designadamente, por violação do princípio do contraditório decorrente do n° 3 do art.° 3° do Novo Código de Processo Civil, conduzindo à nulidade da decisão recorrida.
Neste domínio, dir-se-á ser verificável que, no processo em apreço, o Tribunal, após resposta do Autor à matéria excetiva formulada pelo Réu, prolatou despacho, para o que ora nos interessa, a dispensar a audiência a que alude o artigo 87°-A do CPTA, passando a apreciar e decidir as questões prévias nos autos, que julgou improcedentes, na sequência do que emanou o despacho saneador-sentença recorrido nos autos.
Ora, a marcha da ação administrativa encontra-se regulada nos artigos 78° e a 96° do CPTA.
Nos termos destas disposições, e para o que ora releva, mais concretamente do artigo 87° do referido diploma legal, uma vez concluídas as diligências de aperfeiçoamento previstas no n° 1 do citado preceito legal, ou não sendo estas necessárias, tem lugar a realização da audiência prévia prevista no artigo 87°-A do CPTA.
O Tribunal está sujeito ao princípio da legalidade nos atos processuais, o que vale por dizer, que a audiência prévia só pode ser dispensada (i) nos casos em que a lei admite expressamente esta dispensa e (ii) no uso da faculdade da gestão processual, aqui, respeitado sempre, o princípio do contraditório [artigo 6° n° 1 e 547° do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA].
Ora, os casos em que a lei permite a dispensa da audiência são apenas os ressalvados aos previstos nas alíneas d), e) e f) do n.° 1 do artigo anterior, ou seja, para proferir despacho saneador, nos termos do n.° 1 do artigo 88.°, para determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização do processo; e, bem assim, para proferir, após debate, despacho destinado a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes.
Contudo, o conhecimento do mérito da causa está incluído na alínea b) do artigo n°1 do artigo 87°-A, não podendo por isso ser a audiência prévia em tal caso dispensada ao abrigo das alíneas e), d) e f) do mesmo preceito, como fez o Tribunal recorrido.
O que serve para concluir que, entendendo o Tribunal a quo que poderia conhecer, em sede de despacho saneador, acerca do mérito da ação, deveria, em cumprimento do prescrito na alínea b), do n° 1, do artigo 87°-A do CPTA, convocar audiência prévia.
Não o tendo feito, incorreu em omissão de um ato processual expressamente prescrito na lei.
Poder-se-ia, contudo, objetar que, não obstante o que se vem de expor, sempre poderia o Tribunal dispensar a realização da audiência, fazendo uso do poder de gestão processual na dimensão do poder de simplificação e agilização processual [cfr. artigos 6.° do CPC, ex vi do artigo 1° do CPTA]”.
Contudo, em face do que deriva do n° 3 do artigo 87º-B do CPTA - donde emerge que, se alguma das partes pretender reclamar dos despachos proferidos para os fins previstos nas alíneas e), f) e g) do n.° 1 do artigo anterior, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia, que, neste caso, deve realizar-se num dos 20 dias seguintes - entende-se que o recurso a esta faculdade deve ser sempre (i) fundamentado e (ii) absolutamente precedido da manifestação da intenção da dispensa de realização da audiência prévia acompanhada da concessão de um prazo de 10 dias para, as partes, querendo, virem opor-se a tal intenção judicial.
Todavia, as partes não foram ouvidas acerca da possibilidade de dispensa de realização da audiência prévia, nem quanto à possibilidade de se poderem opor a tal no prazo de 10 dias.
Pelo que nem sequer é equacionável in casu a dispensa de audiência prévia com fundamento no poder de gestão processual na dimensão do poder de simplificação e agilização processual.
Donde decorre que o despacho proferido pelo Tribunal a quo, a dispensar a realização da audiência prévia, é, prima facie, um despacho ilegal, pois foi proferido relativamente a situação em que não lhe era permitido dispensar a realização de tal ato processual, atento o desiderato de ir conhecer acerca do mérito da causa.
A questão que se coloca, no seguimento, é a de saber se tal irregularidade processual é suscetível de gerar ou possa influir no exame ou na decisão da causa, designadamente, por violação do princípio do contraditório a que se reporta o artigo 3°, n° 3 do CPC do Novo Código de Processo Civil, conduzindo à nulidade da decisão recorrida.
Cremos que sim.
Na verdade, a convocação da audiência prévia prevista no artigo 87°-A do C.P.T.A visa, desde logo, assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisão-surpresa em obediência ao preceituado no artigo 3°, n° 3 do CPC.
No caso concreto, pese embora o Recorrente tenha tido a faculdade de responder à matéria excetiva suscitada na contestação da Recorrida, é absolutamente insofismável que não lhe foi dado o direito ao contraditório sobre a (i) diferente tramitação da causa, bem como sobre a (ii) prolação de decisão de mérito sem produção de prova.
Ora, não é possível formular um qualquer juízo de que a omissão da tramitação devida não possa influir no exame ou na decisão da causa, de modo a que se possa considerar sem relevo no contexto da causa.
Isto porque, em rigor, o princípio do contraditório não implica um juízo do juiz quanto à necessidade de ouvir as partes, nomeadamente por considerar que elas ainda têm algo a dizer-lhe com relevo para o que tem a decidir.
Implica, antes, que as partes têm o direito de dizerem ao juiz aquilo que naquele momento ainda entendem ser relevante.
Podendo as partes estar impedidas de carrear novos factos para os autos, podendo ter já abordado todas as questões a apreciar, podem ainda, na perspetiva de uma decisão imediata, querer aprofundar algumas questões, ou, talvez mais relevante, podem querer infirmar a conclusão a que o juiz chegou de que lhe era possível decidir.
Essa é, pelo menos, uma oportunidade relevante cerceada.
E não pode presumir-se que, mesmo sendo exercida, a decisão seria a mesma.
Pela simples razão de que não foi exercida.
Além de que o princípio do contraditório impede o juiz de considerar irrelevante a audição das partes, quando persistam no processo questões sobre que se não pronunciaram, como seja, a possibilidade de decisão de mérito sem produção de prova, como sucedeu nos autos.
Desta feita, na medida em que ao Recorrente foi vedada essa faculdade que a lei lhe assegurava, e não podendo presumir-se que, mesmo sendo exercida, a decisão seria a mesma, sendo certo que o princípio do contraditório impede o juiz de considerar irrelevante a audição das partes, quando persistam no processo questões sobre que se não pronunciaram, como seja, a possibilidade de decisão de mérito sem produção de prova, como sucede nos autos, impõe-se reconhecer a razão do Apelante na invocação da nulidade processual.
Assim também o têm entendido os Tribunal Centrais Administrativos - cfr. os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01/03/2019 e 12/09/2019, respetivamente, tirados no processo nº 0277/18.5BECBR e nº 1780/14.1BESNT, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
Vide os respectivos sumários:
1 - A ilegalidade da dispensa da audiência prévia decorre directamente do artigo 87º-A/1/b) do CPTA, que comete à audiência prévia, entre outras funções, a de «Facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa».
2 - Assim, tendo o TAF proferido decisão sobre o mérito da causa, não poderia ter preterido a realização da audiência prévia.
3 - A não realização da audiência prévia quando ela era obrigatória constitui uma nulidade processual, visto que se trata da omissão de um acto que a lei prescreve e que pode influir no exame e na decisão da causa (artigo 195º, nº 1, do CPC).
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I.Após o novo CPC e a revisão do CPTA de 2015, o despacho judicial de convite ao aperfeiçoamento, a proferir logo após a fase dos articulados, passou a revestir natureza vinculada e não meramente discricionária, impondo-se ao julgador como ato processual a praticar no processo, nos termos do corpo do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA, ao determinar que findos os articulados o processo é concluso ao juiz que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador, destinado a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados [alínea b)] e ainda o n.º 3, quanto ao suprimento das insuficiências e imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
II. A audiência prévia está regulada nos artigos 87.º-A e 87.º-B do CPTA e nos artigos 591.º, 592.º e 593.º do CPC, com grandes similitudes entre os respetivos regimes.
III. Prevendo-se no artigo 87.º-A do CPTA que a audiência prévia deva ser convocada com vista à realização de alguma das suas finalidades enunciadas nas várias alíneas do seu n.º 1, estabelece o artigo 87.º-B do CPTA as condições e regime da sua não realização.
IV. O artigo 87.º-A do CPTA conjuga quer os poderes do juiz, quer das partes: recaindo sobre o juiz o poder de convocar ou não a audiência prévia, porque a mesma não se realiza (n.º 1) ou porque o juiz a dispensou (n.º 2), assiste às partes o direito potestativo de requerer a realização da audiência prévia (n.º 3).
V. O juiz profere despacho a convocar a realização da audiência prévia (artigo 87.º-A, n.º 1) ou, pelo contrário, despacho a dispensar a sua realização (artigo 87.º-B, n.º 2), para permitir às partes que, querendo, façam uso da prerrogativa que a lei lhes concede de requerer a sua realização.
VI. A lei processual civil e administrativa consagram a regra da obrigatoriedade da audiência prévia.
VII. Sem que ao abrigo dos deveres de adequação formal e gestão processual, sob o artigo 7.º-A, n.º 1 do CPTA e os artigos 547.º e 6.º do CPC, esteja vedada a possibilidade de o juiz introduzir um desvio à tramitação legal do processo - que consagra a obrigatoriedade da realização da audiência prévia - quando as especificidades da causa o justifiquem, é condição que ocorra a prévia audição das partes para que se possam previamente pronunciar sobre a conveniência da adequação da tramitação processual, sob pena de nulidade processual por omissão de um ato que a lei prescreve, segundo o artigo 195.º, n.º 1 do CPC.
Consequentemente, tem de ser declarada a nulidade do despacho que dispensou a audiência prévia a que alude o artigo 87º-A do CPTA, o que determina a nulidade dos atos praticados subsequentemente a tal decisão e que da mesma dependam em absoluto, ou seja, e in casu, o proferido saneador sentença.
Procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, anula-se a sentença recorrida com fundamento em nulidade processual e, em consequência, ordena-se a baixa dos autos para que seja proferido o despacho que permita às partes se pronunciar sobre a realização ou dispensa da audiência prévia e o seu normal prosseguimento, se nada mais obstar.
Sem custas.
Notifique e DN.
Porto, 05/4/2024
Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Rogério Martins
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