Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01535/12.8BEPRT |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 06/30/2023 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Helena Ribeiro |
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR FACTO ILÍCITO; PRESSUPOSTOS; ERRO MÉDICO; ERRO DE DIAGNÓSTICO; |
| Sumário: | 1-Não é de todo admissível uma impugnação genérica e global da matéria de facto julgada em primeira instância, estando vedado ao apelante impetrar, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida, manifestando uma genérica discordância com a decisão da 1ª instância. 2- Embora à responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito decorrente de erro médico em hospital do SNS se aplique o regime da Lei n.º 67/2007, de 31/12, os pressupostos em que esta responsabilidade assenta são precisamente os mesmos que se aplicam no âmbito do regime consagrado no Código Civil, ou seja: (i) facto voluntário; (ii) ilicitude; (iii) culpa; (iv) dano; (v) nexo de causalidade. 3- O art.º 9.º , n.º1do RRCEE, consagra um conceito amplo e subjetivo de ilicitude. A amplitude da previsão legal resulta da circunstância de a ilicitude não corresponder, apenas, à violação de disposições ou princípios normativos, mas também abranger o desrespeito por regras de natureza técnica ou, até, de simples deveres objetivos de cuidado. 4- A culpa, nos termos do artigo 10.º do RRCEE, é aferida pelo padrão de diligência e aptidão que seja razoável exigir em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor. 5- As “leges artis”, escritas ou não, quando referidas ao modo de execução em concreto de certo tratamento, serão normalmente regras de ordem técnica da medicina, aceites e seguidas no universo da especialidade. “A observância das leges artis consiste na obediência às regras teóricas e práticas de profilaxia, diagnóstico e tratamento, aplicáveis no caso concreto, em função das características do doente e dos recursos disponíveis pelo médico”. 6-Perseguir os sinais indicadores de doença, revelados pelos exames médicos, é uma obrigação que se impõe a todo e qualquer profissional da medicina, razoavelmente diligente e de conhecimentos médios. (Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil). |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I. RELATÓRIO 1.1.«AA», contribuinte fiscal n.º ..., «BB», contribuinte fiscal n.º ..., e «CC», contribuinte fiscal n.º ..., todos residentes na Avenida ..., ..., 4460840 ..., ..., moveram a presente ação administrativa contra o CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E., e os médicos «DD», «EE» e «FF», peticionando a condenação solidária dos réus a pagarem-lhes indemnização no valor global de € 232.017,00, acrescidas de juros moratórios legais vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos decorrente de erro médico, na modalidade de erro de diagnóstico. Alegam, para tanto, em síntese, que os autores são os únicos e universais herdeiros do falecido «GG», o qual, em 22/05/2009, recorreu aos serviços de urgência do Hospital ... por sentir fadiga, picadelas nas extremidades dos dedos das mãos, tonturas associada à distorção da imagem e perda de apetite, data em que lhe foi realizado exame neurológico e TAC cerebral cujos resultados foram normais, tendo tido alta com o diagnóstico de possível vertigem periférica (ainda que atípica) e com a recomendação de ser novamente observado caso não houvesse melhoria das queixas; Acontece que o referido «GG» manteve as queixas referidas de tonturas, desequilíbrio na marcha, cansaço, picadelas nas extremidades dos dedos das duas mãos, razão pela qual, em 29/05/2009, recorreu novamente ao serviço de urgência do mesmo hospital, referindo que todas aquelas queixas se mantinham, tendo-lhe sido proposto o internamento; Em 30/05/2009, deu entrada no hospital, para estudo no Serviço de Neurologia, onde permaneceu consecutivamente internado até 19/06/2009, data em que faleceu; Em 30/05/2009, o «GG» queixou-se de falta de forças, fadiga na marcha, tendo sido avaliado na especialidade de cardiologia onde realizou um ecocardiograma transtorácico e um ecocardiograma cujos resultados demonstravam uma falência cardíaca com áreas de hipocinésica bem localizadas, e cuja causa mais frequente é a doença coronária, que implicava uma investigação mais alargada do foro cardíaco, que não está relatada no relatório de episódio de urgência de 30.05.2009; Sucede que não obstante ter sido recomendada a repetição do eletrocardiograma, o doente nunca chegou a realizá-lo; Acresce que, apesar de, no decurso da 2.ª semana do internamento, o paciente se ter queixado de perda de força no braço esquerdo, tal queixa nunca foi valorizada pelas rés médicas, tendo-lhe sido apenas dada por estas uma mola de mão para premir e recuperar a força do braço; Referem que durante o período de internamento daquele, os réus médicos subestimaram as queixas apresentadas pelo doente e que foram transmitidas àqueles repetidamente, quer pelo paciente, quer pela sua esposa, aqui autora; Precisam que a autora, na semana que precedeu à morte de seu marido, solicitou pessoal e diretamente ao réu médico, na qualidade de Diretor do Serviço de Neurologia, que fosse à enfermaria consultá-lo pois o seu estado de saúde continuava a inspirar cuidados e não sabiam ainda qual a causa da doença, tendo aquele respondido que não precisava de ir consultá-lo pois sabia perfeitamente pelas colegas, as rés médicas, qual a doença que ele tinha, referindo à autora que era do “foro sistémico”, querendo ele dizer com isto, como explicou, que o paciente “tinha o corpo todo contaminado com metástases devido a doença do foro oncológico”, e que esta “pusesse o coração ao largo pois nada mais havia a fazer”, e a verdade é que nunca o foi consultar diretamente à enfermaria dos seus serviços; Nenhum dos réus médicos prestou ao doente os cuidados médicos necessários para o curar, prescrevendo ao doente uma broncofibroscopia, que realizou em 15/06/2009, que agravou o estado de saúde do paciente; Após o óbito de «GG», a família requereu uma autópsia médico-legal no Instituto de Medicina Legal ..., tendo os peritos médicos que procederam à autópsia concluído que a morte se devera a enfarte de miocárdio em fase inicial de cicatrização com cerca de 10 a 14 dias de evolução, devido a aterosclerose coronária severa, com obstrução de 80%, com trombose associada, sendo esta a causa de morte natural; Durante o período de tempo de 21 dias em que o doente «GG» esteve internado no Serviço de Neurologia do hospital e onde veio a falecer, nunca o mesmo foi visto e tratado pelo Serviço de Cardiologia nem realizou novo eletrocardiograma, bem como o estudo enzimático cardíaco, exame e estudo esses que seriam imprescindíveis para investigar a sintomatologia apresentada assim como o resultado do ecocardiograma; Os réus médicos cometeram um grosseiro e indesculpável erro médico de diagnóstico e tratamento do doente, evidenciando os seus comportamentos negligência e imprudência médicas e que foram causa adequada do agravamento da doença do paciente e da sua morte, tendo-lhe diagnosticado erradamente um cancro com metástases, sendo certo que o paciente nunca foi canceroso e que a sua morte foi devida a “enfarte de miocárdio em fase inicial de cicatrização com cerca de 10 a 14 dias de evolução, devido a aterosclerose coronária severa, com obstrução de 80%, com trombose associada”; O marido da autora faleceu no hospital, tendo a autora pago à Agência funerária que executou todos os serviços fúnebres, a quantia de € 4.458,00; «GG», à data do acidente em apreço, tinha 62 anos de idade, era uma pessoa plena de atividade e dinamismo, com grande apego ao trabalho e gosto pela vida, e exercia as funções de vendedor de uma empresa, auferindo um rendimento líquido médio mensal de € 1.341,00, era casado com a autora e vivia em comunhão de mesa e habitação com esta e seu filho «CC», aqui autor, contribuindo financeiramente com € 1.000,00 do seu rendimento para as despesas domésticas e normais do seu agregado familiar constituído por si, esposa e aquele seu filho que, ao tempo, era estudante da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, e ainda pagando as despesas com os estudos desse seu filho; «GG» sempre dedicou grande amor e carinho a sua esposa e filhos, aqui autores, e estes sempre lhe dedicaram também grande amor e carinho; Durante o período de internamento no hospital e até à sua morte, sentiu grandes dores, ansiedade e sofrimento psíquico, apercebendo-se de que os tratamentos que lhe estavam a ser prescritos pelos réus médicos não eram os adequados à sua doença, pois não sentia quaisquer melhorias, apercebendo-se do espectro da morte que, infelizmente, lhe adveio; Os autores encontravam-se na sua casa de habitação quando receberam a informação que seu marido e pai havia falecido, e viveram momentos de intensa ansiedade e sofrimento psíquico quando tomaram conhecimento da morte de seu marido e pai, e viveram ainda grande angústia e sofrimento moral durante o tempo que mediou o dia do seu internamento hospitalar e a ocorrência do óbito dele, tendo sofrido um profundo desgosto com o falecimento de seu marido e pai, vendo-se súbita e brutalmente privados do seu convívio e amor, desgosto esse que acompanhará todos os autores durante toda a sua vida, vivendo estes agora num estado de inconsolável tristeza; É de prever que o falecido continuasse com plena capacidade para o trabalho por mais 5 anos ou seja até aos 67 anos, altura em que se aposentaria, continuando a auferir rendimentos desse seu trabalho, em média mensal, de pelo menos € 1.341,40 e, supondo inalterável o rendimento do seu trabalho, ganharia durante o tempo previsível da sua vida ativa e até à idade da sua reforma, ou seja, até aos 65 anos, a quantia de € 56.338,00 (€ 1.341,40/mês x 14 meses x 3 anos), pelo que, se não tivesse ocorrido o erro clínico em apreço, a autora teria a legítima expectativa de beneficiar de rendimentos de trabalho de seu falecido marido durante mais 3 anos, e que totalizariam a quantia de € 37.559,20. 1.2. Citado, o Réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação, alegando, em síntese, que os atos praticados pelos réus respeitaram as leges artis aplicáveis e corresponderam ao exato tratamento e às necessárias respostas passíveis de serem colocadas e adotadas tendo em conta o concreto circunstancialismo; Refere que em 30/05/2009, o doente não apresentava qualquer sintoma que fizesse suspeitar de doença cardíaca, pois não tinha queixas, no momento nem anteriores, de dor torácica, dispneia para pequenos ou grandes esforços, dispneia paroxística noturna, ortopneia ou edemas dos membros; e do eletrocardiograma e do ecocardiograma transtorácico não resultavam quaisquer indícios demonstrativos de “falência cardíaca com áreas de hipocinesia bem localizadas”, inexistindo qualquer sintomatologia, sinais ou achados nos resultados dos exames que mostrassem a referida falência cardíaca; As alterações do eletrocardiograma e as alterações da contractilidade ventricular encontradas no ecocardiograma transtorácico, na ausência de sintomatologia sugestiva de doença cardíaca, poderiam ser justificadas por uma doença coronária aguda ou serem secundárias a doença neurológica, o que, no contexto clínico do doente, foi considerado como a causa mais provável; Embora a causa mais frequente de tais alterações seja a doença coronária, a verdade é que não é a única, e, dado o contexto clínico do doente, o mais provável era enquadrar-se na síndrome de doença miocárdica por doença neurológica (“neurogenic stunned myocardium”); Não é verdade que o doente não tenha sido objeto de uma “investigação mais alargada do foro clínico” pois, durante o internamento, e não obstante o doente se manter sempre assintomático do ponto de vista cardíaco, foram realizados exames e estudos por indicação do cardiologista da urgência, exames esses que não evidenciaram modificações significativas em relação às verificadas no serviço de urgência, o que contraria, em absoluto, a hipótese de síndrome coronário agudo em evolução, pelo que não havia indicação para qualquer investigação adicional para além da realizada; O eletrocardiograma foi repetido em 30/05/2009, 03/06/2009, 17/06/2009 e 18/06/2009; A queixa de perda de força do braço esquerdo foi valorizada pois o doente foi observado pela neurologista de serviço, «HH»; O doente foi também apoiado pelas enfermeiras do serviço, que lhe prestaram apoio moral e técnico, fornecendo material usado na reabilitação fisiátrica, apesar de não se constatar qualquer défice motor; Todas as queixas foram devidamente valorizadas; Entre 5 e 14 de junho, o réu «DD» esteve ausente do serviço; No final da manhã de 17/06/2009, o réu «DD» reuniu com a autora e com a ré «EE», a pedido da autora, tendo-lhe sido explicado o estado de saúde do doente, a evolução da doença, sua discussão em reunião de serviço e medidas tomadas, tendo-lhe sido referida a extrema gravidade do momento, face à ocorrência de nova manifestação da doença, no contexto da doença sistémica, a colaboração solicitada aos internistas do serviço de urgência na confirmação do diagnóstico e orientação do tratamento, do muito provável tromboembolismo pulmonar; A solicitação da intervenção do diretor de serviço mostrava-se desajustada, atenta a necessidade imperiosa de cuidados médicos de internistas/emergencistas, e não de neurologistas, sem prejuízo da total atenção dedicada pelos mesmos à evolução da situação clínica; Não foi dito ao doente nem à autora que aquele tinha metástases, nem que pusesse o coração ao largo; diferentemente, o que foi dito à autora foi que o doente tinha um estado propício a tromboses, um estado pro-trombótico, secundário a uma doença do foro sistémico que, na maioria das vezes, num homem da idade do seu marido e sem evidência de outras causas, é uma doença oncológica-neoplasia; A realização da broncofibroscopia mão contribuiu para o desfecho registado pois o doente iniciou falta de ar dois dias depois do exame mas não há nada que faça suspeitar da relação entre ambas pois o doente manteve-se estável por mais de 48h e o raio -x tórax foi normal, excluindo algumas das complicações raras, mas possíveis, deste exame; Entre 5 e 9 de junho de 2009, o doente esteve internado na enfermaria de neurologia, nunca tendo referido dor torácica, dispneia, cansaço, ortopneia, tendo-se mantido sempre hemodinamicamente estável, deambulado e feito a sua higiene de forma independente; As áreas de hipocinesia do miocárdio verificadas pela primeira vez no ecocardiograma transtorácico de 30/05/2009 são prévias a este período, não tendo existido nem no eletrocardiograma de 30/05/2009, nem no de 03/06/2009, nem nos ecocardiogramas transtorácicos das mesmas datas, critérios de síndrome coronário agudo nem evidência de falência cardíaca; A troponina T de 03/06/2009, discretamente aumentada, isoladamente, na ausência de clínica de síndrome coronário agudo e de alterações evolutivas tanto no eletrocardiograma como no ecocardiograma transtorácico, não sugeria isquemia miocárdica aguda e, associada a aumento de outras análises (TGO, DHL e gama GT), suporta a hipótese de se dever a lesões isquémicas noutros territórios, até porque, sendo um marcador muito sensível de necrose miocárdica, não é específica, surgindo noutras situações, como enfartes cerebrais, tromboembolismo pulmonar e enfarte renal, que o doente apresentava; Um enfarte de miocárdio que, eventualmente, tivesse ocorrido entre 5 e 9 de junho, como foi proposto pelo relatório de autópsia do INML, não se justificaria, nem em termos cronológicos, nem justificaria o perfil das lesões encefálicas conhecidas desde 27/05/2009, as quais não têm o perfil cortical típico dos enfartes cerebrais de causa cardioembólica, e, como decorre dos relatórios das duas primeiras ressonâncias magnéticas encefálicas, pelas suas características, foi antes proposta uma natureza inflamatória microvascular, além de que também não havia um compromisso significativo da função do ventrículo esquerdo que justificasse embolização; O hipotético, mas inexistente, enfarte do miocárdio, ocorrido entre 5 e 9 de junho, também não justificaria os outros enfartes encontrados a nível sistémico, em termos de sequência cronológica, porque lhe são anteriores, pelo menos de 2 de junho, nem justificariam o perfil de distribuição destas lesões hepáticas, renais e esplénicas; Em suma, o doente não apresentava quaisquer evidências que pudessem sugerir o diagnóstico de enfarte de miocárdio; O diagnóstico de presunção colocado (e o mais provável) foi de se tratar de um estado pró-trombótico, o qual, neste contexto clínico, está normalmente subjacente a uma neoplasia; Outras causas de estado pro-trombótico foram também estudadas, nomeadamente a causa autoimune, que foi negativa embora não possa ser excluída em definitivo; O facto de a autópsia médico-legal não ter conseguido encontrar nenhuma neoplasia em nenhum dos tecidos estudados não exclui o seu diagnóstico, até porque uma neoplasia, ainda que infracentimétrica, pode causar este tipo de complicações, e a autópsia não foi exaustiva neste sentido a nível do aparelho digestivo (uma simples observação macroscópica não permite excluir uma neoplasia oculta e níveis séricos de enolase anormalmente elevados), pâncreas, glândulas suprarrenais, próstata e mediastino, nem sequer as adenopatias mediastínicas de características seguramente patológicas, descritas na TC do tórax, foram descritas; Regista-se ainda contradição entre os dados macroscópicos e microscópicos constantes do relatório da autópsia médico-legal pois, no exame macroscópico, refere-se trombo mural recente no ventrículo esquerdo, e no exame microscópico, diz-se trombo mural aderido ao endocárdio ventricular com sinais de organização e quadro morfológico compatível com enfarte de miocárdio com tempo aproximado de 10-14 dias de evolução, referindo “múltiplas áreas de necrose coagulativa associadas a tecido cicatricial jovem”, fenómeno este que implica sempre um tempo de ocorrência inferior a 3 dias, sendo certo que, em qualquer dos períodos mencionados, o doente não reuniu uma associação de critérios clínicos, enzimáticos, eletrocardiográficos e ecocardiográficos que permitissem fazer o diagnóstico de isquemia coronária aguda em vida; O doente não apresentou, durante todo o internamento, qualquer sintoma ou sinal, nem achados dos exames realizados que fizessem suspeitar de qualquer uma das complicações que levam a enfarte do miocárdio determinante da morte (insuficiência cardíaca grave e refratária, rotura cardíaca, tamponamento cardíaco, fibrilação ventricular, perturbações graves da condução auriculoventricular), nem evidenciou qualquer alteração de ritmo durante todo o período em que esteve devidamente monitorizado nas 48h que precederam a sua morte; A situação que levou o doente à morte e que foi suspeitada clinicamente e devidamente confirmada pelos vários eletrocardiogramas, ecocardiogramas transtorácicos e angio-TC tórax (de 17 e 18 de Junho) foi tromboembolismo pulmonar, tendo iniciado de imediato o tratamento para essa situação; O doente foi, durante o período de internamento, várias vezes observado por médicos especialistas em cardiologia e no serviço de cardiologia, bem como foram repetidos eletrocardiograma, ecocardiograma e estudos analíticos e, perante os resultados dos exames realizados, os médicos especialistas em cardiologia não deram indicação para investigação ou orientação terapêuticas adicionais, e, mesmo na ausência de sintomatologia, foram realizados vários exames e em tempos diferentes (ECG, ecocardiogramas e estudos analíticos), cujos resultados não apontaram para o diagnóstico de isquemia miocárdica aguda nem da necessidade de investigação adicional; As áreas de hipocinesia miocárdica demonstradas no ecocardiograma não implicam falência cardíaca e o doente não apresentava sintomas ou sinais de insuficiência cardíaca e a função global do ventrículo esquerdo manteve-se sem compromisso significativo até 17 de Junho; A doença coronária, ainda que seja a causa mais comum, não justificaria todo o restante quadro clínico com, pelo menos, um mês de evolução (apatia, distração, emagrecimento significativo) e as várias áreas isquémicas (cerebral, renal, esplénica, hepática, válvulas cardíacas, a nível dos dedos e pulmonares) constatadas nos exames complementares de diagnóstico realizados a partir de 27 de Maio bem como na autópsia médico-legal; As conclusões do parecer junto com a p.i. carecem de sustentação porquanto: a) o enfarte do miocárdio não poderia ter sido diagnosticado em vida nas datas propostas pela autópsia médico-legal face à ausência de argumentos clínicos e laboratoriais (ECG, ecocardiograma e análises); b) todos os médicos que intervieram a partir de 17 de Junho (cardiologistas e internistas) assumiram o tromboembolismo pulmonar como diagnóstico muito provável, considerando menos prováveis as possibilidades de endocardite ou síndrome coronário agudo; c) o diagnóstico clínico em vida foi de estado pro-trombótico, valorizando múltiplos enfartes em territórios estratégicos (cerebrais, esplénicos, renais, mãos e pés, prováveis hepáticos e o tromboembolismo pulmonar fatal), tendo o doente sido discutido nas reuniões semanais dos serviços de neurologia e neurorradiologia com um diagnóstico consensual; d) não havia qualquer sintomatologia clínica compatível com enfarte do miocárdio em 15 de Junho, hipótese que também não se correlacionaria cronologicamente de forma adequada com a hipótese de um enfarte do miocárdio como causa de morte com 10 a 14 dias de evolução; e) apesar de haver áreas de hipocinesia, o ecocardiograma demonstrou uma função ventricular global sem compromisso significativo, ou seja, não havia nada a sugerir insuficiência cardíaca (“falência cardíaca”); f) ainda que o doente tivesse uma fibrilação auricular (clinicamente não tinha queixas que o sugerissem nem foi demonstrada essa arritmia nos eletrocardiogramas efectuados) ou outra causa embolígena cardíaca, o perfil de embolização não seria o que encontramos no doente, nomeadamente relativamente às lesões cerebrais encontradas a 27 de maio ou às lesões hepáticas/renais encontradas a 2 de Junho; g) o eletrocardiograma efetuado em 27 de maio, em clínica extra-hospitalar, nunca foi exibido aos réus; h) a autópsia não esclareceu a natureza das lesões encefálicas que motivaram os sintomas que levaram o doente ao hospital e, a serem devidamente identificados e confirmados os microenfartes encefálicos múltiplos, documentados pelas imagens da ressonância magnética, acabariam por ter grande importância na confirmação do estado pro-trombótico, e o enfarte do miocárdio, por si só, não os explica, porque teria ocorrido já após o início da doença e a localização dos enfartes cerebrais não é compatível com origem cardíaca; i) Os achados da autópsia não referem dados importantes como, por exemplo, o estado da próstata, do sistema neuroendócrino, pancreático, das glândula suprarrenais e do tubo digestivo, e uma simples observação macroscópica não permite excluir uma neoplasia oculta; j) O estudo dos pulmões na autópsia é pouco esclarecedor pois afirma-se não haver enfarte pulmonar mas identificou-se trombo recente em artéria de pequeno calibre no pulmão esquerdo e de sinais de hipertensão pulmonar que podem estar associados a microtromboembolismo pulmonar; k) A natureza das adenomegalias do mediastino também não ficou completamente esclarecida, em grande parte por omissão de informação; O doente só manifestou sintomatologia que evidenciava doença pulmonar/cardíaca a partir de 17 de Junho, e, a partir desse dia, foram adotadas, por parte de todos os médicos que observaram o doente, as diligências necessárias e adequadas à reversão do seu estado de saúde; Quanto aos danos, os autores não juntaram qualquer documento comprovativo dos rendimentos auferidos pelo doente nem das despesas com a educação universitária do autor «CC». 1.3. Citados, os Réus «DD» e «EE» apresentaram contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. Na defesa por exceção invocaram a sua ilegitimidade passiva. Na defesa por impugnação, pugnaram pela improcedência da ação, nos mesmos termos em que o fez o réu Centro Hospitalar; Mais requereram a intervenção acessória da seguradora [SCom01...] – Companhia de Seguros, S.A.. 1.4. Citada, a Ré «FF» apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. Na defesa por exceção, invocou a sua ilegitimidade. Na defesa por impugnação, pugnou pela improcedência da ação, nos mesmos termos em que o fez o réu Centro Hospitalar. Mais requereu a intervenção acessória da seguradora [SCom01...] – Companhia de Seguros, S.A.. 1.5. Os Autores replicaram, pugnando pela improcedência das exceções invocadas. 1.6.Por despacho de 21/03/2014, foi admitida a intervenção principal da seguradora [SCom01...] – Companhia de Seguros, S.A.. 1.6.A seguradora [SCom01...] – Companhia de Seguros, S.A., apresentou contestação, na qual se defendeu por exceção e por impugnação. Na defesa por exceção invocou a sua ilegitimidade e a ilegitimidade dos réus segurados bem como a prescrição e a invalidade das cláusulas do contrato de seguro celebrado com a 4.ª ré. No mais pugnou pela improcedência da ação. 1.7. Os autores replicaram, pugnando pela improcedência das exceções invocadas. 1.8.Teve lugar audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, que julgou o Tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar a questão da validade das cláusulas contratuais do contrato de seguro celebrado com a 4.ª ré, mais tendo julgado improcedentes as exceções da ilegitimidade dos 2.º, 3.ª e 4.ª réus e da prescrição, tendo sido fixado o valor da causa. Foi ainda fixado o objeto do litígio e a matéria assente por acordo das partes e com base nos documentos juntos, e os temas da prova. Foi ainda determinada a realização de perícias médicas nas especialidades de neurologia, cardiologia, medicina interna e anatomopatologia. 1.9.Foram apresentados os relatórios periciais das especialidades de neurologia, cardiologia, medicina interna e anatomopatologia, não tendo sido apresentadas reclamações contra os mesmos. 1.10.Realizada a audiência final, Autores e réus apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as suas posições, constantes dos articulados pelos mesmos apresentados. 1.11. Seguidamente foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, constando da sentença recorrida a seguinte parte decisória: «Pelo exposto, decide-se julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência: a) Absolver os réus «DD», «EE» e «FF», e a interveniente principal do pedido; b) Condenar o réu Centro Hospitalar no pagamento dos seguintes montantes, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento: a. A cada um dos três autores, € 8.000,00, pelo dano não patrimonial do sofrimento de «GG» anteriormente à sua morte; b. A cada um dos três autores, € 20.000, pelo dano não patrimonial da perda da vida de «GG»; c. À autora «AA», € 25.000, e aos autores «BB» e «CC», € 20.000,00, pelo dano não patrimonial do seu sofrimento decorrente da morte do cônjuge da primeira e do pai dos segundos; d. À autora «AA», € 4.458,00, pelo dano emergente do pagamento das despesas do funeral de «GG»; e. Aos autores «AA» e «CC», € 35.405,43, a dividir igualmente por ambos, pelo dano correspondente à privação da contribuição mensal do vencimento de «GG». Custas pelos autores e pelo réu Centro Hospitalar, na proporção do decaimento (18,60% para os primeiros e 81,40% para o segundo).» 1.12. Inconformado com a sentença assim proferida que julgou a ação parcialmente procedente, o Réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., interpôs o presente recurso de apelação cujas alegações culmina com as seguintes CONCLUSÕES: «1ª Com o devido respeito, não é racionalmente aceitável – e para efeitos de discurso fundamentador de uma decisão judicial – que o Tribunal incorra no viés de comparar o estado físico do doente tal como, aquando da assistência, o mesmo se apresentou aos médicos hospitalares nos momentos sucessivos, (comparando-o) com o estado do cadáver analisado em sede de autópsia bem como o estado e percurso cognitivo dos dados do processo clínico a que se refere o relatório pericial de medicina interna, seguido pelo Tribunal e como tal afirmado; 2ª Nem é racionalmente admissível que o critério de aferição do acerto ou não consecução de um diagnóstico médico, da observação ou não das “leges artis” médicas nessa ação diagnóstica seja aferida, cotejada, com os dados médicos, necróticos, de uma autópsia; 3ª E assim, tanto no segmento temporal, da cronologia: porque, e apenas no segmento da cronologia, tal consubstancia um claro anacronismo judicial, traduzido em se analisarem factos passados, a assistência prestada entre o internamento e o decesso, à luz daqueles que apenas o futuro veio a revelar! E sem estar demonstrado validamente que eram então percetíveis, captáveis pela equipa médica! 4ª Nem quanto ao segmento da diferença de objeto: enquanto sobre um paciente, em situação vulnerável de determinada patologia ou de várias comorbilidades causais concorrentes, os agentes médicos dispõem de meios de exame e de diagnóstico determinados, sobre o corpo objeto da ação médica (com o iter mórbido sempre a correr), com a interação da relação médico-paciente e da convocação da vontade deste – como emerge em vários aspetos da matéria, vg quando o doente manifesta cansaço dos exames invasivos (Alínea EEE); 5ª Já o médico (legista) que procede à autópsia disseca um cadáver, de acordo com o enquadramento desse exame, sem quaisquer restrições de qualquer natureza, sem qualquer paralelo com a atividade diagnóstico sobre um paciente vulnerável ou multi vulnerável; sem comorbilidades nem ponderação de sintomas! Sem definição de planos de investigação e estratégias de prioridades! 6ª Assim, um diagnóstico estabelecido através de autópsia não pode, pela sua natureza, objeto e oportunidade, ser seguido como paradigma para aferir do acerto ou não acerto do diagnóstico da equipa médica que assistiu doente afetado de múltiplas patologias e diversos sintomas que se intersetam entre si, como critério de densificação da ilicitude ou de censura para a não consecução do diagnóstico; 7ª Com efeito, não pode admitir-se o enunciado da matéria assente da alínea NNNN) quando estabelece que «Na autópsia, a isquemia miocárdica era visível a olho nu – facto instrumental resultante do depoimento da testemunha «II»» com o sentido subjacente que se adivinha: era visível a «olho nu» e os médicos da ré, com ligeireza, «não viram»! Por tergiversar completamente a situação: era visível (se era) a olho nu, mas... no cadáver; quando se trata de saber se dos exames realizados e da «clínica» com o doente vivo tal era percetível no quadro das comorbilidades que o doente apresentava; 8ª Ainda assim, equipa médica seguiu várias pistas de assistência e intervenção sobre o doente, a saber i) sobre a sua deterioração cognitiva e lesões... (alíneas C, F e J); ii) sobre a área cardíaca (alíneas 0, P, K, R, S, T, U, AA, RRR e ainda BB, EE e FF), iii) sobre a hipertensão arterial (alínea M), iv) sobre as «adenopatias mediastínicas» (alíneas MM e VV), v) sobre a hipótese oncológica (alíneas AAA e ZZ), vi) sobre a hipótese neurológica (alíneas G, WW e XX), vi) sobre a eventual endocardite (alínea TTT), vii) sobre o tromboembolismo pulmonar (alíneas 000 e PPP), e o diagnóstico realizado sobre o cadáver, confirmou sinais de anatomia patológica de (quase) todas essas patologias; 9ª O Tribunal tem de estabelecer as «leges artis» tratando processualmente a matéria, em fase própria, levada à matéria assente ou aos temas da prova para, em consequência, se poder daí extrair, posto o contraditório e a produção da prova, daí retirar as consequências jurídicas, em exercício do poder jurisdicional pleno! Mas sim não haver um adquirido processual nesse sentido! 10ª As leges artis, enquanto regras técnicas do exercício da medicina, cuja violação consubstancie o pressuposto da ilicitude na responsabilidade civil, médica carecem quanto à sua identificação e fixação, de alegação ou de procura inquisitória e de prova, em contexto processual próprio, em anterioridade lógica quando ao quadro patológico do doente, e sua dinâmica assistencial, sem o que fica comprometido o estabelecimento do pressuposto respetivo; 11ª Com efeito, insurge-se a recorrente contra a deficiência do não tratamento das leges artis como matéria de facto e a consequente preterição da sua legal e cronologicamente oportuna fixação; porque as leges artis, em geral ou ad hoc, têm de ser definidas e fixadas em relação de anterioridade face ao caso concreto e às patologias apresentadas pelo doente, nos seus segmentos analíticos e de «clínica» ou seja, aquilo que resulta da perceção médica assistencial, e nunca fora desse quadro de referência! E não “a posteriori”! 12ª EM SÍNTESE: como nos mostra a doutrina e a jurisprudência, as “leges artis”, enquanto regras técnicas do exercício da medicina, cuja violação consubstancie o pressuposto da ilicitude na responsabilidade civil, médica carecem quanto à sua identificação e fixação, de alegação ou de procura inquisitória e de prova, em contexto processual próprio, em anterioridade lógica quando ao quadro patológico do doente, e sua dinâmica assistencial, sem o que fica comprometido o estabelecimento do pressuposto respetivo; 13ª Não pode, pois, consistentemente, dar-se por verificado o pressuposto da ilicitude da ação médica na procura do diagnóstico! 14ª A equipa médica desenvolveu, em colegialidade, intensa atividade assistencial, multidirigida e toda adequada e cientificamente sustentada, que não pode ser censurada pela não obtenção de resultado, atenta a multiplicidade de fatores patológicos apresentados pelo doente e as exigências que a equipa médica teve de enfrentar para procurar interromper os processos causais de intensa morbilidade que afetavam o doente, como se procura evidenciar com a impugnação da matéria de facto; 15ª Sendo que a obrigação médica, em particular na área da consecução do diagnóstico, é uma obrigação de meios, não assegurando um resultado – o que está direta e intensamente relacionado com a singularidade que a doença e em particular as comorbilidades apresentam em cada paciente específico, sendo apenas censurável em caso de erro grosseiro de análise, o que manifestamente aqui não sucede; 16ª Não pode, pois, dar-se por verificada qualquer culpa médica na não deteção diagnóstica atempada da morbilidade que tenha sido a causal da morte, das múltiplas que afetavam o doente! Sobretudo atenta a inconsistência dessa causa! 17ª Nem pode, sempre com a devida vénia, com base no relatório da autópsia, depois de expressamente preterida pelos autores a realização da autópsia anátomo-clínica (e se sublinhou constar das alíneas FFFF e seguintes, dar-se como consubstanciada uma relação causal entre a não consecução do diagnóstico aí consignado – “post mortem”) e a ação médica de não consecução do diagnóstico; 18ª Na componente da matéria de facto, avulta a desconsideração processual e a não aquisição instrutória das denominadas “leges adis”, por não submetidas a identificação e a fixação através de fonte idónea, bem como ao necessário contraditório, atenta a anterioridade exigível quanto à assistência sequencial e dinâmica ao paciente e consequente inserção na estrutura própria da sentença; 19ª Nem, também na componente da própria matéria de facto, dar como assente o teor da alínea KKKK, quanto à causa da morte, atento o teor e as objeções apresentadas pelo testemunho idóneo e habilitado do Prof «JJ», como resulta das fontes indicadas, as alegações de direito dos RR Prof A «DD» e Dra «EE» e ainda, “contrario sensu” de páginas 62 a 64 da alegações dos autores; 20ª Objetivamente, tal prova também não pode – não obstante a sua inadmissibilidade intrínseca para o efeito de consubstanciar padrão da ilicitude médica – prevalecer sobre depoimentos testemunhais idóneos e coevos da assistência e estado de saúde e dinâmica das patologias afetando o doente; 21ª Desses depoimentos se retirando factos constituindo matéria segura quanto à adequada e abrangente assistência ao paciente, sobre as múltiplas patologias que o afetavam, incluindo aquela relativa à área de cardiologia, de que não pode isolar-se um exame, como a «prova de esforço», sem se definir se à data dos factos tal era clinicamente indicado ou mandatário; 22ª Incluindo os factos que em síntese se enunciaram ou seja: i) equipe médica seguiu o doente, analisando a múltipla sintomatologia que este apresentava, sem desconsideração de nenhum sintoma, valorando-a e enfrentando-a de acordo com a boa prática médica, de observância das “leges artis” equacionando várias hipóteses diagnósticas, todas assentes em sinais e sintomas plausíveis e valorizáveis, incluindo a área de cardiologia; ii) e nunca percecionou, através da denominada «clínica», consistente na apalpação, visionamento, auscultação e interação direta e próxima com o paciente nada que apresentasse a via de investigação de natureza cardíacas como prevalente ou carecida de mais direto enfrentamento por relação à área neurológica. 23ª Ao ter decidido como o fez, não obstante o mérito da procura de uma solução, violou a douta sentença recorrida, entre outras, as normas dos artigos 9° e 10° da Lei n° 67/2007, de 31-12, na indevida consubstanciação da ilicitude e, em consequência, da culpa médica, e do artigo 563° e 344°/2 do Código Civil, quanto à relação causal e ao desvalor da recusa dos autores quanto à realização da autópsia anátomo-clínica; bem como as dos artigos 590° e 591°/1/b) quanto à não aquisição processual das “leges artis” como matéria de facto. Termos em que, e nos melhores da douta ponderação de V. Exas, na atendibilidade das enunciadas conclusões, e no seu objecto, deve proferir-se acórdão que revogue a decisão, assim se fazendo JUSTIÇA!». 1.13.Os Autores contra-alegaram, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1- O 2º Co-réu «DD», ao tempo dos factos exercia as funções de Médico Neurologista e Director de Serviços de Neurologia no 1º Co-réu Centro Hospitalar ... – Alínea TTTT da matéria de Facto Provada; a 3ª Co-ré «EE», ao tempo dos factos, era médica Neurologista no 1º Co-réu Centro Hospitalar ... – Alínea UUUU da matéria de Facto Provada – e a 3ª Co-ré «FF» ao tempo dos factos era Médica interna do 4º ano de especialidade de Neurologia – cfr. confissão consignada no artº. 10º e segs da contestação da 3ª Co-ré e nos artºs 1º e 2º da contestação do 1º Co-réu Centro Hospitalar ... e documento junto aos autos em 28-11-2012 por este 1º Co-réu constando do PONTO nº 1 desse documento/requerimento os nomes dos médicos que integravam, ao tempo dos factos, entre Maio e Junho de 2009, o serviço de Neurologia desse Centro Hospitalar ..., constando nesse documento/declaração os nomes dos 2º, 3ª e 4ª Co-réus médicos. 2- De toda a prova produzida (documental, fichas clínicas e diários de enfermagem, testemunhal, declarações de parte da 1ª Co-Autora e depoimentos de parte das 3ª e 4ª Co-rés e prova pericial e relatório da autópsia) conclui-se pacificamente que houve tempo suficiente e oportunidades durante o prolongado internamento de 3 (três) semanas do doente «GG» no Serviço de Neurologia do Hospital de Santo António do 1º Co-réu Centro Hospitalar ... para aqueles profissionais médicos aqui 2º, 3ª e 4ª Co-réus que atenderam o doente nos Serviços de Neurologia tivessem o cuidado de realizarem outras diligências e outros exames médicos e estudos clínicos alargados à área de Cardiologia e que teriam permitido diagnosticar e tratar o enfarte agudo de miocárdio ocorrido durante o internamento do doente e que foi causa adequada e única da sua morte e assim evitar a morte do doente «GG». 3- Os 2º, 3ª e 4ª Co-réus médicos deveriam face às insistências das queixas apresentadas pelo doente e pela 1ª Co-Autora esposa «AA» de cansaço no esforço e na marcha, fadiga, tonturas, vertigens, formigueiras nas extremidades dos dedos e outros sinais de mal-estar geral que poderiam significar comprometimento cardíaco ou cardiológico ter procurado outras causas da doença e não se conformarem com o seu errado diagnóstico inicial que fizeram de estado protrombótico cuja causa subjacente correspondia a doença neoplásica que não foi identificada na autópsia médico-legal realizada no Instituto de Medicina Legal ... e cujo relatório pericial foi junto com a petição inicial como Doc. nº ... e que aqui se dá como integrado e reproduzido. 4- Está escrito nesse relatório da autópsia médico-legal, a fls 9 e 10 da Alínea I) sob a epígrafe “DISCUSSÃO”: a) “O exame necrópsico conjugado com o exame histológico fundamentam o diagnóstico de enfarte do miocárdio em fase inicial de cicatrização (com cerca de 10 a 14 dias de evolução) com trombose mural associada devido a aterosclerose coronária severa com obstrução do lúmen de 80% com trombo parcialmente aderido” (sic). b) “Dentro das lesões descritas a principal lesão observada foi a presença de aterosclerose coronária severa com obstrução de 80% e trombose associada. Esta lesão, também denominada de doença coronária aguda ou trombose coronária levou ao surgimento de alterações miocardias isquémicas, ou seja, ao aparecimento do enfarte do miocárdio, cujo tempo de evolução estimado foi de 10 a 14 dias, isto é, encontrando-se em fase inicial de cicatrização” (sic). c) “O exame histológico revelou ainda a presença de trombose valvular aórtica, tromboembolia pulmonar focal, lesões vasculares compatíveis com hipertensão pulmonar, necrose hepática, isquémica, enfarte renal local, alterações cerebrais secundárias a hipoxia e associadas a sinais de envelhecimento e trombo organizado em vaso meníngeo focal” (sic). d) “Tendo ocorrido o Enfarte de Miocárdio, com o tempo de evolução estimado (10 a 14 dias) e em consequência deste, surgiram outras complicações, nomeadamente a presença de trombose mural na parede ventricular esquerda (complicação típica do enfarte agudo do miocárdio – (Mittchell R. Kumar V. Abbas A. Fauste N., Robbins & Cotran – Fundamentos de Patologia, 7ª Edição, 2006). E, na sequência da mesma, os restantes fenómenos trombóticos; trombose valvular, aórtica e trombose nos vasos meníngeos, pulmonares, hepáticos e outros. Estes fenómenos trombóticos podem ter surgido devido à presença de um trombo no interior na cavidade cardíaca e por causa do desprendimento e friabilidade do mesmo que podem ter levado a libertação de pequenos êmbolos para a circulação sistémica, causando manifestações isquémicas (ou enfarte) nas diversas regiões atingidas Mittchell R. Kumar V. Abbas A. Fauste N., Robbins & Cotran – Fundamentos de Patologia, 7ª Edição, 2006). Os principais locais para a embolização arteriolar são as extremidades inferiores (75%), o encéfalo (10%), as vísceras (10%) e as extremidades superiores (15%) (Mittchell R. Kumar V. Abbas A. Fauste N., Robbins & Cotran – Fundamentos de Patologia, 7ª Edição, 2006)” (sic). e) “Com a ocorrência do enfarte do miocárdio, em virtude da consequente falência cardio-respiratória, surgiram alterações hipóxico-isquémicas devido ao défice de irrigação sanguínea e oxigenação dos tecidos, traduzidos pelos achados de hipoxia e isquemia aguda, acima descritos tais como as que foram diagnosticadas no fígado, rim, encéfalo e outros” (sic). 5- E na Alínea J) sob a epígrafe “CONCLUSÃO” desse relatório da autópsia os Senhores Peritos Médicos-Legais que a realizaram dizem: a) “Em face dos dados necróticos, da informação social colhida nesta Delegação e atrás transcrita e do resultado dos exames histológicos e toxicológicos, a morte de «GG» foi devida a Enfarte de Miocárdio em fase inicial de cicatrização com cerca de 10 a 14 dias de evolução, devido a aterosclerose coronária severa, com obstrução de 80%, com trombose associada” (sic). b) “Esta é a causa de morte natural” (sic). c) “Foram ainda diagnosticadas lesões de trombose valvular aórtica, tromboembolia pulmonar focal, necrose hepática isquémica e enfarte renal focal a presença de trombo organizado em vaso meníngeo focal” (sic). d) “Não foram encontradas lesões traumáticas mortais” (sic). e) “O exame toxicológico feito ao sangue das cavidades cardíacas para pesquisa de etanol, cujo relatório seque anexo a este, é negativo” (sic). f) O exame toxicológico feito ao sangue das cavidades cardíacas para a pesquisa e quantificação de substâncias medicamentosas revelou a presença de lidocaína numa concentração inferior a 20 manogramas por mililitro, que segundo a “Therapeutic and Toxic Drug Concentrations List” publicada pela “The international Association of Forensic Toxicologists”, são concentrações sub-terapêuticas” (sic). 6) Os 2º, 3ª e 4ª Co-réus médicos violaram, por omissão, as regras da sua profissão, pois deveriam ter feito outras diligências exigíveis “in casu”, ou seja, proceder outra etiologia, confirmação da existência ou não de alterações cardíacas no caso concreto nomeadamente do diagnóstico de enfarte agudo de miocárdio que ocorreu no período de internamento do doente no Hospital do 1º Co-réu e que nunca foi considerado durante todo o período de tempo desse internamento e que foi diagnosticado e identificado de forma clara e inequívoca no relatório da autopsia como causa da morte do doente «GG» como melhor se vê desse relatório da autópsia que constitui o Doc. nº ... junto pelos Autores apelados com a sua petição inicial. 7) A vítima «GG» foi submetida a dois exames de electrocardiografia e dois exames de ecocardiogramas que já evidenciavam doença e patologia cardíaca, exames que não foram devidamente ponderados, diagnosticados e tratados, sendo certo que a Troponina “T” que é um dos mercadores de doenças cardíacas aumentou 8 (oito) vezes mais que o normal, o que tudo justificava uma investigação alargada do foro cardíaco. 8) Acresce que no relatório do TAC de 2 de Junho de 2009 também é feita referência “a investigação médica à área cardíaca alargada” o que significa que o coração do doente tinha aumentado o volume, tinha dilatado e estava em esforço. 9) Também foi esta a opinião científica do Prof. Doutor «KK» constante do seu parecer médico-legal relativo à morte de «GG» junto aos autos pelos Autores apelados como o seu último requerimento probatório na audiência prévia de 13-7-2016 e que constitui folhas 1077 e segs e cujo conteúdo aqui se dá como integrado e reproduzido. 10) No episódio de urgência do dia 30-5-2009 e consoante o referido pela 1ª Co-Autora «AA» no seu depoimento de parte o seu marido «GG» após ter chegado à enfermaria de Neurologia desse Centro Hospitalar ... sentia-se muito mal, cansado e fatigado porque fez um pequeno percurso a pé desde o estacionamento do seu automóvel na Rua ... até à enfermaria do Hospital ... e apresentava “tonturas, aperto no tórax/sensação estranha, dificuldades respirarias, dores, fadiga, palidez”. 11) A 4ª Co-ré «FF» registou no boletim clínico desse episódio de urgência: “lesões cerebrais múltiplas – para despiste de fonte cardioembólica”. 12) O Cardiologista realizou electrocardiograma e ecocardiograma com dopler que revelaram anomalias cardíacas-alterações de contractibilidade segmentar mais alterações electrocardiogramas, tendo registado: “Em relação a fonte cardioembólica, se as alterações ecocardiográficas forem prévias, tem fonte cardioembólica potencial”. “Deve colher Troponina e posteriormente repetir electrocardiograma”. O doente seguiu para a enfermaria de Neurologia onde ficou internado. 13) Em 3-6-2009 o doente «GG» fez análise Troponina “T” que estava aumentado de 0,47 – o doente repete o electrocardiograma que estava sobreponível com o realizado no dia 30/5. Repete também o ecocardiograma com dopler que evidência um agravamento da função sistólica do ventrículo esquerdo em apenas 3 dias. 14) Na posse do resultado destes exames e continuando o doente com sintomas de vertigens, cansaço na marcha e cansaço para pequenos esforços, formigueiros nas extremidades dos dedos, alterações de visão, confusão, devia o doente ter sido consultado e seguido por Cardiologia o que não se verificou, pois os Serviços de Neurologia não solicitaram essa consulta. 15) É aqui que reside a grande falha e negligência grosseira do 2º, 3ª e 4ª Co-réus médicos que omitiram o dever de cuidado de alargar a investigação do doente à área de Cardiologia, negligenciando de forma grosseira o tratamento do doente «GG» porque este teria sido tratado em Cardiologia antes de sofrer o enfarte de miocárdio que ocorreu 10 a 14 dias antes do seu falecimento, isto é, esse enfarte de miocárdio ocorreu entre os dias 5 a 9 de Junho de 2009 quando o doente se encontrava internado nos Serviços de Neurologia do 1º Co-réu apelante Centro Hospitalar .... 16) Acresce que os 2º, 3ª e 4ª Co-réus médicos também violaram as “leges artis” da sua profissão POR ACÇÃO e não apenas por omissão, senão vejamos: - No relatório da perícia da especialidade de Medicina Interna junto a fls dos autos e que aqui se dá como integrado e reproduzido, os Senhores Peritos de Medicina Interna nomeados pelo Tribunal responderam, por unanimidade, aos quesitos apresentados pelos Autores apelados e junto aos autos na audiência prévia realizada em 11-11-2015 que constituem fls 745 e seguintes e aos quesitos aditados com o requerimento de prova actualizado dos Autores, que foi anexado à acta da audiência prévia de 13 de Julho de 2016, quesitos esses que se referem aos temas de prova enunciados nas Alíneas B), C), D), E), G), H), I) do despacho saneador e tendo os Senhores Peritos prestado os seus esclarecimentos na audiência final de julgamento do dia 6 de Julho de 2022, pela parte de manhã e que se encontram digitalmente gravados de 00:02:18 a 02:24:14, consoante melhor se vê da respectiva acta da audiência final de julgamento, constando as respostas aos quesitos do supra Número XVIII desta contra-alegação e que aqui se dá como reproduzido. 17) E na página 6 desse relatório pericial de Medicina Interna e na resposta ao quesito 15 dos Autores, os Senhores Peritos dizem: “A partir de 30-5-09 existem vários indicadores nos registos clínicos que referem a existência de patologia cardíaca”. E na resposta ao quesito 12 e na mesma pág. 6 do mesmo relatório pericial os Senhores Peritos dizem: “As alterações identificadas em todos os estudos complementares cardíacos justificavam a realização de estudo para despiste de doença coronária, o que poderia permitir um diagnóstico de doença significativa e o seu tratamento eficaz em tempo oportuno”. 18) Na resposta ao quesito 19 dos Autores os Senhores Peritos de Medicina Interna afirmam no seu relatório pericial: “O resultado do ecocardiograma considerado em conjunto com as alterações do electrocardiograma e com o estudo enzimático cardíaco justificava a realização dum estudo para diagnóstico de doença coronária”. 19) E na pág. 4 e 5 do mesmo relatório Pericial de Medicina Interna e respondendo ao Tema I da prova dizem: “Não concordamos que não houvesse indicação para investigação adicional de uma possível síndrome coronária aguda, como se pode verificar pelo registado no Tema G”. “No caso, por suposição, de o doente se encontrar numa situação de insuficiência cardíaca ou de se confirmar uma síndrome coronária aguda, a broncofibroscopia pode provocar o seu agravamento”. “Embora raramente, o teste laboratorial disponível pode apresentar valores elevados de Troponina “T” sem lesão de miocárdio – repete-se –, só raramente e nomeadamente em situação de músculos esqueléticos”. No caso em apreço, o valor elevado da Troponina “T” associava-se a alterações suspeitas no ecocardiograma e no ECG, devendo por isso ser valorizado como relacionado como associado a lesão do miocárdio”. “.... Nos dados de que dispomos, nomeadamente o relatório da angio TAC do tórax e o relatório da autópsia, não está confirmado o diagnóstico de TEP significativo pelo que não o consideramos a causa de morte do Sr. «GG»”. 20) E no mesmo relatório pericial de Medicina Interna e na resposta ao quesito 8º apresentado pelos Autores, os Senhores Peritos, afirmam: “A autópsia confirma que a morte não ocorreu devido a embolia pulmonar que também não é referida no relatório da angio TAC do tórax realizado no dia 17/6/2009”. 21) E na resposta ao quesito 1º apresentado pelos mesmos Autores, os Senhores Peritos afirmam: “Da análise do registo completo do episódio de urgência do dia 30-5-2009, data do internamento, concluímos que existem fortes indícios de que o Sr. «GG» sofria de patologia cardíaca”. 22) E na pág. 5 do mesmo relatório pericial e na resposta ao quesito 16º os Senhores peritos afirmam: “A broncofibroscopia foi requisitada com a intenção de estudar as adenopatias do mediastivo, quando não existia suspeita de doença cardíaca significativa. Agora quando sabemos que o Sr. «GG» tinha uma doença cardíaca secundária a doença cardíaca isquémica, podemos concluir que provavelmente foi deletéria”. 23) E na pág. 6 do seu relatório pericial de Medicina Interna os mesmos Senhores Peritos escrevem: “O pedido de avaliação cardíaca feito no dia 30/5, no Serviço de Urgência foi pertinente. Não concordamos – afirmam os Senhores peritos – que não existiam sinais demonstrativos de isquemia do miocárdio nessa mesma data nos Serviços de Urgência porque eles existiam de facto na descrição do electrocardiograma “ECG com Rs inv T,, D”, D”, AVF V4 – V6 que podem significar presença de isquemia mas não foram valorizados como tal e significar alterações também sugestivas de doenças isquémica do miocárdio no ecocardiograma transtorácico, hipocinésia metade distal da parede lateral e hipocinésia distal, posterior e anterior que também não foram valorizadas como devidas e isquemia aguda. Não encontramos registado pedido de avaliação por cardiologia no dia 3/6” (sic). 24) De resto os mesmos Senhores Peritos no início do seu relatório pericial na folha 1, ponto 2, parágrafo 2º, escrevem: “... Os dados agora disponíveis permitem concluir que as medidas terapêuticas não foram adequadas e outros exames complementares de diagnóstico, nomeadamente uma angiografia coronária (cateterismo) poderia ter ajudado a diagnosticar a patologia responsável pela morte”. 25) A Mmª Juiz “a quo” fez correcta apreciação e julgamento da matéria de facto posta em crise na apelação pelo réu recorrente Centro Hospitalar ..., E.P.E., não havendo razões plausíveis para que se seja alterada a matéria de facto tal como foi julgada em 1ª instância e consta do PONTO III: - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO- de folhas 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 da douta sentença recorrida e que aqui se dá como integrada e reproduzida e que não merecem qualquer censura pelo que todos esses factos provados devem ser fixados definitivamente por este Venerando Tribunal “ad quem”. 26) Tendo também a Mmª Juiz “a quo” feito uma correcta aplicação do direito pertinente pela Mmª Juiz “a quo” ao condenar o 1º Co-réu apelante Centro Hospitalar ... E.P.E. a pagar aos Autores apelados nas indemnizações fixadas na sentença recorrida. 27) Consoante escreve a Mmª Juiz “a quo” na sua douta sentença recorrida a fls 32, sob a epígrafe “MOTIVAÇÃO”, 1º parágrafo, “a decisão da matéria de facto assentou no acordo das partes, na confissão e nas provas documentais, pericial, por declarações de parte, depoimentos de parte e prova testemunhal, como referido em cada um dos pontos probatórios”, 28) E continua a Mmª Juiz “a quo” a escrever e a analisar criticamente (a folhas 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45 que aqui se dão como reproduzidos da “MOTIVAÇÃO” da matéria de facto assente e dado como provada na sentença recorrida), o depoimento de parte da Autora apelada «AA», das testemunhas «LL», «MM», «NN», dos depoimentos de parte das rés «EE» e «FF», do relatório pericial de Cardiologia, o relatório pericial de Neurologia, o relatório pericial de anatomia patológica e o relatório pericial de Medicina Interna dizendo e escrevendo a Mmª Juiz “a quo” que este relatório de Medicina Interna, diferentemente dos outros relatórios periciais revelou-se devidamente fundamentado e contribui para a formação da convicção do Tribunal relativamente à matéria em causa de carácter médico, pois que esclareceu e correlacionou de forma clara, objectiva, lógica e coerente as informações médicas que foram sendo colhidas através de exames, análise clínicas, desse modo auxiliando o Tribunal a alcançar o percurso seguido pelos médicos que assistiram «GG» e, assim, aferir do seu acerto e da sua conformidade às “leges artis” (cfr. folhas 37, último parágrafo e fls 38 e 39 da sua douta sentença recorrida). 29) E continua a Mmª Juiz “a quo” a escrever na “MOTIVAÇÃO” dos Factos Provados na douta sentença recorrida: “Do relatório pericial de Medicina Interna e do seu teor e dos esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência final resulta que, embora a evidência de doença coronária só se retire do relatório da autópsia, os resultados dos exames realizados pelo doente em vida já apresentavam indícios da doença, afirmação que justificam de forma muito clara. Estavam presentes três dados a favor de isquemia, presença essa que deveria ter levado a considerar a realização de investigação adicional na área da cardiologia: (i) as alterações electrocardiográficas presentes desde a admissão podiam ser devidas a isquemia; (ii) os ecocardiogramas revelavam sempre alterações segmentares da contractilidade, geralmente devidas a isquemia; (iii) o valor sérico elevado da Troponina T verificado no dia 03.06.2009 apontava para a existência de lesão do miocárdio. Mais esclarecem que a presença destes três dados justificaria a realização de angiografia, exame que seria determinante no diagnóstico e tratamento adequado da patologia de que padecia o doente. Decorre ainda deste relatório pericial em análise que a presença de um trombo mural no ventrículo esquerdo cardíaco, verificada na autópsia, obriga a considerar a hipótese de causa cardioembólica para as lesões isquémicas múltiplas em territórios arteriais, documentadas nos exames complementares efectuados, e que tinham levado os médicos à suspeita clínica da presença de um estado pró-trombótico. Mais se refere de relevante que, considerando que nem o relatório da angio TC de tórax nem o relatório da autópsia confirmam o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar, não se pode concluir que essa foi a causa de morte de «GG», pois o angio-TC tórax constitui o exame complementar de diagnóstico recomendado para confirmar o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Do relatório pericial consta ainda que os sintomas e sinais clínicos apresentados pelo doente inicialmente são inespecíficos, pelo que, não tendo sido encontrada causa para o conjunto de sintomas referidos pelo doente na avaliação clínica realizada, deveria ter sido recomendada uma consulta médica para estudo fora do ambiente de urgência. Assim, a decisão de 29.05.2009, de internamento no Serviço de Neurologia, foi baseada nas alterações da avaliação clínica feita por neurologistas, na existência de lesões cerebrais múltiplas cuja natureza e causa nem a ressonância magnética nem a avaliação clínica eram ainda capazes de esclarecer, e na não valorização adequada das alterações encontradas na avaliação cardiológica. Por conseguinte, ali se conclui que, tendo em conta a evolução clínica e os dados que foram surgindo durante o internamento e o resultado da autópsia, o internamento do doente no serviço de neurologia não foi a decisão correcta. Finalmente, refere-se ainda que a broncofibroscopia pode provocar o agravamento da situação de insuficiência cardíaca e da síndrome coronária aguda”. 30) A Mmª Juiz “a quo” também analisou criticamente os depoimentos das testemunhas Doutor «OO» que foi um dos subscritores do Relatório da Autópsia, Dr. «PP», Médico especialista em Anatomia Patológica e Medicina Legal que subscreveu o “Relatório de Anatomia Patológica” e que fez a análise microscópica de fragmentos de órgãos recolhidos durante a autópsia, Drª. «QQ», médica que participo na autópsia e subscreveu o “Relatório de Patologia Forense”, da testemunha Doutora «RR», médica e subscritora do Parecer médico-legal junto com a p.i. como Doc. nº ..., da testemunha «FF», mãe da ré «FF», da testemunha «II», médica legista, que afirmou que embora não tenha realizado a autópsia estava numa mesa ao lado daquela onde se realizou a autópsia em causa, tendo sido chamado pelo Professor «OO» para ver lesões cardíacas “interessantes” do falecido. Além do seu marido, médico Doutor «KK», ter elaborado um parecer médico-legal sobre o caso em apreço e com o qual concorda integralmente – cfr. folhas 39, parágrafo 2º e segs, folhas 40 e 41 da MOTIVAÇÃO da douta sentença recorrida. 31) A identificada testemunha Doutora «II» no seu depoimento descreveu a doença do «GG» sendo uma “isquemia miocardia visível a olho nu, que nem precisava de exame histológico”. Diz que só viu o coração do falecido. Na sua análise critica a Mmª Juiz valorou este depoimento dizendo que “mostrou-se sério, claro objectivo e isento pelo que foi nesta parte, considerado pelo Tribunal” – cfr. folhas 40, parágrafo 4 e fls 41, parágrafo 1º da sentença recorrida. 32) Todos os depoimentos de parte dos réus, declarações de parte da Autora «AA» e depoimentos de todas as testemunhas arroladas pelos Autores apelados encontram-se transcritos, em síntese no Número XVI, Alíneas A), B), C), D), E), F), G), H), I), J), K) que aqui se dão como reproduzidos e os depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus encontram-se transcritos, em síntese, no Número XVII, Alíneas A), B), C), D), E), F), G), H), I), J), K) da presente Contra-alegação e que aqui se dão como reproduzidos. 33) A Mmª Juiz “a quo” analisou criticamente os depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus, Dr. «SS», Drª. «TT», Dr. «UU», Dr. «VV», Drª. «WW» e Drª. «XX» afirmando a Exmª Juiz a fls 41 e 42 da MOTIVAÇÃO da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida que os seus depoimentos “não contribuíram para a formação da convicção do Tribunal na parte relativa à causa da morte e eventual erro no diagnóstico pela conjugação das seguintes razões. Em primeiro lugar, todos são médicos do réu Centro Hospitalar ... há mais de 20 anos, alguns dos quais com responsabilidades nas direcções dos serviços envolvidos no caso em apreço (cardiologia, neurologia e medicina interna), todos tendo relação profissional estreita com os réus médicos, circunstância que coloca algumas reservas em relação às posições que manifestaram, todos no mesmo sentido, o da tese dos réus. Em segundo lugar, embora tenham ensaiado uma explicação técnica para a tese dos réus, fizeram-no de forma muito idêntica e sem respaldo nos resultados dos exames médicos e apelando ao primado da clínica‖ sobre aqueles, defendendo a prossecução de uma investigação de diagnóstico que, ao longo do tempo de internamento do doente (20 dias), nunca foi corroborada pelos exames que iam sendo pedidos e realizados. A este propósito, cabe dizer que todos estes depoimentos assentam nos seguintes pressupostos: a) a existência de lesões isquémicas em vários órgãos denunciava um estado pro-trombótico (que não veio a confirmar-se na autópsia); b) o estado pro-trombótico só poderia derivar de uma deficiência ou mau funcionamento do sistema imunitário (aliás, não confirmada pelo estudo imunológico) ou da existência de neoplasia (também não confirmada pela biópsia transbrônquica nem pela autópsia e sem quaisquer indícios nesse sentido). Em terceiro lugar, a tese que defendem não é apoiada – sendo até contrariada - pelo relatório pericial de medicina interna, e que, de forma mais fundamentada, se debruçou sobre a problemática em apreço, como acima já referido. Apesar de os resultados dos exames realizados pelo doente não confirmarem as suspeitas dos médicos de neurologia, os mesmos prosseguiram com a investigação no foro neurológico, sem a alargar a outros domínios, particularmente o cardíaco, para o qual tinham elementos e pistas de que o doente teria alguma anomalia. 34) A folhas 42, 43 e 44 da douta sentença e que aqui se dão como reproduzidas a Mmª Juíza “a quo” refere as razões pelas quais os depoimentos destas testemunhas arroladas pelos réus não foram por si valorizados para formar a sua livre convicção. 35) Da leitura e análise de toda a “MOTIVAÇÃO” dos Factos Provados e constante de folhas 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44 e 45 da sentença conclui-se de forma clara e pacífica, que a Mmª Juiz “a quo” na sua actividade de judicatória fez um juízo e análise critica e integrada de toda a prova produzida –mas de toda a prova – dos depoimentos de parte dos 2º e 3º Co-réus das declarações de parte da Autora, dos depoimentos das testemunhas, do relatório da autópsia (Doc. nº ... junto com a p.i.), do relatório da perícia de Medicina Interna e de todos os documentos dos registos hospitalares e clínicos e de exames complementares que foram juntos ao processo, dos Pareceres Médico-Legais junto aos autos pelos Autores e essa actividade judicatória do Tribunal foi exercida de harmonia com os critérios legais fixados nos artigos 607º, nº 5, 388º, 389º, 396º do Código de Processo Civil e artigos 388º, 389º e 396º do Código Civil e, por isso, de harmonia com os princípios processuais e jurisprudência consagrada pelos Tribunais Superiores consoante alegado foi nos supra Números II e III da presente Contra-Alegação que aqui se dão como reproduzidos. 36) Importa ter ainda em conta que a prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, deve ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os seus diferentes meios de prova e não desprezando as presunções naturais ou hominis que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção. 37) Bem andou assim o douto Tribunal recorrido na apreciação probatória dos autos, a qual, e salvo sempre o devido respeito esquece-se o réu recorrente Centro Hospitalar ... foi realizada ao abrigo do princípio da sua livre apreciação e convicção e devidamente fundamentada, expressamente previsto nas supra citadas disposições legais consignadas nos artigos 607º, nº 5, do Cód. Proc. Civil e artºs 388º, 389º, 396º do Código Civil, assentando tal princípio em duas premissas: a) A de que o Juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência final; b) Que tal convicção há-de ser formada com base em regras da experiência comum. 38) Nestes termos o juízo não está sujeito a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados, sistema da prova legal, sendo o Tribunal livre na apreciação que faz da prova tem sempre de se traduzir numa valoração “racional e critica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”, de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o Tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo, porque é que o Juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo – neste sentido Ac. do S.T.J. de 13-02-92, C.J., Tomo I, pág. 36. 39) Directamente ligada a esta apreciação livre das provas na formação da convicção do julgador, está o princípio da imediação que define “a realização de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão” – neste sentido Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1º Volume, Coimbra Editora, 1974, págs. 202/203 e 232. 40) Só estes princípios e também o da oralidade permitem, por um lado, o indispensável contacto vivo e imediato com os intervenientes (testemunhas e partes) e a recolha da impressão deixada pela sua personalidade, e, por outro lado, só eles permitem, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. 41) Ora, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, não assiste qualquer razão ao 1º Co-réu recorrente atenta a forma clara e isenta de dúvidas como a Mmª Juíza “a quo” explicou e fundamentou a sua decisão de facto na “MOTIVAÇÃO” dos Factos Provados num processo explicativo que se mostra bem objectivado e motivado, capaz, portanto, de se impor aos outros. 42) O raciocínio consequente pelo qual o Tribunal “a quo” deu como PROVADO OS FACTOS, configura-se, como adequado às regras da experiência, à normalidade da vida e à razoabilidade das coisas, razão pela qual não merecendo censura, não é sindicável por este Venerando Tribunal “ad quem”, inexistindo por isso motivo para ser alterada a decisão. 43) O modo de valoração das provas e o Juízo dessa mesma aferição efectuado pelo Tribunal “a quo”, ao não coincidir com a perspectiva do 1º Co-réu recorrente Centro Hospitalar ... nos termos em que este as análise e nas consequências que daí derivam, não traduz, face ao que supra disseram os Autores recorridos, qualquer erro ou vício – neste sentido Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 3-05-07, proferido no processo nº 80/07 disponível no site da internet www.dgsi.pt 44) A decisão da matéria de facto do Tribunal recorrido foi proferida com base numa interpretação e valoração que se mostra muito bem fundamentada, quer nas provas produzidas, quer pela livre convicção por elas criada no espírito do julgador, só podendo ser alterada se contra si se configurassem meios de prova irrefutáveis, existentes nos autos e que tivessem sido desconsideradas, ou se a mesma convicção se desenhasse como totalmente irrazoável, contrária às mais elementares regras da experiência ou ao sentido das coisas. 45) Só nestas situações – quando há uma clara, flagrante e patente violação das regras que regem a apreciação da prova, ou porque se utilizou prova proibida, ou pela evidente desconformidade entre o que se provou e a decisão recorrida – é que há lugar à alteração do esqueleto factual do processo. 46) Mas nenhuma destas condições é o caso sub-judice, em que o decidido pelo douto Tribunal recorrido, se desenha com lógica e razoabilidade necessárias de modo que se deva concluir como no citado douto Acórdão do S.T.J. de 13-02-92: “... se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior”. 47) Discordar sem qualquer fundamento como o faz o réu apelante Centro Hospitalar ... na sua minuta de recurso leva simplesmente à sua improcedência, prevalecendo a opção do Tribunal recorrido que beneficiou da oralidade e da imediação da audiência de julgamento. 48) Resulta, com toda a clareza, da douta fundamentação da sentença recorrida que não existiu qualquer dúvida no espírito do julgador “a quo”, na construção do cenário factual, após a apreciação, livre mas responsável, livre mas motivada, de prova produzida em audiência de julgamento, corroborada com a já existente nos autos consoante alegado foi nos supra Números III e IV das presentes alegações que aqui se dão como integradas. 49) Os réus médicos com o seu comportamento profissional violaram as Leges Artis do exercício da sua profissão de médicos com culpa grosseira e acentuada ilicitude, tudo consoante alegado foi nos Números V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XIII, XIV, XV, XVIII e XIX da presente Contra-alegação e que aqui se dão como reproduzidos sendo responsável por todos os danos causados ao falecido doente «GG» e aos herdeiros legitimários deste o 1º Co-réu Centro Hospitalar do qual aqueles médicos eram trabalhadores subordinados económica e juridicamente, 50) E resulta de forma clara e inequívoca da MOTIVAÇÃO dos factos provados e Fundamentação de Facto constantes da douta sentença recorrida, 51) Não tanto pelo alegado como pelo que o doutamente for suprido por Vªs Ex.cias, Venerandos Juízes-Desembargadores, devem ser julgadas improcedentes todas as conclusões tiradas pelo 1º Co-réu recorrente “Centro Hospitalar ...” na sua minuta de apelação e deve ser mantida e confirmada integralmente a douta sentença recorrida porque está elaborada em harmonia com a matéria de facto apurada e dada como provada que não tem qualquer contradição ou defeito que a invalide e que deverá ser mantida integralmente pelo que, Vossas Excelências, negando provimento ao recurso de apelação, farão, como sempre, a melhor Justiça. 1.14. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso. 1.15. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO. 2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT. Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”. 2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN reconduzem-se ao seguinte: a- questão prévia: saber se o Apelante cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo quanto à facticidade que impugna, previstos nos art. 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC e se, em caso de incumprimento desses ónus impugnatórios, se impõe rejeitar de imediato o recurso interposto na parte relativa a essa impugnação, questão que é de conhecimento oficioso. b- a improceder a questão prévia que se acaba de enunciar, saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao dar como provada a factualidade ínsita nas alíneas NNNN) e KKKK). c- por fim, saber se a decisão de mérito constante da sentença recorrida que julgou a ação parcialmente procedente na sequência da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto ou independentemente dela, padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar o decidido e julgar a ação improcedente . ** III. FUNDAMENTAÇÃO A.DE FACTO 3.1. A 1.ª Instância julgou provados os seguintes factos: A. Em 22.05.2009, pelas 22h23m, «GG» deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital ..., tendo sido observado pelas rés «EE» e «FF» – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). B. Nessa altura, «GG» queixou-se de tonturas, vertigem desencadeada por alguns movimentos e visão desfocada bilateralmente – fls. 16 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. C. Nesse dia, «GG» realizou exame neurológico e tomografia computorizada cerebral (TAC), cujos resultados foram normais – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). D. Em 23.05.2009, às 00h43m, «GG» teve alta clínica, dada pela ré «FF», foi medicado com betahistna 24+24 mg dia, em função do diagnóstico possível de vertigem periférica, e recomendado a deslocar-se ao serviço de urgência se surgissem outros sintomas – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). E. Em 29.05.2009, pelas 22h31m, «GG» foi admitido no Serviço de Urgência do Hospital ..., tendo sido registado na ficha de urgência o seguinte: “Tem mantido tonturas (agora sem vertigens) e desequilíbrio na marcha, sem lado preferencial. Sem quedas. A esposa acha que 'está mais apático e fala menos' já há alguns meses. Nota também 'algum esquecimento, distracção, confunde as datas e não relaciona bem as coisas'. Tem dificuldades de sono (insónia) desde há cerca de 3 semanas. Queixa-se de cansaço e falta de apetite. Há cerca de um mês queixa-se de picadelas/formigueiros das extremidades das pontas dedos das duas mãos. Tem emagrecido (3-4 kilos). Sem febre conhecida. Sem disfagia” – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). F. «GG» era portador, nessa data, de relatório de ressonância magnética encefálica efectuada, em 27.05.2009, na clínica privada denominada GinoEco, com relatório subscrito pelo médico «YY», do qual constava o seguinte: “Múltiplas hiperintensidades em T2/FLAIR dos hemisférios cerebelosos, do corpo caloso, e da substância branca subcortical e com localização cerebral occipito-parietal. Após injecção de Gd, algumas captam contraste, assim como se verifica captação leptomeníngea ao longo dos sulcos corticais. Não há imagens de abcessos ou quistos. Não há envolvimento dos núcleos da base nem dos núcleos vermelhos. Não há envolvimento meníngeo das cisternas supra selar e interpeduncular. As hiperintensidades sugerem lesões granulomatosas. Entre as inúmeras hipóteses de doenças com envolvimento meningo-encefálico, que captam contraste, não é possível destacar uma com características imagiológicas típicas parecidas com a deste caso. As imagens obtidas não são, de facto, específicas. Portanto não podemos pretender fazer um diagnóstico só pela imagem. Pode indicar-se algumas hipóteses: neurosarcoidose, granulomatose de Wegner, doença de Lyme, doença de Whipple, meningoencefalite-tuberculosa. Entre as doenças neoplásicas o linfoma intravascular também poderia ser considerado, embora pareça bastante improvável” – cfr. fls. 85 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. G. No mesmo dia, foi realizado a «GG» exame neurológico que revelou o doente: “atento, colaborante, com algumas hesitações no discurso, que é pouco fluente; alguma lentificação psicomotora; dificuldades de nomeação de alguns dedos; défices visoespaciais e construtivos. FO norma; Mov oculares N; CV conservadas; ligeira disartria/disfonia; restantes PC normais. Sem sinais piramidais, cerebelosos ou extrapiramidais. Sem sinais meníngeos. Sem febre. A excluir etiologia infeciosa/inflamatória do SNC”. – cfr. fls. 18 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. H. Foi também realizada punção lombar, que veio a revelar LCR normal, e repetiu estudo analítico – cfr. fls. 18 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. I. Nesse dia, foi proposto internamento a «GG», pela médica neurologista «ZZ», tendo este preferido ir para casa descansar e voltar no dia seguinte, e tendo tido alta clínica às 01h15m de 30.05.2009 – cfr. fls. 20 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. J. O motivo do internamento proposto foi “investigação de deterioração cognitiva subaguda e lesões cerebrais múltiplas” – cfr. fls. 9 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. K. Em 30.05.2009, pelas 12h39m, «GG» foi admitido no Serviço de Urgência do Hospital ..., tendo sido pedido exame sumário à urina e realizado doppler cardíaco completo por fluxos de cor e electrocardiograma simples de 12 derivações com interpretação e relatório – cfr. fls. 21 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. L. Consta do registo clínico que, há várias semanas, a esposa o notava mais cansado do que o habitual – facto instrumental resultante de fls. 21 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. M. «GG» tinha hipertensão arterial recém diagnosticada – facto instrumental resultante de fls. 9 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. N. Nesse dia 30.05.2009, quando chegou ao hospital para ser internado, «GG» mostrou muito cansaço por ter feito o percurso entre a zona de estacionamento do carro em que se fez deslocar e a entrada do hospital – facto instrumental resultante das declarações de parte da autora e do depoimento da testemunha «NN». O. Em seguida, o paciente foi internado no serviço de Neurologia com indicação de colheita de troponina e repetição de electrocardiograma – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). P. Pela ré «FF» foi pedido parecer à Cardiologia para despiste de fonte cardioembólica das lesões cerebrais múltiplas – cfr. fls. 22 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. Q. Realizou ecocardiograma transtorácico e electrocardiograma, com o médico «AAA», que mostraram alterações da contractilidade segmentar e alterações electrocardiográficas – cfr. fls. 22 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. R. Da descrição do ecocardiograma transtorácico e do electrocardiograma resultam sinais demonstrativos de isquemia do miocárdio – facto instrumental resultante do relatório de medicina interna. S. As alterações constantes do electrocardiograma e do ecocardiograma, na ausência de sintomatologia sugestiva de doença cardíaca, poderiam ser justificadas por uma doença coronária crónica ou serem secundárias a doença neurológica – confissão (artigos 107 da contestação dos réus «DD» e «EE» e 75 da contestação do réu Centro Hospitalar) e cfr. fls. 22 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. T. A causa mais frequente de tais alterações é a doença coronária – confissão (artigos 107 da contestação dos réus «DD» e «EE» e 76 da contestação do réu Centro Hospitalar). U. As alterações constantes do electrocardiograma e do ecocardiograma justificavam a realização de estudo para despiste/diagnóstico de doença coronária, assim permitindo o seu tratamento eficaz em tempo oportuno – facto instrumental resultante do relatório de medicina interna. V. Em 01.06.2009, foi verificada a existência de lesões punctiformes nos dedos das mãos, tendo sido pedida a observação de Dermatologia – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). W. O doente realizou nova punção lombar para estudos relacionados com as hipóteses de diagnóstico propostas inicialmente, mantendo exame citoquímico do líquor normal – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). X. Em 02.06.2009, a ré «FF» fez o seguinte registo clínico: “Hoje teve cefaleias, náuseas e vómitos com o ortostatismo. Melhora com o decúbito. Sem queixas clínicas de novo.” – cfr. fls. 32 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. Y. Em 03.06.2009, foi observado pela médica especialista de Dermatologia, «BBB», que escreveu “lesões das mãos sugestivas de processo vasculítico, mas sem amostra representativa para biópsia” – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). Z. No mesmo dia, a ré «FF» fez o seguinte registo clínico: “Mantém cefaleias que aliviam com o decúbito. Hoje sem náuseas ou vómitos. Sem outras queixas clínicas.” – cfr. fls. 33 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. AA. Nesse dia, «GG» realizou electrocardiograma e ecocardiograma transtorácico com doppler, relatado pelo cardiologista «AAA» – cfr. fls. 75 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. BB. Há um ligeiro agravamento na avaliação da função sistólica do ventrículo esquerdo entre o ecocardiograma de 30 de Maio e o de 3 de Junho – facto instrumental resultante do relatório de medicina interna. CC. No mesmo dia, a troponina apresentava valores aumentados de 0,47, situando-se os valores normais entre 0.00 e 0.06 – cfr. fls. 23 do processo clínico constante de fls. 352 e ss. do SITAF. DD. A troponina é um marcador muito sensível de necrose miocárdica – confissão (artigos 106 da contestação do réu Centro Hospitalar e 146 da contestação dos réus «DD» e «EE»). EE. O referido valor da troponina, associado às alterações suspeitas do ecocardiograma e no electrocardiograma, apontava para patologia cardíaca relacionada com isquemia do miocárdio – cfr. relatório de medicina interna. FF. A suspeita de tal patologia cardíaca justificava a realização de um estudo para diagnóstico/despiste de doença coronária sintomática/síndrome coronária aguda – cfr. relatório de medicina interna. GG. Não há registo clínico de observação por cardiologia na sequência da repetição do electrocardiograma, do ecocardiograma e da colheita de troponina – cfr. relatório de medicina interna e processo clínico, depoimentos de parte das rés «EE» e «FF». HH. «GG» apresentava, desde a entrada no internamento, TGO aumentada 67 U/L (normal 10-34), DHL aumentada 440 U/L (normal 135-225), gama GT aumentada 205 U/L (normal 10-66) e proteína C reactiva 41.97 mg/L (normal 0.0-5.0) – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). II. Em 04.06.2009, foi efectuado registo clínico com o seguinte teor: “Mantém queixas de cefaleias com as mesmas características (...). Nega náuseas ou vómitos. Exame neurológico sobreponível.” – cfr. fls. 34 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. JJ. Em 05.06.2009, foi constatado um PCR de vírus herpes no LCR – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). KK. Embora o quadro clínico e a imagem não fossem sugestivos de uma encefalite herpética, dado ser um teste extremamente específico e sensível, e o quadro de encefalite herpética ser potencialmente fatal, foi discutida a situação clínica do doente e decidido, em reunião semanal do serviço de neurologia, iniciar tratamento com aciclovir endovenoso – confissão (artigos 54 da contestação dos réus «DD» e «EE» e 28 da contestação do Centro Hospitalar ...). LL. No mesmo dia, foi efectuado registo clínico com o seguinte teor: “S/ náuseas ou vómitos. Mantém cefaleia frontal.” – cfr. fls. 36 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. MM. Em 07.06.2009, foi requisitada nova ressonância magnética encefálica e foram programados cintilograma com gálio e biópsia transbrônquica para esclarecimento da natureza das adenopatias mediastínicas – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). NN. Em 08.06.2009, foi efectuado registo clínico com o seguinte teor: “S/ cefaleias, náuseas ou vómitos. Mantém vertigem desencadeada pelos movimentos da cabeça.” – cfr. fls. 36 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. OO. A ressonância magnética encefálica mostrou: “diminutos focos de hipersinal em DP/T2 e FLAIR em ambos os hemisférios cerebelosos, com aparente restrição à difusão. Pequenos focos de hipersinal nos centros semiovais, estes com menor intensidade nas imagens ponderadas em difusão e sem evidente restrição. Verifica-se ainda hipersinal em T2 e FLAIR cortico-subcortical occipito-basal direito. As alterações descritas não são sugestivas de encefalite herpética, considerando-se provável etiologia isquémica, podendo, no entanto, associar-se a alterações de tipo inflamatório microvascular” – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). PP. Em 11.06.2009, o doente foi discutido na reunião semanal do serviço de neurologia e na reunião semanal conjunta do serviço de neurologia com o serviço de neurorradiologia, tendo sido, então, discutido e assumido que, perante a hipótese de as lesões cerebrais serem isquémicas, a presença de adenopatias mediastínicas e dos vários enfartes a nível esplénico, renal e hepatomegalia (eventualmente com áreas de enfarte também) e atendendo ainda ao facto de haver possíveis queixas cognitivas há meses, de emagrecimento significativo mencionado pela família, o mais provável seria tratar-se de um quadro pró-trombótico e, na ausência de outra causa identificada, nomeadamente autoimune, seria mais provavelmente consequente a uma neoplasia oculta do pulmão ou do tubo digestivo – cfr. depoimento de parte da ré «EE». QQ. A autora, dias antes da morte de seu marido, solicitou pessoal e directamente ao réu médico, na qualidade de Director do Serviço de Neurologia, que fosse à enfermaria consultá-lo pois o seu estado de saúde continuava a inspirar cuidados e não sabiam ainda qual a causa da doença, tendo aquele respondido que não precisava de ir consultá-lo pois sabia perfeitamente pelas colegas, as rés médicas, qual a doença que ele tinha, referindo à autora que era do “foro sistémico” – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). RR. O que foi dito à autora foi que o doente “tem um estado pró-trombótico, secundário a uma doença do foro sistémico, que, na maioria das vezes, num homem da idade do seu marido e sem evidência de outras causas, é uma doença oncológica – neoplasia.” – confissão (artigos 134 da contestação dos réus «DD» e «EE» e 95 da contestação do réu Centro Hospitalar). SS. O réu médico nunca consultou o marido da autora – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). TT. Em 12.06.2009, foi efectuado registo clínico com o seguinte teor: “S/ cefaleias, náuseas ou vómitos. Mantém vertigens c/ os movimentos da cabeça.” – cfr. fls. 39 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. UU. No mesmo dia, foram efectuados electroencefalograma e ressonância magnética crânio-encefálica, sem novas anomalias – cfr. fls. 89 e 86 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. VV. Em 15.06.2009, realizou biópsia transbrônquica para estudar as adenopatias do mediastino – cfr. fls. 79 do processo clínico, constante de fls. 352 e ss. do SITAF, e relatório pericial de medicina interna. WW. Considerando que «GG» tinha uma insuficiência cardíaca secundária a doença cardíaca isquémica, provavelmente a realização da broncofibroscopia foi deletéria – cfr. relatório de medicina interna. XX. Nesse dia, pelas 14h00m, na enfermaria de Neurologia, queixou-se de ter menos força do membro superior esquerdo, tendo sido observado por médica especialista em Neurologia, «HH», que registou: “queixou-se de falta de força no membro superior esquerdo enquanto comia, o exame neurológico é normal relativo à força dos membros e sensibilidades táctil e álgica. Está muito ansioso e a chorar. A broncoscopia foi traumatizante”. – cfr. fls. 40 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. YY. Face à queixa de perda de força no braço esquerdo, foi-lhe dada pelas rés médicas uma mola de mão para premir e recuperar a força do braço – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). ZZ. A biópsia transbrônquica mostrou aspirado de gânglio mediastínico com células linfoides constituídas por linfócitos maduros – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). AAA. Tal resultado tornava menos provável uma neoplasia hematológica – confissão (artigos 40 da contestação do réu Centro Hospitalar e 67 da contestação dos réus «DD» e «EE») BBB. O aspirado bronco-alveolar foi também negativo para outras células malignas – confissão (artigos 40 da contestação do réu Centro Hospitalar e 67 da contestação dos réus «DD» e «EE») e fls. 7 do processo clínico, constante de fls. 352 e ss. do SITAF. CCC. Em 16.06.2009, «GG» realizou Minimal Mental State, exame que mostrou melhoria de alguns parâmetros neuropsicológicos, referindo estar “muito ansioso, e cansado de estar internado e de fazer exames” – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). DDD. Realizou também cintilograma com gálio, cujo resultado foi normal, e foi constatada nova lesão no dorso do pé, interpretada como da mesma natureza das mãos – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). EEE. Nesse dia, pela ré «FF» foi efectuado registo clínico com o seguinte teor: “Doente muito ansioso, refere “tonturas” quando está no wc. Está cansado de estar internado e dos exames invasivos.” – cfr. fls. 40 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. FFF. Em 17.06.2009, durante os cuidados de higiene, cerca das 09h00m, «GG» apresentou queixas de dispneia, cansaço e fraqueza generalizada, mantendo ausência de dor torácica. – cfr. fls. 41 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. GGG. Apresentava uma saturação de oxigénio de 70%, tendo iniciado oxigenoterapia – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). HHH. Foi solicitada a observação pela urgência de Medicina Interna («CCC» e «DDD») – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). III. O doente colheu estudo analítico, que apresentou hemograma com leucócitos de 10190/uL, anemia com Hb 10.9 g/dL com CGM e CHGM normais e trombocitopenia de 71 000/uL – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). JJJ. O doente realizou RX tórax, cujo resultado foi normal – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). KKK. Os médicos especialistas de Medicina Interna que o observaram na enfermaria de Neurologia, «CCC» e «DDD», registaram “dispneia súbita, com insuficiência respiratória tipo 1, e alterações electrocardiográficas que sugerem sobrecarga ventricular direita. Hipótese de diagnóstico: tromboembolismo pulmonar agudo” – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). LLL. Iniciou hipocoagulação com enoxaparina nas doses 80mg de 12/12h e foi programado angio-TC do tórax de urgência – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). MMM. No mesmo dia, o ecocardiograma transtorácico realizado pela cardiologista de urgência, «WW», era sugestivo de tromboembolismo pulmonar e de insuficiência cardíaca – cfr. esclarecimentos prestados em audiência pelos peritos de medicina interna. NNN. O angio-TC tórax realizado nesse dia não confirmou o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar – cfr. relatório de medicina interna e cfr. fls. 71 do processo clínico constante de fls. 263 e ss. do SITAF. OOO. Perante a não confirmação de tromboembolismo pulmonar no angio TC tórax, era grande a probabilidade de não se tratar de tromboembolismo pulmonar – cfr. esclarecimentos prestados em audiência pelos peritos de medicina interna. PPP. Em 18.06.2009, o paciente sofreu agravamento da dificuldade respiratória e novo episódio de dessaturação de oxigénio – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). QQQ. Foram contactados, uma vez mais, médicos especialistas em Medicina Interna que recomendaram que o doente fosse observado no serviço de urgência, tendo sido levado à sala de emergência onde lhe foram prestados cuidados assistenciais pela médica internista «EEE» e pela médica cardiologista «FFF» – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). RRR. Repetiu novamente ecocardiograma transtorácico com doppler, relatado pela médica cardiologista «WW», e repetiu também o electrocardiograma, que mostrou “ritmo sinusal a 100bpm, S1 Q3 T3, inversão das ondas. Tem todo as derivações pré-cordiais, inferiores e DI” – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). SSS. Após a observação, foi registado pela cardiologista «FFF»: “Mantenho suspeita de TEP (tromboembolismo pulmonar). Não excluo endocardite nem síndroma coronário agudo, embora não me pareça provável” – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). TTT. O doente manteve hipocoagulação e foi tratado com Penicilina G e Gentamicina, face a eventual endocardite – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). UUU. Em termos analíticos apresentava (colheita do início da manhã) troponina T –0.32 (normal 0-0.06), CK de 56 e CK MB de 29 – normais, mioglobina – 50 normal, TGO-61, TGP-56, fosfatase alcalina – 186, GGT – 196, DHL – 460, PRO-BNP 8801 (normal 0-227), proteína C reactiva 61,36 mg/L – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). VVV. Na segunda colheita do dia, efectuada pela 15h00m, apresentava troponina T – 0.31 (normal 0-0.06), CK 56 – normal, mioglobina – 45.8 normal, TGP – 221, fosfatase alcalina – 254, GGT – 277, DHL – 551, PRO-BNP 8801 (normal 0-227), proteína C reactiva 72.09 mg/L – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). WWW. Às 18h00m, desse mesmo dia, mantinha sensação de dispneia, apresentava taquipneia, tensões arteriais de 100/60mmHg, frequência cardíaca de 91bpm, estava apirético e tinha uma saturação de oxigénio de 97% com oxigenoterapia. Apresentava também turgescência venosa jugular – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). XXX. Às 03h00m, de 19.06.2009, o doente iniciou, de forma abrupta, agravamento da dispneia – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). YYY. Em menos de um minuto entrou em assistolia, tendo-se iniciado manobras de suporte básico de vida e, posteriormente avançado de vida. Ainda passou a ritmo sinusal, mas voltou a paragem cardiorrespiratória, após cerca de 3 minutos, em dissociação electromecânica, que não reverteu após vinte minutos de manobras de suporte avançado de vida – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). ZZZ. Às 03h30m de 19.06.2009 foi declarado o óbito de «GG» pela ré «EE»– acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). AAAA. As decisões de diagnóstico e tratamento do doente em causa foram tomadas colectivamente em reuniões por parte de todos os médicos do serviço – facto instrumental resultante dos depoimentos de parte das rés «EE» e «FF» e das testemunhas «UU» e «GGG». BBBB. O doente só se deslocava para ir à casa de banho, dentro da enfermaria, não fazia esforços, só deslocações curtas, e quando se deslocava para fazer exames era transportado em cadeira de rodas – facto instrumental resultante dos depoimentos de parte das rés «EE» e «FF». CCCC. As medidas terapêuticas adoptadas durante o período de internamento não foram as adequadas ao tratamento da patologia de que padecia o doente – cfr. relatório pericial de medicina interna. DDDD. Outros exames complementares de diagnóstico, nomeadamente uma angiografia coronária, poderiam ter ajudado a diagnosticar a patologia responsável pela morte – facto instrumental resultante do relatório pericial de medicina interna. EEEE. Foi comunicado o óbito à autora, tendo-lhe sido explicado que a causa de morte provável tinha sido um tromboembolismo pulmonar, apesar de o doente estar a ser tratado para tal – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF) e depoimento de parte da ré «EE». FFFF. Foi sugerido à autora que, perante a ausência de conhecimento da causa do estado pró-trombótico que motivou as várias lesões isquémicas cerebrais, cardíacas, renais, esplénicas e fatalmente pulmonares, fosse realizada autópsia anátomo-clínica – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF) e depoimentos de parte das rés «EE» e «FF». GGGG. Inicialmente, a autora autorizou verbalmente a realização de tal autópsia anátomo-clínica – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF) e depoimentos de parte das rés «EE» e «FF». HHHH. Pelas 23h de 19.06.2009, a autora entregou carta ao médico especialista de neurologia que se encontrava de urgência, a comunicar que desautorizava a autópsia anátomo-clínica e que pretendia uma autópsia médico-legal – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF) e depoimentos de parte das rés «EE» e «FF». IIII. Em 22.06.2009, foi realizada autópsia médico-legal no Instituto de Medicina Legal – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). JJJJ. Em 17.09.2009, foi elaborado “Relatório de anatomia patológica” com o seguinte teor – cfr. doc. ... junto com a p.i.: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] KKKK. Em 08.01.2010, foi elaborado “Relatório de patologia forense”, nos termos do qual se concluiu que a morte de «GG» foi devida a enfarte do miocárdio em fase inicial de cicatrização com cerca de 10 a 14 dias de evolução, devido a aterosclerose coronária severa, com obstrução de 80%, com trombose associada – cfr. doc. ... junto com a p.i.: LLLL. Na autópsia, foi constatado enfarte no coração com organização de alguns dias – cfr. doc. ... junto com a p.i. (relatórios de patologia forense e anatomia patológica). MMMM. A autópsia confirmou existência de doença coronária grave – facto instrumental resultante do relatório de medicina interna. NNNN. Na autópsia, a isquemia miocárdica era visível a olho nu – facto instrumental resultante do depoimento da testemunha «II». OOOO. O intervalo de tempo referido nos relatórios de patologia forense e anatomia patológica (10 a 14 dias) constitui uma mera estimativa, podendo o enfarte ter ocorrido antes desse tempo – facto instrumental resultante dos depoimentos das testemunhas «PP» e «QQ». PPPP. Na autópsia não foi constatada qualquer neoplasia – facto instrumental resultante dos depoimentos das testemunhas «PP» e «QQ». QQQQ. O tromboembolismo pulmonar é visível macroscopicamente e não foi encontrado na autópsia – facto instrumental resultante do depoimento da testemunha «QQ». RRRR. Não foram encontrados na autópsia sinais de estado pro-trombótico – facto instrumental resultante do depoimento da testemunha «QQ». SSSS. A causa de morte mais provável face à sintomatologia inicial, à evolução clínica durante o internamento, ao resultado dos vários exames complementares realizados durante este período e aos achados da autópsia é insuficiência cardíaca aguda secundária a doença cardíaca isquémica ou cardiopatia isquémica – facto instrumental resultante do relatório de medicina interna. TTTT. O réu «DD» exercia, no período de 22.05.2009 a 19.06.2009, as funções de médico neurologista e director de Serviço de Neurologia, no Centro Hospitalar ... – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). UUUU. A ré «EE» era, no período de 22.05.2009 a 19.06.2009, médica neurologista do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar ... – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). VVVV. «GG» nasceu a 25.04.1947 – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). WWWW. «GG» faleceu em 19.06.2009 – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). XXXX. «GG» casou com a autora em 30.10.1976 – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). YYYY. Do casamento nasceram os filhos «BB» e «CC», aqui também autores, nascidos em 20.12.1979 e 23.11.1988, respectivamente – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). ZZZZ. A autora pagou à Agência funerária que executou todos os serviços fúnebres a quantia de € 4.458,00 – cfr- doc. ... junto com a p.i.. AAAAA. «GG», à data dos factos, era uma pessoa plena de actividade e dinamismo, com grande apego ao trabalho e gosto pela vida – cfr. declarações de parte da autora e depoimentos das testemunhas «LL», «MM» e «NN». BBBBB. «GG» exercia as funções de vendedor de uma empresa Alemã denominada [SCom02...], com sede na Zona Industrial ..., auferindo, em média, rendimento líquido mensal de € 1.264,48 – cfr. declarações de parte da autora, depoimentos das testemunhas «LL», «MM» e «NN» e docs. ... e ... juntos com o requerimento de fls. 2010 e ss. do SITAF. CCCCC. «GG» vivia em comunhão de mesa e habitação com a autora e seu filho «CC», aqui autor, contribuindo financeiramente com o seu rendimento para as despesas domésticas e normais do seu agregado familiar e para as despesas com os estudos desse seu filho – cfr. declarações de parte da autora e depoimentos das testemunhas «LL», «MM» e «NN». DDDDD. «GG» sempre dedicou grande amor e carinho a sua esposa e filhos, aqui autores, e estes sempre dedicaram àquele seu marido e pai também grande amor e carinho – cfr. declarações de parte da autora e depoimentos das testemunhas «LL», «MM» e «NN». EEEEE. «GG», durante o período de internamento no hospital e até à sua morte, padeceu de ansiedade e sofrimento psíquico por não sentir quaisquer melhoras – cfr. declarações de parte da autora e depoimentos das testemunhas «LL», «MM» e «NN». FFFFF. Após a realização da broncofibroscopia, «GG» teve a percepção de estar iminente a sua morte – cfr. declarações de parte da autora e depoimento da testemunha «NN». GGGGG. Os autores encontravam-se na sua casa de habitação quando receberam a informação de que seu marido e pai havia falecido, e viveram momentos de intensa ansiedade e sofrimento psíquico quando tomaram conhecimento da morte de seu marido e pai – cfr. declarações de parte da autora e depoimentos das testemunhas «LL», «MM» e «NN». HHHHH. Os autores viveram grande angústia e sofrimento moral durante o tempo que mediou o dia do seu internamento hospitalar e a ocorrência do óbito – cfr. declarações de parte da autora e depoimentos das testemunhas «LL», «MM» e «NN». IIIII. Os autores sofreram um profundo desgosto com o falecimento de seu marido e pai, vendo-se súbita e brutalmente privados do seu convívio e amor, desgosto esse que acompanhará todos os autores durante toda a sua vida, vivendo estes agora num estado de inconsolável tristeza – cfr. declarações de parte da autora e depoimentos das testemunhas «LL», «MM» e «NN». JJJJJ. Entre o 2.º réu, «DD», e a interveniente [SCom01...], foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, na modalidade Ordens Profissionais, titulado pela apólice ...26, para o exercício da actividade de Neurologia, com capital de € 600.000, limitado, em cada anuidade e por sinistro, a 50% do referido valor e sujeito a franquia de 10% dos danos resultantes de lesões materiais – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF) e depoimento da testemunha «HHH». KKKKK. A ré «EE», beneficia de um contrato de seguro de grupo de Responsabilidade Civil Profissional Médicos, celebrado entre a interveniente e a Ordem dos Médicos, titulado pela apólice de seguro n.º ...91, com um capital de € 15.000, valor máximo assumido pela interveniente – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF) e depoimento da testemunha «HHH». LLLLL. Entre a ré «FF» e a interveniente foi celebrado um contrato de seguro de Responsabilidade Civil, na modalidade Ordens Profissionais, titulado pela apólice ...21, para o exercício da actividade de Neurologia, com um capital de € 600.000, limitado, em cada anuidade e por sinistro, ao sublimite de capital seguro de € 300.000 e sujeito a uma franquia de 10% dos danos resultantes de lesões materiais, com o mínimo de € 125.000 – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF) e depoimento da testemunha «HHH» e «III». MMMMM. A ré «FF» beneficia de um contrato de seguro de grupo de Responsabilidade Civil Profissional Médicos, celebrado entre a Interveniente e a Ordem dos Médicos, titulado pela apólice de seguro n.º ...91, com um capital de € 15.000, valor máximo assumido pela interveniente – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF) e depoimentos das testemunhas «HHH» e «III». NNNNN. O inquérito criminal que correu termos na 3.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal ..., sob o Processo de Inquérito n.º 100/09...., foi arquivado em 27.07.2012, tendo sido requerida abertura de instrução, a qual foi não foi admitida, por inadmissibilidade legal, em despacho datado de 27.09.2012 – acordo (cfr. acta de audiência prévia, a fls. 887 e ss. do SITAF). Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa, designadamente o seguinte: 1. O doente deambulava na enfermaria e fazia a sua higiene de forma independente.» ** 3.2. A Senhora juiz a quo adiantou a seguinte motivação para justificar o julgamento da matéria de facto: «Motivação: A decisão da matéria de facto assentou no acordo das partes, na confissão e na prova documental, pericial, por declarações de parte, depoimentos de parte e prova testemunhal, como referido em cada um dos pontos do probatório. As declarações de parte da autora revelaram-se credíveis, mostrando-se sérias, sinceras e verdadeiras, ainda que, naturalmente, pautadas por nervosismo e grande emoção, próprios de quem perdeu um ente querido e muito próximo, o seu marido. Revelou ter muito presente a sequência dos acontecimentos, apesar do elevado lapso de tempo decorrido (mais de 13 anos), evidenciando grande sofrimento pelos factos sucedidos e em análise e que culminaram com a morte do seu marido. Descreveu com pormenor e objectividade o estado geral e a sintomatologia evidenciados pelo seu marido, sem hesitações ou contradições detectadas, não tendo demonstrado intenção de dramatizar os acontecimentos, com conhecimento de causa, demonstrando um acompanhamento do marido tão próximo quanto lhe foi possível e um esforço grande no sentido de diligenciar pela melhoria do seu estado de saúde. Todavia, quanto às supostas queixas de dor no peito e falta de ar por parte do paciente, as suas declarações não foram valoradas por não serem corroboradas pelos registos clínicos e por não ser plausível, de acordo com as regras da experiência, que tais queixas não fossem registadas pelos médicos e/ou enfermeiros do serviço nem, tão pouco, que fosse registada a ausência de tais queixas, como resulta de alguns registos clínicos. Tais declarações da autora justificam-se pelo envolvimento emocional da mesma no caso em apreço, sem que, por outro lado, tal relato constitua qualquer tentativa de empolar a sintomatologia apresentada pelo seu marido, atenta a postura que demonstrou ao longo das várias sessões da audiência final. Descreveu a personalidade do seu marido com muita emoção, revelando uma relação sólida com o mesmo e um grande sentimento de perda. As testemunhas «LL» e «MM», irmãs da autora e tias dos autores, prestaram depoimentos que se revelaram sinceros, ainda que as mesmas tenham demonstrado tomar as dores dos autores, seus familiares. As suas declarações contribuíram para a formação da convicção do Tribunal quanto ao estado debilitado em que o marido e pai dos autores se encontrava durante o internamento – dado que as testemunhas o visitaram nesse período –, assim como quanto à personalidade de «GG» e à sua vivência familiar com os autores, de quem se mostraram muito próximos em termos de convivência. A testemunha «NN», irmã de «GG», prestou um depoimento isento e sincero, e por isso credível. Apesar de ser cunhada e tia dos autores, demonstrou distanciamento e relatou os factos de forma muito coerente, não se tendo detectado nas suas declarações qualquer contradição. Descreveu a pessoa do seu irmão antes dos factos em causa e o sofrimento dos autores com o internamento e a morte do seu irmão, descrição que foi feita de forma objectiva e sem dramatismos. O depoimento de parte da ré «EE» mostrou-se sério e credível. Começou por reconhecer que, inicialmente, o exame clínico neurológico era normal, assim como a TAC que realizou, mas que, face à ressonância magnética que apresentou em 29 de Maio, foi internado para estudo das lesões neurológicas relatadas em tal exame, o qual foi, por isso, determinante na decisão de internamento. Justificou o não internamento do doente em cardiologia com a circunstância de o mesmo não ter sintomas de doença cardíaca (dor torácica, dispneia), apesar de os exames terem algumas alterações e que as mesmas haviam sido assumidas pelo cardiologista como sendo lesões de um contexto de doença neurológica. Todavia, o que resulta do relatório do ecocardiograma transtorácico e do electrocardiograma é que o cardiologista terá questionado a fonte cardioembólica das lesões neurológicas, o que contraria estas declarações da ré «EE», abalando, assim, a sua credibilidade nesta parte. Reconheceu que o doente tinha várias alterações cardíacas de acordo com os exames cardíacos realizados inicialmente; todavia, afirma que, em reunião de serviço, os médicos entenderam, em conjunto, que o doente tinha áreas de isquemia (tromboses ou enfartes) em vários órgãos de causa desconhecida (estado pró-trombótico) e que tal não se deveria a doença cardíaca, sem justificar convenientemente esta conclusão tão peremptória, que acabou por afastar a investigação de doença cardíaca. Sobre os valores de troponina, referiu que, apesar de serem elevados, não eram típicos de um enfarte do miocárdio, tendo os médicos atribuído o valor de troponina aos vários enfartes que o doente tinha, também não tendo sido apresentada uma razão plausível para afastar a investigação de doença do foro cardíaco. O doente tinha uma doença sistémica, afirma a ré, afirmação esta que assenta apenas nas lesões constatadas nos vários órgãos. Sustenta ainda o afastamento de doença cardíaca por não haver clínica nem alterações sugestivas de síndrome coronário agudo. E as alterações ecocardiográficas e eletrocardiográficas foram enquadradas na doença sistémica, envolvente de múltiplos órgãos, e com origem oncológica ou imunológica, descartando-se a hipótese de doença cardíaca com pouco sustento. Como o estudo imunológico era normal, restava a possibilidade de neoplasia, devido a um quadro arrastado (de semanas ou meses) de cansaço, fadiga, perda de peso, astenia e adenopatias mediastínicas. Também tinha um marcador tumoral aumentado, e, por isso, realizou-se a broncofibroscopia, negativa para células malignas; mas, defende a ré, isso não excluía um tumor. Procuravam um tumor para o retirar e, assim, acabar com o estado pró-trombótico. Afirma que o doente faleceu com um tromboembolismo pulmonar por causa da clínica e que o relatório da autópsia não o exclui, afirmação esta que está em oposição com o resultado do angio-TC realizado assim como com o relatório pericial de medicina interna. Deste modo, as declarações da ré mostraram-se esclarecedoras para o Tribunal perceber o percurso de investigação seguido pelos médicos que acompanharam o doente. O depoimento da ré «FF» também se mostrou sério e credível. Não obstante, afirmou que o cardiologista que realizou os primeiros exames era de parecer que o doente tinha alterações cardíacas secundárias a evento neurológico e que os colegas de neurologia concordaram com tal diagnóstico. Disse ainda que, após a repetição dos exames, concluíram que não estavam perante doença cardíaca. Mas o certo é que do processo não consta tal conclusão pois que não há registo de observação do doente por cardiologia após a repetição dos exames de cardiologia, pelo que, nesta parte, as declarações da ré «FF» não foram positivamente valoradas pelo Tribunal. Tal como a ré «EE», referiu que, em vista das lesões cerebrais múltiplas, considerou-se que as mesmas poderiam ser inflamatórias ou autoimunes ou poderiam resultar de estado pró-trombótico secundário a doença inflamatória ou neoplásica, pois existiam lesões isquémicas noutros órgãos, para além das lesões cerebrais, e também apontavam para uma síndrome paraneoplásica as lesões mediastínicas detectadas na TAC torácica. E foi esse achado que seguiram, prossegue a ré, deixando por justificar de forma consistente e sólida o abandono da investigação do foro cardíaco. Quanto à broncofibroscopia, afirmou que tal exame não foi de encontro ao que esperavam mas refere que nem sempre os exames detectam o que se espera, por isso continuaram a investigar esse diagnóstico. Como não apresentava dor torácica nem dispneia, achava que ele não tinha clínica de síndrome coronário agudo e isso, na perspectiva da ré, justifica que não se tenha investigado a doença cardíaca. Quanto à troponina, reafirmou o que a ré «EE» disse. A ré «FF» prestou esclarecimentos adicionais, tendo referido que, após a decisão do colega de cardiologia para repetir exames, não sabe quem requisitou a repetição porque não há registo. A ré «EE» acrescentou que pode nem haver requisição uma vez que havia indicação anterior para repetir exames. Após a repetição, não há registo de observação por cardiologia. A ré «EE» alvitrou que, tendo em conta os resultados dos exames repetidos, se terá entendido que a situação estava estável em relação à urgência, e daí não haver indicação para fazer outro estudo do foro cardíaco, para além da investigação já planeada, até porque foi o mesmo o cardiologista que viu o doente nos dois momentos. O doente só foi visto por cardiologia em 30 de Maio, 03 de Junho e, após o agravamento, em 17 de Junho, e não antes, porque, afirma a ré, não havia registo de sintomatologia (nem de médicos nem de enfermeiros) que o justificasse. O relatório pericial de cardiologia mostrou-se parco em conteúdo técnico, limitando-se a confirmar os registos clínicos constantes do processo, confirmando até factualidade que do mesmo não constava e cujo acesso se mostrava impossível aos peritos, como foi o caso da deambulação do doente na enfermaria ao longo do internamento, facto que não consta dos registos clínicos e que os peritos afirmaram. Confirma que o ecocardiograma de 30 de Maio apresenta alterações da contractilidade segmentar, considerando que as mesmas não condicionavam compromisso da função sistólica do ventrículo esquerdo, não determinando “falência cardíaca”, mas não explica porquê. Também aí se afirma que “as queixas do doente apontavam para um quadro neurológico e não para um quadro de falência cardíaca”, afirmação esta que também não se mostra justificada. Também não justifica minimamente as afirmações de que “a sintomatologia não evidenciava qualquer necessidade de investigação” e de que “o doente não apresentava sintomatologia indicativa de doença cardíaca”, desconsiderando, a este propósito, os resultados dos exames realizados pelo doente ou, pelo menos, não fazendo qualquer referência aos mesmos. De resto, limita-se a confirmar e a não confirmar afirmações constantes dos articulados sem justificar minimamente tais posições. Por estas razões, o relatório pericial de cardiologia não contribuiu para a formação da convicção do Tribunal. O relatório pericial de neurologia também se mostra pouco esclarecedor quanto à matéria técnica em apreço, não justificando afirmações como a de que os sintomas do doente “apontavam para causa neurológica”, omitindo os supostos sintomas e as supostas causas neurológicas. Também não concretiza afirmações como a de que “Os réus, no seu conjunto, prestaram sucessivamente os cuidados que visavam esclarecer os sintomas e os achados que surgiram nos diversos exames complementares realizados.” Afirma que “A sintomatologia referida desde o início não era característica de isquémia miocárdica” mas não explica porquê; refere ainda que tal sintomatologia, “junto com os resultados dos exames efectuados, apontava outros possíveis diagnósticos que foram explorados” mas não explica por que é que apontava nem a que diagnósticos se refere, tendo um dos peritos referido apenas, em sede de esclarecimentos prestados na audiência final, que a patologia miocárdica não foi priorizada considerando a orientação da investigação para a área da neurologia. Ora, naturalmente que, não obstante a orientação inicial ser para a área da neurologia, a investigação médica pode e deve ser reorientada para outras áreas da medicina se isso se justificar, atenta a sintomatologia e os resultados dos exames e das análises efectuadas. Elenca conclusões vagas e genéricas, como a seguinte: “Atendendo aos sintomas e aos exames realizados, tudo foi feito no sentido de esclarecer a patologia do doente, e sem descurar os meios. O raciocínio médico/neurológico em vida do doente foi correcto, assentando nas queixas e sintomas e ainda nos dados dos exames que foi efectuando.” Todavia, o certo é que a investigação foi sendo conduzida na área da neurologia quando nenhum dos exames neurológicos realizados confirmou as suspeitas de doenças neurológicas. De resto, em sede de esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência final, questionados sobre a pertinência de investigação adicional, apenas se cingiram à área de neurologia, nada afirmando quanto a investigação adicional em qualquer outra área, sobre a qual não se pronunciaram. Quando lhes foi perguntado pelo Tribunal se o “ligeiro agravamento do compromisso da função sistólica do ventrículo esquerdo” era relevante para efeitos de diagnóstico, o perito referiu “eu não sei responder em relação a isto, não sou capaz de lhe dar uma resposta.”, embora tenha admitido que algo não estava a funcionar bem do ponto de vista cardíaco. Pelas razões elencadas, também o relatório pericial de neurologia não contribuiu para a formação da convicção do Tribunal. O relatório pericial de anatomia patológica apresenta-se maioritariamente descritivo (dos exames e dos seus resultados e do relatório da autópsia), acabando, por isso, por se revelar pouco útil para o Tribunal. Diferentemente, o relatório pericial de medicina interna revelou-se devidamente fundamentado e contribuiu para a formação da convicção do Tribunal relativamente à matéria em causa de carácter médico, pois que esclareceu e correlacionou, de forma clara, objectiva, lógica e coerente, as informações médicas que foram sendo colhidas através de exames, análises e clínica, desse modo auxiliando o Tribunal a alcançar o percurso seguido pelos médicos que assistiram «GG» e, assim, aferir do seu acerto e da sua conformidade às leges artis. Do seu teor e dos esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência final resulta que, embora a evidência de doença coronária só se retire do relatório da autópsia, os resultados dos exames realizados pelo doente em vida já apresentavam indícios da doença, afirmação que justificam de forma muito clara. Estavam presentes três dados a favor de isquemia, presença essa que deveria ter levado a considerar a realização de investigação adicional na área da cardiologia: (i) as alterações eletrocardiográficas presentes desde a admissão podiam ser devidas a isquemia; (ii) os ecocardiogramas revelavam sempre alterações segmentares da contractilidade, geralmente devidas a isquemia; (iii) o valor sérico elevado da Troponina T verificado no dia 03.06.2009 apontava para a existência de lesão do miocárdio. Mais esclarecem que a presença destes três dados justificaria a realização de angiografia, exame que seria determinante no diagnóstico e tratamento adequado da patologia de que padecia o doente. Decorre ainda deste relatório pericial em análise que a presença de um trombo mural no ventrículo esquerdo cardíaco, verificada na autópsia, obriga a considerar a hipótese de causa cardioembólica para as lesões isquémicas múltiplas em territórios arteriais, documentadas nos exames complementares efectuados, e que tinham levado os médicos à suspeita clínica da presença de um estado pró-trombótico. Mais se refere de relevante que, considerando que nem o relatório da angio TC de tórax nem o relatório da autópsia confirmam o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar, não se pode concluir que essa foi a causa de morte de «GG», pois o angio-TC tórax constitui o exame complementar de diagnóstico recomendado para confirmar o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Do relatório pericial consta ainda que os sintomas e sinais clínicos apresentados pelo doente inicialmente são inespecíficos, pelo que, não tendo sido encontrada causa para o conjunto de sintomas referidos pelo doente na avaliação clínica realizada, deveria ter sido recomendada uma consulta médica para estudo fora do ambiente de urgência. Assim, a decisão de 29.05.2009, de internamento no Serviço de Neurologia, foi baseada nas alterações da avaliação clínica feita por neurologistas, na existência de lesões cerebrais múltiplas cuja natureza e causa nem a ressonância magnética nem a avaliação clínica eram ainda capazes de esclarecer, e na não valorização adequada das alterações encontradas na avaliação cardiológica. Por conseguinte, ali se conclui que, tendo em conta a evolução clínica e os dados que foram surgindo durante o internamento e o resultado da autópsia, o internamento do doente no serviço de neurologia não foi a decisão correcta. Finalmente, refere-se ainda que a broncofibroscopia pode provocar o agravamento da situação de insuficiência cardíaca e da síndrome coronária aguda. A testemunha «OO» foi um dos subscritores do relatório de autópsia de «GG», juntamente com «QQ». O seu depoimento não se revelou útil para prova da factualidade relevante para a decisão da causa considerando que se resumiu à descrição do que consta do relatório da autópsia, nada acrescentando de relevante ao teor correspondente. A testemunha «PP», médico especialista em Anatomia Patológica e Medicina Legal, subscreveu o “Relatório de Anatomia Patológica”, tendo feito a análise microscópica de fragmentos de órgãos recolhidos durante a autópsia. O seu depoimento revelou-se espontâneo, firme e muito esclarecedor, tendo a testemunha explicado de forma objectiva e segura, não só a conclusão da ocorrência do enfarte, mas também o afastamento da existência de uma neoplasia, clarificando que qualquer neoplasia é visível macroscopicamente na autópsia considerando que uma neoplasia se manifesta por um nódulo ou uma lesão ulcerada visível; e a existência de um gânglio aumentado ou inflamado, que é uma adenomegalia, não significa que se trate de um gânglio neoplásico. A testemunha «QQ», médica que subscreveu o “Relatório de Patologia Forense”, prestou um depoimento igualmente esclarecedor, sem hesitações ou contradições, espontâneo e seguro, tendo auxiliado o Tribunal na compreensão do relatório da autópsia. Afirmou que, na autópsia, encontrou um trombo intracardíaco mural já organizado – consequentemente, com alguma evolução –, e que esse achado acarretava o entupimento de vasos mais pequenos com fragmentos daquele trombo, que se vão soltando ao longo do tempo, assim se explicando múltiplos enfartes em outros órgãos. Relatou que analisou os gânglios e que não encontrou nos mesmos qualquer neoplasia, sendo certo que as neoplasias são observáveis, tal como afirmou também a testemunha «PP»; disse até que, por vezes, se detectam neoplasias na sala de autópsias. Acerca da tromboembolia pulmonar focal como achado na autópsia, explicou que isso significa que foi encontrado um pequeno trombo num dos ramos secundários da artéria pulmonar. A este propósito, disse ainda que o tromboembolismo pulmonar corresponde a um trombo de grandes dimensões, que impede que o sangue flua, a sair da artéria pulmonar, visível macroscopicamente. Por isso, não tendo sido constatado tromboembolismo pulmonar, mesmo que tivesse mais fragmentos do pulmão, não seria o mesmo encontrado. Quanto a um eventual estado pro-trombótico, referiu que o mesmo mostra os vasos todos cheios de trombos e os órgãos negros, e isso não foi encontrado no caso, pelo que afasta firmemente o cenário de o doente padecer de um estado pró-trombótico. A testemunha «RR», médica, subscritora do parecer médico-legal junto com a pá. como doc. ..., referiu que baseou o seu parecer apenas nos registos documentais que lhe foram fornecidos. Assim, o seu depoimento limitou-se a uma opinião técnica assente em documentos, pelo que não relevou para a formação da convicção do Tribunal. O depoimento da testemunha «FF», mãe da ré «FF», não contribuiu para a formação da convicção do Tribunal na medida em que nada acrescentou face ao que consta da prova documental, limitando-se a afirmar que, morando em casa contígua à da ré, recolhia a sua correspondência enquanto a mesma se encontrava no estrangeiro e que nunca a mesma recebera qualquer carta da seguradora a rescindir o contrato de seguro, o que, manifestamente, nada prova relativamente à vigência/cessação de tal contrato. A testemunha «II», médica, embora não tenha realizado a autópsia, afirmou que estava numa mesa ao lado daquela onde se realizou a autópsia em causa, tendo sido chamada pelo professor «OO» para ver lesões cardíacas “interessantes”, além de que o seu marido, o médico «KK», elaborou um parecer médico-legal sobre o caso em apreço. Descreveu uma isquemia miocárdica visível a olho nu, que nem precisava de exame histológico. Diz que só viu o coração do falecido. O seu depoimento mostrou-se sério, claro, objectivo e isento, pelo que foi, nesta parte, considerado pelo Tribunal. No mais, deu a sua opinião técnica como médica relativamente à actuação dos médicos em vida do doente, pelo que, nesta parte, naturalmente que o seu depoimento não foi considerado, atenta a qualidade de testemunha em que interveio na presente acção. Os depoimentos das testemunhas «SS», «TT», «UU», «VV», «WW» e «XX» não contribuíram para a formação da convicção do Tribunal na parte relativa à causa de morte e eventual erro de diagnóstico pela conjugação das seguintes razões. Em primeiro lugar, todos são médicos do réu Centro Hospitalar ... há mais de 20 anos, alguns dos quais com responsabilidades nas direcções dos serviços envolvidos no caso em apreço (cardiologia, neurologia e medicina interna), todos tendo relação profissional estreita com os réus médicos, circunstância que coloca algumas reservas em relação às posições que manifestaram, todos no mesmo sentido, o da tese dos réus. Em segundo lugar, embora tenham ensaiado uma explicação técnica para a tese dos réus, fizeram-no de forma muito idêntica e sem respaldo nos resultados dos exames médicos e apelando ao “primado da clínica” sobre aqueles, defendendo a prossecução de uma investigação de diagnóstico que, ao longo do tempo de internamento do doente (20 dias), nunca foi corroborada pelos exames que iam sendo pedidos e realizados. A este propósito, cabe dizer que todos estes depoimentos assentam nos seguintes pressupostos: a) a existência de lesões isquémicas em vários órgãos denunciava um estado pro-trombótico (que não veio a confirmar-se na autópsia); b) o estado pro-trombótico só poderia derivar de uma deficiência ou mau funcionamento do sistema imunitário (aliás, não confirmada pelo estudo imunológico) ou da existência de neoplasia (também não confirmada pela biópsia transbrônquica nem pela autópsia e sem quaisquer indícios nesse sentido). Em terceiro lugar, a tese que defendem não é apoiada – sendo até contrariada – pelo relatório pericial de medicina interna, o que, de forma mais fundamentada, se debruçou sobre a problemática em apreço, como acima já referido. Apesar de os resultados dos exames realizados pelo doente não confirmarem as suspeitas dos médicos de neurologia, os mesmos prosseguiram com a investigação no foro neurológico, sem a alargar a outros domínios, particularmente o cardíaco, para o qual tinham elementos e pistas de que o doente teria alguma anomalia. Ora, todas estas testemunhas referiram que, mesmo assim, só se justificaria investigação adicional na área de cardiologia se o doente viesse a revelar outros sintomas (para além dos registados no processo clínico, considerados inaptos a sustentar tal investigação) de doença cardíaca aguda, o que não aconteceu. E sustentam a prossecução da investigação exclusiva em neurologia com a circunstância de os sintomas que levaram ao internamento do doente serem do foro neurológico (apesar de, pontualmente, também admitirem que tais sintomas eram inespecíficos) pois, como referiu a testemunha «TT», “o doente estava orientado para neurologia”. O certo é que – e nisto todas estas testemunhas concordam –, o ventrículo esquerdo estava comprometido, não estava normal, como resulta dos exames e análises que o doente fez logo no início do internamento (electrocardiograma, ecocardiograma e colheita de troponina). Também todos admitem (de forma mais expressa as testemunhas «TT», «VV» e «SS») que, se o paciente não tivesse morrido, deveria ser encaminhado para consulta externa de Cardiologia. «VV» reconhece também que “as coronárias não deviam estar muito boas”, pelo que, se o doente não tivesse morrido, e só quando tivesse alta, deveria fazer angiografia, resultando do ecocardiograma de 30 de Maio que o doente tinha uma doença isquémica crónica, acrescentando ainda que o doente tinha vários factores de risco cardiovascular, que são indícios de isquemia crónica, pelo que seriam de avaliar, apenas mais tarde. Como também refere «TT», a parte direita do coração só se mostrou afectada em 17 de Junho de 2009, e, até essa data, o problema do coração era do lado esquerdo, o que era um indício forte (confirmou) de doença cardíaca. Quanto ao diagnóstico de tromboembolismo pulmonar, embora também todas estas testemunhas tenham sido peremptórias em afirmá-lo no caso concreto, o certo é que o mesmo não foi confirmado pelo angio TC do tórax e, mesmo assim, prosseguiram com esse diagnóstico, actuando em conformidade. As testemunhas «SS» e «VV» justificam esta negatividade do exame com o facto de o tromboembolismo pulmonar em causa ser periférico, o que não foi confirmado nem pelo relatório da autópsia nem pelo relatório de anatomia patológica. Acresce considerar que nenhuma dessas testemunhas afastou a possibilidade de endocardite e, mesmo assim, persistem na tese de que não se justificava investigação adicional em cardiologia. A testemunha «SS», médico cardiologista, director do serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar ... desde 2008, só teve conhecimento do caso após a morte, através do que lhe relataram os colegas e do que viu no processo clínico, pelo que, na parte do seu depoimento respeitante à actuação médica, se limitou a dar uma opinião técnica, o que, atenta a sua qualidade de testemunha, afasta, desde logo, a consideração das suas declarações para a formação da convicção do Tribunal. De todo o modo, cabe referir que esta testemunha prestou um depoimento que se mostrou muito defensor da tese dos réus e da posição do hospital e dos seus colegas, revelando pouca isenção na apreciação do caso, desvalorizando todos os sintomas descritos como típicos de doença cardíaca, afirmando que os resultados do ecocardiograma e do electrocardiograma conjugados com os valores de troponina apurados, e atendendo à sintomatologia constante dos registos clínicos, não justificavam uma investigação mais profunda na área de cardiologia, em oposição com o que resulta do relatório pericial de medicina interna. Concretamente, afirmou que os valores de troponina são pouco expressivos e podem dever-se às lesões cerebrais e que pode haver oclusão de 100% sem enfarte, afastando liminarmente a consideração da possibilidade de investigação na área da cardiologia atentos esses achados. Disse que sem cansaço e dor torácica, não há insuficiência cardíaca e, confrontado com o sintoma de cansaço, diz que o mesmo é inespecífico, neste ponto também não considerando que o doente estava internado e muito limitado em termos de actividade física para evidenciar cansaço. Sobre o efeito da broncofibroscopia no agravamento do estado de doença cardíaca, afirmou peremptoriamente que tal não acontecia, o que se mostra em manifesta oposição com o teor do relatório pericial relativo a este ponto. Sobre a suspeita de tromboembolismo pulmonar, afirmou que a mesma resulta tipicamente do ecocardiograma transtorácico de 17 de Junho e, confrontado com o resultado do angio-TC tórax que não confirmou o tromboembolismo pulmonar, disse que não era de valorizar tal exame porque não abrangia os vasos periféricos. Contestou ainda o resultado da autópsia, afirmando que o doente não morreu de enfarte, antes de tromboembolismo pulmonar, sendo certo que, repete-se, a testemunha não teve qualquer participação no acompanhamento do doente. Finalmente, desvaloriza a observação da cardiologista «FFF», que não excluiu endocardite nem síndroma coronário agudo, dizendo que é uma médica de urgência e que só actuou nesse momento, sem considerar o passado. Por todas estas razões, o seu depoimento afigurou-se parcial, o que afasta, em definitivo, a sua consideração positiva pelo Tribunal. O depoimento da testemunha «JJ» não foi relevante para a formação da convicção do Tribunal na medida em que o mesmo apenas teve conhecimento do caso em apreço após a morte de «GG», sendo médico (actualmente reformado) da unidade de neuropatologia e nunca tendo participado em reuniões do serviço de neurologia referentes ao caso concreto. Já na parte relativa ao funcionamento do serviço de neurologia em termos de tomada decisões médicas de forma partilhada, o Tribunal teve em consideração o depoimento das testemunhas «UU», director do serviço de neurologia em causa, e «GGG», médico neurologista do mesmo hospital. Esta última testemunha, não obstante também ser médico do serviço em causa, logrou depor com objectividade e isenção, revelando distanciamento relativamente a qualquer posição do hospital e dos seus colegas réus nesta acção, atitude que se manifestou quando o mesmo, confrontado com os registos dos exames de cardiologia efectuados pelo doente, sem qualquer reserva, afirmou que “o coração não estava a bombar bem”. Neste cenário, justificou a não prossecução da investigação na área de cardiologia apenas com a circunstância de inexistir no processo clínico parecer dos cardiologistas que observaram o doente nesse sentido, afirmando que não cabia aos neurologistas determinar a realização de angiografia, antes aos cardiologistas. Assim, não procurou justificar a actuação dos médicos seus colegas com uma qualquer tese médica no sentido de desvalorizar os sintomas e os resultados dos exames cardíacos realizados pelo doente para efeitos de investigação de doença cardíaca, diferentemente dos seus colegas que, anteriormente, prestaram depoimentos. Os depoimentos das testemunhas «HHH» e «III» corroboraram, de forma objectiva e credível, os documentos constantes dos autos relativos aos seguros de responsabilidade relativos aos réus médicos, pelo que foram considerados pelo Tribunal. Quanto ao facto não provado 1., cumpre referir que, para além de não constar dos registos clínicos que o doente deambulava pela enfermaria no período de internamento, as testemunhas dos autores que visitaram o doente nesse período (cunhadas e irmã) assim como a autora, em declarações de parte, afirmaram que o mesmo se mantinha deitado, levantando-se apenas para ir à casa de banho. A própria ré «FF» confirmou que os doentes internados no serviço de neurologia se deslocavam sempre em cadeira de rodas por uma questão de segurança dos próprios. Acresce que o registo clínico de 02.06.2009 relata ortostatismo com melhorias em decúbito, de onde resulta que o doente não teria actividade física de esforço durante o internamento.» ** III.B. DE DIREITO 3.3. Os Autores «AA» e seus filhos «BB» e «CC», moveram a presente ação administrativa comum contra os Réus Centro Hospitalar ..., E.P.E., e os médicos «DD», «EE» e «FF», com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito decorrente de erro médico, consistente em erro de diagnóstico, de que resultou a morte de «GG» - marido da 1.ª A. e pai dos 2.º e 3.º AA-, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais presentes e futuros, e não patrimoniais, sofridos em consequência do falecimento daquele familiar dos Autores, tudo acrescido de juros de mora à taxa supletiva legal. Por sentença de 21/12/2022, o TAF do Porto absolveu do pedido os Réus «DD», «EE» e «FF» e condenou o Réu Centro Hospitalar, parcialmente, no pedido formulado pelos Autores. O Réu Centro Hospitalar apelou da sentença proferida, assacando-lhe erro de julgamento sobre a matéria de facto, decorrente de erro na apreciação da prova e erro de julgamento sobre a matéria de direito, decorrente da violação das normas dos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12 por indevida substanciação da ilicitude, e em consequência da culpa médica, e do artigo 563.º e 344.º, n.º2 do C.Civil, quanto à relação causal e ao desvalor da recusa dos autores quanto à realização da autópsia anatómica-clínica, bem como as dos artigos 590.º e 591.º, n.º1, al.b) quanto à não aquisição processual da “leges artis” como matéria de facto, pretendendo que o TCAN revogue a sentença proferida. Os Apelados, diversamente, pugnam pela confirmação da sentença recorrida, que consideram não enfermar dos erros de julgamento assacados. Vejamos se assiste razão ao Apelante. ** b.1. do erro de julgamento sobre a matéria de facto b.1.1.do (in)cumprimento dos ónus impugnatórios 3.4. Coligidas as alegações de recurso e as respetivas conclusões, as mesmas revelam que o Apelante discorda do julgamento de facto que foi realizado pela 1.ª Instância, considerando que existe erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, a reclamar deste Tribunal ad quem que reanalise a prova produzida, pericial e testemunhal gravada, máxime, os depoimentos das testemunhas que indica. Perante as regras positivas vigentes na atual lei processual civil, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo, tendo o recurso por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal de 2.ª Instância deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelo recorrente, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como faz o juiz da primeira instância, embora esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade. Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição que é, a 2.ª Instância aprecia livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção a propósito de cada facto impugnado, exceto no que respeite a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil) e que, por isso, estejam submetidos a prova tarifada, a qual não deixa qualquer margem de subjetivismo ao julgador. Já quanto a factos sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova cujo julgamento de facto venha impugnado pelo recorrente, a 2.ª Instância está obrigada a realizar um novo julgamento, no qual não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª Instância é a prova produzida, tal como na 1ª Instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo, na formação dessa sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância. Contudo, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas apenas “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento”. Há regras apertadas para a impugnação da matéria de facto, tendo em vista, primordialmente, evitar a interposição de recursos de pendor genérico. Com esse propósito, o legislador rodeou a impugnação do julgamento da matéria de facto de uma série de ónus enunciados no art. 640º do CPC, que cumpre ao recorrente observar, sob pena de ficar vedado ao Tribunal de 2.ªInstância entrar no conhecimento do julgamento da matéria de facto impugnada pelo recorrente, os quais são de conhecimento oficioso pelo Tribunal ad quem. Nesta senda, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que a 2ª Instância deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto, estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação- cfr. António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., pág. 153. Concomitantemente, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões quanto ao julgamento da matéria de facto que realizou, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios da autorresponsabilidade, da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando perante a prova produzida se impunha decisão diversa, devendo, no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida quanto a essa concreta facticidade, bem como os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova por si indicada impor decisão diversa da que foi julgada provada ou não provada pelo tribunal a quo. Dito por outras palavras, para além de ter de indicar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna, “nos termos do n.º 1, da al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”- cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 797. Na verdade, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1ª Instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo-cfr. António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228-, e como decorrência deste, mas também do contraditório, terá de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna, as concretas provas que alicerçam esse julgamento diverso que propugna e as concretas razões pelas quais essa prova em que funda a sua impugnação afasta os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõe o julgamento de facto por ele propugnado. Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º). Acresce que, cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem (cfr. n.º 4 do art. 635º), é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna. E é entendimento de uma parte da jurisprudência do STJ (a qual citamos, por ser mais abundante nestas questões) que, nas conclusões, o recorrente tem também de indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada à matéria de facto que impugna- cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 798, nota 8. Já quanto aos demais ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, estes, porque não têm uma função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações- cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155. O cumprimento dos referidos ónus tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da 2.ª Instância, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão; e, finalmente, o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar, em sede de contra-alegações, a sua defesa, uma vez que só na medida em que se conhece especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova é que se habilita o recorrido de todos os elementos que lhe permitam contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações. A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos já enunciados princípios de autorresponsabilização, da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”- cfr. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação (segundo uma corrente do STJ, nas conclusões), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”- cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159. Esta tem sido a posição seguida, de forma praticamente uniforme, pela jurisprudência do STJ que, como referido, de acordo com uma corrente, tem sustentado que a decisão que, na perspetiva do apelante, deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto impugnada deve igualmente constar das conclusões, enquanto a maioria sustenta que essa resposta tem de constar da motivação de recurso- cfr. Acs. do STJ., de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1.. Acresce precisar que a jurisprudência do STJ tem operado a distinção entre: a) ónus impugnatórios primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde os requisitos impostos à parte se encontram ligados com o mérito ou demérito do recurso; e b) ónus impugnatórios secundários, que se prendem com os requisitos formais. Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, portanto, impugna e, bem assim, de acordo com uma corrente do STJ, indicar, nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (sendo que, a corrente maioritária propende no sentido de que essa indicação tem de constar da motivação do recurso) e, bem assim, a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso da matéria de facto que impugna, requisitos esses sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência, sem prejuízo do que infra se dirá, tem considerado que o mencionado critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em relação à qual se verifique a omissão. Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os que se encontram enunciados no n.º 2 do art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, considera-se que, embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do identificado critério de rigor, não convém exponenciar esse critério de rigor ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”- cfr.Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 797 e 798, nota 6 .. Argumenta-se que se está perante mero requisito de forma, destinado a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento”- cfr. Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1.. Acresce precisar que, mesmo em relação aos ónus de impugnação primários, tem-se assistido ultimamente, ao nível do STJ ( cita-se a jurisprudência dos tribunais comuns por ser mais recorrente sobre estas questões), a um aliviar do enunciado critério de rigor, admitindo a apreciação do recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante impugna desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes alegações- cfr. neste sentido, Acs. do STJ, de 08/02/2018, Processo nº 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08/02/2018, Processo nº 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06/06/2018, Processo nº 552/13.5TTVIS.C1.S1, e de 13/11/2018, Processo nº 3396/14, este último inédito. Ainda em razão das supra indicadas regras/ónus, certo é que não é de todo admissível uma impugnação genérica e global da matéria de facto julgada em primeira instância, estando portanto vedado ao apelante impetrar, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida, manifestando uma genérica discordância com a decisão da 1ª instância. Não observando o recorrente todos os ónus a seu cargo, aquando da impugnação da decisão do tribunal a quo relativa à matéria de facto, outra alternativa não restará ao Tribunal ad quem que não seja a da sua rejeição, e isto porque, como bem avisa Abrantes Geraldes “a observação dos antecedentes legislativos leva a concluir que não existe, relativamente ao recurso da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento”, entendimento este último que de resto tem também o STJ vindo a perfilhar de forma praticamente consensual e manifestamente maioritária. Importa não olvidar, que todos os diversos ónus a que alude o artº 640º, do CPC ( em sede de impugnação da matéria de facto ), direcionados no essencial para a consagração de um especial ónus de alegação e conclusão dos recorrentes no que tange à definição do objeto do recurso, além de naturalmente facilitarem a missão do Tribunal ad quem em sede de delimitação das questões a resolver ( cfr. artº 608º, ex vi, do artº 663º,nº2, do CPC actualmente em vigor ) , são sobretudo relevantes na decorrência dos princípios da cooperação, lealdade e boa fé processuais, porque contribuem com relevância para assegurar o principio do contraditório. 3.5.Isto dito, percorridas as conclusões de recurso, que, como consabido, delimitam o seu objeto, verificamos que o Apelante apenas impugna a matéria de facto dada como provada nas alíneas NNNN)- conclusão 7.ª- e KKKK)- conclusão 19.ª- ambas, do elenco dos factos assentes. 3.6.Na alínea NNNN) do elenco dos factos provados o Tribunal a quo deu como assente que: «Na autópsia, a isquemia miocárdica era visível a olho nu- facto instrumental resultante do depoimento da testemunha «II»». Em relação à impugnação desta alínea, o Apelante não cumpre os ónus impugnatórios da alínea c), do n.º1, do art. 640.º do CPC porque não indica a resposta que na sua perspetiva deve recair sobre a facticidade provada nessa alínea NNNN). Com efeito, lidas e relidas as alegações e as conclusões de recurso verifica-se que o Apelante se limita, nas conclusões de recurso a alegar que « não pode admitir-se o enunciado da matéria assente da alínea NNNN) quando estabelece que “ Na autópsia a isquemia miocárdica era visível a olho nu- facto instrumental resultante do depoimento da testemunha «II»» com o sentido subjacente que se adivinha: era visível a «ollho nu» e os médicos da ré, com ligeireza, «não viram»! Por tergiversar completamente a situação: era visível (se era) a olho nu, mas…no cadáver; quando se trata de saber se dos exames realizados e da «clínica» com o doente vivo tal era percetível no quadro das comorbilidades que do doente apresentava», sem que ao longo da motivação de recurso e em qualquer outro lugar aluda à facticidade julgada provada nessa alínea, havendo, por isso, indiscutível incumprimento do enunciado ónus impugnatório previsto na alínea c) do n.º1 do art.640.º do CPC, o que implica a imediata rejeição da impugnação sem que seja admissível a prolação de convite ao aperfeiçoamento. 3.7.Na conclusão 19.ª, o Apelante refere não aceitar que se dê como «assente o teor da alínea KKKK, quanto à causa da morte, atento o teor e as objeções apresentadas pelo testemunho idóneo e habilitado do Prof. «JJ», como resulta das fontes indicadas, das alegações de direito dos RR, Prof. A «DD» e Dr.ª «EE» e ainda, “contrario sensu” de pág.62 a 64 das alegações dos autores». Contudo, conforme se verifica de fls.47 das alegações de recurso, o mesmo impugna as alíneas CCCC, KKKK, LLLL, MMMM e SSSS, e indica em bloco, os meios de prova que impõem julgamento diverso quanto à totalidade da facticidade vertida nessas alíneas, o que constitui flagrante violação do ónus impugnatório primário previsto na alínea b) do n.º 1 do art.640.º do CPC, que o obrigava a indicar os concretos meios de prova que a seu ver, impunham julgamento diverso sobre a factualidade provada nessa alínea KKKK e, adicionalmente, lhe impõe também como ónus impugnatório, o previsto na al. c) do n.º1 do art.640.º do CPC, qual seja, a indicação da resposta que deve recair sobre essa facticidade. Ora, a propósito deste último ónus (al.c) o Apelante também não o cumpre, na medida em que tendo impugnado, na motivação, as alíneas CCCC,KKKK, LLLL, MMMM e SSSS indica depois a matéria que deve recair, não sobre cada uma dessas alíneas, mas em bloco- cfr. pág. 70 e 71 da motivação- em que propõe duas simples respostas, a saber: Facto 1: « A equipa médica seguiu o doente analisando a múltipla sintomatologia que este apresentava, sem desconsideração de nenhum sintoma, valorando-a e enfrentando-a de acordo com o que pode definir-se, e não foi processualmente estabelecido, como a boa prática médica, de observância das “leges artis” equacionando várias hipóteses diagnósticas, todas assentes em sinais e sintomas plausíveis e valorizáveis, incluindo a área de cardiologia»; Facto 2: « A intervenção médica nunca percecionou, através da denominada «clínica», consistente na apalpação, visionamento, auscultação e interação direta e próxima com o paciente nada que apresentasse a via de investigação de natureza cardíacas como prevalente ou carecida de mais direto enfrentamento por relação à área neurológica». 3.8.Ora, não tendo o Apelante cumprido com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto das alíneas b) e c) do n.º1 do art. 640.º do CPC quanto à facticidade julgada provada na alínea KKKK), também se impõe rejeitar essa impugnação quanto a esta concreta facticidade. Resulta do que sem dizendo impor-se rejeitar a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo Apelante mantendo-se, em consequência, inalterado esse julgamento. ** b.1. dos erros de julgamento sobre o mérito da sentença recorrida: do não preenchimento dos pressupostos da ilicitude, da culpa e da relação causal entre o diagnóstico realizado pela equipa médica que assistiu o doente e a sua morte. 3.9.Nas alegações de recurso, o Apelante obstina-se com a ideia de que o Tribunal a quo deu como verificada a violação das leges artis por parte da equipa médica que assistiu o doente, utilizando um critério de aferição errado e que, no caso, não se verificam os pressupostos da ilicitude, culpa e nexo de causalidade, sem os quais o Centro Hospitalar réu não podia ser condenado, como foi. Refere que o acerto ou desacerto da não consecução de um diagnóstico médico, isto é, da observação da leges artis médica na realização desse diagnóstico, não devia ser aferida, como foi, em função dos dados médicos/necróticos de uma autópsia, mas em função do estado físico do doente no momento da realização desse diagnóstico, e isso, quer do ponto de vista cronológico, quer sob o prisma da diferença de objeto. Argumenta que um diagnóstico estabelecido através de autópsia não pode, pela sua natureza, objeto e oportunidade, ser seguido como paradigma para testar a valia do diagnóstico que a equipa médica que assistiu o doente, efetuou. Ademais, quando se constata a falta de fixação cronologicamente oportuna das «leges artis» na matéria de facto, adiantando que o tribunal tem de estabelecer as «leges artis» tratando processualmente a matéria, em fase própria, levada à matéria assente ou aos temas da prova, em contexto processual próprio, em anterioridade lógica quando ao quadro patológico do doente, e sua dinâmica assistencial, sem o que fica comprometido o estabelecimento do pressuposto respetivo. Como tal, conclui não se poder, consistentemente, dar por verificado o pressuposto da ilicitude da ação médica na procura do diagnóstico. Por outro lado, aduz que a equipa médica desenvolveu, em colegialidade, uma intensa atividade assistencial, multidirigida e toda adequada e cientificamente sustentada, que não pode ser censurada pela não obtenção de resultado, atenta a multiplicidade de fatores patológicos apresentados pelo doente e as exigências que a equipa médica teve de enfrentar para procurar interromper os processos causais de intensa morbilidade que afetavam o doente, pelo que, não sendo a obrigação médica uma obrigação de resultado, no caso, não se verificando nenhum erro grosseiro de análise, não pode dar-se por verificada qualquer culpa médica na não deteção diagnóstica atempada da morbilidade que tenha sido causal da morte, das múltiplas que afetavam o doente. Por fim, advoga que, com base no relatório da autópsia, e depois de expressamente preterida pelos autores a realização da autópsia anátomo- clínica , não pode dar-se como consubstanciada uma relação causal entre a não consecução do diagnóstico aí consignado – “post mortem”- e a ação médica de não consecução do diagnóstico. Em suma, o Apelante sustenta que contrariamente ao entendimento professado pelo Tribunal a quo, a equipa de médicos que assistiu o doente, analisou a múltipla sintomatologia que este apresentava, e fê-lo sem desconsiderar nenhum sintoma, valorando-a e enfrentando-a de acordo com a boa prática médica, de observância das “leges artis” equacionando várias hipóteses diagnósticas, todas assentes em sinais e sintomas plausíveis e valorizáveis, incluindo a área de cardiologia. E bem assim, que nunca percecionou, através da denominada «clínica», consistente na apalpação, visionamento, auscultação e interação direta e próxima com o paciente nada que apresentasse a via de investigação de natureza cardíacas como prevalente ou carecida de mais direto enfrentamento por relação à área neurológica, razão pela qual, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o apelante dos pedidos. 4.Já os apelados, pugnam pela confirmação da sentença recorrida, que consideram ter procedido a uma correta análise dos meios de prova existentes no processo e da prova pessoal produzida, tendo a Senhora juiz a quo efetuado uma correta subsunção jurídica. 4.1.Feita esta breve resenha dos argumentos em que o Apelante alicerça as suas divergências contra a sentença recorrida, mas previamente ao conhecimento dos concretos erros de julgamento que que lhe impetra, procederemos agora, como recorrentemente se faz, a uma breve enunciação dos pressupostos de que depende a condenação do Réu em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito decorrente de erro médico. Nesse desiderato, tendo presente a data em que ocorreram os eventos danosos, é aplicável à situação vertente o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado e publicado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12 [doravante, apenas RRCEE]. A situação sob análise enquadra-se na responsabilidade civil extracontratual por atos praticados no âmbito da função administrativa, a respeito do erro médico, recaindo no âmbito de aplicação definido no art.º 1.º, n.º 1, daquele RRCEE. Não obstante a aplicação desse regime, o certo é que, como constitui entendimento pacífico, e, quanto se sabe, até unânime, os pressupostos em que esta responsabilidade assenta são precisamente os mesmos que se aplicam no âmbito do regime consagrado no Código Civil, ou seja: (i) facto voluntário; (ii) ilicitude; (iii) culpa; (iv) dano; (v) nexo de causalidade. Quanto ao que se entende por cada um desses pressuposto e começando pelo pressuposto primeiro do dano, o mesmo consiste em saber se estamos perante um facto voluntário. Ao dizer-se que a atuação ou omissão tem de ser voluntária, isso significa que o facto tem de ser controlável pela vontade humana, sendo por isso de afastar a responsabilidade sempre que o facto decorra de causas alheias à vontade, como são os casos em que decorrem de eventos naturais catastróficos, ou em que decorre de forças irresistíveis. Como bem se escreveu no Acórdão do TRL de 11/02/2014, proferido no processo n.º 5826/05.6TJLSB.L1-1: “facto voluntário significa apenas facto objetivamente controlável ou dominável pela vontade. Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por causas de força maior ou pela atuação irresistível de circunstâncias fortuitas.” Neste mesmo sentido, também Freitas do Amaral- in “Curso de Direito Administrativo”, volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 584-, explica que: “[e]m primeiro lugar, tal como no direito civil, a existência de um facto voluntário pode corresponder a um facto positivo - uma ação - ou a um facto negativo ou abstenção - uma omissão. A voluntariedade de tais factos significa apenas que os mesmos têm de ser objetivamente controláveis ou domináveis pela vontade. Como ensina Antunes Varela, «para fundamentar a responsabilidade civil basta a possibilidade de controlar o ato ou omissão; não é necessária uma conduta predeterminada, uma ação ou omissão orientada para certo fim (uma conduta finalista). Fora dos casos da responsabilidade civil ficam apenas os danos provocados por causas de força maior ou pela atuação irresistível de circunstâncias fortuitas (...)».” Tal como referido, a voluntariedade do facto consiste na mera suscetibilidade de controlo ou domínio pela vontade humana. Todavia, para que se possa imputar a terceiro a obrigação de indemnizar os danos que possa ter causado, além de voluntário, o facto terá de ser ilícito e culposo. No caso sobre o qual versamos, por se tratar de uma situação fundada em erro médico, impõe-se a análise conjunta dos dois requisitos, embora se trate, ainda assim, de requisitos distintos. Como limpidamente explicita Nuno Pinto Oliveira- cfr. “Ilicitude e Culpa na Responsabilidade Médica”, pág. 7, disponível em https://www.centrodedireitobiomedico.org/sites/cdb-dru7-ph5.dd/files/Imateriais_1.pdf - “[e]nquanto o juízo de ilicitude é um juízo de censura, dirigido a um comportamento (ação ou omissão), o juízo de culpa é um juízo de censura, dirigido a uma pessoa (ao agente ou omitente), por ter adotado um comportamento ilícito (desconformidade ao direito), quando podia e devia ter adotado um comportamento lícito – conforme ao direito. (...) O conceito de ilicitude indica que houve algo de errado na atuação do médico e o conceito de culpa, que aquilo que houve de errado na atuação do médico deve ser-lhe assacado ou imputado – por dolo ou, como é praticamente a regra, por negligência”. E prossegue o mesmo autor- op. cit., págs. 73/74- “Excluídos os casos de dolo, por serem praticamente insignificantes, os critérios da tipicidade, da ilicitude e da culpa têm como ponto de referência comum o conceito de diligência. O médico comportar-se-á com diligência desde que se conforme com os padrões ou standards de conduta do seu círculo profissional e com negligência desde que não se conforme com tais padrões ou com tais standards. Estando em causa o comportamento dos médicos, o conceito de diligência é um caso particular – e só é um caso particular – pelo facto de o conteúdo do dever de diligência ser um conteúdo de alguma forma determinado pelas leis da arte e da ciência médicas.” Exatamente por isso, em matéria de responsabilidade fundada em ato médico, como a apreciação dos dois requisitos tem esse ponto comum, e embora a sua autonomia, a respetiva análise deve ser levada a cabo conjuntamente. Definida a autonomia dos requisitos em análise, mas com a justificação do seu conhecimento conjunto, importa de seguida atentar nas respetivas disposições normativas. Em termos legais, o requisito da ilicitude vem previsto no art.º 9.º do RRCEE, em cujo n.º 1 (o único que aqui interessa) se lê: “1 – Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares, ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.” Consagra-se, portanto, um conceito amplo (não coincidente com o de ilegalidade) e subjetivo de ilicitude. A amplitude da previsão legal resulta da circunstância de a ilicitude não corresponder, apenas, à violação de disposições ou princípios normativos, mas também abranger o desrespeito por regras de natureza técnica ou, até, de simples deveres objetivos de cuidado. Esta constatação não deixa de ser relevante para o caso concreto, dado que as designadas leges artis (conceito que adiante se desenvolverá), independentemente de se encontrarem escritas ou decorrerem da boa prática médica comummente aceite por essa área científica, constituirão sempre, e pelo menos, regras de ordem técnica a observar pelo profissional da medicina. Depois, a subjetividade da ilicitude resulta da ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. Neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha afirma que esta última parte do n.º 1 do art.º 9.º do RRCEE “deixa claro que o conceito de ilicitude não se reconduz a um comportamento objectivamente antijurídico (...) exigindo também um desvalor da conduta quanto ao resultado, traduzido na violação de um direito ou interesse do particular (...)” – cf. Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, pág. 178. No mesmo sentido se pronuncia Tiago Antunes – cf. “Regime (...)”, cit., pág. 635. No mesmo sentido, diz-nos Tiago Antunes- in “O Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado de Demais Entidades Públicas: Comentários à Luz da Jurisprudência”, 2.ª Edição, 2018, AAFDL, pág. 635- que “seja qual for o fundamento da ilicitude, ela só releva para efeitos ressarcitórios se conduzir à ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. É esse o sentido da parte final do artigo 9.º, n.º 1, do RRCEE.” Ou seja, não basta, para que se possa afirmar a ilicitude (ou, pelo menos, a ilicitude relevante para efeitos de responsabilidade civil) a constatação de ter sido violado um determinado preceito normativo, uma regra de ordem técnica ou um dever objetivo de cuidado. É também necessário que essa violação ocorra no círculo de interesses protegidos pela norma violada – cfr. Tiago Antunes, op. cit., pág. 637. Relativamente à norma que versa sobre a culpa, está em causa a interpretação e aplicação do art.º 10.º do RRCEE, assumindo particular interesse, para este efeito, o n.º 1, no qual se dispõe que : “1 – A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.” O preceito, naturalmente, não é alheio à situação dos autos, dado que sempre estará em causa avaliar se os médicos que assistiram o doente, que veio a falecer, atuaram de acordo com a diligência e aptidão que era razoável exigir na situação concreta. De todo o modo, e ao abrigo do acima exposto, o ponto essencial é, precisamente, o da diligência na atuação, enquanto critério aferidor da culpa (e, em simultâneo, da própria ilicitude, como também se anotou). Sendo certo que – importará também deixar claro logo inicialmente – não está em causa o dolo na atuação daqueles médicos. E daí a plena aplicação daquele critério aferidor da culpa. Aqui chegados, passemos então a dissecar o conceito de leges artis. As designadas “leges artis” constituem um conjunto disforme de regras; i. e., tanto podem estar escritas como não escritas. Em todo o caso, quando referidas ao modo de execução em concreto de certo tratamento, serão normalmente regras de ordem técnica (mas também poderão ser regras de ordem jurídica, por exemplo, quanto aos deveres que decorrem do código deontológico e da própria lei no sentido de garantir o consentimento informado, garantir o registo clínico de todos os eventos, etc...). Assim, as «leges artis», escritas ou não, constituem regras da medicina aceites e seguidas no universo da especialidade – cfr. Acórdão do STJ de 15.12.2020, proferido no processo n.º 765/16.8T8AVR.P1.S1. Sendo certo que, quando não escritas, são métodos ou procedimentos, comprovados pela ciência médica, que dão corpo a standards contextualizados de atuação, aplicáveis aos diferentes casos clínicos, por serem considerados pela comunidade científica, como os mais adequados e eficazes – cfr. Acórdão do TCA Sul de 05.05.2016, proferido no processo n.º 08411/12, parafraseando acórdão do colendo STA de 09.10.2014, proferido no processo n.º 0279/14. Noutros termos: “A observância das leges artis consiste na obediência às regras teóricas e práticas de profilaxia, diagnóstico e tratamento, aplicáveis no caso concreto, em função das características do doente e dos recursos disponíveis pelo médico” – cfr. acórdão do TCA Norte de 18.09.2020, proferido no processo n.º 00063/15.4BECBR. Um erro médico será, portanto, e em primeiro lugar, uma violação das «leges artis» aplicáveis no caso concreto. Por isso, como afirmado no acórdão do TR de Lisboa de 13/05/2021, proferido no processo n.º 25550/15.0T8LSB.L1-2, “o erro pode ser cometido por imperícia, imprudência ou negligência.” Em matéria de danos, o RRCEE não apresenta um regime especial em relação àquele que consta do Código Civil; aliás, a bem dizer limita-se a remeter para este compêndio civilista. Assim, no n.º 3 do seu art.º 3.º o RRCEE estabelece que “a responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.” Como explicava Antunes Varela, “o dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtração ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea.” – cfr. Das Obrigações em Geral, volume I, 10.ª Edição, Almedina, 2000, pág. 598. O dano, por sua vez, pode ser patrimonial ou não patrimonial. No caso do primeiro, estamos perante prejuízos que são suscetíveis de avaliação pecuniária e que, portanto, pode ser reparado, direta ou indiretamente. Trata-se de repor a esfera jurídica do lesado no estado patrimonial em que se encontrava antes do prejuízo sofrido. No segundo caso, como melhor se explanará adiante, estão em causa outros interesses, não avaliáveis em termos pecuniários. Sobre a matéria dos danos não patrimoniais, o Código Civil (para o qual remete o RRCEE) diz-nos o seguinte, no seu art.º 496.º: “1 - Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes. 4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.” Portanto, é este o direito constituído a aplicar nesta sede. E sobre a norma transcrita, o professor Antunes Varela escreveu o seguinte- cfr.“Das Obrigações em Geral”, volume I, 10.ª Edição, Almedina, 2000, pág. 605/606: “(...) O Código Civil, na esteira de outros diplomas anteriores, tomou abertamente partido na contenda, aceitando em termos gerais, mas só no domínio da responsabilidade extracontratual, a tese da reparabilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º, I). A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação pecuniária ao lesado. Por último, a reparação obedecerá a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, como se depreende, quer dos termos (equitativamente), em que a lei (art. 496.º, n.º 3) manda fixar o montante da chamada indemnização, quer da remissão feita para os factores discriminados no artigo 494.º. A indemnização, tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização.” Em suma, a lei estabelece que nem todos os danos não patrimoniais são ressarcíveis, sendo-o apenas aqueles que mereçam a tutela do direito. Depois, em sede de fixação do quantum devido a título de danos não patrimoniais, a lei manda atender à equidade, remetendo para os critérios do art.º 494.º do Código Civil, v.g., o grau de culpabilidade do agente e a sua situação económica, bem como a do lesado, e ainda as demais circunstâncias do caso. Por fim, para que se afirme uma situação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, há que aferir se existe nexo de causalidade entre o facto e os danos invocados Constitui entendimento pacífico que vigora no nosso ordenamento jurídico a chamada teoria da causalidade adequada, que decorre do art.º 563.º do Código Civil, no qual se pode ler que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Neste sentido, já no acórdão do STA de 04.05.1995, proferido no processo n.º 37433A, ficou escrito que “segundo a teoria da causalidade adequada, é necessário que o ato tenha sido condição dos danos (prováveis), intervindo depois um juízo de adequação, de acordo com a formulação negativa de Enneccerus-Lehman”. Em sentido semelhante, no acórdão do TCA Norte de 25.01.2013, proferido no processo n.º 00462/07.5BEVIS, expuseram-se as seguintes conclusões: “I. O art. 563.º do CC, enquanto norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização, consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa correspondente aos ensinamentos de ENNECERUS-LEHMANN, segundo a qual uma condição do dano deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». II. À face da aludida teoria o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode ser indireto, isto é, subsiste o nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos.” Portanto, e em termos sumários, o nexo de causalidade entre o facto e o dano depende de apreciar se, em primeiro lugar, aquele é condição adequada à ocorrência deste (nexo de adequação) e, depois, se foi a sua efetiva causa (nexo naturalístico). Enquanto a primeira questão é, no essencial, jurídica, a segunda é sobretudo de facto, consistindo na prova da causa naturalística (direta ou indireta) do dano. 4.2.Posto isto, vejamos, então, se no caso concreto a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento que lhe são dirigidos e se, consequentemente, não se encontram verificados os pressupostos da ilicitude, culpa e nexo de causalidade, cuja verificação cumulativa com os demais pressupostos, é imprescindível para que o Réu possa ser condenado em indemnização pelos danos que os Autores sofreram decorrentes da morte do seu familiar quando se encontrava internado no Centro Hospitalar réu. Ponderando na matéria de facto assente, em face do quadro legal aplicável, não vislumbramos que assista ao Apelante qualquer razão para pretender que a morte de «GG», nas circunstâncias apuradas, não possa ser assacada a uma conduta ilícita e culposa dos profissionais médicos que o assistiram no hospital réu, decorrente de erro médico no diagnóstico efetuado e consequente terapêutica, erro esse que foi causal da sua morte, razão pela qual, antecipe-se, a sentença recorrida é para manter. 4.3.A factualidade que resultou apurada, de forma rigorosa, como se extrai da extensa fundamentação de facto operada pela Senhora Juiz a quo, cujo julgamento de facto não enferma dos erros que lhe foram impetrados pelo Apelante, mantendo-se consequentemente inalterado o quadro factual apurado, é revelador de que na situação em apreço houve claramente uma falha no diagnóstico por parte dos médicos que assistiram o «GG», que esteve internado no Centro Hospitalar réu durante 21 dias, após o que acabou por falecer em virtude de uma doença do foro cardíaco que não lhe foi diagnosticada durante esse período de internamento e que, de acordo com as «leges artis» devia ter sido diagnosticada, e as suas causas e consequências, tratadas. 4.4.No caso, a situação é de tal modo evidente que não cremos que exista espaço para qualquer dúvida digna de discussão cientifica. E não se diga que a conclusão retirada pela Senhora Juiz a quo sobre a verificação de erro médico de diagnóstico por parte da equipa médica resultou da aplicação errada do critério de aferição do cumprimento da «leges artis» por parte do Tribunal, que não cuidou de verificar se, nas concretas circunstâncias em que esse diagnóstico foi efetuado, era possível extrair outras conclusões que não as que foram extraídas pela equipa médica assistencial, antes tendo ajuizado nos moldes em que o fez, com base em relatórios elaborados à posteriori, obtidos através ou na sequência de uma autópsia, e portanto, com base num quadro circunstancial que não foi aquele em que operaram/atuaram os médicos que assistiram o doente. Conforme se retira da motivação que supra tivemos ensejo de transcrever integralmente, para a formação da convicção do Tribunal a quo, para além da prova pessoal produzida, foi sobretudo relevante a informação ínsita no relatório pericial de medicina interna, tendo o tribunal a quo considerado os relatórios periciais de cardiologia e de neurologia pouco esclarecedores. Importa dizer que tendo o falecido «GG» sido sujeito a autópsia realizada no INML, naturalmente que as conclusões dessa autópsia quanto à causa da morte constituem um elemento probatório de inegável relevo na compreensão daquilo que se passou em vida do mesmo. Claro está que a determinação da causa da morte, revelada pelo relatório de autópsia, não basta, sem mais, ou de per se para que se afirme que a doença em causa que vitimou o doente era, ou podia ser, conhecida pela equipa médica, em vida do doente. 4.5.Mas não foi isso que sucedeu no caso. A questão a que o Tribunal a quo procurou responder, e respondeu, foi antes a de saber se em vida do doente, ou seja, durante os 20 dias em que aquele permaneceu internado no Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar réu, e nas concretas circunstâncias em que atuaram os médicos que lhe prestaram assistência durante esse período de tempo de 21 dias em que esteve internado, perante os exames médicos efetuadas e a informação que os mesmos revelavam e demais estudos realizados, devia aquela equipa médica ter indagado se o estado de doença daquele se prendia com causas do foro cardíaco e não terem-se ficado apenas pelo diagnóstico que realizaram, deixando de fora qualquer investigação sobre os sinais de doença cardíaca que os exames efetuados revelavam. 4.6.Para nos situarmos em termos rigorosos na problemática em discussão, comecemos por recordar o que se escreveu no relatório de autópsia, no qual se lê, sob a epígrafe “DISCUSSÃO”: (i) “O exame necrópsico conjugado com o exame histológico fundamentam o diagnóstico de enfarte do miocárdio em fase inicial de cicatrização (com cerca de 10 a 14 dias de evolução) com trombose mural associada devido a aterosclerose coronária severa com obstrução do lúmen de 80% com trombo parcialmente aderido” (sic). (ii) “Dentro das lesões descritas a principal lesão observada foi a presença de aterosclerose coronária severa com obstrução de 80% e trombose associada. Esta lesão, também denominada de doença coronária aguda ou trombose coronária levou ao surgimento de alterações miocardias isquémicas, ou seja, ao aparecimento do enfarte do miocárdio, cujo tempo de evolução estimado foi de 10 a 14 dias, isto é, encontrando-se em fase inicial de cicatrização” (sic). (iii) “O exame histológico revelou ainda a presença de trombose valvular aórtica, tromboembolia pulmonar focal, lesões vasculares compatíveis com hipertensão pulmonar, necrose hepática, isquémica, enfarte renal local, alterações cerebrais secundárias a hipoxia e associadas a sinais de envelhecimento e trombo organizado em vaso meníngeo focal” (sic). (iii) “Tendo ocorrido o Enfarte de Miocárdio, com o tempo de evolução estimado (10 a 14 dias) e em consequência deste, surgiram outras complicações, nomeadamente a presença de trombose mural na parede ventricular esquerda (complicação típica do enfarte agudo do miocárdio – (Mittchell R. Kumar V. Abbas A. Fauste N., Robbins & Cotran – Fundamentos de Patologia, 7ª Edição, 2006). E, na sequência da mesma, os restantes fenómenos trombóticos; trombose valvular, aórtica e trombose nos vasos meníngeos, pulmonares, hepáticos e outros. Estes fenómenos trombóticos podem ter surgido devido à presença de um trombo no interior na cavidade cardíaca e por causa do desprendimento e friabilidade do mesmo que podem ter levado a libertação de pequenos êmbolos para a circulação sistémica, causando manifestações isquémicas (ou enfarte) nas diversas regiões atingidas Mittchell R. Kumar V. Abbas A. Fauste N., Robbins & Cotran – Fundamentos de Patologia, 7ª Edição, 2006). Os principais locais para a embolização arteriolar são as extremidades inferiores (75%), o encéfalo (10%), as vísceras (10%) e as extremidades superiores (15%) (Mittchell R. Kumar V. Abbas A. Fauste N., Robbins & Cotran – Fundamentos de Patologia, 7ª Edição, 2006)” (sic). (iv) “Com a ocorrência do enfarte do miocárdio, em virtude da consequente falência cardio-respiratória, surgiram alterações hipóxico-isquémicas devido ao défice de irrigação sanguínea e oxigenação dos tecidos, traduzidos pelos achados de hipoxia e isquemia aguda, acima descritos tais como as que foram diagnosticadas no fígado, rim, encéfalo e outros” (sic).» Outrossim, na alínea J) e sob a epígrafe “CONCLUSÃO” desse relatório da autópsia, os Senhores Peritos Médicos-Legais que a realizaram referem expressamente que: (i) “Em face dos dados necróticos, da informação social colhida nesta Delegação e atrás transcrita e do resultado dos exames histológicos e toxicológicos, a morte de «GG» foi devida a Enfarte de Miocárdio em fase inicial de cicatrização com cerca de 10 a 14 dias de evolução, devido a aterosclerose coronária severa, com obstrução de 80%, com trombose associada” (sic). (ii) “Esta é a causa de morte natural” (sic). (iii) “Foram ainda diagnosticadas lesões de trombose valvular aórtica, tromboembolia pulmonar focal, necrose hepática isquémica e enfarte renal focal a presença de trombo organizado em vaso meníngeo focal” (sic). (iv) “Não foram encontradas lesões traumáticas mortais” (sic). (v) “O exame toxicológico feito ao sangue das cavidades cardíacas para pesquisa de etanol, cujo relatório seque anexo a este, é negativo” (sic). (vi) O exame toxicológico feito ao sangue das cavidades cardíacas para a pesquisa e quantificação de substâncias medicamentosas revelou a presença de lidocaína numa concentração inferior a 20 manogramas por mililitro, que segundo a “Therapeutic and Toxic Drug Concentrations List” publicada pela “The international Association of Forensic Toxicologists”, são concentrações sub-terapêuticas”. 4.7.Resulta das passagens que se transcreveram deste relatório, que «GG» teve um enfarte agudo de miocárdio, que ocorreu no período de internamento daquele no Hospital réu e que nunca foi considerado durante todo o período de tempo desse internamento e que foi diagnosticado e identificado de forma clara e inequívoca no relatório da autopsia como causa da morte do mesmo. Entendeu o Tribunal a quo que os médicos que assistiram o «GG», em face da informação de que dispunham no momento em que o assistiram, deviam ter realizado outras diligências, que eram exigíveis, como proceder a outra etiologia, confirmação da existência ou não de alterações cardíacas no caso concreto, nomeadamente, do diagnóstico de enfarte agudo de miocárdio que ocorreu no período de internamento daquele no Hospital réu e que nunca foi considerado durante todo o período de tempo desse internamento. 4.8. E entendeu bem. Na verdade, não é despiciendo, neste domínio, recordar que «GG» realizou dois exames de eletrocardiografia e dois exames de ecocardiogramas , exames esse, que, conforme decorre da prova produzida, revelavam doença e patologia cardíaca. E esses exames que não foram devidamente ponderados, diagnosticados e tratados, sendo certo que a Troponina “T” que é um dos mercadores de doenças cardíacas aumentou 8 (oito) vezes mais que o normal, o que tudo justificava uma investigação alargada do foro cardíaco. Acresce que no relatório do TAC de 2 de junho de 2009 também é feita referência “a investigação médica à área cardíaca alargada” o que significa medicamente que o coração do doente tinha tinha aumentado o volume, tinha dilatado e estava em esforço. Recorde-se, porque relevante, que já no episódio de urgência ocorrido no dia 30/05/2009 e consoante o referido pela 1ª Co-Autora «AA» no seu depoimento de parte o seu marido «GG» após ter chegado à enfermaria de Neurologia desse Centro Hospitalar ... sentia-se muito mal, cansado e fatigado porque fez um pequeno percurso a pé desde o estacionamento do seu automóvel na Rua ... até à enfermaria do Hospital ... e apresentava “tonturas, aperto no tórax/sensação estranha, dificuldades respirarias, dores, fadiga, palidez”. Nessa sequência, a médica «FF» registou no boletim clínico desse episódio de urgência: “lesões cerebrais múltiplas – para despiste de fonte cardioembólica”, após o que o médico cardiologista realizou eletrocardiograma e ecocardiograma com dopler que revelaram anomalias cardíacas-alterações de contratibilidade segmentar mais alterações eletrocardiogramas, tendo registado: “Em relação a fonte cardioembólica, se as alterações ecocardiográficas forem prévias, tem fonte cardioembólica potencial”. “Deve colher Troponina e posteriormente repetir electrocardiograma”. O doente seguiu para a enfermaria de Neurologia onde ficou internado. Mais se apurou que em 03/06/2009, «GG» fez análise Troponina “T” que estava aumentado de 0,47,na sequência de novo electrocardiograma, sobreponível com o realizado no dia 30/5. Também repetiu o ecocardiograma com dopler que evidência um agravamento da função sistólica do ventrículo esquerdo em apenas 3 dias. 4.9.O comportamento ilícito e culposo dos médicos que assistiram «GG» emerge do facto de, estando os mesmos na posse do resultado destes exames e continuando o mesmo doente internado, não o terem encaminhado para ser consultado e seguido por Cardiologia, o que não se verificou, pois os Serviços de Neurologia não solicitaram essa consulta. Esse comportamento da equipa médica revela que foi omitido o dever de cuidado por parte daqueles, uma vez que, nessa sede e naquelas concretas circunstâncias, era-lhes exigível ( aos médicos) que tivessem alargado o campo de investigação do paciente à área de Cardiologia. Porém, de forma negligente e diríamos até grosseira, não o fizeram, privando o doente do tratamento de que carecia em virtude da doença do foro cardíaco que o afetava, acabando o mesmo por sofrer o enfarte do miocárdio que ocorreu entre 10 a 14 dias antes do seu falecimento, ou seja, que ocorreu entre os dias 07 a 09 de junho de 2009, quando o mesmo se encontrava internado nos Serviços de Cardiologia do Centro Hospitalar réu. Na formação da convicção da Senhora juíza a quo foi central o relatório pericial da especialidade de Medicina Interna, do qual se retira que os senhores peritos médicos são concordantes em concluir «que não existiam sinais demonstrativos de isquemia do miocárdio nessa mesma data nos Serviços de Urgência porque eles existiam de facto na descrição do eletrocardiograma “ECG com Rs inv T,, D”, D”, AVF V4 – V6 que podem significar presença de isquemia mas não foram valorizados como tal e significar alterações também sugestivas de doenças isquémica do miocárdio no ecocardiograma transtorácico, hipocinésia metade distal da parede lateral e hipocinésia distal, posterior e anterior que também não foram valorizadas como devidas e isquemia aguda. Não encontramos registado pedido de avaliação por cardiologia no dia 3/6” (sic).» Os mesmos senhores peritos, no início desse relatório, escreveram que: «... Os dados agora disponíveis permitem concluir que as medidas terapêuticas não foram adequadas e outros exames complementares de diagnóstico, nomeadamente uma angiografia coronária (cateterismo) poderia ter ajudado a diagnosticar a patologia responsável pela morte». 5.A consideração deste relatório foi fundamental e é efetivamente um elemento probatório de cariz técnico consistente e esclarecedor e que, como refere a Senhora Juiz a quo «correlacionou de forma clara, objetiva, lógica e coerente as informações médicas que foram sendo colhidas através de exames, análise clínicas, desse modo auxiliando o Tribunal a alcançar o percurso seguido pelos médicos que assistiram «GG» e, assim, aferir do seu acerto e da sua conformidade às “leges artis” ». Como bem escreveu a Senhora juiz a quo e é este o ponto: « embora a evidência de doença coronária só se retire do relatório da autópsia, os resultados dos exames realizados pelo doente em vida já apresentavam indícios da doença… Estavam presentes três dados a favor de isquemia, presença essa que deveria ter levado a considerar a realização de investigação adicional na área da cardiologia: (i) as alterações eletrocardiográficas presentes desde a admissão podiam ser devidas a isquemia; (ii) os ecocardiogramas revelavam sempre alterações segmentares da contractilidade, geralmente devidas a isquemia; (iii) o valor sérico elevado da Troponina T verificado no dia 03.06.2009 apontava para a existência de lesão do miocárdio. Mais esclarecem que a presença destes três dados justificaria a realização de angiografia, exame que seria determinante no diagnóstico e tratamento adequado da patologia de que padecia o doente. Decorre ainda deste relatório pericial em análise que a presença de um trombo mural no ventrículo esquerdo cardíaco, verificada na autópsia, obriga a considerar a hipótese de causa cardioembólica para as lesões isquémicas múltiplas em territórios arteriais, documentadas nos exames complementares efetuados, e que tinham levado os médicos à suspeita clínica da presença de um estado pró-trombótico. Mais se refere de relevante que, considerando que nem o relatório da angio TC de tórax nem o relatório da autópsia confirmam o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar, não se pode concluir que essa foi a causa de morte de «GG», pois o angio-TC tórax constitui o exame complementar de diagnóstico recomendado para confirmar o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Do relatório pericial consta ainda que os sintomas e sinais clínicos apresentados pelo doente inicialmente são inespecíficos, pelo que, não tendo sido encontrada causa para o conjunto de sintomas referidos pelo doente na avaliação clínica realizada, deveria ter sido recomendada uma consulta médica para estudo fora do ambiente de urgência. Assim, a decisão de 29.05.2009, de internamento no Serviço de Neurologia, foi baseada nas alterações da avaliação clínica feita por neurologistas, na existência de lesões cerebrais múltiplas cuja natureza e causa nem a ressonância magnética nem a avaliação clínica eram ainda capazes de esclarecer, e na não valorização adequada das alterações encontradas na avaliação cardiológica. Por conseguinte, ali se conclui que, tendo em conta a evolução clínica e os dados que foram surgindo durante o internamento e o resultado da autópsia, o internamento do doente no serviço de neurologia não foi a decisão correcta. Finalmente, refere-se ainda que a broncofibroscopia pode provocar o agravamento da situação de insuficiência cardíaca e da síndrome coronária aguda». 5.1. Não subsistem dúvidas, neste caso, em como os médicos que assistiram o falecido «GG» violaram as «leges artis», e quanto a estas, refira-se que de acordo com os elementos clínicos com que se viram confrontados impunha-se que os mesmos fizessem exames complementares com vista a dissipar quaisquer outros problemas de saúde, nomeadamente, do foro cardíaco que, como provado, levaram à morte do doente. Perseguir os sinais indicadores de doença, revelados pelos exames médicos, é uma obrigação que se impõe a todo e qualquer profissional da medicina, razoavelmente diligente e de conhecimentos médios, pelo que, perante o quadro factual apurado, era esperável que qualquer profissional médico com os conhecimentos próprios da profissão, que se visse confrontado com as queixas do doente e com os resultados evidenciados nos exames médicos que foram realizados ao «GG», indagasse se o mesmo padecia de doença coronária ou não. Tanto mais que, como se refere na sentença recorrida, no dia 17/06/2009, «GG», durante os cuidados de higiene «apresentou queixas de dispneia, cansaço e fraqueza generalizada, mantendo ausência de dor torácica. Apresentava uma saturação de oxigénio de 70%, tendo iniciado oxigenoterapia. Foi solicitada a observação pela urgência de Medicina Interna e os médicos especialistas que o observaram registaram “dispneia súbita, com insuficiência respiratória tipo 1, e alterações electrocardiográficas que sugerem sobrecarga ventricular direita. Hipótese de diagnóstico: tromboembolismo pulmonar agudo”. No mesmo dia, o ecocardiograma transtorácico realizado era sugestivo de tromboembolismo pulmonar e de insuficiência cardíaca e o angio-TC tórax realizado nesse dia não confirmou o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Perante a não confirmação de tromboembolismo pulmonar no angio-TC tórax, era grande a probabilidade de não se tratar de tromboembolismo pulmonar, pelo que se deveria ter procurado um diagnóstico alternativo relacionado com a insuficiência cardíaca, o que não sucedeu.» E, no dia «18.06.2009, o paciente sofreu agravamento da dificuldade respiratória e novo episódio de dessaturação de oxigénio, foi levado à sala de emergência onde lhe foram prestados cuidados assistenciais e, após a observação, foi registado pela cardiologista «FFF»: “Mantenho suspeita de TEP (tromboembolismo pulmonar). Não excluo endocardite nem síndroma coronário agudo, embora não me pareça provável”. O doente manteve hipocoagulação e foi tratado face a eventual endocardite. Às 18h00m desse mesmo dia, mantinha sensação de dispneia, apresentava taquipneia, tensões arteriais de 100/60mmHg, frequência cardíaca de 91bpm, estava apirético e tinha uma saturação de oxigénio de 97% com oxigenoterapia e apresentava também turgescência venosa jugular», sendo que, ás « 03h00m, de 19.06.2009, o doente iniciou, de forma abrupta, agravamento da dispneia e entrou em assistolia, tendo acabado por morrer.» 5.1.Ora, a verdade é que, ao longo do período de internamento do doente, em que o mesmo foi sujeito a vários exames, a equipa que o assistiu desvalorizou a informação que indicava a possibilidade de aquele sofrer de doença cardíaca, persistindo no convencimento de que o mesmo padecia de uma doença do foro neurológico, e isso apesar de os vários exames e estudos do foro neurológico realizados não indicarem a existência de uma patologia neurológica, quase numa atitude cega perante os resultados desses meios de diagnóstico, tendo aquele continuado internado nos Serviços de Neurologia do Centro Hospitalar réu, e os médicos que o assistiram, na procura de elementos que acabassem por confirmar que a hipótese que definiram, como ponto de partida, estava certa. 5.2. Dir-se-á, por fim que, como o “Relatório de patologia forense” concluiu, a causa da morte do paciente deveu-se a enfarte do miocárdio em fase inicial de cicatrização com cerca de 10 a 14 dias de evolução, devido a aterosclerose coronária severa, com obstrução de 80%, com trombose associada, pelo que, a necessidade sugerida pelo Apelante de que se devia ter realizado uma autópsia anátomo-clínica para melhor decifrar a causa da morte, no recorte da situação em análise não teria nenhuma utilidade, por se encontrar incontestavelmente esclarecida a causa que levou á morte do doente. 5.3.Em suma, os factos apurados atestam de forma inequívoca que nesta situação a equipa médica falhou no diagnóstico da doença de que o doente padecia, investindo numa investigação centrada numa patologia neurológica e desprezando todos os indicadores que evidenciavam a existência de doença cardíaca, tendo, no contexto em que atuaram, desvalorizado os resultados dos exames cardiológicos realizados por «GG» entre 29.05.2009 e 03.06.2009, e por essa razão, diga-se, censurável, não deram seguimento à investigação de patologia cardíaca, fortemente indiciada por aqueles, sem que tivesse havido um parecer de cardiologia no sentido de afastar a existência de patologia cardíaca, persistindo, consequentemente, numa terapêutica que não era a adequada o «GG». 5.4.Como bem se elucida na sentença recorrida «mantiveram o doente internado no serviço de neurologia ao longo de 20 dias, submetendo-o a diversos estudos e exames na área da neurologia e prosseguindo com investigação de patologia nesse foro, apesar de os estudos e os exames realizados não confirmarem qualquer suspeita de doença neurológica, submetendo ainda o paciente a uma broncofibroscopia que, provavelmente, foi deletéria atenta a insuficiência cardíaca de que padecia «GG»; e erraram no diagnóstico de tromboembolismo pulmonar, quando dispunham de elementos para o afastar pois que o mesmo não foi confirmado pelo angio-TC tórax, constituindo este o exame complementar de diagnóstico recomendado para confirmar o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Não se trata de ser exigível que os médicos detetassem a ocorrência de enfarte agudo do miocárdio no momento em que o mesmo ocorreu, como os réus afirmam, deste modo tentando afastar a sua responsabilidade. Antes o que importaria era alcançar a patologia cardíaca de que padecia o doente – dispondo os médicos de pistas para o efeito –, de modo a implementar as terapêuticas adequadas ao seu tratamento, evitando o desfecho da morte do doente.». 5.5. Perante o exposto, percebe-se claramente que o Apelante não tem nenhuma razão quando pretende que na situação em mãos, não se provaram os pressupostos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade necessários à sua responsabilização. A atuação dos médicos que assistiram o «GG» foi descuidada, levando-os a não prestarem a devida atenção aos sinais revelados pelos exames realizados ao doente que estava sob os seus cuidados, que indicavam a existência de doença cardíaca, incorrendo num erro de diagnóstico e, consequentemente, de terapêutica, de que veio a resultar, infelizmente, a morte daquele, tudo, reafirma-se, não obstante, nas concretas circunstâncias em que atuaram, disporem de informação que reclamava dos mesmos, enquanto profissionais dotados de conhecimentos técnicos na área da medicina, que tivessem investigado os sinais revelados pelos exames médicos que indicavam que aquele tinha doença cardíaca. Era exigível aos profissionais médicos que assistiram o paciente que «alargassem o leque das hipóteses de investigação face à não confirmação dos diagnósticos que, ao longo do internamento, foram fazendo – designadamente no que concerne a doença do foro neurológico e ao tromboembolismo pulmonar –, e que não persistissem na procura de uma causa para o estado pro-trombótico que nem sequer estava confirmado por estudo e/ou exames. Manifestamente, não está em causa uma qualquer atuação dolosa ou intencional. Mas a atuação dos médicos que assistiram o doente não se pode caracterizar como de mera imprudência ou imperícia; antes de negligência. Efetivamente, os médicos dispunham de elementos aptos a sustentar uma investigação de doença cardíaca – deste modo se afastando a imprevisibilidade do desfecho –, que passaria pela realização de mais estudos e exames até se encontrar um diagnóstico que permitisse o tratamento adequado do doente, o que não fizeram. E também realizaram um exame invasivo – a broncofibroscopia – que, atento o estado de saúde do doente, provavelmente, foi deletério, o que poderiam e deveriam ter evitado caso tivessem procedido a uma ponderação de riscos. Cabe ainda referir que a ausência de queixa de dor torácica por parte do doente – invocada pelos réus para justificar a não consideração da suspeita de doença cardíaca – se mostra agora justificada pela circunstância de o doente se encontrar acamado e não ter realizado qualquer tipo de esforços ao longo do internamento e, como a própria ré «FF» rescreveu no registo clínico de 16.06.2009, o doente referiu “tonturas” quando está no wc, única circunstância em que fazia algum esforço porquanto estava sempre em decúbito e circulava em cadeira de rodas. Não realizando esforços, é plausível que não tenha manifestado dor torácica ao longo do internamento. Ora, não ficou provado que os médicos tenham diligenciado pela observação do doente em qualquer prova de esforço apta a denunciar a insuficiência cardíaca.» 5.5. Foi em consequência desse erro de diagnóstico e tratamento cometido pelos médicos do Centro Hospitalar réu que «GG» não recebeu tratamento para doença cardíaca isquémica ou cardiopatia isquémica, de que padecia, e da qual adveio a insuficiência cardíaca aguda secundária, que determinou a sua morte, não havendo dúvida que o erro de diagnóstico e de tratamento foi causa adequada da morte do mesmo. Como se escreve na sentença recorrida «a descrita conduta ilícita e culposa, traduzida, em síntese, na deficiente prestação dos cuidados de saúde ao paciente» revelou-se « condição “sine qua non” e condição idónea da sua morte por insuficiência cardíaca aguda secundária a doença cardíaca isquémica ou cardiopatia isquémica, tanto mais que não se provou que o erro de diagnóstico de doença cardíaca tenha sido de todo indiferente para o resultado e que só o haja produzido em virtude de quaisquer circunstâncias excepcionais, anormais ou extraordinárias.». Verifica-se, assim, o nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo, correspondente ao erro de diagnóstico e tratamento do doente «GG», a sua morte. Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados, não merecendo a sentença recorrida a censura que lhe é dirigida, mostrando-se juridicamente bem fundamentada e assente numa rigorosa apreciação dos factos. ** IV-DECISÃO Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. * Custas pelo Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC). * Notifique. * Porto, 30 de junho de 2023 Helena Ribeiro Nuno Coutinho Ricardo de Oliveira e Sousa |