Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01146/21.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/28/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR- PERICULUM IN MORA
Sumário:1-A verificação do preenchimento do periculum in mora tem de fazer-se tendo em conta a alegação e a prova de factos, pelo requerente, que permitam ao julgador, com base numa análise conscienciosa, assente num juízo de razoabilidade, antever que as consequências referidas, verificar-se-ão, com um grau de probabilidade suficiente para fundar a procedência da providência cautelar.

2- Exigia-se à Requerente que não se tivesse cingido a uma mera invocação conclusiva e tivesse antes alegado qual a sua concreta situação em termos de composição do agregado familiar, se vivia ou não em economia comum, se vivia em casa própria ou arrendada, se auferia ou não outros rendimentos para além do subsídio de doença que vinha a ser-lhe pago, como rendas, juros, lucros ou outros proveitos, quais as despesas que concretamente tinha de suportar consigo própria e o que mais fosse relevante para, uma vez provada, ainda que sumariamente, essa facticidade, o julgador dispusesse de elementos factuais que lhe permitissem ponderar se nas concretas circunstâncias de vida em que se encontra, a cessação do subsídio de doença que vinha a auferir a colocava ou não numa situação de facto consumado ou que lhe determinasse a verificação de prejuízos de difícil reparação, no caso de, não sendo decretada a providência cautelar, e caso viesse a obter ganho de causa no processo principal, atendendo à demora na prolação da mesma, os prejuízos entretanto ocorridos já não seriam suscetíveis de reparação ou, sendo-o, apenas o seriam de forma parcial.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO

1.1. B., residente na Rua (…), moveu o presente processo cautelar contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. visando a suspensão de eficácia do ato administrativo que decidiu pela cessação do subsídio de doença de que vinha a auferir com efeitos a partir de 13.11.2020 por ter sido declarada a não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho emitida pela Comissão de Reavaliação realizada em 16.12.2020.
Para tanto, alega, em síntese, que se encontrava de baixa médica por padecer de doença do foro psiquiátrico, quando foi convocada pela Comissão de Verificação por ofício de 29/10/2020, para a realização de exame médico, após o que foi informada de que já não reunia as condições para continuar a ser-lhe pago o subsídio por doença;
Nessa sequência, requereu a sua reavaliação perante a Comissão de Reavaliação, e após a sua realização, foi notificada por ofício de 30/12/2020 de que foi declarada a não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho, nos termos da alínea c) do n.º2 do art.º 24.
Reclamou dessa reavaliação, tendo aquela decisão passado a ser definitiva e recorrível.
Aquando dos exames médicos e avaliações a que foi sujeita encontrava-se doente, conforme resulta dos atestados médicos que juntou ao respetivo processo, encontrando-se na situação neles descrita, pelo que devia ter sido declarada a sua incapacidade para o trabalho e mantido o subsídio de doença.
Mostra-se preenchido o pressuposto do fumus boni iuris exigido pelo art.º 120.º do CPA, porquanto as decisões administrativas enfermam do vício de falta de fundamentação ( art.º 153.º do CPA) e de vício de violação de lei, o que determina a sua anulabilidade.
Mais alega que caso os despachos não sejam objeto de suspensão, tal criará uma situação de facto consumado que perdurará durante muitos anos até que seja proferida uma sentença por parte deste tribunal, e que não tem rendimentos e tem despesas com medicamentos que não poderá adquirir, preenchendo, por isso, o pressuposto do periculum in mora.
Quanto á ponderação de interesses afirma que a suspensão dos atos não é lesiva do interesse público, não sendo afetada a boa imagem da instituição requerida, pelo que, a ponderação global dos interesses envolvidos determina a concessão da providência, verificando-se todos os requisitos para que a presente providência seja julgada procedente.
Pediu ainda o decretamento provisório da providência ao abrigo do artigo 131.º do CPTA.
Juntou documentos e arrolou uma testemunha.
1.2. Por decisão de 09/07/2021 o TAF de Braga indeferiu o pedido de decretamento provisório da presente providência.
1.3. Citada, a Entidade Requerida deduziu oposição, alegando, em síntese ser evidente a improcedência da pretensão formulada no processo principal uma vez que o ato administrativo suspendendo não enferma dos vícios invocados;
A deliberação da Comissão de Reavaliação está devidamente fundamentada e a existência de pareceres médicos elaborados por médicos de família e especialistas não pode conduzir, sempre e necessariamente, à inversão da posição dos peritos.
Não se concebe que a Autora tenha direito ao subsídio de doença a partir de 13.11.2020, por já se encontrar apta para o trabalho, sendo que o subsídio de doença constitui uma mera expectativa jurídica, e não um direito adquirido, sempre se impondo a emissão de um ato administrativo por parte do Requerido e, as confirmações da persistência ou não da incapacidade temporária, ao longo da sua atribuição.
Não se verifica o pressuposto da aparência do bom direito, o que desde logo determina a improcedência da causa.
Mais invoca não se verificar o pressuposto do periculum in mora, porquanto, a Autora mal alega e muito menos comprova o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal.
A mera alegação de que não tem rendimentos e tem despesas com os medicamentos para o controlo da sua doença e que assim não os poderá adquirir, é insuficiente para aferir da insustentabilidade da cessação do subsídio de doença, não tendo sido apresentadas provas da situação invocada.
A autora não alegou danos que permitam decidir sobre a existência de uma situação de prejuízos de difícil reparação, sequer alegou que a cessação do subsídio a colocaria numa situação de grave carência económica.
Conclui pela improcedência da providência requerida.
1.4. Em 29/07/2021, o Requerido apresentou resolução fundamentada.
1.5. Notificada, a Requerida pronunciou-se quanto à resolução fundamentada, requerendo a sua improcedência e a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
1.6. A 02/09/2021, o TAF de Braga proferiu decisão a julgar improcedente a resolução fundamentada, concedendo provimento ao incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, declarando ineficazes os atos de execução indevida praticados ou a praticar pela Entidade Requerida.
1.7. Proferiu-se despacho a designar o dia 26/10/2021, pelas 10 horas para a inquirição da única testemunha arrolada pela requerente.
1.8. O aviso expedido pelo correio, sob registo, para notificação da testemunha arrolada pela Requerente, foi devolvido com a menção de que não existe rua, lote ou n.º de porta.
1.9. Notificado dessa devolução, o mandatário da Requerente nada disse ou requereu.
1.10. No dia 26/10/2021, pelas 10 horas, foi aberta a audiência, mas quer o mandatário da Requerente, quer a testemunha por si arrolada, não comparecerem.
1.11. Em 28/10/2021 o TAF de Braga proferiu sentença a julgar improcedente a presente providência, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
«Pelo exposto, julgo totalmente improcedente o presente processo cautelar e, em consequência, recuso a concessão da providência requerida.
***
Custas a cargo da Requerente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário (cfr. artigos 527.º, nºs 1 e 2 e 539º, nºs 1 e 2, ambos do CPC).
Registe e notifique.»
1.12.A 28/10/2021, na sequência da notificação da ata relativa à audiência para inquirição de testemunhas, o mandatário da Requerente apresentou requerimento do seguinte teor:
«Tendo sido notificada da junção ata da inquirição da testemunha na qual o aqui mandatário subscritor não compareceu, vem dizer e requer o seguinte:
Por lapso que se penitência e requer seja relevado, até porque terá sido a primeira vez que tal ocorreu desde que iniciou a carreia como advogado estagiário, por volta de maio de 1996, o aqui subscritor não agendou a diligência de inquirição marcada para o dia 26 de outubro de 2021 nos presentes autos. O aqui mandatário subscritor tinha intenção de apresentar a testemunha para a inquirição no mesmo dia, por isso não respondeu à impossibilidade da notificação a testemunha.
Tendo a intenção e a apresentar na data da inquirição, mas não a contatou para o efeito, pela razão acima referida, contudo o tribunal deveria ter tentado a notificação pelos outros meios previstos na lei.
Contudo a aqui requerente não prescinde da inquirição da testemunha faltosa, até porque a mesma é para ser inquirida e responder a factos que são essências para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio pelo que se mostra se mostrar indiciado o pressuposto da necessidade ou da imprescindibilidade da inquirição, uma vez que a testemunha iria depor sobre os factos que dizem respeito à necessidade de a requerente continuar a receber o subsídio, sobre as despesas que tem e que não pode pagar e porque não as pode pagar, o impacto que a falta desse rendimento tem na sua vida, concretização do agregado familiar, concretizar os facto relativos a quanto a requerente recebe e tem de gastar para se sustentar, de forma que se consiga dar ao tribunal todos os dados que concretizem o impacto da perda do subsídio na vida da requerente e fazer perceber se há ou não alteração do nível e vida da mesma relativamente à sua situação durante o período em que se encontra a receber o subsídio e a que ficou e ficará caso continue a não receber. Factos esse que se encontram alegados a título de exemplo nos artigos 48º e 49 do requerimento inicial.
Pelo que se requer seja marcada nova data para inquirição de testemunha faltosa, umam vez que a requerente não prescinde da sua inquirição em virtude de a mesma é para ser inquirida e responder a factos que são essências para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio pelo que se mostra se mostrar indiciado o pressuposto da necessidade ou da imprescindibilidade da inquirição, a sua audição impõe-se ao tribunal, pelo que tem de usar dos poderes-deveres que lhe são conferidos pelos arts. 411º e 526º, n.º 1, do CPC.
Devendo a testemunhas ter sido notificada por outros meios para comparecer, o que não foi feito pelo tribunal, não obstante a requerente compromete-se a apresentá-la na nova data que vier a ser marcada para a sua inquirição.».
1.13. Em 5/11/2021, o TAF de Braga proferiu o seguinte despacho:
«Dispõe o nº 1 do art. 613º do CPC que " Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa".
Assim, nada a ordenar.
Notifique.»

1.14. Inconformada com o assim decidido, a Requerente interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
«A – Devendo a testemunhas ter sido notificada por outros meios para comparecer, o que não foi feito pelo tribunal, não obstante a requerente compromete-se a apresentá-la na nova data que vier a ser marcada para a sua inquirição.””
Ao não ter procedido desta forma o tribunal violou os poderes-deveres que lhe são conferidos pelos arts. 411º e 526º, n.º 1, do CPC.
Pelo que deve a sentença ser revogada e ser retomada a tramitação do processo a partir do requerimento apresentado pela requerente após a notificação da ata da inquirição de testemunhas.
B – O tribunal ao ter decidido como decidiu julgaram o procedimento cautelar improcedente por não verificação de um dos pressupostos do artigo 120º do C.P.T.A., violou o próprio artigo 120º do diploma referido, devendo ser revogado e substituído por outro que declare que com matéria existente no processo este requisito se encontra verificado ou que para a verificação do mesmo é necessário a produção de prova conforme foi requerido novo requerimento inicial pelo requerente.
Devendo a sentença de que recorre ser revogada por errada interpretação da lei.
Nestes termos, nos melhores de direito e com mui douto suprimento de V.as Ex.as deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser a sentença recorrida declarado nulo ou revogada por errada interpretação da lei.
Fazendo como é de JUSTIÇA.»
1.15. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.16. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.
1.17. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas pela Apelante à apreciação deste TCAN resumem-se a saber:
(i)se a sentença recorrida deve ser revogada por enfermar de nulidade decorrente da violação pela senhora juiz a quo dos poderes-deveres que lhe são conferidos pelos artigos 411.º e 526.º n.º1 do CPC, e se, consequentemente, deve ser retomada a tramitação do processo a partir do requerimento apresentado pela apelante após a notificação da ata de inquirição de testemunhas;
(ii) se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao julgar improcedente a providência cautelar requerida por falta de verificação de um dos pressupostos do artigo 120.º do CPTA.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
A- DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância deu como assentes os seguintes factos:
«1) A Requerente encontrava-se de baixa médica desde 17 de Agosto de 2020 (acordo das partes);
2) Em 12 de Novembro de 2020, a Requerente foi submetida a avaliação pela Comissão de Verificação de incapacidade para o trabalho (cfr. fls. 5 e 6 do PA);
3) Em 12 de Novembro de 2020, a Comissão de Verificação referida em 2) deliberou no sentido da não subsistência da incapacidade para o trabalho, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. fls. 5 e 6 do PA);
4) Em 16 de Dezembro de 2020, a Requerente foi reavaliada pela Comissão de Reavaliação, a qual deliberou pela insubsistência da incapacidade para o trabalho, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. fls. 14 e 15, 10 e 11 do PA);
5) Pelo Requerido foi emitido acto administrativo de cessação do subsídio de doença a partir de 12.11.2020 com fundamento na não subsistência de incapacidade temporária para o trabalho decretada em Sistema de Verificação, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 27 e 28 do PA);
Factos não provados
a) A Requerente não recebe qualquer remuneração».
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III.B.DE DIREITO
b.1. Da nulidade da sentença decorrente da violação dos artigos 411.º e 526.º n.º1 do Código de Processo Civil.
3.2. Se bem percebemos a posição da Apelante que, diga-se, em abono da verdade, não se encontra redigida de forma clara e inequívoca, mas fazendo um esforço interpretativo em nome do princípio da cooperação, dir-se-á poder concluir que a mesma se insurge contra a sentença in crisis, pretendendo a sua revogação e que seja ordenada a tramitação do processo a partir do requerimento apresentado pela Requerente na sequência da notificação da ata da inquirição de testemunhas. Na sua perspetiva, impunha-se ao Tribunal a quo que perante a impossibilidade de notificação da testemunha arrolada, e porque dispunha de outros meios para ordenar a comparência da testemunha para a respetiva inquirição, os tivesse mobilizado ao invés de nada ter feito.
Conclui que o Tribunal a quo ao não ter procedido desta forma, violou os poderes-deveres que lhe são conferidos pelos arts. 411º e 526º, n.º 1, do CPC.
Conforme resulta do relatório supra elaborado) na ação cautelar que intentou contra o Requerido (Apelado), a Requerente ( Apelante) arrolou uma testemunha. Em devido tempo, a Senhora Juiz a quo proferiu despacho a designar o dia 26 de outubro 2021, pelas 10 horas, para a inquirição dessa testemunha. Nessa sequência, e em ordem a notifica-la, foi expedido pelo correio, sob registo, o competente aviso para a morada da testemunha indicada no requerimento inicial, que veio devolvido com a menção de “Não existe (Rua, Lote, N.º Porta)”.
Perante este facto, a respetiva unidade orgânica do TAF de Braga notificou o ilustre mandatário da Autora (vide SITAF) relativamente à devolução do aviso enviado pelo correio sob registo para notificação da testemunha.
Frustrando-se a notificação da testemunha arrolada, como sucedeu in casu, impendia sobre a Requerente, através do seu ilustre mandatário, vir aos autos, no prazo de 10 dias (cfr. artigo 149.º, n.º1 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA) informar o que tivesse por conveniente.
Ora, constatando-se que a parte nada fez, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol.I, Almedina, pág. 305 «a testemunha passa a ter o estatuto de testemunha a apresentar».
Por conseguinte, impendia sobre a Requerente a obrigação de apresentar a referida testemunha para que fosse inquirida na data designada para esse fim, ou seja, no dia 26 de outubro de 2021, às 10 horas, o que não fez, tendo a Senhora Juiz a quo aberto a audiência e voltado a encerrá-la por falta de comparência do ilustre mandatário da Requerente e da testemunha arrolada por si.
Sucede que, nas suas conclusões de recurso, vem agora a Apelante invocar que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 411.º e 526.º do CPC, na medida em que não fez uso dos poderes-deveres que decorrem desses preceitos.
O artigo 411.º do CPC estabelece que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Esta norma contém um afloramento do princípio do inquisitório que coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão, da autorresponsabilidade das partes e da igualdade, pelo que, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa ( in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, págs. 503) aquele princípio « não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente, quando esteja precludida a apresentação de meios de prova…).»
O nosso sistema processual civil, sendo estruturalmente de matriz dispositiva, procura de alguma forma temperar este modelo, prevendo medidas de tipo inquisitório, como é, precisamente a norma contida no artigo 411.º agora em apreciação.
O princípio do dispositivo significa que «As partes dispõem do processo, como da relação jurídica material (…) Donde a inércia, inatividade ou passividade do juiz, em contraste com a atividade das partes. Donde também que a sentença procure e declare a verdade formal (intra-processual) e não a verdade material (extra-processual) das partes» (cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil. Coimbra Editora/1979, pág. 373/374.)
A este princípio opõe-se, simetricamente, o princípio do inquisitório ou da oficialidade, cujo enunciado ou determinação das suas consequências se obtêm, como disse Manuel de Andrade, por inversão da formulação do princípio dispositivo (cfr. Ob. cit. pág., pág. 375).
Quanto ao princípio da autorresponsabilidade das partes, o mesmo significa, segundo o ensinamento de Manuel de Andrade que: «As partes é que conduzem o processo por sua conta e risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluindo as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e atividade do juiz. É patente a conexão deste princípio com o dispositivo» (Ob. cit. pág., pág. 378).
Também para Castro Mendes: «Estreitamente ligado ao princípio dispositivo está o da auto-responsabilidade das partes. Na medida em que o juiz está vinculado às alegações concordes ou incontestadas, ou a ausência de alegações, das partes, são estas que são responsáveis pelo resultado probatório e pelo conteúdo da decisão» (Do Conceito de Prova em Processo Civil. Edições Ática, 1961, pág. 162).
Ou ainda, no dizer dos autores Ary A. Elias da Costa, Fernando C.R. Silva Costa e João A. G. Figueiredo de Sousa o mesmo: «Está intimamente conexo com o princípio do dispositivo e, segundo ele, conduzindo as partes o processo a seu próprio risco, elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas, porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz»,( cfr. Código de Processo Civil Anotado e Comentado, Vol. 3.º. Almedina 1974, pág. 321.).
Em suma, como refere Lebre Freitas, numa síntese feliz: «A auto-responsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato»( cfr. Introdução ao Processo Civil (conceito e princípios gerais), Coimbra Editora, 1996, pág. 146/147) -sublinhado nosso.
No que concerne ao princípio da preclusão ou da eventualidade, conforme ensina Manuel de Andrade, «Há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso os actos (maxime as alegações de factos ou meios de prova) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos [...].
O princípio traduz-se portanto, essencialmente, na preclusão das deduções das partes» (cfr. Ob. cit. pág. 382).
Por fim, quanto ao princípio da igualdade das partes e citando novamente Manuel de Andrade, «Consiste em as partes serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida» (cfr. Ob. cit. pág. 380.)
“Face a estes princípios, cumpre então estabelecer em que casos existirá omissão do tribunal relativamente a diligências de prova que deve ordenar oficiosamente.
(a) Em primeiro lugar, tem de existir adequação lógica entre o facto a provar e o meio de prova a produzir, pois pode dar-se o caso do meio de prova ser de todo inidóneo, como é o caso do facto ser apenas determinável através de prova pericial e a parte pretender usar a prova testemunhal.
(b) Em segundo lugar, temos os casos em que a parte dispôs de oportunidade para produzir esse meio de prova e não o fez.
Como refere Lemos Jorge, «…a parte não poderá ter uma pretensão legítima de impugnação do despacho do juiz que nega a promoção de certa diligência se ela própria não cuidou minimamente de satisfazer o ónus probatório que sobre si incide. A “sugestão”, pela parte, da realização de certa diligência probatória nunca pode constituir um meio de evitar os fenómenos de preclusão processual. Só a demonstração clara de que tal diligência se impunha como necessária, independentemente da vontade da parte de que ela se realizasse, poderá constituir uma base suficientemente sólida para construir um recurso viável quanto a esta matéria. No fundo, há que demonstrar que, segundo qualquer critério razoável, o tribunal devia ter providenciado pela realização de certa diligência concreta, em face dos elementos disponíveis. Só assim a necessidade da prova se imporá desligada da mera vontade subjectiva da parte» (cfr. Os poderes instrutórios do Juiz: alguns problemas”, Revista Julgar, n.º 3 (Set/Dez. 2007), pág. 77).
Efetivamente, se a parte podia ter requerido a diligência probatória em questão e não o fez, a intervenção do juiz substituindo-se a ela, violaria o princípio da preclusão e o da autorresponsabilidade das partes conjugado com o princípio da igualdade das partes no processo, pois estaria a permitir a prática de um ato já precludido, a esvaziar a autorresponsabilidade de uma das partes e eventualmente a favorecer uma parte e, ao suceder isso, a desfavorecer a outra.
Admite-se, porém, em casos extremos, face ao resultado altamente desproporcionado entre esta orientação e as consequências da omissão, que o tribunal possa intervir ordenando (justificadamente) a diligência». (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/03/2012, processo n.º 141/16)
Impondo-se ao juiz a observância duma determinada formalidade, a sua omissão configura uma nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil, como ato omissivo suscetível de influir no exame da causa, a qual tem prazos para ser arguida sob pena de se consolidar a situação.
Porém, quando as nulidades resultam da própria decisão que nega a realização da diligência, a reação consiste no recurso e não na arguição da nulidade.
Revertendo ao caso concreto, é incontornável que se está perante uma falha processual da Apelante, decorrente da sua inépcia, sobre a qual, por força do princípio da autorresponsabilidade das partes, impendia o ónus de vir ao processo requerer, informar ou esclarecer o que tivesse por conveniente, dentro do prazo de 10 dias a contar da notificação da devolução do aviso expedido para a notificação da testemunha arrolada e, caso decidisse nada fazer em face dessa notificação a dar-lhe nota da impossibilidade de notificação da testemunha por si indicada, a obrigação de a apresentar na data designada para a respetiva inquirição, o que também não fez, deixando precludir essa possibilidade.
Como vimos, no que concerne à disciplina do artigo 411.º do CPC, importa não esquecer que embora nele se preveja que cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, a intervenção oficiosa do juiz deve assumir uma natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impendem sobre cada uma das partes, não podendo servir para superar, de forma automática, falhas processuais.
Assim sendo, improcede o invocado fundamento de recurso.
Por sua vez, o artigo 529.º do CPC dispõe que:
“1-Quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor.
2- O depoimento só se realiza depois de decorridos cinco dias, se alguma das partes requerer a fixação de prazo para a inquirição”.
No caso vertente, não tem qualquer fundamento a invocação da disciplina legal prevista no artigo 526.º do CPC, uma vez esta norma está traçada para suprir situações anómalas, ou seja, para situações em que no decurso do processo se fica a saber que existe alguém que pode testemunhar de modo relevante quanto aos factos controvertidos, mas não foi indicada pelas partes como testemunha. Logo, as causas do conhecimento da existência da testemunha têm de ser geradas pelos atos do próprio processo, como, por exemplo, quando durante a inquirição uma testemunha revela que uma outra, não arrolada, também estava presente e em situação factual de ter percecionado os factos.
No caso dos autos, não houve lugar a nenhuma situação que tivesse ocorrido que permitisse à Senhora juiz a quo tomar conhecimento da existência de uma testemunha não indicada pela parte e cujo depoimento fosse deveras fulcral para a boa decisão da causa, sequer tendo havido, como se viu, a realização de uma diligência de inquirição de testemunhas por falta da única testemunha indicada pela Apelante.
Manifestamente, a situação que estamos a analisar não se enquadra na razão de ser desta norma, pelo que, improcede o invocado fundamento de recurso.
b.2. Do erro de julgamento sobre o mérito da decisão ao julgar não verificado o pressuposto do periculum in mora.
O Tribunal a quo julgou a providencia cautelar de suspensão de eficácia do ato que cessou à Apelante a concessão do subsídio de doença, e da decisão da comissão de reavaliação de não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho, como improcedente.
Considerou para o efeito que: «Nos presentes autos, a Requerente alega, de forma genérica, que com a não manutenção da atribuição do subsídio por doença não recebe qualquer remuneração.
Acontece que a Requerente não alega quais as concretas despesas mensais que se vê obrigada a custear. Acresce que não refere a mesma se reside só ou acompanhada de família, esclarecendo, nomeadamente, se é exclusivamente a mesma quem custeia as despesas comuns do dia a dia, como sejam a água, a luz e o gás, ou as despesas com a alimentação.
Por outro lado, a requerente não fez prova de que efectivamente não recebe qualquer remuneração.
Assim, para além da Requerente não ter alegado, in casu, factualidade que permitisse ao Tribunal concluir pela verificação de prejuízos de difícil reparação na sua esfera ou por uma situação de facto consumado, também não logrou provar factos que sustentem tais juízos.
Não basta, na verdade, e atendendo ao supra exposto, alegar genericamente ou de forma conclusiva e hipotética que a não concessão da providência vai acarretar prejuízos, sem, contudo, identificar em concreto a que prejuízos se refere, cabendo-lhe o ónus, nos termos dos artigos 114.º, n.º 3, al. g) do CPTA, 5.º, n.º 1 do CPC e 342.º do CC, de o fazer.
Acompanhamos assim o vertido no Acórdão do TCAN, de 25 de janeiro de 2013, proferido no processo n.º 01056/12.9BEPRT-A, (…).
Entende, assim, o Tribunal que não se mostra provado nos autos a produção na esfera da Requerente de prejuízos de difícil reparação.
Por tudo quanto se expôs, não poderá proceder a alegação da Requerente quanto à verificação do requisito do periculum in mora, porquanto não logrou a mesma demonstrar a constituição de uma situação de facto consumado com o não decretamento da providência, ou mesmo, a produção de efeitos de difícil reparação. Devendo os critérios a atender na apreciação do periculum in mora obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito na medida em que não está em causa um qualquer receio ou um qualquer prejuízo, mas um fundado receio qualificado que visa obviar à concessão indiscriminada de proteção cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais, não detendo o Tribunal, em especial, elementos suficientes relativos à situação económico-financeira da Requerente, elementos estes que lhe caberia juntar aos autos, bem como alegar e provar, concretamente, as condições em que se encontra e em que ficaria no caso de a providência não ser decretada e, não se podendo o Tribunal substituir à Requerente no que respeita ao ónus a que esta se encontra adstrita de alegar e provar o requisito do periculum in mora, nos termos que já foram sendo referidos supra, conclui-se pela não verificação desse mesmo requisito.
Atendendo a que os requisitos para a concessão da providência cautelar requerida, mormente, o periculum in mora, o fumus boni iuris, e a ponderação de interesses são cumulativos, soçobrando o primeiro, fica prejudicado o conhecimento dos restantes.
Assim, pelo exposto improcede a presente providência cautelar».
Ora, o assim decidido, atendendo aos pressupostos legais previstos no artigo 120.º do CPTA de que depende a concessão da providência cautelar requerida e aos factos alegados e provados pela Apelante, afigura-se-nos não enfermar de nenhum erro de julgamento que inquine a sentença recorrida, sendo a mesma de manter.
Vejamos.
As providências cautelares são o tipo de medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito e “ visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica”. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A).
Parafraseando Alberto dos Reis Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, pp. 42 e 45; dir-se-á que «o traço típico do processo cautelar está, por um lado, na espécie de perigo que ele se propõe conjurar ou na modalidade de dano que pretende evitar e, por outro, no meio de que se serve para conseguir o resultado a que visa.
(…)O perigo especial que o processo cautelar remove é este: periculum in mora, isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um outro processo (o processo principal) ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de per­correr até à decisão definitiva, para se dar satisfação à neces­sidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julga­mento final ofereça garantias de ponderação e acerto.
(…)Uma vez que o processo cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco da decisão final chegar tarde e ser, por isso, ineficaz, vê-se claramente que a função do processo cautelar é nitidamente instrumental; o processo cautelar é um instrumento apto a assegurar o pleno rendimento do processo definitivo ou principal. Não satisfaz, por isso mesmo, o interesse da justiça; não resolve definitivamente o litígio; limita-se a preparar o terreno, a tomar precauções para que o processo principal possa realizar completamente o seu fim».
No contencioso administrativo, decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA que o decretamento das providências cautelares, independentemente da sua natureza, está dependente da verificação cumulativa dos seguintes critérios: (i)que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); ii) que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris); e iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença se conclua que os danos resultantes da concessão da providência não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (juízo de ponderação de interesses destinado a aferir a proporcionalidade e a adequação da providência).
Refira-se que perante o não preenchimento de um dos requisitos necessários ao seu decretamento, veja-se, do periculum in mora, será inútil aferir do preenchimento dos demais requisitos atinentes ao fumus boni iuris e à ponderação dos interesses, necessários para ser decretada a providência cautelar à luz do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, por, como vimos, serem de verificação cumulativa.
Daí que, tendo a sentença recorrida dado por não verificado o primeiro requisito do periculum in mora a senhora juiz a quo se tenha dispensado de conhecer dos demais pressupostos previstos no citado preceito.
Quanto ao requisito do periculum in mora, único submetido à cognição este TCAN considerando que o objeto do recurso é definido pelas respetivas conclusões, dir-se-á que o mesmo se encontrará preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio: (i) seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; (ii) seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
O fundado receio há- de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível ou justificada» a cautela que é solicitada. Nas palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha “deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente” Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2. ao art.º 120º).
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Na aferição deste requisito e tal como é defendido pelo Prof. J. C. Vieira de Andrade o juiz deve “(...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para se concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”. Ou, por outras palavras, como assinala Abrantes Geraldes, o fundado receio a que a lei se refere é o receio (…) apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume III, 3ª edição, Almedina, pág. 103;..
Daí que, se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni iuris) se admite que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais. Cfr. Ac. do TCAN, de 14/03/2014, proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A.
Significa tal que sob o requerente impende o ónus de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência. O requerente não está desonerado de provar os factos integradores dos referidos pressupostos, para o que deve alegar, de forma concreta, a causa petendi em que fundamenta a sua pretensão cautelar. Cfr. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008 (proc. n.º 0381/08), de 19/11/2008 (proc. n.º 0717/08) e de 22/01/2009 (proc. n.º 06/09); assim como os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/02/2011 (proc. n.º 01533/10.6BEBRG), de 08/04/2011 (proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A), de 08/06/2012 (proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B), de 14/09/2012 (proc. n.º 03712/11.0BEPRT), de 30/11/2012 (proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A), de 08/02/2013 (proc. n.º 02104/11.5BEBRG), de 17/05/2013 (proc. n.º 01724/12.5BEPRT), de 31/05/2013 (proc. n.º 00019/13.1BEMDL), de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A), de 17/04/2015 (proc. n.º 03175/14.8BEPRT) ,de 31/08/2015 (proc. n.º 00370/15.6BECBR) e de 20.10.2017 (proc. N.º 01565/16.0BEBRG-A).
Assinale-se que da consideração conjunta do regime prescrito nos artigos 112º, n.º 2, alínea a), 114º, n.º 3, alíneas f) e g), 118º e 120º do CPTA não resulta prevista nenhuma presunção iuris tantum quanto à existência dos aludidos requisitos como mera decorrência da execução dum ato.
Conforme se sumariou em Acórdão deste TCAN Cfr. Ac. do TCAN de 17-04-2015, Proc. 02410/13.4BEPRT;:«I - A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, porque desprovida dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.
II - Cabe ao requerente alegar factos concretos que permitam ao julgador apreciar e eventualmente concluir pela existência de uma situação de carência económica relevante para preenchimento do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (…)
III - Se ao tribunal é lícito considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos daí resultantes que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e também os factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, como dispõe o nº 2 do artigo 5º do CPC, já vedado lhe é erigir ele próprio uma causa de pedir, quanto aos factos essenciais, mediante inquirição de testemunhas sobre matéria meramente conclusiva e afirmações de ordem tabelar por referência à facti species da respectiva norma legal: Sairia violado gravemente o princípio da imparcialidade do juiz.»
(…)».
Porém, tal não significa que se exija ao requerente em sede cautelar um esforço titânico de alegação e prova de factos que consubstanciem o fundado receio de que o processo principal, uma vez decidido, se torne inútil para a defesa dos interesses do requerente.
Em suma, a verificação do preenchimento do periculum in mora tem de fazer-se tendo em conta a alegação e a prova de factos, pelo requerente, que permitam ao julgador, com base numa análise conscienciosa, assente num juízo de razoabilidade, antever que as consequências referidas, verificar-se-ão, com um grau de probabilidade suficiente para fundar a procedência da providência cautelar. Alguma doutrina tem vindo a considerar que esta exigência tem sido, na nossa jurisprudência, exagerada.
Assentes nestas premissas e volvendo ao caso em análise, constatamos que a Apelante, no requerimento inicial que apresentou para o decretamento da presente providência, se limitou a invocar que com a cessação do atribuição do subsídio de doença que vinha a auferir ficaria sem rendimentos e que, por isso, não teria forma de suportar o custo dos medicamentos de que necessita para o controlo da sua doença, o que, em bom rigor, mais não é do que uma alegação conclusiva. Sobre a Requerente (apelante) impendia o ónus de alegar e provar de forma concreta a causa petendi em que fundamenta a sua pretensão cautelar, tal como decorre do disposto no artigo 114.º, n.º 3, alínea g) do CPTA, artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 342.º do Código Civil, ou seja, de especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência e provar os mesmos.
Assim, para o preenchimento do requisito do periculum in mora, exigia-se à Requerente (Apelante) que não se tivesse cingido a uma mera invocação conclusiva e tivesse antes alegado qual a sua concreta situação em termos de composição do agregado familiar, se vivia ou não em economia comum, se vivia em casa própria ou arrendada, se auferia ou não outros rendimentos para além do subsídio de doença que vinha a ser-lhe pago, como rendas, juros, lucros ou outros proveitos, quais as despesas que concretamente tinha de suportar consigo própria e o que mais fosse relevante para, uma vez provada ainda que sumariamente essa facticidade, o julgador dispor de elementos factuais que lhe permitissem ponderar se nas concretas circunstâncias de vida em que se encontra a Requerente a cessação do subsídio de doença que vinha a auferir a colocava ou não numa situação de facto consumado ou que lhe determinasse a verificação de prejuízos de difícil reparação, no caso de, não sendo decretada a providência cautelar, e caso viesse a obter ganho de causa no processo principal, atendendo à demora na prolação da mesma, os prejuízos entretanto ocorridos já não seriam suscetíveis de reparação ou, sendo-o, apenas o seriam de forma parcial.
Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/11/2017, proferido no processo n.º 1197/17: “Tal como tem sido jurisprudência assente, do facto de facilmente ser quantificável o prejuízo pecuniário resultante da privação/redução de vencimentos não se pode sem mais concluir pela existência de periculum in mora, pois, será de reputar como irreparável ou de difícil reparação quando essa privação/redução puser em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar [vide, entre outros e nos mais recentes, os Acs. deste STA de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 28.01.2009 - Proc. n.º 01030/08, de 24.09.2009 - Proc. n.º 0821/09, de 20.03.2014 - Proc. n.º 0148/14, de 30.04.2015 - Proc. n.º 0404/15, e de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17].”
No caso, é irrefragável que a Apelante não logrou concretizar em que medida o não decretamento da providência resultará num facto consumado ou em prejuízos de difícil reparação, conquanto, como vimos, se quedou por uma ténue alegação conclusiva, desacompanhada de factos concretos e essenciais.
Termos em que se impõe concluir pela improcedência da apelação e pela confirmação da sentença recorrida.
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IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas da apelação pela Apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
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Porto, 28 de janeiro de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa
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i) Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A).

ii)Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, pp. 42 e 45;

iii) Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2. ao art.º 120º).

iv) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume III, 3ª edição, Almedina, pág. 103;.

v) Cfr. Ac. do TCAN, de 14/03/2014, proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A.

vi) Cfr. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008 (proc. n.º 0381/08), de 19/11/2008 (proc. n.º 0717/08) e de 22/01/2009 (proc. n.º 06/09); assim como os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/02/2011 (proc. n.º 01533/10.6BEBRG), de 08/04/2011 (proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A), de 08/06/2012 (proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B), de 14/09/2012 (proc. n.º 03712/11.0BEPRT), de 30/11/2012 (proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A), de 08/02/2013 (proc. n.º 02104/11.5BEBRG), de 17/05/2013 (proc. n.º 01724/12.5BEPRT), de 31/05/2013 (proc. n.º 00019/13.1BEMDL), de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A), de 17/04/2015 (proc. n.º 03175/14.8BEPRT) ,de 31/08/2015 (proc. n.º 00370/15.6BECBR) e de 20.10.2017 (proc. N.º 01565/16.0BEBRG-A).

vii) Cfr. Ac. do TCAN de 17-04-2015, Proc. 02410/13.4BEPRT;