Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01219/21.6BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/30/2025 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | VIRGÍNIA ANDRADE |
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Descritores: | VALORAÇÃO INFORMAÇÕES PRESTADAS PELAS ADMINISTRAÇÕES TRIBUTÁRIAS ESTRANGEIRAS; CONCEITO DE RESIDÊNCIA FISCAL PARA EFEITOS DE IRS; DOMICILIO FISCAL; |
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Sumário: | I. O princípio do inquisitório impõe que a Autoridade Tributária e Aduaneira diligencie no sentido de trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai recair a decisão, quando as mesmas se tornem necessárias à descoberta da verdade material. II. A matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, nomeadamente quando, por si só, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões. III. O conceito de domicílio fiscal que decorre do artigo 19.º da LGT e o conceito de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos. IV. Apesar de decorrer da Lei (artigo 75.º n.º 1 da LGT) a presunção de que se consideram verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, estas podem ser ilididas mediante apresentação de prova em contrário.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO Fazenda Pública, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial intentada por «AA» contra a liquidação de IRS n.º ...23 do ano de 2019, no valor de €5.795,42. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: “A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos, que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação emitida na sequência da autoliquidação efectuada pela impugnante, relativamente aos rendimentos auferidos no Brasil, no ano de 2019, que originou a liquidação nº ...23, no montante a pagar de € 5.795,42, e melhor identificada no processo administrativo (doravante designado PA), ao qual se encontra apenso o processo de reclamação graciosa (doravante, RG). B. Foi deduzida a impugnação com base na alegação de que, por lapso assinalou opção como “residente-continente” no quadro 8-A da modelo 3 de IRS, a qualidade de não residente e aplicação da CDT-Brasil, concluindo pelo pedido de anulação da declaração (autoliquidação) e subsequente liquidação. C. Para o efeito, somente, junta um documento de residência fiscal do cônjuge no Brasil até 31/12/2019, cópia duma factura de consumo de electricidade referente a Setembro de 2019, também apenas em nome do cônjuge, bem como a homóloga “declaração de renda” referente a 2019, lá apresentada (Brasil), com referência ao mesmo ano civil, com liquidação nula. D. A douta sentença recorrida, decidiu no sentido da procedência da impugnação, pela alegação de parece que a Impugnante coligiu uma série de indícios fortes, que permitem ilidir a sua própria declaração que goza de veracidade e que assim permitem concluir que, efetivamente, no ano de 2019, ela e «BB» não residiam em Portugal: «Resultam de vários documentos oficiais e particulares que os próprios Impugnantes declararam residir em Belo Horizonte, Brasil e não detêm qualquer outra fonte de rendimento em Portugal, tendo iniciado apenas a sua atividade, respetivamente, em 23-06-2020 e 24-07-2020. (…) Assim, parece-nos que efetivamente em 2019 a impugnante e seu marido «BB» viviam no Brasil, sendo que o estatuto de residente em Portugal só se pode manter a partir de 2020”.» E. Da factualidade dada como provada no Relatório da sentença proferida a quo: III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provados, os seguintes factos: 1. A impugnante entregou em 2020-09-16 a declaração de rendimentos referente ao ano de 2019 (J3106-85), na qual inclui apenas os Anexos B e J, sendo que neste último são declarados rendimentos obtidos no Brasil para o NFC ...36, no valor de €31.554,00 – cfr PA apenso aos autos; 2. Na referida declaração opta pela residência em território nacional (Continente), conforme opção expressa no quadro 8-A da Modelo 3 de IRS - cfr PA apenso aos autos; 3. Da declaração referida em 2) resultou a liquidação nº ...23, no valor a pagar de €5.795,42, e com data limite de pagamento a 2020-11-02 - cfr PA apenso aos autos; 4. Em 10-12-2020 a impugnante apresentou Reclamação Graciosa com a seguinte fundamentação: « Fiz o preenchimento da declaração de IRS no dia 16/09, mas erroneamente marquei que era residente e meus rendimentos provenientes do Brasil foram tributados e gerada uma nota de cobrança. No entanto, em 2019 viva no Brasil, não possuía residência em Portugal e não tinha atividade aberta. Fiz a declaração em conjunto com meu marido, mas ele também vivia no Brasil e não obteve nenhum rendimento no ano de 2019. Tentei fazer uma declaração de substituição, mas quando coloquei que não era residente, o sistema não me permitiu preencher os rendimentos e avançar com o envio da nova declaração. Fui ainda a uma unidade das finanças hoje e me sugeriram buscar atendimento por esta via para realizar o cancelamento e exclusão da declaração, tendo em vista que não é possível substitui-la e não faz sentido pagar imposto sobre um rendimento que obtive fora do país quando sequer vivia em Portugal.» - cfr. RG apenso aos autos; 5. Em 05-01-2021 foi elaborada informação no âmbito da Reclamação Graciosa que se transcreve em parte: “(…) «DOS FACTOS: 1. A ora reclamante entregou em 2020-09-16 a declaração de rendimentos referente ao ano de 2019 (J3106-85), na qual inclui apenas Anexo B e Anexo J, sendo que neste último são declarados rendimentos obtidos no Brasil para o NFC ...36, no valor de €31.554,00. 2. Na referida declaração opta pela residência em território nacional (Continente), conforme opção expressa no quadro 8A da Modelo 3 de IRS 3. Da qual resultou a liquidação nº ...23, ora reclamada, notificada ao sujeito passivo através da Nota de Cobrança nº ...86, no valor a pagar de €5.795,42, e com data limite de pagamento a 2020-11-02. 4. Solicita agora a reclamante, na presente petição, a anulação da declaração modelo 3 do ano de 2019, e consequentemente a anulação da posterior liquidação, uma vez que pretende que o agregado familiar seja considerado como não residente. 5. Da análise aos elementos disponíveis na Autoridade Tributária e Aduaneira verifica-se que ambos os sujeitos passivos têm domicilio fiscal em R ..., ... ..., desde 2020-06-23 e 2020-07-24, respetivamente. DO DIREITO: VIII. O procedimento da reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos actos tributários, de acordo com o preceituado no art. 68º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT). IX. Assim, enquadra-se a presente reclamação na referida previsão legal, pelo que consubstancia o meio próprio para o interessado iniciar o instante procedimento que visa o a anulação parcial do acto de liquidação acima indicado. X. Analisada a incidência pessoal, verifica-se que o sujeito passivo tem legitimidade, nos termos do art. 9º do CCPT, para impulsionar o presente processo de reclamação. XI. No que se refere ao prazo de reclamação, o mesmo é de 2 anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração (2020-06-30), conforme preceitua o art. 142º, nº 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), de acordo com o entendimento veiculado pela Instrução nº10/2015 da Direcção de Serviços da Justiça Tributária (DSJT), pelo que, tendo a presente petição sido apresentada em 10 de dezembro de 2020, é o instante procedimento tempestivo. XII. De acordo com o disposto no nº 10 e seguintes do art.º 13º do CIRS, "o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo", sendo que compete àquele fazer prova do contrário. XIII. O nº 1 do art.º 15º do CIRS, dispõe que "sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. XIV. De referir por último que, nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 16º do CIRS, "são residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos, aí disponham, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual. CONCLUSÃO Dado o acima exposto e salvo superior entendimento, deverá projetar-se o indeferimento do pedido, por falta de fundamento legal, mantendo-se vigente a liquidação reclamada Dever-se-á, contudo, e antes de proferida a decisão final, conceder à reclamante o exercicio do direito de audição, conforme previsto no art. 60º da Lei Geral Tributária (LGT). É tudo o que me cumpre informar». - cfr RG apensa aos autos; 6. Em 11-02-2021 foi proferido o seguinte despacho: “(…) « Em concordância com o informado e parecer emitido, converto o projeto de despacho de indeferimento em despacho definitivo, mantendo os mesmos fundamentos. Notifique-se. » - RG apensa aos autos; 7. Dá-se por reproduzido o documento intitulado “Atestado de residência fiscal no Brasil”, em nome de «BB», onde consta a morada: Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte e o período de referência de 26/12/2017 a 31/12/2019; - cfr Doc nº 3 junto com a p.i; (sublinhado nosso) 8. Dá-se por reproduzida a fatura de luz, relativa a Set/2019 em nome de «BB», referente à Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte – cfr Doc nº 3 junto com a p.i; (sublinhado nosso) 9. Dá-se por reproduzida a liquidação de impostos no Brasil, intitulada Declaração de ajuste anual, relativa a 2019, da impugnante e «BB», com morada na Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte – Doc nº 5 junto com a p.i; 10. Dá-se por reproduzido o documento comprovativo da Declaração de início/reinicio de atividade, a vigorar em 01-01-2020, em nome da impugnante – cfr Doc nº 1 junto com a p.i; FACTOS NÃO PROVADOS Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito. * F. A convicção do Tribunal a quo alicerçou-se “na análise crítica da documentação junta aos autos, que não foi impugnada, mencionada no probatório em relação a cada facto, e outra de conhecimento oficioso, dispensando a respetiva alegação, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil” G. Concluindo então o douto Tribunal a quo: “A questão a decidir consiste em apurar da ilegalidade da liquidação de IRS, respeitante ao ano de 2019, por violação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrado entre Portugal e Brasil, Decreto n.º 27/2001 de 27 de abril, e na violação dos artºs 16º do CIRS. O ato tributário de liquidação de IRS tem subjacente uma liquidação resultante da entrega da declaração Mod 3 e respetivo anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro) efetuado pela Impugnante e relativa a rendimentos auferidos no Brasil no exercício de 2019. (…) Deve, antes de mais, fazer-se a exegese da norma constante do artº.16, do C.I.R.S: (…) Nesta perspetiva, os impostos sobre o rendimento e o capital são, via de regra, desenhados e desenvolvidos a partir de uma dupla conceção ou dicotomia: por um lado, os contribuintes residentes e, por outro, os contribuintes não residentes, cuja diferenciação se faz sentir a respeito, designadamente, das obrigações declarativas, das técnicas de cobrança do imposto e das respetivas taxas aplicáveis. Assim, o art. 15º nº 1 do CIRS refere que “sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, dispondo o nº 2 que “tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”. A norma seguinte (art. 16º) define que “são residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa; b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual; c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território; d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português”. Ora, a grande questão colocada nos autos prende-se com o facto de a ora impugnante vir alegar que em 2019 não eram residentes em Portugal, sendo que nas declarações de rendimento de 2019, apresentaram-se como residentes, ou seja, beneficiam da presunção de verdade - Art.º 75º da Lei Geral Tributária. Assim sendo e tendo a liquidação de IRS resultado da sua própria declaração de rendimentos, por si submetida, referente ao ano de 2019 com o respetivo anexo J respeitante a rendimentos auferidos no estrangeiro, gozando do principio da veracidade das declarações prestadas atento o disposto no artº 75º da LGT: (…) Nada se pode assacar à AT. No entanto vem alegado pela Impugnante que houve um lapso na sinalização da opção como residente, pois em 2019 não residia em Portugal mas sim em Belo Horizonte, Brasil. Ora dos documentos apresentados parece que a Impugnante coligiu uma série de indícios fortes, que permitem ilidir a sua própria declaração que goza de veracidade e que assim permitem concluir que, efetivamente, no ano de 2019, ela e «BB» não residiam em Portugal. (sublinhado nosso) Resultam de vários documentos oficiais e particulares que os próprios Impugnantes declararam residir em Belo Horizonte, Brasil e não detêm qualquer outra fonte de rendimento em Portugal, tendo iniciado apenas a sua atividade, respetivamente, em 23-06-2020 e 24-07-2020. (…) Mais alegou e provou que declararam o rendimento no Brasil conforme resulta do documento apresentado “Declaração de ajuste anual “referente a 2019. Assim, parece-nos que efetivamente em 2019 a impugnante e seu marido «BB» viviam no Brasil, sendo que o estatuto de residente em Portugal só se pode manter a partir de 2020. Vindo, então, a concluir pela procedência da impugnação «anulando a declaração modelo 3 do ano de 2019 e posterior liquidação» * Porém, H. ressalvado o devido respeito, que é muito, com o que desta forma foi decidido, não se conforma a FP, sendo outro o seu entendimento, como a seguir se argumentará e concluirá, já que entende que a decisão recorrida enferma de nulidade, por défice instrutório, bem como de erro no julgamento da matéria de facto dada como provada, valorando erradamente a prova produzida e decidindo em oposição à prova produzida, uma vez que não resulta da prova produzida nos autos, para concluir como concluiu. I. Em consequência, os invocados erros de julgamento da matéria de facto, originaram um erro de julgamento na aplicação do direito, uma vez que o Tribunal a quo tomou, a final, uma decisão contrária à que se impunha face à prova produzida nos autos, designadamente, decidindo em oposição à prova produzida, considerando até, e apenas, que se tratam meros indícios, e, por ter ignorado a prova requerida em sede de contestação, a qual, a ter sido deferida afastaria os “fortes indícios” por elementos concretos de prova. Concretizando, J. Desde já se alerta para o facto de o mencionado “Atestado de residência fiscal no Brasil”, em nome de «BB» (cfr. Ponto 7 dos Factos Provados), i.e., refere-se apenas ao cônjuge e não à própria – impugnante; K. bem como uma única despesa, atendendo ao hiato temporal que pretendem provar, referente a uma conta de luz referente a Setembro de 2019, de igual modo apenas em nome da cônjuge, também não pode produzir o efeito pretendido (cfr. Ponto 8 dos Factos Provados). L. Não sendo apresentados quaisquer outros elementos de prova que permitissem fazer a conexão, sem qualquer dúvida, ao hiato temporal da alegada residência no Brasil, como por exemplo, contratos de trabalho. M. Desde logo, é ponto assente que o conceito de residência não se confunde com o conceito de domicílio fiscal, definido no artigo 19º da LGT como local da residência habitual, pois que o conceito de domicílio fiscal não tem em vista determinar a lei tributária aplicável a certa situação, mas tão só fixar territorialmente os serviços (locais e regionais) da administração tributária competentes para lidar com o contribuinte no que se refere à sua situação tributária. N. Tal significa que a residência assume a posição de elemento de conexão de maior relevo no âmbito do direito fiscal internacional, e bem assim no direito fiscal interno, além de que é o factor “residência” que determina quais as normas tributárias aplicáveis - de entre as normas de vários Estados (concorrentes) - e que delimita definitivamente o âmbito da incidência do imposto, demarcando também a extensão das obrigações tributárias dos contribuintes. Nesta perspectiva, os impostos sobre o rendimento e o capital são, via de regra, desenhados e desenvolvidos a partir de uma dupla concepção ou dicotomia: por um lado, os contribuintes residentes e, por outro, os contribuintes não residentes, cuja diferenciação se faz sentir a respeito, designadamente, das obrigações declarativas, das técnicas de cobrança do imposto e das respectivas taxas aplicáveis. O. Nesta conformidade, entende a Fazenda Pública, com o devido respeito por melhor opinião, enfermar a douta sentença de que se recorre de erro de julgamento da matéria de facto por défice instrutório - por violação do princípio do inquisitório ou da investigação, posto que foram violados os artºs 13º, nº 1 do CPPT e 99º, nº 1 da LGT -, o que importa a sua nulidade, nos termos do disposto no art. 615º do Código de Processo Civil. P. É que, nos termos do disposto nestes preceitos, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade dos factos compete também ao Tribunal, que deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade. Atente-se ainda que, conforme resulta do disposto no artº 114º do CPPT, o processo judicial tributário é regulado pelo princípio do inquisitório, o que determina que o Tribunal esteja onerado com a obrigação legal de ordenar a realização de provas adicionais, no caso de existirem dúvidas quanto às várias soluções plausíveis. Q. O Tribunal deve, no processo tributário, primar pela descoberta da verdade material e não apenas formal, impendendo sobre o juiz o poder-dever de realizar todas a diligências que se afigurem necessárias para a descoberta da verdade material, não se limitando às provas que as partes apresentarem. R. A fim de afastar qualquer dúvida relativamente aos factos invocados e a prova aqui produzida, sugeriu a FP ao Tribunal a quo, em sede de contestação, a realização de diligências probatórias, a saber: a) requer-se a este Tribunal que, para melhor compreensão da situação fáctico-jurídica, notifique os sujeitos passivos, ora impugnantes, para apresentação de cópia dos passaportes: b) mais se requer, caso o Tribunal assim o entenda, seja notificado o SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a fim de comprovar as entradas e saídas em Portugal dos sujeitos passivos, nomeadamente se houve qualquer pedido de “autorização de residência”. S. Diligências sobre as quais o Tribunal nem sequer se pronunciou, mas que se afiguram essenciais para o apuramento da verdade material, T. Bem como a indagação da razão, imperceptível, para a apresentação das duas declarações de rendimentos, para o mesmo ano, nos dois países, Portugal e Brasil, e se alguma vez a liquidação aqui em causa foi utilizada, para algum efeito, perante quaisquer entidades públicas ou privadas. U. Seguindo a tese da impugnante, se em todo o ano de 2019 era residente no Brasil, não se compreende a apresentação da declaração em Portugal para o mesmo período; daí o pedido da RG: «cancelamento e exclusão da declaração»; V. O que também contradita o alegado em sede da p.i. da impugnação, carecendo de esclarecimento aquele facto. W. Pelo que só com aquela prova requerida se poderia aferir verdadeiramente da residência e/ou permanência na Território Nacional; X. A conclusão tirada, como o foi, sem o preenchimento de todas as premissas, só pode inquinar o silogismo efectuado, conduzindo à nulidade da sentença. Y. Não tendo sido diligenciado a obtenção destes factos, e tendo a sentença recorrida decidido, como decidiu, essencialmente com base em “meios factos” nunca poderia ter chegado àquela conclusão, pelo se verifica erro de valoração de matéria de direito, por errada subsunção dos factos à norma aplicável; Z. Na verdade, quanto aos Factos Não provados, deles deveria antes constar: «Não ficou provado que a Impugnante dispunha de habitação no Brasil e “em condições de fazer supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual”» AA. Nesta conformidade, entende a Fazenda Pública, com o devido respeito por melhor opinião, enfermar a douta sentença de que se recorre de erro de julgamento da matéria de facto por défice instrutório - por violação do princípio do inquisitório ou da investigação, posto que foram violados os artºs 13º, nº 1 do CPPT e 99º, nº 1 da LGT -, o que importa a sua nulidade, nos termos do disposto no art. 615º do Código de Processo Civil, bem como erro de valoração de matéria de direito, por errada subsunção dos factos à norma aplicável – art. 45º, nº 5 da LGT. BB. Consequentemente, nos termos propugnados no acórdão proferido pelo TCAS, em 25/10/2011, proc. 04870/11: « A sentença é uma decisão judicial proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito: 1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; 2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.158, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37). No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.910 e 911; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11).» Prosseguindo, CC. Ainda nesta senda, referem-se os ditames do acórdão do TCAN, de 29/10/2015, proc. 01017/05.4BEBRG: « Na verdade, afirma-se no art.º99.º, n.º1 da LGT, sem margem para dúvidas, o princípio da do inquisitório ou da investigação probatória no domínio do processo judicial tributário, ao dispor que, “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer da verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”. Esse poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade relativamente aos factos alegados (art.º264.º, do CPC aplicável) ou de que oficiosamente pode conhecer, é ainda reafirmado no n.º1 do art.º13.º do CPPT, que dispõe: “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”. E da atribuição ao juiz de poderes para dirigir o processo, ou o princípio da oficiosidade, reafirmado neste nº1 do art.º13.º do CPPT, decorre para o tribunal tanto o dever de rejeitar provas inúteis, impertinentes ou dilatórias, como o especial dever de realizar ou ordenar as diligências que entenda úteis e necessárias para a descoberta da verdade material relativamente aos factos alegados. Tem sido esse o alcance atribuído pela jurisprudência dos tribunais superiores e, nomeadamente deste TCA Norte, quanto aos princípios da oficiosidade e do inquisitório, salientando-se pela sua assertividade o acórdão de 01/04/2003, tirado no proc.º32/03, em que se deixou consignado: «O dever de diligenciar (ainda que oficiosamente) pela obtenção de elementos, deriva, aliás, do princípio do inquisitório que vigora, como princípio estruturante, no processo judicial tributário e que significa que o Juiz não só pode, como deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade, designadamente o de ordenar a junção de todos os documentos necessários para a apreciação das questões postas no processo, princípio esse que hoje tem consagração expressa no art.º99º da LGT e no art.º13º do CPPT» Na mesma linha decisória, pode ver-se ainda o mais recente acórdão do TCA Sul, de 20/11/2012, proferido no proc.º5898/2012, em que se escreveu: «O princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir. Este princípio somente é vigente no processo judicial tributário (cfr. artº 99, nº 1, da L.G.Tributária; artº 13, nº 1, do C.P.P.Tributário)». Assim e retornando à questão inicial, embora a desconsideração dos elementos probatórios de fls. 59/70 e a falta de realização das diligências requeridas pelo impugnante não fossem susceptíveis de determinar o apontado erro de julgamento da sentença, a verdade é que a falta de realização oficiosa de diligências úteis e necessárias para o conhecimento dos factos alegados constitui um erro de julgamento que se traduz numa errada não aplicação do preceito legal que a impõe – neste sentido, vd. Diogo Leite de Campos Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro de Escrita, 4.ª ed., 2012, a pág.859.» DD. Deste modo, entende a Fazenda Pública, com o devido respeito por melhor opinião, enfermar a douta sentença de que se recorre de erro de julgamento da matéria de facto por défice instrutório - por violação do princípio do inquisitório ou da investigação, posto que foram violados os artºs 13º, nº 1 do CPPT e 99º, nº 1 da LGT -, o que importa a sua nulidade, nos termos do disposto no art. 615º do Código de Processo Civil, e ainda o disposto nos artigos 15º e 16º do CIRS. Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.” Não houve contra-alegações. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso por acompanhar na íntegra as razões de facto e de direito invocadas pela Recorrente. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. ** Objecto do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir i) da nulidade da decisão recorrida ii) do erro de julgamento da matéria de facto iii) do erro no julgamento de direito. ** 2 - Fundamentação 2.1. Matéria de Facto O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz: “1. A impugnante entregou em 2020-09-16 a declaração de rendimentos referente ao ano de 2019 (J3106-85), na qual inclui apenas os Anexos B e J, sendo que neste último são declarados rendimentos obtidos no Brasil para o NFC ...36, no valor de €31.554,00 – cfr PA apenso aos autos; 2. Na referida declaração opta pela residência em território nacional (Continente), conforme opção expressa no quadro 8-A da Modelo 3 de IRS - cfr PA apenso aos autos; 3. Da declaração referida em 2) resultou a liquidação nº ...23, no valor a pagar de €5.795,42, e com data limite de pagamento a 2020-11-02 - cfr PA apenso aos autos; 4. Em 10-12-2020 a impugnante apresentou Reclamação Graciosa com a seguinte fundamentação: « Fiz o preenchimento da declaração de IRS no dia 16/09, mas erroneamente marquei que era residente e meus rendimentos provenientes do Brasil foram tributados e gerada uma nota de cobrança. No entanto, em 2019 viva no Brasil, não possuía residência em Portugal e não tinha atividade aberta. Fiz a declaração em conjunto com meu marido, mas ele também vivia no Brasil e não obteve nenhum rendimento no ano de 2019. Tentei fazer uma declaração de substituição, mas quando coloquei que não era residente, o sistema não me permitiu preencher os rendimentos e avançar com o envio da nova declaração. Fui ainda a uma unidade das finanças hoje e me sugeriram buscar atendimento por esta via para realizar o cancelamento e exclusão da declaração, tendo em vista que não é possível substitui-la e não faz sentido pagar imposto sobre um rendimento que obtive fora do país quando sequer vivia em Portugal.» - cfr RG apenso aos autos; 5. Em 05-01-2021 foi elaborada informação no âmbito da Reclamação Graciosa que se transcreve em parte: “(…) «DOS FACTOS: 1. A ora reclamante entregou em 2020-09-16 a declaração de rendimentos referente ao ano de 2019 (J3106-85), na qual inclui apenas Anexo B e Anexo J, sendo que neste último são declarados rendimentos obtidos no Brasil para o NFC ...36, no valor de €31.554,00. 2. Na referida declaração opta pela residência em território nacional (Continente), conforme opção expressa no quadro 8A da Modelo 3 de IRS. 3. Da qual resultou a liquidação nº ...23, ora reclamada, notificada ao sujeito passivo através da Nota de Cobrança nº ...86, no valor a pagar de €5.795,42, e com data limite de pagamento a 2020-11-02. 4. Solicita agora a reclamante, na presente petição, a anulação da declaração modelo 3 do ano de 2019, e consequentemente a anulação da posterior liquidação, uma vez que pretende que o agregado familiar seja considerado como não residente. 5. Da análise aos elementos disponíveis na Autoridade Tributária e Aduaneira verifica-se que ambos os sujeitos passivos têm domicilio fiscal em R ..., ... ..., desde 2020-06-23 e 2020-07-24, respetivamente. DO DIREITO: I. O procedimento da reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos actos tributários, de acordo com o preceituado no art. 68º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT). II. Assim, enquadra-se a presente reclamação na referida previsão legal, pelo que consubstancia o meio próprio para o interessado iniciar o instante procedimento que visa o a anulação parcial do acto de liquidação acima indicado. III. Analisada a incidência pessoal, verifica-se que o sujeito passivo tem legitimidade, nos termos do art. 9º do CCPT, para impulsionar o presente processo de reclamação. IV. No que se refere ao prazo de reclamação, o mesmo é de 2 anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração (2020-06-30), conforme preceitua o art. 142º, nº 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), de acordo com o entendimento veiculado pela Instrução nº10/2015 da Direcção de Serviços da Justiça Tributária (DSJT), pelo que, tendo a presente petição sido apresentada em 10 de dezembro de 2020, é o instante procedimento tempestivo. V. De acordo com o disposto no nº 10 e seguintes do art.º 13º do CIRS, "o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo", sendo que compete àquele fazer prova do contrário. VI. O nº 1 do art.º 15º do CIRS, dispõe que "sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. VII. De referir por último que, nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 16º do CIRS, "são residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos, aí disponham, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual. CONCLUSÃO Dado o acima exposto e salvo superior entendimento, deverá projetar-se o indeferimento do pedido, por falta de fundamento legal, mantendo-se vigente a liquidação reclamada. Dever-se-á, contudo, e antes de proferida a decisão final, conceder à reclamante o exercicio do direito de audição, conforme previsto no art. 60º da Lei Geral Tributária (LGT). É tudo o que me cumpre informar». - cfr RG apensa aos autos; 6. Em 11-02-2021 foi proferido o seguinte despacho: “(…) Em concordância com o informado e parecer emitido, converto o projeto de despacho de indeferimento em despacho definitivo, mantendo os mesmos fundamentos. Notifique-se. - cfr RG apensa aos autos; 7. Dá-se por reproduzido o documento intitulado “Atestado de residência fiscal no Brasil”, em nome de «BB», onde consta a morada: Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte e o período de referência de 26/12/2017 a 31/12/2019; - cfr Doc nº 3 junto com a p.i; 8. Dá-se por reproduzida a fatura de luz, relativa a Set/2019 em nome de «BB», referente à Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte – cfr Doc nº 3 junto com a p.i 9. Dá-se por reproduzida a liquidação de impostos no Brasil, intitulada Declaração de ajuste anual, relativa a 2019, da impugnante e «BB», com morada na Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte – Doc nº 5 junto com a p.i; 10. Dá-se por reproduzido o documento comprovativo da Declaração de início/reinicio de atividade, a vigorar em 01-01-2020, em nome da impugnante – cfr Doc nº 1 junto com a p.i; FACTOS NÃO PROVADOS Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito. MOTIVAÇÃO A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da documentação junta aos autos, que não foi impugnada, mencionada no probatório em relação a cada facto, e outra de conhecimento oficioso, dispensando a respetiva alegação, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil.” *** 2.2 – O direito Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial intentada por «AA» contra a liquidação de IRS n.º ...23 do ano de 2019. O Tribunal a quo decidiu julgar comprovados os factos alegados pela Recorrida concluindo que efectivamente em 2019 a Recorrida e seu marido viviam no Brasil, sendo que o estatuto de residente em Portugal só se pode manter a partir de 2020. A Recorrente, discordando do assim decidido, sustenta, no essencial, a nulidade da decisão recorrida, o erro de julgamento da matéria de facto por violação do princípio do inquisitório, assim como o erro no julgamento de direito. 2.2.1 Da nulidade da decisão recorrida A Recorrente vem invocar a nulidade da decisão recorrida por considerar que a mesma padece de défice instrutório por violação do princípio do inquisitório. Vejamos. Decorre do disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”. Acresce que, dispõe o artigo 615.º nº 1 do Código de Processo Civil que “é nula a sentença quando a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.” Ora, é consabido que “a sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens: Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação. Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do CPC. Em princípio, a não apreciação de parte da prova oferecida poderá constituir erro de julgamento. Contudo, também contende com a fundamentação da própria decisão da matéria de facto, dependendo dos fundamentos invocados para a sua desconsideração, podendo ocorrer omissão de fundamentação quanto a factos essenciais para a decisão da causa [artigo 662.º, n.º 2, alínea d) do CPC] ou mesmo ausência total de fundamentação por a mesma se apresentar ininteligível (sendo nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC).” – cfr. Acórdão deste Tribunal de 12.06.2024, proc. 00471/10.7BEPNF. Nestes termos, considerando que vem alegado o erro de julgamento por violação do princípio do inquisitório quanto à decisão da matéria de facto, impõe-se iniciar a nossa apreciação pelo erro da matéria de facto invocado. Nos termos do disposto no artigo 411.º do Código do Processo Civil, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, consagrando-se assim o princípio do inquisitório, que no seu sentido restrito, que é o rigoroso, “opera no domínio da instrução do processo tendo o juiz aí poderes mais amplos do que no domínio da investigação dos factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes” – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág 207. No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 99.º da Lei Geral Tributária, sob a epigrafe “Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual”, estabelece que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer” De igual forma, dispõe o n.º 1 artigo 13.º Código de Procedimento e de Processo Tributário ao estatuir que “aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”. Por fim, o artigo 114.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, prevê que “não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias (…)” Com efeito, “cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 10.11.2022, proc. 2222/15.0BESNT. Ademais, como dispõe o artigo 115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova, não se encontrando assim limitado a um especifico modo de prova. Nestes termos, “não obstante o juiz não estar obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, contudo deve ponderar sobre a admissibilidade dos meios de prova no caso concreto. Nesse sentido deve ponderar a realização de diligências úteis à descoberta da verdade material, mormente quando existam factos controversos que careçam de prova bastante, de modo a que seja, sempre que possível, a não ficarem dúvidas sobre essa factualidade controvertida. Significa isto, que a omissão de diligências necessárias à descoberta da verdade material, acarreta um défice instrutório, quando em face do alegado e da análise dos elementos dos autos, se possa antever que a realização de algum meio de prova poderia ser modo de aquisição processual de melhor esclarecimento dos factos, tanto mais que não se vislumbra fossem diligências irrelevantes para os termos da causa.” – cfr. Acórdão do TCA Norte de 23.11.2023, proc. n.º 01045/11.1BEBRG. Retornando ao caso dos presentes autos, a Recorrida deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRS do ano de 2019 que havia entregue, invocando que por lapso assinalou a opção como “residente-continente” no quadro 8-A da modelo 3 de IRS, não sendo, no entanto, à data, residente em Portugal mas no Brasil. A Recorrente, em sede de contestação, invocou que i) a declaração de rendimentos foi apresentada pela Recorrida, ii) que não é perceptível a apresentação das duas declarações de rendimentos para o mesmo ano no Brasil e em Portugal e iii) que não se compreende a apresentação da declaração em Portugal atenta a alegação de que são residentes no Brasil. Ademais, veio requerer, naquela sede, que os sujeitos passivos fossem notificados para apresentação dos passaportes e, caso o Tribunal assim o entendesse, a notificação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fim de comprovar as entradas e saídas em Portugal dos sujeitos passivos e se houve autorização de residência. Ora, defende a Recorrida que o Tribunal, por forma a apurar os factos alegados deveria ter diligenciado no sentido de recolher os elementos solicitados em sede de contestação. No entanto, como se depreende da contestação apresentada, a Recorrente não logrou justificar concretamente o objectivo a que se propunha com tais diligências, justificando o requerido “para melhor compreensão da situação fáctico-jurídica”. Com efeito, a Recorrente não logrou especificar o que pretendia extrair da informação tida nos passaportes, uma vez que, a nacionalidade não faz pressupor a residência para efeitos fiscais, não logrando a consulta dos mesmos comprovar a residência da Recorrida. Por outro lado, quanto ao pedido da Recorrente de informação ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fim de comprovar as entradas e saídas em Portugal dos sujeitos passivos e ainda saber-se se houve autorização de residência, para além da Recorrente também não ter especificado em que medida é que tais elementos se mostravam relevantes, também nada alegou em sede de contestação, vindo somente em sede de recurso alegar que só com aquela prova requerida se poderia aferir verdadeiramente da residência e/ou permanência na Território Nacional. Ora, não se pode concordar com tal afirmação, pois consideramos que os elementos que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras poderia fornecer não permitiriam concluir pela residência da Recorrida no ano de 2019, isto porque, esta poderia ter autorização de residência e não residir em Portugal ou então ser residente não habitual. Acresce que, é consabido que os conceitos de domicílio fiscal e de residente para efeitos de IRS não são sinónimos. Neste sentido vide Acórdão do TCA Sul de 11.11.2021, proc. n.º 2369/09.7 BELRS. Assim, não se mostrando relevantes para o apuramento da verdade material, as diligências pretendidas pela Recorrente para aferir da residência da Recorrida, e, independentemente da obrigatoriedade ou não do Tribunal a quo diligenciar no sentido requerido, não se verifica a violação do princípio do inquisitório nem consequente deficit instrutório. Questão distinta é aferir se a prova apresentada se mostra suficiente para comprovar o invocado por parte da Recorrida em sede do articulado inicial, na medida em que tal contende com a valoração da prova apresentada, que analisaremos em sede do erro no julgamento de direito. Relativamente à insuficiência de factos, a insuficiência afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não acarreta nulidade da mesma. Com efeito, “tendo o Juiz fixado na sentença os factos provados e não provados que julgou relevante para apreciar as questões que lhe foram colocadas pela Impugnante e indicado, a propósito de cada um desses factos, os documentos que sustentaram a sua convicção, não há, independentemente do juízo de insuficiência da factualidade seleccionada que possa ser realizado, nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, nos termos em que a mesma se mostra prevista no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)” – cfr. Acórdão do STA de 12.10.2022, proc. n.º 01927/14.8BESNT. Impõe-se assim negar provimento à nulidade apontada à decisão recorrida. 2.2.2. Do erro de julgamento da matéria de facto A Recorrente vem invocar que deveria constar dos “Factos Não provados” que “Não ficou provado que a Impugnante dispunha de habitação no Brasil e em condições de fazer supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual” Vejamos. Como decorre do disposto no artigo 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Com efeito, parafraseando António Abrantes Geraldes (in Recursos em processo civil, 7ª Edição actualizada, Almedina, pag. 333) “quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência” Nesta medida, verificados os pressupostos que decorrem do disposto no artigo 662.º do Código do Processo Civil, assiste a este Tribunal o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, competindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de recurso, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre as questões controvertidas. Acresce que, como decorre do disposto no artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” Nesta senda, “na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta conviçção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, nºs 4, 1ª parte, e 5)” – cfr. José lebre de Freitas (in “A Acção Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª edição, Gestlegal, pag. 361). Acresce que, no dizer de Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269), “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” (in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269). Ora, parafraseando Helena Cabrita, (in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111), “Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta”. “Assim, em linha com esse entendimento, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.]. Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.09.2023, proc. 9028/21.6T8VNG.P1. Retornando ao caso dos autos, e como se constata da causa de pedir e do pedido formulado pela Recorrida em sede do articulado inicial, a questão decidenda prende-se com a residência da Recorrida no ano de 2019, por forma a aferir da tributação dos seus rendimentos em Portugal. Nestes termos, considerar que não foi provado que a Recorrida “dispunha de habitação no Brasil em condições de fazer supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual” encerra em si a questão a decidir. Nesta senda, tratando-se de matéria conclusiva, a mesma não pode ser reconduzida ao probatório. Como tal, e não se verificando o erro de julgamento imputado à decisão recorrida, é de negar provimento ao alegado. 2.2.3 Do erro de julgamento de direito A Recorrente vem invocar o erro de julgamento de direito, por considerar que ocorreu errada valoração da prova produzida, decidindo em oposição à prova apresentada, uma vez que, não resulta prova produzida nos autos, para concluir como concluiu. Vejamos. Nos termos do que dispõe o artigo 13.º n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares “Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos” A par, estatui o artigo 15.º do mesmo Código que “1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. 2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.” Nestes termos, e como é consabido, o nosso ordenamento estabelece o princípio da tributação pelo rendimento mundial para os residentes em território português, não obstante, a existência de mecanismos de eliminação de dupla tributação jurídica, decorrentes quer das Convenções para evitar a dupla tributação, quer da própria legislação interna. Quanto ao conceito de residência, para efeitos de IRS, decorre do artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares que “1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa; b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual; c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território; d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo. 3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.” Assim, “é pacífica a afirmação de que esta norma impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente: (i) a permanência em Portugal; (ii) a disposição de uma habitação; e (iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual; obviamente, tendo por base o corpo do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, a verificação dos referidos requisitos deve ter por referência o “ano a que respeitam os rendimentos”, sendo este o espectro temporal durante o qual deve ser verificada a residência.” – cfr. Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA de 28.09.2023, proc. n.º 043/23.6BALSB. Por seu lado, a Lei Geral Tributária consagra um conceito de domicílio fiscal, no seu artigo 19.º ao estabelecer que “1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual” Assim, “os conceitos de domicílio fiscal e de residente para efeitos de IRS não são sinónimos. Apelando às palavras de Alberto Xavier (Direito Tributário Internacional, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 281): “[A] noção de residência ou domicílio para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é também distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado, o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de actos relativos à situação fiscal do contribuinte”. Assim, de um lado, podemos discernir o conceito de domicílio fiscal previsto no art.º 19.º da LGT, cuja relevância mais evidente se situa ao nível dos contactos entre o contribuinte e a AT (aliás, cabe atualmente no conceito de domicílio fiscal o domicílio fiscal eletrónico). (…) Já o conceito de residência fiscal tem subjacente outros pressupostos, como decorre do art.º 16.º do CIRS, (…) Portanto, estamos perante dois conceitos distintos com teleologias também elas distintas.” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 11.11.2021 , proc. n.º 2369/09.7 BELRS “O legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção a esse respeito. Na falta de uma parametrização legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, pois, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo.” - cfr. Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA de 28.09.2023, proc. n.º 043/23.6BALSB. Explanados os normativos legais aplicáveis, vejamos então da factualidade que decorre da decisão recorrida para aferir da suficiência da mesma para concluir como se concluiu, isto é, que a Recorrida residia no Brasil no ano de 2019. Assim e, na parte em que se mostra relevante para a questão a decidir, julgou o Tribunal a quo comprovado que: “1.A impugnante entregou em 2020-09-16 a declaração de rendimentos referente ao ano de 2019 (J3106-85), na qual inclui apenas os Anexos B e J, sendo que neste último são declarados rendimentos obtidos no Brasil para o NFC ...36, no valor de €31.554,00 – cfr PA apenso aos autos 2.Na referida declaração opta pela residência em território nacional (Continente), conforme opção expressa no quadro 8-A da Modelo 3 de IRS - cfr PA apenso aos autos; 3.Da declaração referida em 2) resultou a liquidação nº ...23, no valor a pagar de €5.795,42, e com data limite de pagamento a 2020-11-02 - cfr PA apenso aos autos. (…) 7. Dá-se por reproduzido o documento intitulado “Atestado de residência fiscal no Brasil”, em nome de «BB», onde consta a morada: Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte e o período de referência de 26/12/2017 a 31/12/2019; - cfr Doc nº 3 junto com a p.i; 8. Dá-se por reproduzida a fatura de luz, relativa a Set/2019 em nome de «BB», referente à Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte – cfr Doc nº 3 junto com a p.i 9. Dá-se por reproduzida a liquidação de impostos no Brasil, intitulada Declaração de ajuste anual, relativa a 2019, da impugnante e «BB», com morada na Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte – Doc nº 5 junto com a p.i; 10. Dá-se por reproduzido o documento comprovativo da Declaração de início/reinicio de atividade, a vigorar em 01-01-2020, em nome da impugnante – cfr Doc nº 1 junto com a p.i”. Assim, com base em tais factos, o Tribunal considerou que em 2019 a Recorrida e seu marido viviam no Brasil, sendo que o estatuto de residente em Portugal só se pode manter a partir de 2020, e, nessa medida, julgou a impugnação procedente, determinando a anulação da liquidação impugnada. Ora, relativamente ao atestado de residência fiscal no Brasil, em nome de «BB», onde consta a morada como sendo na Rua ..., ..., ..., Belo Horizonte, entre o período de 26.12.2017 a 31.12.2019, a Recorrida vem defender que o atestado refere-se somente ao cônjuge da Recorrida e não à própria. Ora, nos termos do disposto no artigo 76.º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Valor probatório”, “1 - As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”, sendo que, como também resulta do seu n.º 4 “São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.” Nestes termos, o documento coligido no ponto 7) da matéria de facto provada faz fé, uma vez que respeita a documento emitido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, não tendo a Recorrida comprovado o contrário. Acresce que, a informação que decorre de tal documento tem de ser conjugada com o que decorre da declaração de rendimentos do ano de 2019 entregue no Brasil, coligida no ponto 9. da factualidade assente, e, de onde decorre declarado como sujeito passivo A a aqui Recorrida e como sujeito passivo B «BB», ambos com residência Rua ..., Belo Horizonte, Brasil. Assim, e dessa forma é estabelecido o nexo entre a Recorrida e «BB», assim como o atestado de residência deste e a residência da Recorrida, tendo tais documentos que ser valorados positivamente tal qual valorou o Tribunal a quo. A Recorrente vem também invocar que foi apresentada uma única factura respeitante a Setembro de 2019, não podendo produzir o efeito pretendido atendendo ao hiato temporal que pretende provar e também porque esta foi emitida em nome do cônjuge. Ora, como decorre do ponto 8. da matéria de facto assente, foi junta aos autos uma factura de luz relativa a Setembro de 2019 em nome de «BB» respeitante à Rua ..., ..., Belo Horizonte. Ora, como aqui já demos conta ao enunciar o artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, é considerado residente em Portugal quem haja permanecido em Portugal mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa. Assim, com a demonstração de factura relativa a custo incorrido no Brasil em Setembro do ano em questão nos presentes autos, a Recorrente inviabiliza a possibilidade de preencher o requisito da permanência dos 183 dias em Portugal no fim do ano em causa. O facto da factura estar em nome do cônjuge da Recorrente, por si só, também não invalida o facto que da mesma decorre, na medida em que, como supra referenciado, se verifica o nexo entre a Recorrida e «BB». Nesta senda e, não obstante, decorrer da Lei (artigo 75.º n.º 1 da lei Geral Tributária) a presunção de que se consideram verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, consideramos que a Recorrente, tal como referenciado na decisão recorrida “(…) coligiu uma série de indícios fortes, que permitem ilidir a sua própria declaração que goza de veracidade e que assim permitem concluir que, efetivamente, no ano de 2019, ela e «BB» não residiam em Portugal”, pois “resultam de vários documentos oficiais e particulares que os próprios Impugnantes declararam residir em Belo Horizonte, Brasil e não detêm qualquer outra fonte de rendimento em Portugal, tendo iniciado apenas a sua atividade, respetivamente, em 23-06-2020 e 24-07-2020” Acresce que, a Recorrente também não logrou comprovar, nem sequer alegar, qualquer factualidade que comprovasse a residência da Recorrente em Portugal no ano de 2019, infirmando assim as suas alegações, tendo-se limitado a invocar como insuficiente a prova apresentada. Nesta senda, face à prova apresentada e à luz dos critérios de residência estatuídos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, concluímos que a Recorrida logrou apresentar prova bastante de que não residiu em Portugal no ano de 2019, não se verificando o erro de julgamento que vem imputado à decisão recorrida, negando-se provimento ao alegado. *** Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO: I. O princípio do inquisitório impõe que a Autoridade Tributária e Aduaneira diligencie no sentido de trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai recair a decisão, quando as mesmas se tornem necessárias à descoberta da verdade material. II. A matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, nomeadamente quando, por si só, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões. III. O conceito de domicílio fiscal que decorre do artigo 19.º da LGT e o conceito de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos. IV. Apesar de decorrer da Lei (artigo 75.º n.º 1 da LGT) a presunção de que se consideram verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, estas podem ser ilididas mediante apresentação de prova em contrário. *** 3 – Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2, artigo 7.º n.º 2 e artigo 12 n.º 2 e tabela I-B, todos do Regulamento das Custas Processuais. Porto, 30 de Janeiro de 2025 Virgínia Andrade Conceição Soares Paulo Moura |