Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00764/21.8BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 04/10/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | ANA PATROCÍNIO |
| Descritores: | DÉFICE INSTRUTÓRIO; GERÊNCIA DE FACTO; SELECÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; |
| Sumário: | I – A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento. II - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 09/02/2024, que julgou procedente a oposição deduzida por «AA», NIF ...50, residente na Avenida .... traz, no ..., no âmbito do processo executivo n.º ...96 e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade [SCom01...], Lda., contra si revertido, para cobrança coerciva de dívidas referentes a cotizações e contribuições para a Segurança Social, relativas aos períodos 2009/07 a 2010/06, no valor global de €5.589,17. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A. Incide o presente recurso sobre a sentença de 2024-02-09, que determinou a oposição procedente com a consequente extinção do PEF ...96 E AP. contra o Oponente «AA» - NIF ...50. B. O fundamento do presente recurso é aditar um facto como provado (gerência de facto - aos Factos Provados) que não foi considerado na sentença proferida em 2024-02-09. C. Em 2023-10-09 foi inquirida pela recorrente a única trabalhadora, por conta de outrem, da Sociedade [SCom01...], LDA., «BB», que exerceu funções naquela Sociedade no período em dívida (outubro de 2008 a junho de 2010). Dessa inquirição, resulta de forma clara e evidente que o Oponente «AA» foi gerente de facto da referida sociedade [SCom01...], LDA. nesse período. (vide fls. 145 do SITAF) D. Ou seja, entendemos, assim, s.m.o, que o Tribunal ad quem deverá aditar ao probatório o facto referido no ponto anterior, o qual resulta da prova documental inserta nos autos, passando a consignar novo facto com o seguinte teor: Em 2023-10-09 foi inquirida pelo Exequente a trabalhadora «BB», tendo a mesma confirmado que o Oponente «AA», no período em dívida, foi gerente de facto da sociedade devedora originária. E. Conforme dispõe os termos da lei, o momento da apresentação de prova por documentos, está consagrada no art. 423º do CPC, sendo que o recorrente apresentou tal prova junto da contestação. F. De acordo com o disposto no art. 640º do CPC epigrafado - “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”-, o recorrente indicou o facto incorretamente julgado (gerência de facto), especificou o meio de prova (documento com a inquirição da testemunha junto à contestação) e indicou com exatidão onde o mesmo se encontra. G. Razão pela qual entendemos que, com base nessa prova, se verifica claramente o pressuposto do exercício da gerência de facto da devedora originária [SCom01...], LDA pelo recorrido «AA». Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Ex.ª doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e julgando em conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, será feita a HABITUAL E ACOSTUMADA JUSTIÇA.” **** Não houve contra-alegações. **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, mas no equívoco de que a oposição foi julgada improcedente e que foi o oponente a recorrer. **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida errou no julgamento da decisão da matéria de facto, quanto ao pressuposto da reversão consubstanciado na “gerência de facto”. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença recorrida foi proferida a decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Factos provados. Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos: 1. Sobre a sociedade [SCom01...], Lda., foi instaurado, em 28/03/2010, o processo de execução fiscal n.º ...96 e apensos – cfr. processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 2. No âmbito do processo executivo referido em 1 foi, em 18/11/2011, proferido pelo órgão de execução fiscal “Projecto de decisão-reversão” sobre o Opoente, o qual apresentava o seguinte conteúdo: “… 2. Dos fundamentos. Nos termos e para efeitos do disposto no art.º 153° do Código de Procedimento e Processo Tributário (C.P.P.T.), foram compulsados todos os dados constantes no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação, designadamente na procura de património suficiente paro garantir o ressarcimento do valor em dívida do executado, tendo-se apurado o seguinte: Não são conhecidos bens móveis ou imóveis registados em nome do executado que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que permite ao órgão de execução fiscal concluir pela necessidade de accionamento da responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o n.º 2 do art.º 153º do C.P.P.T. Da informação constante no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação verifica-se que «AA»… é responsável subsidiário, tendo desenvolvido actividade de gerente na empresa executada desde 08-2008. Em conclusão, e atendendo aos elementos constantes no processo: Nos termos do art.º 24º da L.G.T. encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no n.º 2 do art.º 23º da L.G.T., em conjugação com o art.º 153º do C.P.P.T., para efeitos de uma eventual reversão. Proceda-se à notificação de «AA» para exercício de audição prévia por escrito no prazo de 10 dias, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 23º, bem como o n.º 3 e 5 do art.º 60º da L.G.T. comunicando o projecto da decisão e presente fundamentação, necessária para o exercício direito…” – cfr. processo de execução fiscal não numerado junto aos presentes autos. 3. Na decorrência de 2 foi remetida notificação, através de carta registada, dirigida ao Opoente para, querendo, exercer o seu direito de audição de prévia por referência ao conteúdo do projecto de reversão referido em 2 – cfr. processo de execução fiscal não numerado junto aos presentes autos. 4. No âmbito do processo de execução fiscal referido em 1 foi, em 27/04/2012, pelo órgão de execução fiscal, proferido despacho de reversão desse processo executivo sobre o Opoente, o qual apresentava o seguinte conteúdo: “… Fundamentos da Reversão. Por dívidas ao Sistema de Segurança Social foram instaurados os processos executivos identificados na citação anexa para pagamento dos valores nela constantes. O devedor originário, até à data, não pagou voluntariamente, não deduziu oposição, nem pagou em regime prestacional pelo que a dívida subsiste até à data. Não são conhecidos bens móveis ou imóveis registados em nome do executado que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que permite ao órgão de execução fiscal concluir pela necessidade de accionamento da responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o art.º 153º, n.º 2 do C.P.P.T. e Art. 23.º, n.º 1 e 2 da LGT. Determina o Art.º 24.º, n.º 1, b) da LGT que "Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas, são subsidiariamente responsáveis em relação o estas e solidariamente entre si pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a folio de pagamento”. O regime da responsabilidade dos gerentes pelas dívidas provenientes de contribuições/cotizações para a Segurança Social das suas representadas é regulado pela lei sob cuja vigência ocorrem os respectivos pressupostos da obrigação de responsabilidade. A responsabilidade subsidiária abrange não só o momento em que ocorreram os factos geradores da dívida de imposto mas também o momento da cobrança voluntária. Da informação constante nas Declarações de Remuneração entregues pelo devedor originário verificou-se que o gerente identificado na notificação anexa é responsável subsidiário tendo desenvolvido actividade de gerente na empresa executada no período constante dos certidões anexas que aqui se reproduz para os devidos efeitos legais, encontrando-se preenchido o primeiro e segundo dos requisitos mencionados no Art. 24.º da LGT, ou seja, a verificação do exercício efectivo do cargo de gerência de facto e o exercício do mesmo no momento do facto gerador do imposto bem como da liquidação/cobrança do mesmo. No que concerne ao terceiro requisito, previsto na alínea b) do Art. 24.º da LGT, constata-se igualmente da sua existência, ou seja, a presunção da culpa pelo não pagamento da dívida tributária. Assim, por se encontrarem preenchidos os requisitos da responsabilidade subsidiária, procedeu-se à preparação dos referidos processos paro efeitos de reversão, contra o gerente identificado na citação anexa, cumprindo-se o disposto no Art. 23º, n.º 4 e Art. 60º, ambos da LGT, ou seja, extraindo-se notificação para o mesmo em sede de Audição Prévia. Concretizado a notificação, não veio o gerente exercer o direito de audição prévia. Face ao exposto, por se encontrarem preenchidos os requisitos da responsabilidade subsidiária e, tendo-se procedido à audição prévia nos termos do n.º 4 do art. 23.º e art. 60º, ambos da LGT, determino dar cumprimento ao disposto no art. 160.° do C.P.P.T. procedendo-se, assim, à citação em sede de reversão do gerente identificado no citação anexa, pelos motivos supra aduzidos…” – cfr. processo de execução fiscal não numerado junto aos presentes autos. 5. Na decorrência de 4 foi elaborada citação do Opoente para o processo executivo referido em 1, onde lhe era exigido o pagamento do montante de 5.589,17€, referentes a contribuições e cotizações para a Segurança Social relativas aos períodos 2009/07 a 2010/04 – cfr. processo de execução fiscal não numerado junto aos presentes autos. 6. O Opoente recebeu a citação referida em 5 em 16/05/2012 – cfr. informação junta pelo órgão de execução fiscal ao abrigo do artigo 208º do CPPT. 7. O Opoente consta, nas declarações de remunerações entregues pela sociedade referida em 1, como membro de órgão estatutário da mesma entre os períodos 2008/08 e 2010/08 – cfr. processo de execução fiscal não numerado junto aos presentes autos. Factos não provados. Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados. Motivação da decisão sobre a matéria de facto. A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo de execução fiscal apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.” * 2. O Direito O Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo TAF do Porto, que julgou procedente a oposição, julgando não se verificar o pressuposto do exercício da gerência de facto da devedora originária pelo Oponente, concluindo pela sua ilegitimidade para a execução quanto às dívidas contra ele revertidas e extinguindo o processo de execução fiscal em relação ao revertido, aqui Recorrido. Sustenta que o tribunal “a quo” não teve em conta todos os elementos de prova constantes dos autos e solicita seja aditado ao probatório um novo facto com o seguinte teor: Em 2023-10-09 foi inquirida pelo Exequente a trabalhadora «BB», tendo a mesma confirmado que o Oponente «AA», no período em dívida, foi gerente de facto da sociedade devedora originária. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, nºs. 2 a 4, do CPC) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT). O Recorrente, visando identificar a insuficiente selecção e julgamento da matéria de facto, em cumprimento do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil (CPC), apontou que, em complemento da factualidade assente na sentença recorrida, deve ser aditada aos factos dados como provados, em conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo artigo 662.º, n.º 1, do CPC, aplicável por via da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, por se encontrar comprovado nos autos e se reputar essencial à boa decisão da causa, assim se modificando o segmento relativo a factos provados, a matéria que supra transcrevemos referente à gerência de facto da devedora principal. Importa, desde logo, salientar que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento – cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1134/10.9BELRA. Ora, temos por líquido que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como iremos ver o caso, preencham, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões. Com efeito, revertendo para o caso concreto, não estamos em presença de factos, logo tal matéria é insusceptível de ser reconduzida ao probatório. Saber se o oponente foi “gerente de facto” no período a que respeitam as dívidas e aquando do seu pagamento voluntário é matéria que contende e condiciona inelutavelmente o desfecho da causa. Nesta perspectiva, é irrelevante que uma trabalhadora da sociedade devedora originária tenha afirmado que o oponente foi gerente de facto da mesma, dado que essa deverá ser a ilação a retirar (ou não) de determinados factos, inserindo-se, claramente, na questão jurídica que define o próprio objecto da acção. Na verdade, importava aferir se a AT tinha cumprido com o seu ónus probatório quanto à verificação dos pressupostos para operar a reversão contra o oponente, sendo essencial observar se o pressuposto da “gerência de facto” se mostra verificado in casu. Levar tal matéria aos factos provados comporta a resposta à questão jurídica em análise na presente oposição, na medida em que ficaria definido, desde logo, o desfecho da lide. Nesta conformidade, indefere-se o aditamento solicitado à decisão da matéria de facto. Porém, o objecto do recurso inclui também a ideia de que o tribunal recorrido não teve em consideração todos os meios probatórios oferecidos pelas partes – cfr. conclusão G das alegações do recurso. Com a sua contestação, o Recorrente juntou um auto de inquirição da única funcionária da sociedade devedora originária, considerando que através dessa prova se demonstra o pressuposto do exercício da gerência de facto da devedora originária pelo Recorrido. Efectivamente, com relação às exigências de fundamentação, os nossos tribunais superiores têm decidido que o despacho de reversão não tem necessariamente que exteriorizar/revelar factos concretos, pelos quais o exequente considera verificado o exercício efectivo de funções, podendo os mesmos ser apresentados com a contestação, em sede de oposição à execução. Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno de 16/10/2013, no processo n.º 0458/13, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos legais e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, não se impondo que dele constem os factos concretos nos quais o exequente fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente/administrador revertido, pois o “non liquet” ou a dúvida relativa a esse facto será necessariamente valorado contra o mesmo, dada a inexistência de presunção legal relativa ao desempenho dessa atividade (cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária). Foi precisamente baseado nesta orientação que julgou o tribunal recorrido. Contudo, não poderá deixar de ponderar criticamente todos os elementos probatórios ínsitos nos autos, desde os constantes no procedimento administrativo de reversão aos carreados posteriormente com a contestação (desde que os pressupostos para operar a reversão se mostrem alegados/indicados no acto de reversão, ganhando ainda maior importância se o oponente os negue na sua oposição). Ressalta, de imediato, a alegação, na oposição, relativa ao momento do exercício do direito de audição, onde o oponente terá negado a gerência de facto, indicado quem efectivamente a exercia, arrolado testemunhas e requerido a junção de documentos para realizar a prova dos factos invocados; mas, não constam dos autos quaisquer elementos relativos a esse exercício do direito de audição prévia à reversão, afirmando-se, até, no despacho de reversão que o revertido não exerceu esse direito – cfr. ponto 4 da decisão da matéria de facto. Conforme se alude no ponto 7 do probatório, o Oponente consta, nas declarações de remunerações entregues pela sociedade originária, como membro de órgão estatutário (MOE) da mesma entre os períodos 2008/08 e 2010/08 e, no acto de reversão, menciona-se expressamente a gerência efectiva, de facto, pelo Oponente – cfr. ponto 4 supra. Na oposição são oferecidos meios de prova para demonstrar que o Oponente não tinha qualquer intervenção na matéria de pagamentos à Segurança Social e que a sociedade originária tinha bens móveis não sujeitos a registo suficientes para pagar as dívidas exequendas, referindo-se a existências em stock ou créditos a vários fornecedores, por exemplo. Como mencionámos, com a contestação, o Recorrente juntou documento demonstrativo de ter procedido à inquirição da única trabalhadora da sociedade devedora, em 2023-10-09, «BB», que terá exercido funções naquela sociedade no período em dívida (outubro de 2008 a junho de 2010). Dessa inquirição, resulta a identificação do Oponente como sendo um dos seus patrões, a par dos outros dois gerentes, e a referência de que, quando deixou de receber o seu salário, teve que falar com os três para a resolução dessa situação, portanto, a resolução deste problema laboral terá passado também pelo o aqui Recorrido. O tribunal recorrido não tomou qualquer posição acerca destas declarações vertidas a escrito, sendo que foram prestadas por testemunha indicada pelo próprio oponente na oposição. O juiz tem o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT. Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, páginas 90 e ss. Num processo em que foi oferecida prova testemunhal e prova documental, é essencial o tribunal proceder ao exame crítico da globalidade das provas. In casu, tal não se verificou, desconhecendo-se por que motivo o tribunal terá desconsiderado a prova apresentada pelo Recorrente com a contestação. Além do mais, o Recorrente apela nesse seu articulado para as regras da experiência. Apesar de o Oponente alegar que os gerentes de facto eram os outros dois MOE´s, certo é que após a inquirição da testemunha, entende o Recorrente ter-se confirmado que o Oponente também era gerente de facto da devedora originária no período em dívida, não podendo pactuar-se com a desresponsabilização de quem, consciente das circunstâncias em que o faz, cria as condições legais e formais para que tal possa acontecer “emprestando o respectivo nome”. E, face ao senso comum e às regras da experiência, não se pode pretender como verosímil que uma pessoa, considerada como o homem médio (na sua capacidade de querer, entender e motivar-se face às situações) não tenha realizado em que papel estava a ser investido quando aceitou ser o gerente da originária devedora, sem jamais renunciar ao cargo – cfr. artigos 8.º e 11.º a 15.º da contestação. Neste circunstancialismo, apontando as declarações da inquirida para eventual exercício efectivo da gerência pelo Oponente, afigura-se pertinente que, pelo menos, essa testemunha seja ouvida em sede de audiência contraditória. Isto porque, em regra, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, devendo ser cumprido o disposto no artigo 415.º do Código de Processo Civil. Pretendendo o Recorrente demonstrar os pressupostos da reversão que indicou no respectivo despacho, não lhe poderá ser coartada essa possibilidade, atento o ónus da prova que sobre o mesmo recai, como vimos. Por outro lado, também o Oponente ofereceu vários meios probatórios, devendo facultar-se que realize a sua contra-prova, tendo em conta a factualidade alegada na petição de oposição (igualmente demonstrativa de que poderão não ter sido remetidos ao tribunal todos os elementos constantes do procedimento de reversão ínsito no processo de execução fiscal, nomeadamente, em sede de audição prévia à reversão). Assim, mostrando-se imperioso descobrir todos os elementos existentes reveladores dos pressupostos para operar a reversão; deparamo-nos, agora, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação. Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a sentença recorrida, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído. Conclusões/Sumário I – A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento. II - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supram os apontados vícios, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica. Custas a cargo do Recorrido, que não inclui a taxa de justiça uma vez que não contra-alegou. Porto, 10 de Abril de 2025 Ana Patrocínio Cláudia Almeida Ana Paula Santos |