Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01081/12.0BELRS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:POPH; SITUAÇÃO TRIBUTÁRIA REGULARIZADA; DÍVIDA FISCAL; PRESTAÇÃO DE GARANTIA; SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL.
Sumário:I-A regularidade da situação tributária das entidades beneficiárias é condição necessária e prévia à admissibilidade de candidaturas ao POPH (al.) c) do n.º 1 do art.º 17.º do D.R. n.º 84-A/2007, de 12.10), não podendo beneficiar dos apoios de fundos comunitários e públicos os contribuintes que não tenham a sua situação tributária regularizada (art.º 1.º, al. e) do Decreto-lei 236/95, de 13.09).

II- Considera-se que têm a situação tributária regularizada, os contribuintes que não sejam devedores perante a Fazenda Nacional de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros, ou caso sejam devedores, estejam a proceder ao pagamento da dívida em prestações nas condições e termos autorizados ( artigos 1.º a 3.º do D.L 236/95, de 13.09).

III- Nos casos em que os contribuintes tenham dívidas à Fazenda Nacional em processo de cobrança, só se consideram com a situação tributária regularizada aqueles que, cumulativamente: (i) tenham reclamado, recorrido ou impugnado judicialmente as dívidas em cobrança, (ii)tenham prestado garantia e (iii) a execução tenha sido suspensa em resultado da aceitação da garantia prestada nos termos do art.º 255.º do Código de Processo tributário.

IV-Uma garantia prestada num processo de execução fiscal não aceite pela Administração Fiscal, não suspende o processo de execução. Do mesmo modo, um processo de execução fiscal não fica suspenso com a reclamação judicial de um ato da Administração Fiscal de não aceitação da garantia prestada pelo contribuinte. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:W., S.A.
Recorrido 1:Comissão Diretiva do Programa Operacional Potencial Humano
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte

I. RELATÓRIO

1.1. A W., S.A., com sede na Rua (…), (…), (…), moveu a presente ação administrativa especial, na sequência do despacho do Presidente da Comissão Diretiva do Programa Operacional Potencial Humano, de 22.12.2011, que indeferiu a candidatura n.º 069619/2012/9321, pedindo, em síntese, a sua anulação e a condenação na prática de ato administrativo de deferimento da referida candidatura.

Alegou, para tanto, em síntese, que em 10.10.2011, se candidatou ao Programa Operacional Potencial Humano (POPH), tipologia Formação para a Inovação e Gestão, candidatura n.º 069619/2012/932, solicitando um subsídio no valor de € 114.960,40, que veio a ser indeferido por despacho do Presidente da Comissão Diretiva do POPH, com fundamento na existência de dívidas junto da Fazenda Pública.
Mais alegou que foi citada no processo de execução fiscal n.º 1821201101133900, instaurado para cobrança coerciva da liquidação adicional de IVA, no montante de € 3.875.839,27, pelo que solicitou à administração fiscal a fixação do montante a garantir, na sequência do qual apresentou como garantia, fiança prestada pela S., SA, no valor de € 4.451.094,21, para suspensão da execução fiscal, uma vez que veio a apresentar impugnação judicial contra a referida liquidação adicional.
A administração fiscal decidiu pelo indeferimento da fiança prestada, razão pela qual apresentou reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, que se encontra pendente.
Sustenta a ilegalidade do despacho de indeferimento, com fundamento (i) na violação do art.º 2º, al. c), do Decreto-lei n.º 236/95, de 13.09, uma vez que a sua situação tributária encontra-se regularizada, dado que prestou garantia, que se encontra na posse da administração tributária, sem que o despacho de indeferimento da mesma se tenha consolidado na ordem jurídica, porquanto se encontra pendente de reclamação judicial contra o mesmo, com efeito suspensivo e subida imediata, pelo que o referido processo de execução fiscal deveria estar suspenso, por força do art.º 169º, n.º 1, do CPPT; (ii) na violação do princípio do inquisitório, previsto no art.º 56º do CPA, porquanto a Entidade Demandada deveria averiguar todos os factos necessários a uma justa e rápida decisão do procedimento; (iii) na violação do art.º 31º, n.º 1, do CPA, porque o procedimento em causa deveria ter sido suspenso, por ocorrência de causa prejudicial até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo de reclamação da decisão do órgão de execução fiscal.
*
1.2. Citada, a Entidade Demandada contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por impugnação, alegou, em suma, que considerando que no processo de candidatura apresentado pela Autora não constava a informação relativa à situação regularizada em matéria de impostos e contribuições para a segurança social, foi solicitado o envio de certidões válidas, tendo sido apresentada uma sentença proferida no âmbito do processo 1365/11.4BEPRT, decorrente da reclamação que indeferiu a prestação de garantia através de fiança, mas que, efetuada a consulta on-line, verificou que a situação tributária da Autora apresentava dívidas.
O despacho de indeferimento é legal, uma vez que a demonstração da situação contributiva regularizada perante a fazenda pública só poderá ser feita mediante a declaração da entidade competente para a atestar, no caso, a Autoridade Tributária, pelo que, com os elementos que juntou, a Autora não logrou provar que tivesse a situação tributária regularizada, não competindo a si fazer qualquer tipo de indagação quanto a esta matéria.
*
1.3. A Autora replicou.
*
1.4. Foi proferida sentença que julgou incompetente em razão da matéria o Tribunal Tributário de Lisboa, onde foi proposta a ação, e ordenada a remessa do processo para o TAF do Porto.
*
1.5. Foi proferido despacho saneador, que considerou desnecessária a produção de prova adicional, pelo que foram as partes notificadas para apresentarem alegações escritas.
*
1.6. Ambas as partes alegaram, reiterando, em síntese, as posições assumidas nos articulados.
*
1.7. Em 08 de janeiro de 2020, proferiu-se sentença, que julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido e que consta do seguinte segmento decisório:
«Pelos motivos expostos, o Tribunal julga totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolve a Entidade Demandada dos pedidos.
Condena-se a Autora em custas.
Registe e notifique.»
*
1.8. Inconformada com o decidido, a autora interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:
«i. Na medida em que a Recorrente deu a saber à Recorrida do litígio com a Administração Fiscal quanto à idoneidade da garantia e, portanto, quanto à regularidade da situação tributária, incumbia à Ré suspender o procedimento nos termos do artigo 31.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.
ii. Já na pendência dos presentes autos, a Administração Tributária veio a suspender o processo de execução fiscal, com base nos pressupostos determinados na decisão judicial – o que é demonstrativo de que desde que prestou a garantia em causa, A AUTORA TINHA A SUA SITUAÇÃO TRIBUTÁRIA REGULARIZADA - pelo que a decisão administrativa em causa, por ser consequente de um acto administrativo judicialmente anulado, é nula (art. 133.º n.º 2 i) CPA).
iii. Recorde-se, como a própria Recorrida faz notar no ponto 62 da sua contestação, que a mesma pertence à Administração Directa do Estado - ou seja, o mesmo Estado que recusa (ilegalmente) o reconhecimento da situação tributária regularizada da Recorrente, vem também a recusar-lhe (ilegalmente) a concessão dos benefícios pela (ilegal) falta desse reconhecimento.
iv. O Tribunal a quo omitiu a apreciação destas relevantes questões, cuja decisão não estava prejudicada pela solução dada às demais questões suscitadas – padecendo, por isso, de nulidade por omissão de pronúncia (artigos 608.º n.º 2 e 615.º n.º 1 d) do CPC).
v. Como evidenciam os autos, na pendência da presente acção veio a confirmar-se que, desde 16.08.2011 (momento em que prestou a garantia para suspender a execução fiscal), a Recorrente tinha o direito a ver reconhecida a regularidade da sua situação tributária.
vi. Se, como é sabido, os requisitos da idoneidade da garantia devem ser observados e aferidos no momento em que a garantia é prestada, afigura-se evidente que a regularidade da situação tributária tem por referência, igualmente, o momento em que a garantia é prestada.
vii. Uma vez obtida a anulação do acto pressuposto, o acto consequente é automaticamente considerado nulo - porquanto, sendo eliminado o acto causal com efeitos retroactivos, o acto consequente fica sem suporte3.
3. Neste sentido, inter alia, Ac. STA de 30/01/2007, dado no rec. nº 040201A.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, por via disso, anular-se a decisão recorrida - o que se fará por obediência à Lei e por imperativo de J U S T I Ç A»
*
1.9. A entidade demandada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, apresentando as seguintes conclusões:

«1. Recorre a A., ora Recorrente, da Sentença do Senhor Juiz a quo, de 8 de janeiro de 2020, que julgou totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada dos pedidos;
2. A Recorrente não impugna a matéria de facto provada na Sentença recorrida, que assim se mantém inalterada. Desta, são dois os facto-chave com relevo para o recurso interposto pela A.:
2.1. Quando a A., ora Recorrente, candidatou-se ao Programa Operacional Capital Humano (POPH) tinha-lhe sido instaurado um processo de execução fiscal em matéria de impostos (cf. n.ºs 1, 3, 9, 10, 11, 12, 15 dos factos provados na Sentença recorrida);
2.2. A 22.12.2011, quando foi praticado o ato impugnado na ação – de manter a decisão de indeferimento da candidatura da A. ao POPH –, a garantia apresentada pela A., no processo de execução por dívidas fiscais, não tinha sido aceite (cf. n.ºs 8, 11 e 18 dos factos provados na Sentença recorrida).
3. A Sentença recorrida julgou totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada, tendo por base a seguinte:
3.1. Fundamentação de facto: a candidatura da Recorrente ao subsídio de um Programa Operacional sendo parte de um processo de execução fiscal no qual a garantia apresentada foi indeferida;
3.2. Fundamentação de Direito: a inadmissibilidade da Recorrente candidatar-se a apoios comunitários sem a sua situação contributiva regularizada [al. e) do n.º 1 do art. 17.º do Decreto-regulamentar n.º 84-A/2007, de 12.10, e art. 1.º, al. e) DL n.º 236/95, de 13.09];
4. A Recorrente peticiona a anulação da Sentença recorrida com dois fundamentos:
4.1. (Alegada) omissão de pronúncia sobre factos relevantes para a questão;
4.2. (Alegado) erro de julgamento do Tribunal por a Recorrente ter (alegadamente) a sua situação tributária regularizada.
5. Contudo, não assiste razão à Recorrente;
6. O senhor Juiz a quo não só não omitiu as questões acima referidas pela Recorrente, como, ainda que o tivesse feito, as mencionadas questões não eram relevantes para a decisão da causa, nem o conhecimento das mesmas poderia alterar o sentido da Sentença recorrida;
6.1. A questão da suspensão do procedimento da candidatura da Recorrente no POPH (art. 31.º, n.º 1, do CPA):
Constitui questão nova nunca submetida à apreciação do Senhor Juiz a quo;
Não é relevante para a decisão da causa. O artigo 31.º, n.º 1, do CPA diz somente respeito a questões prejudiciais em matéria de competência da Entidade Administrativa, ora Recorrida, nunca posta em causa nestes autos;
6.2. A questão “que, na pendência da ação, a Administração Tributária veio suspender o processo de execução fiscal”, não só foi apreciada, como foi considerada provada (facto provado sob n.º 18 da Sentença recorrida). Neste ponto, confunde a Recorrente o conhecimento da questão com a subsunção jurídica da mesma;
6.3. Por fim, a questão de a “Recorrida pertencer à Administração Direta do Estado, o mesmo sucedendo com a entidade que recusou a garantia no processo de execução fiscal movido contra a Recorrente”:
Constitui questão nova nunca submetida à apreciação do Senhor Juiz a quo;
Não é relevante para a decisão da causa por a Entidade Recorrida não se confundir com a Fazenda Pública e o ato de recusa de concessão dos benefícios a que se candidatou a Recorrente – impugnado nesta ação – ser legal.
7. Em face do exposto, improcede o alegado vício de nulidade por omissão de pronúncia, apenas se podendo confirmar a Sentença recorrida;
8. Não houve erro de julgamento na Sentença recorrida quando considerou que a Recorrente não tinha a sua situação tributária regularizada quando apresentou candidatura ao subsídio de um Programa Operacional. Com efeito:
8.1. Está provado que só depois da prática do ato impugnado nesta ação (o indeferimento da candidatura da Recorrente pela ora Recorrida) a garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal foi admitida (cf. n.ºs 17 e 18 dos factos provados na Sentença recorrida);
8.2. Nos termos legais, apenas a garantia aceite permite considerar a situação tributária do contribuinte regularizada (arts. 1.º a 3.º do DL n.º 237/95, de 13-set.);
8.3. Conforme decidido corretamente pelo Senhor Juiz a quo, “só com a decisão final que for proferida sobre a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal intentada contra o despacho de indeferimento da garantia prestada é que se pode considerar […] o contribuinte com a situação tributária regularizada”.
9. A posição sustentada na Sentença recorrida foi também a defendida pelo STA, no acórdão de 19-set.-2012, Proc. n.º 0885/12 (LINO RIBEIRO)3, segundo o qual […] Não tem a situação tributária regularizada o executado a quem foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, apesar da execução se encontrar suspensa por efeito da reclamação judicial que foi interposta do despacho de indeferimento;
3 Disponível, em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6b1a63b0f276027b80257a860045a4da?OpenDo
cument&ExpandSection=1&Highlight=0,0885%2F12#_Section1.
10. A posterior anulação do ato de indeferimento da garantia prestada pela ora Recorrente, isto é, após a prática do ato impugnado, não contraria o sustentado nos números anteriores. Com efeito:
10.1. Qualquer juízo acerca da legalidade do ato praticado pela Entidade Recorrida (impugnado na ação) só pode ter tomado em função dos factos existentes no momento da sua prática;
10.2. Quando a Entidade Recorrida praticou o ato impugnado pela Recorrente, a garantia prestada no processo de execução fiscal não tenha sido admitida. Nestas circunstâncias, não cabia a Entidade Recorrida, confrontada com uma decisão da Fazenda Pública, emitir um juízo que apenas aos Tribunais cabia (de eventual declaração invalidade da não admissão da garantia). Pelo contrário, até sentença judicial em contrário, devia considerar válido e eficaz o indeferimento da garantia prestada pela Recorrente no processo de execução fiscal.
11. Por válida, apenas se pode confirmar a Sentença recorrida, considerando-se improcedente o recurso interposto.

Nestes termos e nos demais do Direito aplicável, deverá julgar-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente e, em consequência, confirmar-se a Sentença recorrida.
Assim sendo feita a normal e costumada justiça!»

1.10. A 1ª Instância pronunciou-se quanto à nulidade da sentença sob sindicância com fundamento em alegada omissão de pronúncia, indeferindo esta nos termos que se seguem: «(…) Ora, é manifesto que não se verifica a invocada nulidade por falta de pronúncia sobre questão submetida a apreciação, porquanto nos presentes autos está em causa o reconhecimento do direito da Autora ao deferimento da candidatura à atribuição de subsídios públicos, que foi indeferida pela Entidade Demandada. Ou seja, o objeto da presente ação é a pretensão da Autora que foi recusada pela administração, e não o eventual ato de indeferimento expresso, com a apreciação dos seus eventuais vícios, conforme decorre dos art.°s 66º, n.º 2, e 71º, n.º 1, do C PTA, razão pela qual, o art.º 51º, n.º 4, determina que se contra um ato de indeferimento ou recusa de apreciação de requerimento não tiver sido deduzido o adequado pedido de condenação à prática do ato devido, o tribunal deve convidar o autor a substituir a petição para esse efeito, sob pena de absolvição da entidade demanda da instância, de acordo com o n.º 7 do art.º 87º.
Acontece que na sentença posta em causa foi apreciado o direito do Autora ao deferimento da candidatura em questão.
Pelo exposto não se verifica a nulidade invocada.»

1.11.O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do n.º1 do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

1.12. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
**
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n. º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nestas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resume-se a saber se:
a- Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia
b- A decisão de mérito enferma de erro de julgamento na subsunção jurídica por ter considerado que à data da candidatura ao financiamento apresentado junto da Entidade Demandada, a autora não tinha a sua situação tributária regularizada, nos termos e para os efeitos previstos no Decreto-lei n.º 236/95, de 13.09.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO
3.1. O Tribunal a quo deu como provada, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
«1. Em 10.10.2011, a Autora candidatou-se ao Programa Operacional Potencial Humano, tipologia 9.3.2, Formação para a Inovação e Gestão, solicitando um subsídio no valor de € 114.960,40 – cf. informação, a fls. 6 do processo administrativo;
2. Em sede de análise técnica, os serviços do POPH solicitaram à Autora o envio de certidões válidas ou a autorização para consulta on-line relativas à sua situação tributária – cf. fax a fls. 10 e 11 do processo administrativo;
3. Após a Autora conceder a autorização referida no ponto anterior, em consulta on-line no Portal das Finanças, os serviços da Entidade Demandada verificaram que a Autora possuía dívidas – cf. informação, a fls. 6 do processo administrativo;
4. Em 11.11.2011, os serviços da Entidade Demandada elaboraram informação na qual propõem o indeferimento da candidatura apresentada pela Autora com fundamento no facto de não ter a sua situação regularizada em matéria de impostos – informação, a fls. 6 e 7 do processo administrativo;
5. Sobre a informação referida no ponto anterior, a Comissão Diretiva da Entidade Demandada decidiu, em 11.11.2011, propor para indeferimento a referida candidatura – cf. despacho a fls. 6 do processo administrativo;
6. No exercício do direito de audição sobre o projeto de decisão referido no ponto anterior, a Autora alegou que tinha a sua situação tributária regularizada, porquanto, apesar de ter sido notificada de liquidações adicionais de imposto, havia impugnado judicialmente tais liquidações e prestado garantia idónea para suspender a cobrança coerciva – cf. requerimento, a fls. 22 e segs. do processo administrativo;
7. Em 22.12.2011, os serviços da Entidade Demandada elaboraram informação, na qual propõem a manutenção da proposta de indeferimento da candidatura apresentada pela Autora – cf. informação, documento n.º 1, junto com a petição inicial;
8. Por despacho de 22.12.2011, a Comissão Diretiva da Entidade Demandada decidiu manter a decisão de indeferimento da referida candidatura – cf. despacho, documento n.º 1, junto com a petição inicial;
Mais se provou que:
9. A Autora foi citada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1821201101133900, instaurada para cobrança de liquidação adicional de IVA, no montante de € 3.875.839,27 – cf. documento n.º 4, junto com a petição inicial;
10. Por requerimento de 18.07.2011, a Autora solicitou à administração tributária a fixação do montante a garantir – cf. documento n.º 5, junto com a petição inicial;
11. Por ofício de 26.07.2011, a Autora foi notificada para apresentar garantia – cf. documento n.º 6, junto com a petição inicial;
12. Em 16.08.2011, a Autora apresentou uma garantia, através de fiança prestada pela sociedade S., SA, no valor de € 4.451.094,21 – cf. documento n.º 7, junto com a petição inicial;
13. Em 31.10.2011, a Autora apresentou, junto deste Tribunal, impugnação judicial contra a liquidação adicional de IVA – cf. documento n.º 8, junto com a petição inicial;
14. A administração tributária indeferiu a garantia prestada pela Autora sob a forma de fiança;
15. Em 19.12.2011, a Autora apresentou reclamação judicial contra os atos do órgão de execução fiscal, prevista nos art.°s 276º e segs., contra a decisão de indeferimento referida no ponto anterior – cf. documento n.º 9, junto com a petição inicial;
16. Por sentença de 24.05.2012, proferida no âmbito do processo de reclamação de atos do órgão de execução fiscal n.º 487/12.9BEPRT, a reclamação dos atos do órgão de execução fiscal referida no ponto anterior foi julgada procedendo, determinando a anulação do despacho de indeferimento da garantia prestada – cf. sentença, a págs. 358 e segs. do processo no SITAF;
17. O recurso da sentença referido no ponto anterior, interposto pela Fazenda Pública, foi julgado improcedente, por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.09.2012 – cf. Acórdão, a págs. 368 e segs. do processo no SITAF;
18. Por despacho da Diretora de Finanças Adjunta do (...) de 30.04.2013, foi aceite a garantia prestada pela Autora sob a forma de fiança – cf. informação e sentença, a págs. 388 e 395 do processo no SITAF;
*
II.2 Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos, com relevância para a decisão da causa.»
*

III.B. DE DIREITO
3.2.1- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Imputa a apelante nulidade à sentença sob sindicância, por omissão de pronúncia, sustentando que nela a 1ª Instância omitiu a apreciação de relevantes questões, cuja decisão não estava prejudicada pela solução dada às demais questões suscitadas, a saber:
- se o apelado deveria ter suspendido o procedimento de candidatura da apelante, após a apresentação da garantia no processo de execução fiscal, nos termos do artigo 31.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, à semelhança do que a própria Administração Tributária fez, que veio a suspender o processo de execução fiscal, com base nos pressupostos determinados na decisão judicial;
- se pertencendo o apelado à Administração Direta do Estado, o mesmo sucedendo com a entidade que recusou a garantia prestada no processo de execução fiscal movido contra a apelante, devia ter indagado sobre a idoneidade da garantia prestada.
E tais questões, a seu ver, não foram apreciadas pelo tribunal a quo pelo que a decisão padece de nulidade por omissão de pronúncia.
Analisados os invocados fundamentos de nulidade da sentença recorrida, por alegada omissão de pronúncia, e compulsado o teor da sentença, antecipe-se, desde já, falecer qualquer razão à apelante.
Vejamos.
Conforme é pacífico, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI..
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no art.º 615º do CPC ex vi arts. 1º e 95º do CPTA e reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrente de na respetiva elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essa decisão de per se ou os limites à sombra dos quais esta é proferida.
Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado ou à decisão de mérito nela proferida, decorrentes de o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual julgada provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do realizado pelo tribunal a quo (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na aplicação do direito (error iuris).
Nos erros de julgamento assiste-se ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in iudicando, atacáveis em via de recurso Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI..
Entre as causas de nulidade da decisão judicial elencadas no art. 615º, n.º 1 do CPC, conta-se a omissão e o excesso de pronúncia (al. d)).
Trata-se de nulidade que se relaciona com o preceituado nos arts. 608º, n.º 2 do CPC e 95º, n.º 1 do CPTA, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (despacho ou acórdão – arts. 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, exceto se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com efeito, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e de todas as exceções invocadas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que este não conheceu) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143, onde pondera: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”.
Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, in base de dados da DGSI: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”..
Inversamente, o conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.
A invalidade da decisão por omissão ou excesso de pronúncia consubstancia uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que entre outras consequências, decorre que cabe ao autor instaurar a ação (art. 3º do CPC) e, através do pedido e da causa de pedir que invoque na petição inicial para ancorar a pretensão de tutela judiciária que formula (pedido), delimitar subjetiva (quanto às partes) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) a relação jurídica material controvertida submetida a julgamento e, assim, circunscrever o thema decidendum Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374. do tribunal, tema esse que é ainda delimitado objetivamente pela defesa que o réu venha a apresentar na contestação a título de exceções, com vista a extinguir, impedir ou modificar o direito que o autor pretende exercer (exceções perentórias) e das contra- exceções que o autor venha a opor a essas exceções invocadas pelo réu na contestação para extinguir, impedir ou modificar o efeito jurídico que o réu pretende extrair da exceção que opôs ao direito que o autor pretende exercer no processo, mas é, também, uma decorrência do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art.º 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de contribuírem positivamente para a decisão a ser nele proferida.
Acresce precisar que como já alertava Alberto dos Reis Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143., impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “… Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de um qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”. .
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
“Questões”, reafirma-se, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista ou para afastar o ponto de vista da parte contrária.
Dir-se-á que “questões” são os pontos de facto e/ou de direito centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia existente entre elas e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir as teses em presença Acs. STJ. 30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974, todos in base de dados da DGSI. .
Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “…assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)” Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., pág. 54. .
Neste mesmo sentido propugnam Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha Mário Aroso Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 760. que “as questões a resolver são as que constituem os fundamentos autónomos da ação e, como tal, podem conduzir à procedência do pedido ou pedidos, e as que tenham sido alegadas pela defesa como facto extintivo, impeditivo ou modificativo do direito que o autor se pretende arrogar. Entre as questões que têm de ser analisadas pelo juiz contam-se, não apenas as arguidas na petição e na contestação, mas as que resultem eventualmente de um pedido reconvencional (art. 85º-A) ou de um articulado superveniente (art. 86º), ou que tenham sido invocadas pelo Ministério Público, no exercício do poder processual que lhe confere o art. 85º. Não pode falar-se, porém, em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não tome em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido da procedência ou improcedência da ação; do mesmo modo que não se verifica um excesso de pronúncia apenas porque o juiz, ao analisar a matéria da causa, retire uma certa ilação de direito que a parte não invocou ou considera não ter pertinência ao caso”.
Acresce precisar que apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal, na decisão, silencie, total e absolutamente, qualquer pronúncia quanto à questão que lhe é colocada e não quando a aprecia de forma forma sintética e escassamente fundamentada Acs. STA. de 07/11/2012, Proc. 01109/12; STJ. de 20/06/2006, Proc. 06A1443; 13/07/2007; Proc. 07A091, in base de dados da DGSI. .
Também não existe nulidade por omissão de pronúncia quando o juiz tenha erroneamente considerado que o conhecimento de uma outra questão de que conheceu e decidiu prejudicou a apreciação daquela outra em relação à qual se acusa a falta de pronúncia.
Nesse caso, o que existe é uma situação de erro de julgamento (uma decisão que do ponto de vista jurídico está errada), atacável em via de recurso, onde esse erro, a verificar-se, terá de ser corrigido pelo tribunal ad quem Ac. STJ. de 28/10/2008, Proc. 08A3005; 21/05/2209, na mesma base de dados..
Assente nas premissas que se acabam de enunciar, importa ter presente, como bem nota o Meritíssimo juiz a quo, que estamos perante uma ação de condenação á prática de ato devido, em que o objeto do processo é constituído pela pretensão de condenação da Administração, no caso, a aprovar a candidatura apresentada pela apelante ao POPH, que fora recusada e não o eventual ato de indeferimento expresso ou tácito, com a apreciação de eventuais vícios do ato expresso – cfr. artigos 66.º, n.º2 e 71.º, n.º 1 do CPTA.
E essa questão – a da condenação ou não da Administração à pratica do ato devido- foi decidida pelo Meritíssimo Juiz a quo, embora em sentido adverso à pretensão da autora, julgando a ação improcedente.
Considerou a 1.ª Instância que sendo condição de acesso aos programas operacionais financiados pelo Fundo Social Europeu, a comprovação de que o beneficiário tem a sua situação tributária regularizada perante a administração tributária e não tendo o mesmo logrado fazer essa prova, uma vez que, competindo ao serviço de finanças da área de residência do contribuinte emitir declaração comprovativa dessa situação tributária regularizada, que não emitiu e não sendo também essa a informação retirada, à data, pela apelada do sítio da internet da administração fiscal, antes pelo contrário, ali constava que existiam dívidas pendentes em nome da apelante, concluiu que a autora não reunia aquele concreto requisito exigido para beneficiar do financiamento em causa.
Ora, como se retira do exposto, não há qualquer omissão de pronúncia uma vez que a questão que estava em julgamento foi decidida.
O facto do Tribunal a quo não ter decidido diretamente a questão de saber se impendia sobre a apelada a obrigação de suspender o procedimento de candidatura apresentado pela apelante ao POPH em virtude da apresentação da garantia no processo de execução fiscal, não traduz uma omissão de pronúncia mas quanto muito um erro de julgamento, a sindicar através de recurso jurisdicional.
Quanto à questão «que, na pendência da ação, a Administração Tributária veio suspender o processo de execução fiscal”, a mesma não só foi apreciada, como foi considerada provada (facto provado sob n.º 18 da Sentença recorrida).
Pode ler-se na decisão recorrida, a este respeito, o seguinte: « (…) já no decurso da presente ação, a mesma veio a ser julgada procedente e, em consequência, o despacho foi anulado e determinada a suspensão da execução.
Muito embora não se extraia dos autos que este era o único processo de execução fiscal instaurado pendente à data da candidatura em nome da Autora, a verdade é que a reclamação judicial contra o despacho que indefere a garantia prestada não tem a virtualidade de conferir a situação tributária regularizada à Autora naquela data».
Neste ponto, a apelante confunde o conhecimento da questão com a subsunção jurídica da mesma.

Por fim , a questão de a apelada « pertencer à Administração Direta do Estado, o mesmo sucedendo com a entidade que recusou a garantia no processo de execução fiscal movido contra a Recorrente», e porque assim é, devia ter indagado sobre a idoneidade da garantia prestada no processo de execução fiscal o Tribunal a quo deixou bem claro na sentença recorrida que considerou ser um ónus da apelante instruir o processo de candidatura ao financiamento em causa com a declaração prestada pelo serviço de finanças da área de residência do contribuinte e que «a situação tributária só está regularizada quando a garantia é aceite pela administração tributária…Só com a aceitação da garantia prestada por parte da administração tributária ou com uma decisão judicial definitiva que assim o determine se suspende o processo de execução, ficando, então, a situação tributária do contribuinte regularizada». Do assim decidido, extrai-se que o Tribunal a quo se pronunciou sobre a referida questão, pese embora, reafirma-se, a questão a decidir nos presentes autos e que releva para aferir se houve omissão de pronúncia era a de saber se ao Autor assistia ou não o direito de ver a apelada condenada na pretensão deduzida, e sobre essa questão é inequívoco que o Tribunal se pronunciou.
Em conclusão, caso fosse certa a tese da apelante, estar-se-ia perante uma situação de indiscutível error in iudicando, atacável em via de recurso e nunca suscetível de inquinar a decisão recorrida de nulidade por omissão de pronúncia. É que, nessa situação, não existe omissão de pronúncia alguma, uma vez que o tribunal pronunciou-se, decidindo, sobre a questão que tinha de julgar.
Termos em que improcede a invocada nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
*

b.3. Do erro de julgamento quanto à decisão de mérito.
A autora instaurou a presente ação, visando obter do tribunal a condenação da Entidade Demandada na prática de ato administrativo de deferimento da candidatura que apresentou ao Programa Operacional Potencial Humano, tipologia 3.2, Formação para a Inovação e Gestão que lhe fora recusada pela apelada, tendo o Tribunal a quo julgado a ação improcedente com fundamento na falta de prova em como a autora tivesse a sua situação tributária regularizada perante a Administração Fiscal no momento em apresentou a respetiva candidatura ao POPH, absolvendo a apelada do pedido de condenação deduzido contra si.
Afigura-se útil, desde já, considerar a fundamentação em que o Tribunal a quo se estribou para assim julgar e que foi a seguinte: «Para o que se discute na presente ação releva o regime jurídico de gestão, acesso e financiamento no âmbito dos programas operacionais financiados pelo Fundo Social Europeu, estabelecido no Decreto-regulamentar n.º 84-A/2007, de 12.10, no qual se prevê que é requisito geral exigível às entidades beneficiárias, desde a data da apresentação da candidatura, entre outros, “terem a situação regularizada em matéria de impostos e de contribuições para a segurança social”, de acordo com a al. e) do n.º 1 do art.º 17º.
Por outro lado, releva também o estabelecido no Decreto-lei n.º 236/95, de 13.09, que regula a situação dos contribuintes que estejam a regularizar as suas dívidas à Fazenda Nacional, nos termos do qual não podem beneficiar dos apoios de fundos comunitários e públicos os contribuintes que não tenham a sua situação tributária regularizada [cf. art.º 1º, al. e)], sendo que os contribuintes se consideram com a situação tributária regularizada quando a) não sejam devedores perante a Fazenda Nacional de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros; b) estejam a proceder ao pagamento da dívida em prestações nas condições e termos autorizados; c) tenham reclamado, recorrido ou impugnado judicialmente aquelas dívidas, salvo se, pelo facto de não ter sido prestada garantia nos termos do art.º 255º do Código de Processo Tributário, não tiver sido suspensa a respetiva execução [cf. art.º 2º], sendo certo que a declaração comprovativa da situação tributária regularizada é passada a requerimento dos interessados, em face dos elementos conhecidos, pela repartição de finanças do domicílio ou sede do contribuinte [cf. art.º 3º, n.º 1].
No que se refere à suspensão da execução fiscal, prevê o art.º 169º do CPPT, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/99, de 26.10, que revogou o referido Código de Processo Tributário (na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28.04), entre o mais, que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente (n.º 1), sendo que, a execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o ato, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda (n.º 2), requerimento este que dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução (n.º 3), determinando que considera-se que têm a situação tributária regularizada os contribuintes que obtenham a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto quanto à dispensa de garantia (n.º 11).
Resulta das citadas normas que é condição de acesso aos programas operacionais financiados pelo Fundo Social Europeu, como aquele que está em questão nos presentes autos, a situação tributária regularizada perante a administração tributária à data da candidatura, competindo, no caso, ao serviço de finanças da área de residência do contribuinte emitir declaração comprovativa dessa situação tributária regularizada. Atente-se, porém, que, entretanto, entrou em vigor o Decreto-lei n.º 114/2007, de 19.04, que instituiu a faculdade de dispensa, no relacionamento com os serviços públicos, de apresentação de certidão comprovativa de situação tributária ou contributiva regularizada, mediante consentimento expresso do contribuinte para o serviço público aceder à informação constante no sítio da internet da administração fiscal, nos termos previstos nesse diploma.
Vertendo ao caso em apreço, resulta da matéria de facto provada que a Autora instruiu o processo de candidatura ao financiamento em questão sem estar munida da exigida declaração prestada pelo serviço de finanças da área de residência em como tinha a sua situação tributária regularizada, nem, tampouco, era essa a informação retirada, à data, pela Entidade Demandada do sítio da internet da administração fiscal. Ao invés, o que aquele sítio de internet informava era da existência de dívidas pendentes em nome da Autora.
Significa, portanto, que há data da candidatura, em 10.10.2011, a Autora não possuía documento comprovativo da sua situação tributária regularizada perante a administração fiscal, exigido pelo art.º 3º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 236/95, de 13.09.
Sustenta a Autora que a pendência de reclamação contra o ato do órgão de execução fiscal que indeferiu a garantia prestada, sob a forma de fiança, no âmbito do processo n.º 1821201101133900, instaurada para cobrança de liquidação adicional de IVA, é passível de conferir a regularidade da sua situação fiscal exigida para efeitos de candidatura ao financiamento – tanto mais que, já no decurso da presente ação, a mesma veio a ser julgada procedente e, em consequência, o despacho foi anulado e determinada a suspensão da execução.
Muito embora não se extraia dos autos que este era o único processo de execução fiscal instaurado pendente à data da candidatura em nome da Autora, a verdade é que a reclamação judicial contra o despacho que indefere a garantia prestada não tem a virtualidade de conferir a situação tributária regularizada à Autora naquela data.
Se é certo que, à luz do art.º 169º do CPPT, o oferecimento de garantia, estando pendente ou sendo manifestada a intenção de impugnar as liquidações exequendas, acarreta uma suspensão provisória da execução, a verdade é que tal não cria uma situação de regularização tributária.
Ao invés, a situação tributária só está regularizada quando a garantia é aceite pela administração tributária, mormente por ser de valor que cobre o montante a garantir. Só com a aceitação da garantia prestada por parte da administração tributária ou com uma decisão judicial definitiva que assim o determine se suspende o processo de execução, ficando, então, a situação tributária do contribuinte regularizada.
Se assim não fosse, estaria comprometido o objetivo pelo qual se considera que, apesar de devedores, os contribuintes têm a situação tributária regularizada nas situações em que a legalidade da liquidação ou da dívida está a ser apreciada. Ao executado bastaria apresentar um requerimento a oferecer uma qualquer garantia, ainda que inidónea, ou de um valor inferior ao devido, desde logo, obter documento comprovativo de que tem a situação tributária regularizada, usando-o nas relações com terceiros, apesar de pouco tempo depois o mesmo ser indeferido e a execução continuar com a penhora dos seus bens. O interesse desses terceiros, que confiaram na situação de regularidade tributária do executado, e o interesse público subjacente à emissão da declaração comprovativa da situação tributária regularizada, sairiam defraudados se tivessem contratado ou apoiado alguém cujos bens acabaram por ser penhorados antes da decisão final da impugnação judicial.
Assim, só com a decisão final que for proferida sobre a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal intentada contra o despacho de indeferimento da garantia prestada é que se pode considerar que a execução se encontra suspensa até à decisão da impugnação judicial das liquidações, encontrando-se o contribuinte com a situação tributária regularizada.
No mesmo sentido ao aqui exposto, o vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.09.2012, processo n.º 0885/12, no qual estava em causa a reclamação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.
Volvendo à situação em apreço, constata-se que a decisão definitiva sobre a garantia oferecida pela Autora foi proferida em 12.09.2012 – em data posterior à da candidatura ao financiamento em questão – pelo que, só a partir de então a Autora se encontrou numa situação regularizada em matéria fiscal.
Sendo exigível ao candidato ao financiamento que a sua situação tributária regularizada se verifique à data da candidatura, é mister concluir que a Autora não reúne este concreto requisito exigido para beneficiar do financiamento em causa e, em consequência, pela improcedência da presente ação.»
Decorre da sentença recorrida que o Tribunal a quo deu como provado, além do mais, que a apelante se candidatou ao POPH numa altura em que tinha dívidas fiscais, pendendo contra si processo de execução fiscal no qual não fora aceite a prestação de garantia oferecida em ordem a ver suspensa a referida execução, razões pelas quais a apelada indeferiu a candidatura apresentada pela apelante ao referido programa, ou seja, com fundamento em o contribuinte não ter a sua situação tributária regularizada perante a Administração Fiscal. E com base nessa factualidade essencial, considerando quer o regime jurídico de gestão, acesso e financiamento no âmbito dos programas operacionais financiados pelo Fundo Social Europeu, constante do D. Regulamentar n.º 84-A/2007, de 12.10 em cujo artigo 17.º, n.º1, se prevê como requisito geral exigível às entidades beneficiárias, desde a data da apresentação da candidatura, entre outros, que tenham “ a situação regularizada em matéria de impostos”, quer o regime do D.L. 236/95, de 13.09, que regula a situação dos contribuintes que estejam a regularizar as suas dívidas à Fazenda Nacional, em cujo art.º 1.º, al. e) se prevê que não podem beneficiar dos apoios de fundos comunitários os contribuintes que não tenham a sua situação tributária regularizada, o Meritíssimo Juiz a quo julgou a ação improcedente considerando que a apelante não reunia os requisitos para beneficiar do financiamento a que se candidatou.
E bem, desde já se antecipando que a decisão sob critica não merece censura.
Vejamos.
A apelante assevera que tinha o direito a ver reconhecida a regularidade da sua situação tributária perante a Administração Fiscal à data em que apresentou a sua candidatura ao POPH por ter prestado garantia idónea junto da Administração Fiscal, destinada a suspender o processo de execução fiscal que contra si pendia, pelo que, não tendo o Tribunal a quo perfilhado a sua tese, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento na subsunção jurídica realizada.
Alega em prol da comprovação da sua tese, a circunstância de ainda na pendência da presente ação se ter vindo a confirmar que, desde 16.08.2011 (momento em que prestou a garantia para suspender a execução fiscal), tinha o direito a ver reconhecida a regularidade da sua situação tributária, por ter sido judicialmente julgada procedente a reclamação que apresentou contra o ato do órgão de execução fiscal que indeferiu a garantia prestada.
Refere que, se é certo que os requisitos da idoneidade da garantia devem ser observados e aferidos no momento em que a garantia é prestada, afigura-se evidente que a regularidade da situação tributária tem por referência, igualmente, o momento em que a garantia é prestada, pelo que, tendo sido anulado o ato pressuposto, o ato consequente é automaticamente nulo.
Mas sem razão.
Conforme se deu como provado, em 10.10.2011, a apelante candidatou-se ao Programa Operacional Potencial Humano, tipologia 9.3.2, Formação para a Inovação e Gestão, solicitando um subsídio no valor de € 114.960,40- cfr. ponto 1 dos factos assentes na sentença.
A concessão dos apoios financeiros do FSE está sujeita ao cumprimento de um conjunto de regras que constam do D. Regulamentar n.º 84-A/2007, aplicável a todos os programas operacionais financiados pelo FSE e que prevalece sobre as disposições constantes dos regulamentos específicos, conforme se extrai do disposto no art.º 5.º, n.º1 do antedito DR.
Nos termos do art.º 17.º do referido diploma, sob a epígrafe “ Requisitos das entidades beneficiárias”, «as entidades beneficiárias devem reunir, desde a data da apresentação da candidatura, os seguintes requisitos:
a) Encontrarem-se regularmente constituídas e devidamente registadas,
b) Disporem de contabilidade organizada segundo o plano oficial de contabilidade (POC) aplicável;
c) Terem a situação regularizada em matéria de impostos e de contribuições para a segurança social;
d) Terem a situação regularizada em matéria de restituições no âmbito dos financiamentos do FSE;
e) Encontrarem-se certificadas nos domínios para os quais solicitam o apoio financeiro ou recorrerem a entidades formadoras certificadas, nos termos da legislação nacional relativa á certificação de entidades formadoras quando tal seja exigível, de acordo com o previsto no presente decreto regulamentar».
Aquando da análise técnica da candidatura apresentada pela apelante, os competentes serviços do POPH solicitaram à Autora o envio de certidões válidas ou a autorização para consulta on-line relativas à sua situação tributária– cfr. ponto 2 dos factos assentes na sentença.
Após a Autora conceder a necessária autorização, em consulta on-line no Portal das Finanças, os serviços da apelada verificaram que a apelante possuía dívidas – cfr. ponto 3 dos factos assentes na sentença.
Como vimos, de acordo com o disposto na al.) c) do n.º 1 do art.º 17.º do D.R. n.º 84-A/2007, de 12.10, exige-se das entidades beneficiárias, desde a data da apresentação da candidatura, “a situação regularizada em matéria de impostos”.
No mesmo sentido, estabelece-se no art.º 1.º, al. e) do Decreto-lei 236/95, de 13.09 que não podem beneficiar dos apoios de fundos comunitários e públicos os contribuintes que não tenham a sua situação tributária regularizada.
Por conseguinte, é pacífico que a regularidade da situação tributária da apelante constituía condição prévia da admissibilidade da candidatura que apresentou ao POPH.
Porém, considera a apelante que por se ter confirmado posteriormente que a garantia que prestou para suspender a execução fiscal devia ter sido admitida, não oferece dúvida que tinha o direito a ver reconhecida a regularidade da sua situação tributária quando se candidatou ao POPH.
Sucede que, é incontornável que quando a apelante apresentou a sua candidatura a um subsídio do POPH, a garantia prestada no processo de execução por dívidas fiscais, não tinha sido aceite pela Fazenda Pública. Nos termos dos artigos 1.º a 3.º do D.L 236/95, de 13.09 considera-se que têm a sua situação tributária regularizada, os contribuintes que não sejam devedores perante a Fazenda Nacional de quaisquer impostos ou prestações tributárias e respetivos juros, ou caso sejam devedores, estejam a proceder ao pagamento da dívida em prestações nas condições e termos autorizados.
Nos casos em que os contribuintes tenham dívidas à Fazenda Nacional em processo de cobrança, como era o caso da apelante, só se consideram com a situação tributária regularizada aqueles que, cumulativamente (i) tenham reclamado, recorrido ou impugnado judicialmente as dívidas em cobrança, (ii)tenham prestado garantia e (iii) a execução tenha sido suspensa em resultado da aceitação da garantia prestada nos termos do art.º 255.º do Código de Processo tributário.
Logo, uma garantia prestada num processo de execução fiscal não aceite pela Administração Fiscal, não suspende o processo de execução.
Do mesmo modo, um processo de execução fiscal não fica suspenso com a reclamação judicial de um ato da Administração Fiscal de não aceitação da garantia prestada pelo contribuinte.
Dito isto, de acordo com a factualidade assente na sentença, pese embora a apelante tivesse impugnado judicialmente a execução fiscal que tinha pendente contra si ( cfr. pontos 9 e 13 dos factos provados), a verdade é que a mesma não se encontrava suspensa em virtude da garantia prestada com esse intento, ter sido indeferida ( cfr. pontos 12 e 14 dos factos provados).
Aliás, só depois da apelada ter indeferido a candidatura apresentada ao POPH pela apelante, é que a garantia prestada pela apelante para suspender o processo de execução fiscal veio a ser admitida ( cfr. pontos 17 e 18 dos factos provados).
E sendo assim, dúvidas não se colocam quanto à conclusão a extrair sobre a situação tributária da apelante à data em que apresentou a sua candidatura a um subsídio no âmbito do POPH, qual seja, a de que não tinha efetivamente a sua situação tributária regularizada.
Como bem nota o Meritíssimo juiz a quo na sentença sob sindicância « Se assim não fosse, estaria comprometido o objetivo pelo qual se considera que, apesar de devedores, os contribuintes têm a situação tributária regularizada nas situações em que a legalidade da liquidação ou da dívida está a ser apreciada. Ao executado bastaria apresentar um requerimento a oferecer uma qualquer garantia, ainda que inidónea, ou de um valor inferior ao devido, desde logo, obter documento comprovativo de que tem a situação tributária regularizada, usando-o nas relações com terceiros, apesar de pouco tempo depois o mesmo ser indeferido e a execução continuar com a penhora dos seus bens. O interesse desses terceiros, que confiaram na situação de regularidade tributária do executado, e o interesse público subjacente à emissão da declaração comprovativa da situação tributária regularizada, sairiam defraudados se tivessem contratado ou apoiado alguém cujos bens acabaram por ser penhorados antes da decisão final da impugnação judicial.»

A sentença recorrida, cuja fundamentação, reafirma-se, subscrevemos sem reservas, tem respaldo na jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.09.2012, processo n.º 0885/12, de que foi Relator o senhor Conselheiro LINO RIBEIRO, no qual se sumariou a seguinte jurisprudência: «(…) III - Não tem a situação tributária regularizada o executado a quem foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, apesar da execução se encontrar suspensa por efeito da reclamação judicial que foi interposta do despacho de indeferimento
E na fundamentação desse aresto do STA, pode ler-se, com utilidade para a economia dos presentes autos, o seguinte: « (…) Mas pode considerar-se que a situação tributária do executado está regularizada entre a data em que foi requerida a isenção da prestação da garantia e a data em que transita em julgado o despacho que decide tal pedido?
(…)
A resposta àquela pergunta é, porém, negativa.
Apenas o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia tem os mesmos efeitos que teria a sua prestação relativamente à suspensão da execução. A suspensão provisória da execução, seja pela mera apresentação do meio de reação, seja pelo oferecimento da garantia ou pela formulação do pedido de isenção, não cria uma situação de regularização tributária. Até que se esgote o prazo de 15 dias que a lei prevê para a prestação de garantia, a execução fiscal esta provisoriamente suspensa e apesar disso não se pode considerar que a situação tributária está regularizada. De igual modo, não é com o pedido de dispensa de prestação de garantia que a situação fica regularizada, mas apenas com a decisão que definitivamente for tomada sobre ele.
(…)
Portanto, o efeito suspensivo atribuído à reclamação do acto que indefere o pedido de dispensa de prestação de garantia apenas releva para efeitos de impossibilitar o órgão de execução fiscal a prosseguir com a cobrança da dívida, mas não constitui o executado numa situação de regularização tributária, porque ainda não há qualquer decisão definitiva sobre a procedência do seu pedido. Só com a decisão que for tomada sobre a reclamação, caso obtenha procedência, é que se pode considerar que a execução fiscal fica suspensa até à decisão da impugnação. Até aí, está suspensa não com o limite temporal da decisão da impugnação, mas apenas até à decisão da reclamação do acto que indeferiu o pedido de isenção da prestação de garantia.»
(negritos nossos).

Ademais, é apodítico que a verificação do cumprimento das obrigações fiscais junto da Fazenda Pública cabe à Autoridade Tributária, sendo a esta que compete atestar qual a situação tributária do contribuinte, máxime, que o mesmo tem a sua situação tributária regularizada para poder beneficiar dos apoios de fundos comunitários e públicos, conforme decorre do disposto na al. e), n.º1 do art.º 1.º do D.L. 236/95, de 13.09, pelo que na falta dessa certificação por quem tem competência, restava à apelada dar tal requisito como não verificado e extrair, como extraiu, as inerentes consequências da sua inobservância na sorte da candidatura apresentada pela apelante.
E não caberia á apelada, quando confrontada com uma decisão da Fazenda Pública de não aceitação da garantia prestada pela apelante, fazer um juízo sobre a eventual invalidade de tal decisão, exercício que á da competência dos Tribunais, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.

Em suma, dúvidas não subsistem em como á data em que a apelante apresentou a sua candidatura ao POPH a mesma não tinha a sua situação tributária regularizada perante a Fazenda nacional e sendo assim, bem andou o Tribunal a quo ao julgar a ação improcedente.

Termos em que se impõe julgar improcedentes os invocados fundamentos de recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
**

IV-DECISÃO

Nesta conformidade, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte, decidem negar provimento ao presente recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
*
Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi art. 1º do CPTA).
*
Notifique.
*
Porto, 15 de julho de 2020

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro