Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03413/19.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/04/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:SINDICATO INDEPENDENTE DE PROFESSORES E EDUCADORES; PORTARIA N.º 119/2018, DE 4 DE MAIO;
ABSOLVIÇÃO DO RÉU ESTADO PORTUGUÊS DA INSTÂNCIA POR ILEGITIMIDADE PASSIVA;
ABSOLVIÇÃO DO RÉU MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO; ACERTO DA SENTENÇA; NÃO PROVIMENTO DO RECURSO;
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
Sindicato Independente de Professores e Educadores, com sede na Rua ..., no ..., em representação dos direitos e interesses legalmente protegidos dos seguintes dos seus associados:
l. «AA», residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., com o n.º de sócio ...932;
2. «BB», residente na Rua ..., ... ..., ..., com o n.º de sócio ...933;
3. «CC», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...170;
4. «DD», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...784;
5. «EE», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...029;
6. «FF», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n º de sócio ...67;
7. «GG», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...16;
8. «HH», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...183;
9. «II», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...86;
10. «JJ», residente na Praceta ..., ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...188;
11. «KK», residente na Rua ..., ... ..., ..., com o n.º de sócio ...54;
12. «LL», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...64;
13. «MM», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...33;
14. «NN», residente no Caminho ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...145;
15. «OO», residente na Rua ..., ..., ..., com o n.º de sócio ...593;
16. ..., residente na Av. ..., ..., com o n.º de sócio ...09;
17. «PP», residente na Rua ...., ... ..., com o n.º de sócio ...995;
18. «QQ», residente na Avenida ..., ... ..., com o n.º de sócio ...19;
19. «RR», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...996;
20. «SS», residente na estrada ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio
21. «TT», residente na Rua ..., ... de ..., ... ..., com o n.º de sócio ...36;
22. «UU», residente na Rua ...., com o n.º de sócio ...145;
23. «VV», residente na Rua ... ... ..., com o n.º de sócio ...69;
24. «WW», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...56;
25. «XX», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...05;
26. «YY», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...138;
27. «ZZ», residente na Rua ... ..., ..., com o n.º de sócio ...161;
28. «AAA», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...04;
29. «BBB», residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...15;
30. «CCC», residente na Praceta ..., ..., .... ... ..., com o n.º de sócio ...531;
31. «DDD», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...12;
32. «EEE», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...76;
33. «FFF», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...206;
34. «GGG», residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., com o n.º de sócio ...31;
35. «HHH», residente na Rua ..., lugar..., ... ..., com o n.º de sócio ...63;
36. «III», residente na Rua ..., ..., ..., ..., com o n.º de sócio ...03;
37. «JJJ», residente na Rua ..., ... - ..., ... ..., com o n.º de sócio ...95;
38. «KKK», residente em Estrada ..., ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...412;
39. «LLL», residente na Rua ..., ... ..., ..., com o n.º de sócio ...553;
40. «MMM», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...29;
41. «NNN», residente na Rua ..., ... Feitos, ..., com o n.º de sócio ...71;
42. «OOO», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...37;
43. «PPP», residente na Rua ... traseiras, ..., ..., com o n.º de sócio ...38;
44. «QQQ», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...75;
45. «RRR», residente na Rua ..., ..., ..., com o n.º de sócio ...114;
46. «SSS», residente na Rua ...., ... ..., com o n.º de sócio ...99;
47. «TTT», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...32;
48. «UUU», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...01;
49. «VVV», residente na Avenida ..., Apartamento ..., ... ..., com o n.º de sócio ...96;
50. «WWW», residente na Rua ... ..., ... ..., com o n.º de sócio ...311;
51. «XXX», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...84;
52. «YYY», residente na Rua ...., ... ..., com o n.º de sócio ...02;
53. «ZZZ», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...130;
54. «AAAA», residente na Rua ... ..., ..., com o n.º de sócio ...30;
55. «BBBB», residente na Avenida ..., ..., ... ..., ..., com o n.º de sócio ...01;
56. «CCCC», residente na Travessa ..., ... ..., ..., com o n.º de sócio ...78;
57. «DDDD», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...83;
58. «EEEE», residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...88;
59. «FFFF», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...52;
60. «GGGG», residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...08;
61. «HHHH», residente na Rua ..., ... Seixas, ... ..., com o n.º de sócio ...45;
62. «IIII», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...47;
63. «JJJJ», residente na Rua ... ..., ... ..., com o n.º de sócio ...97;
64. «KKKK», residente na Avenida ..., ... ... de ..., com o n.º de sócio ...22;
65. «LLLL», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...93;
66. «MMMM», residente na Travessa ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...77;
67. «NNNN», residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., com o n.º de sócio ...70;
68. «OOOO», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...749;
69. «PPPP», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...542;
70. «QQQQ», residente Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...65;
71. «RRRR», residente na Avenida ... cave, ... ..., com o n.º de sócio ...49;
72. «SSSS», residente na Travessa ... Meadela, ... ..., com o n.º de sócio ...14;
73. «TTTT», residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...59;
74. «UUUU», residente na Praceta ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...11;
75. «VVVV», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...409;
76. «WWWW», residente na Rua ..., ... ..., com o n.º de sócio ...133;
77. «XXXX», residente na Rua ..., com o n.º de sócio ...42;
78. «YYYY», residente na Rua ..., ..., ... ..., com o n.º de sócio ...06;
79. «ZZZZ», residente na Avenida ..., ... ..., com o n.º de sócio ...61;
80. «AAAAA», residente na Avenida ..., ... ..., ... ..., com o n.º de sócio ...25;
81. «BBBBB», residente na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., ..., com o n.º de sócio ...182;
82. «CCCCC», residente na Avenida ..., ... ..., com o n.º de sócio ...53;
83. «DDDDD», residente na Rua ..., ... Sul/..., ..., com o n.º de sócio ...82;
84. «EEEEE», residente Travessa ..., ... ..., com o n.º de sócio ...82;
veio, ao abrigo do previsto nos artigos 37º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos instaurar acção administrativa contra o Ministério da Educação, com sede na Avenida ..., em Lisboa, e contra o Estado Português, aqui representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, através da qual veio peticionar o reconhecimento de que a Portaria nº 119/2018, de 4 de Maio, na aplicação defendida por aquele ministério, conduz à violação do princípio da igualdade relativamente a todos os docentes que tenham ingressado nos quadros do Ministério da Educação antes de 2011.
Pugnou, a final, pela condenação dos Réus a:
a) Reconhecer que a aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 4 de Maio, nos moldes efectuados pelo Réu Ministério da Educação, conduz à violação, grave, do princípio da igualdade (por ultrapassagens ilegais, sem qualquer justificação ou fundamentação legalmente válida), relativamente a todos os docentes que tenham ingressado nos quadros do Ministério da Educação antes de 2011;
b) Ser o Réu ME condenado a repor a legalidade, posicionando os aqui docentes representados pelo Autor no escalão devido e correspondente índice remuneratório, desde 01/01/2018, atendendo aos anos de serviço que dispõe, com todas as devidas e legais consequências que daí advêm;
c) Ser o Réu ME condenado a repor a legalidade, efectuando o pagamento aos docentes aqui representados pelo Autor da totalidade do vencimento legalmente previsto para cada índice remuneratório, sem qualquer corte salarial; e
d) Subsidiariamente, ser o Réu Estado condenado a indemnizar pelos danos causados aos aqui associados do Autor com tal violação.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada a acção improcedente e, consequentemente:
a) Absolvido o Réu Estado Português da instância, por ilegitimidade passiva;
b) Absolvido o Réu ME do pedido, por impossibilidade jurídica do pedido.

Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:

1. O presente Recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nos autos aqui identificados, que declarou a total improcedência do peticionado (identificado na presente peça).
2. O Recorrente entende, e procura aqui demonstrá-lo, que a Sentença recorrida, mal andou ao improceder totalmente a ação.

Vejamos então:
3. A Constituição da República Portuguesa alberga preceitos elementares cujo respeito terá de ser transversalmente respeitado por qualquer entidade (seja ela singular, coletiva, particular ou pública).
4. Numa relação de supra e infraordenação de normas, é indubitável qual o tipo de normativos que deverá prevalecer.
5. Este é um dos desígnios que o Autor da presente ação vem defender.
6. Não é desconhecido da doutrina portuguesa que os normativos constitucionais deverão sobrepor-se a normativos infraconstitucionais.
7. Vem o Autor defender na sua pretensão que o Réu Ministério da Educação primou pelo desrespeito abrupto de princípios constitucionais, a saber: princípio da igualdade, princípio da igualdade de acesso ao emprego e princípio da igualdade no exercício do direito à progressão.
8. Tais princípios extraem-se expressamente do documento constitucional, e vem atribuir uma força e relevância superior às restantes normas.
9. Se no plano constitucional tais princípios poderão sobrepor-se a outros no mesmo plano, o que seria conceber-se normativos legais inferiores que viriam a elevar-se perante tal fundamentalidade.
10. Todavia, o Réu Ministério da Educação vem efetivamente pôr em prática tal vilipêndio.
11. Os princípios (constitucionais) da igualdade dos cidadãos perante a lei e no domínio das relações laborais proíbe que trabalhadores sejam ultrapassados por outros com menor antiguidade.
12. Mas tal não impediu que o Réu Ministério da Educação fizesse o oposto a essa proibição.
13. A ultima ratio que a atuação administrativa/pública possa atingir, não poderá acontecer ao arrepio de normativos constitucionais.
14. “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” - artigo 47.°, n.° 2 da CRP.
15. Mas todos os cidadãos têm também direito a um tratamento paritário quando enquadrados no mesmo plano substancial.
16. Os Associados do Autor não o tiveram!
17. O funcionário da Administração Pública tem o direito de progredir na carreira de acordo com as regras estabelecidas pelo legislador ordinário, bastando àquela Administração tão-somente executar e aplicar administrativamente esses comandos.
18. Os Associados do Autor pertencem à categoria de Docentes.
19. Docentes esses que viram ser publicado o seu estatuto a 28 de abril de 1990, com a aprovação do DL n.° 139-A/90, de 28 de abril.
20. Nele ficou regulamentada a relação laboral dos profissionais da área do ensino com o Estado, garantindo que a mesma fosse executada de acordo com regras claras e objetivas, defendendo os direitos dos profissionais, mas também garantindo a qualidade e rigor no serviço prestado a toda a população.
21. Por DL n.° 75/2010, de 23 de junho, foi introduzida uma alteração legislativa que veio redefinir algumas situações jurídicas, sendo a que releva para os autos a do artigo 36.° (conforme já se descreveu e para o qual se remete por questões de celeridade).
22. Entre 1 janeiro de 2011 e 31 dezembro de 2017, verificou-se o congelamento das progressões na carreira, em virtude das Leis do Orçamento de Estado, correspondentes a esses mesmos anos.
23. Sucede que, aquando o descongelamento, e conforme previa o artigo 36.°, n.° 3 e 133.° do Estatuto da Carreira Docente, o Governo fez publicar a Portaria n.° 119/2018 de 4 de maio.
24. Com efeito, e ao abrigo do supracitado diploma, os docentes que haviam integrado os quadros do Ministério da Educação entre 2011 e 2017 (anos dos congelamentos) foram reposicionados, tendo em conta todo seu tempo de serviço.
25. O mesmo não acontecendo com os restantes docentes, igualmente trabalhadores do Réu, inseridos na mesma carreira docente.
26. Incumprindo grosseiramente o princípio da igualdade de tratamento.
27. Mesmo quando o próprio DL n.° 75/2010, de 23 de junho, adotou uma norma de transição no seu artigo 10.° que previa “1 - Da transição entre a estrutura da carreira regulada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 270/2009, de 30 de Setembro, e a estrutura da carreira definida no presente decreto-lei não podem ocorrer ultrapassagens de posicionamento nos escalões da carreira por docentes que, no momento da entrada em vigor do presente decreto-lei, tivessem menos tempo de serviço nos escalões.”
28. Em virtude da entrada de uma lei não poderá ocorrer que docentes mais antigos na carreira sejam reposicionados num escalão inferior a outros com menor antiguidade.
29. Tal seria em si mesmo proibitivo mesmo que não houvesse uma proibição legal como a prescrita na norma transitória sobredita, por respeito ao princípio da igualdade.
30. No entanto, não nos enganemos ao pensar que este é o único princípio violado.
31. Também princípios como o da coerência, equidade e da confiança ficam subvertidos.
32. A circunstância do sistema retributivo aplicável possibilitar que a determinados escalões, correspondam índices remuneratórios superiores aos dos escalões imediatamente inferiores, decorre do critério da antiguidade na carreira e do critério do mérito, que não ferem a equidade interna do sistema.
33. O que se exige é que não existam discriminações arbitrárias e irrazoáveis, carecidas de fundamento material bastante.
34. As normas da Portaria n.º 119/2018, de 4 de maio, designadamente quanto ao âmbito subjectivo de aplicação, devem ser interpretadas, sempre que necessário, extensivamente, no pleno respeito pelos princípios gerais de coerência e equidade que presidem ao sistema das carreiras em função publica, prevenindo que um docente pudesse ser ultrapassado por outro docente da mesma categoria com igual ou até menos tempo de serviço, em termos de escala indiciária.
35. Esta é a única interpretação compatível com a Constituição, concretamente, com o princípio “salário igual para trabalho igual”, decorrente do artigo 59.º/1-a) da Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º.
36. O contido no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição, impõe o respeito, no actuar da Administração, dos princípios de justiça, proporcionalidade e de igualdade, que assim constituem um limite material interno da actividade administrativa.
37. Na aplicação da lei – na execução dos comandos normativos – também o próprio CPA vincula a administração ao princípio da igualdade de tratamento, nos termos do seu artigo 6.º
38. Além do que, na Declaração de Compromisso, assinada pelo Réu Ministério da Educação e todos os Sindicatos, ficou a constar, no ponto 5 al. c) da mesma que, no âmbito da ponderação da especificidade da carreira docente, se iria: “garantir que desse processo não resultam ultrapassagens;”
39. O posicionamento dos Associados do Autor traduz uma clara violação do princípio da igualdade, com consagração constitucional, desvirtuando, igualmente, a lógica de que numa escala indiciária se premeia a antiguidade na categoria, através da atribuição de escalões.
40. Porque a criação de direito igual deve obedecer à previsão das mesmas situações, presentear todos os trabalhadores com as mesmas características e a todos conferir os mesmos resultados jurídicos, o ato que operou as ultrapassagens nos termos considerados postergou o princípio da igualdade.
41. Sem motivo justificativo bastante para o afastar.
42. Com efeito, o único elemento que separa os docentes é apenas a data de ingresso na carreira.
43. Tendo em conta o critério utilizado (ano de ingresso na carreira) e a forma como está a ser aplicado, não mostra o atual regime qualquer respeito pelos princípios constitucionais invocados, máxime o artigo 59.º, n.º 1, al. a) da CRP. No exercício da aplicação da lei o Réu perpetuou aquela violação normativa, pelo que, só se pode concluir pela existência de dolo ou mera culpa pela sua actuação discriminatória.
44. Pelo que, não poderá proceder a alegada excepção de impossibilidade jurídica do pedido.
45. Além disso, os danos associados do Autor, aqui representados, consistem nas diferenças salariais decorrentes da falta do seu reposicionamento.
46. Sendo certo que, se o reposicionamento se tivesse verificado aqueles danos não se teriam produzido, devendo-se assim exclusivamente à conduta do Réu, Estado Português ao permitir e perpetuar as desigualdades entre funcionários com o mesmo tempo de serviço.
47. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
48. Assim, o Réu Estado Português é responsável civil e extracontratualmente pelo exercício da sua função administrativa nos danos que cause aos particulares, nomeadamente aos associados do Autor.
49. Acresce que, na presente ação, o que o A. peticiona são várias providencias mas de forma disjuntiva, isto é, a realização das três primeiras (constantes das al. a), b) e c)) implica a não realização da ultima (al. d)), o que humildemente se julga ser possível depreender do próprio teor da petição inicial, nomeadamente dos art.°s 1093° e 1102°.
50. Tanto assim é que, ao colocar uma divisão no texto da p.i, denominada por ponto “B) SUBSIDIARIAMENTE: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO”, o A. mais uma vez deixa bem claro que, pretende que o pedido subsidiário, constante na al. d) do pedido, só seja tomado em consideração se não procederem os restantes pedidos principais (al. a), b) e c) do pedido da p.i.)
51. No entanto, e ainda que assim não se entendesse, sempre se poderia dizer que, a personalidade e a capacidade judiciárias, são “qualidades pessoais das partes”, ao passo que a legitimidade tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo autor na petição inicial.
52. O art.° 10.°, n.°2 do CPTA atribui personalidade judiciária às pessoas colectivas de direito público, estabelecendo, porém, no que à pessoa colectiva Estado respeita, uma importante restrição ao princípio da coincidência, atribuindo personalidade judiciária aos ministérios a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
53. O que também está em causa no caso em apreço.
54. Contudo, quando resulte a responsabilidade civil da relação contratual ou extracontratual, o Estado detém personalidade judiciária para ser demandado como Réu, atento o disposto no art.° 11.°, n.° 2 do CPTA.
55. Inexiste qualquer razão de justiça, ou de direito material, ou doutrinal, ou dogmática, que imponha que, de forma híbrida, um Ministério ou os órgãos sobre os quais recaia o dever de praticar actos jurídicos ou observar comportamentos pretendidos, possam ser titulares de personalidade judiciária em função de os seus actos serem causa de responsabilidade civil. (neste sentido, o citado Acórdão).
56. Assim, só se pode concluir que a acção de responsabilidade civil é sempre proposta contra o Réu Estado Português, independentemente da condenação do Réu Ministério da Educação, in casu, pela omissão de praticar o acto de reposicionamento legalmente devido.
57. Pelo exposto, não poderá proceder a alegada excepção de ilegitimidade passiva do Réu Estado Português,
58. Acresce que, o Réu Ministério da Educação ao aplicar a Portaria n.° 119/2019 de 4 de maio, está a desrespeitar um dos princípios basilares da Constituição.
59. Desde a entrada em vigor do referido diploma, a Entidade Demandada causa os mais variados danos aos associados do A., danos esses com origem violação do princípio da igualdade.
60. Nomeadamente, o dano patrimonial, equivalente às diferenças salariais mensais desde 01/01/2018 existentes entre os associados do A. que ingressaram nos quadros da Entidade Demandada antes de 2011, e os restantes docentes que ingressaram posteriormente, prejuízos esses, claramente demonstradas ao longo da petição inicial.
61. Tal decorre dos factos alegados pelo aqui Autor na petição inicial, dos respectivos recibos de vencimento e registos biográficos que comprovam as diferenças salariais supramencionadas.
62. Além disso, é unanime na jurisprudência, em matéria de prova que: “(...) Os danos não patrimoniais, mesmo que não provados em audiência, devem ser tomados em conta se forem considerados factos notórios” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-06-2010); “(...) Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado”, adianta aquele Acórdão citado no ponto anterior.
63. Pelo que, deve ser considerado um facto notório os danos ocorridos no caso em apreço.
64. Ainda que assim não se considere devemos ter em conta a teoria de diferença tal qual plasmada no artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil, levando a que o objecto da ação possa permanecer ilíquido até ao encerramento da sentença, na medida em que o juízo comparativo a que aquela teoria exige, deverá ser feito entre a situação patrimonial do lesado nessa altura e que a ele teria, também nessa mesma altura, se não tivessem ocorrido os danos.

65. Pelo que, nada obsta, e a lei até tutela, o facto de o objecto da acção, nestes casos, permanecer ilíquido até ao encerramento do julgamento.
66. Por razões de justiça e de equidade se deverá impedir a absolvição dos Réus de cumprirem a sua obrigação por apenas ter ficado indemonstrado o valor de tal dever de indemnizar.
67. Considerar-se que o pedido formulado pelo Autor caracteriza-se por ser um pedido genérico, a fixação do montante indemnizatório apenas se adia para um momento posterior de liquidação em execução de sentença.

Normas violadas: as citadas no presente recurso, nomeadamente, o artigo 36.°, n.° 3 do ECD, e Portaria n.° 119/2018, de 4 de maio.

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua total procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que condene os Réus nos termos do peticionado na acção.
Assim se fazendo neste Tribunal a tão acostumada Justiça!

O Ministério Público, em representação do Réu Estado Português, apresentou contra-alegações, concluindo:
1 – O recurso vem interposto do douto despacho saneador sentença proferido na Ação em apreço em 26/04/2023 que absolveu o Estado Português da instância por ilegitimidade passiva;

2 – Porém, com o devido respeito por opinião contrária, sempre diremos que discordamos da posição do recorrente e entendemos que nenhuma censura merece à decisão agora em crise, devendo manter-se a mesma nos seus precisos termos;

3 – Conforme resulta da Petição Inicial, o Autor deduz três pedidos condenatórios contra o Ministério da Educação e um pedido subsidiário, de cariz indemnizatório, contra o Estado Português (cfr. alínea D do petitório final);

4 - No que se refere ao pedido indemnizatório, o Estado Português – por si mesmo, – não deveria ter sido autonomamente demandado, precisamente porque se trata de um pedido que, apesar de deter natureza indemnizatória, evidencia uma relação intrínseca com uma atuação administrativa de um órgão do Ministério da Educação – atuação que releva para os demais pedidos deduzidos nos autos, pelo Autor;

5 - Se, no contexto do caso em apreço, o Autor pretendia deduzir um pedido indemnizatório, processualmente, deveria fazê-lo, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 2, segunda parte, do CPTA, ou seja, tal pedido deveria ter sido deduzido contra o Ministério da Educação e não contra o próprio Estado Português (autonomamente considerado);

6 - É que, precisamente como se prevê no artigo 10.º, n.º 2, segunda parte, do CPTA, está em causa uma atuação de um órgão integrado num Ministério, a saber, o Ministério da Educação;

7 - Deparamo-nos com um processo que, relativamente a todos os pedidos formulados pelo Autor, se reporta a uma ação do Ministério da Educação: simplesmente, por via do pedido indemnizatório, pretende-se uma tutela subsidiária e de segundo grau;

8 - Aliás, o artigo 10.º, n.º 7 do CPTA corrobora inteiramente o acolhimento de uma solução de concentração, em matéria de legitimidade processual passiva, circunstância que merece ser salientada (“Quando o pedido principal deva ser deduzido contra um Ministério este também tem legitimidade passiva em relação aos pedidos que com aquele sejam cumulados”);

9 – Aliás, tal como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA que «O que o n.º 7 estabelece é, portanto, que, quando o pedido principal deva ser deduzido contra um ministério, por efeito da exceção consagrada na segunda parte do n.º 2, os pedidos cumulados relacionados com esse, que se enquadrem ainda no âmbito da atividade do Estado, deverão ser deduzidos também contra o mesmo ministério. O n.º 7 alarga, portanto, a legitimidade passiva do ministério (sendo esta determinada pelo objeto do pedido principal) aos pedidos cumulados.
(...)
O sentido útil do preceituado no n.º 7 é, pois, o de estender a legitimidade passiva do ministério a quaisquer outros pedidos deduzidos cumulativamente que respeitem uma qualquer atividade que seja ainda imputável ao Estado enquanto pessoa coletiva pública. O exemplo paradigmático é a cumulação da impugnação de ato administrativo praticado por um órgão de um ministério com um pedido de responsabilidade civil por danos decorrentes da prática do ato ilegal.» Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra: Almedina, 4.º edição, p.115 e 116;

10 - A propósito da extensão da legitimidade do Ministério referiu o acórdão do TACS de 18-06-2020, proc. n.º 193/16.5BELSB-S1, que «Sendo pedidos principais os atinentes ao reconhecimento do exercício de funções pelo Autor e ao seu enquadramento no conteúdo funcional da categoria de Subintendente, os pedidos deduzidos de condenação ao pagamento de quantias, a título de retribuições devidas pelo exercício de funções ou a título de responsabilidade civil extracontratual por fatos ilícitos, constituem pedidos dependentes ou consequentes.
Existindo cumulação de pedidos, quando o pedido principal deva ser deduzido contra o Ministério, este também tem legitimidade passiva em relação aos pedidos que com aquele sejam cumulados, segundo o n.º 7 do artigo 10.º do CPTA.» (www.dgsi.pt);

11 - Ademais, à luz da relação material controvertida configurada pelo Autor, e em face dos pedidos formulados atinentes ao reposicionamento na carreira docente, é ao co-Réu Ministério da Educação que assiste, e em exclusivo, legitimidade processual passiva para intervir na ação, atento o disposto no artº 10º, nº 1, do C.P.T.A.;


12 - Na verdade, é sobre este último que poderia recair o dever de praticar os atos materiais tendentes ao reposicionamento dos associados do Autor no respetivo escalão, como consequência do reconhecimento da sua pretensão, caso, por hipótese, a ação viesse a proceder, o que não sucedeu também quanto ao Ministério da Educação;

13 - Por conseguinte, a Mma Juiz a quo fez, salvo melhor entendimento, uma correta interpretação da Lei, devendo ser confirmada nos seus precisos termos a douta decisão recorrida que considerou o Estado Português parte ilegítima e o absolveu da instância.

Porém, decidindo, farão, JUSTIÇA.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Da absolvição da instância por ilegitimidade passiva do Réu/Estado Português -
Com efeito, se atentarmos na Petição Inicial, podemos verificar que o primeiro pedido (A) é formulado como pedido principal, o segundo e terceiro (B e C) como dependentes do principal e o quarto (D) é formulado a titulo subsidiário (dos pedidos B e C), sendo este um pedido indemnizatório e é o único pedido dirigido ao Estado Português.
Ora, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), “[c]ada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”.
No mais, no artigo 10.º, n.º 2 do CPTA, o legislador determina o seguinte:
“Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportam à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos” .
Ora, no contexto do caso concreto, e conforme resulta do que ficou dito anteriormente, o Autor deduz três pedidos condenatórios contra o Ministério da Educação e um pedido subsidiário, de cariz indemnizatório, contra o Estado Português (cfr. alínea D do petitório).
Lê-se a Petição Inicial e é de concluir que, no que se refere ao pedido indemnizatório, o Estado Português – por si mesmo, – não deveria ter sido autonomamente demandado, precisamente porque se trata de um pedido que, apesar de deter natureza indemnizatória, evidencia uma relação intrínseca com uma atuação administrativa de um órgão do Ministério da Educação - atuação que releva para os demais pedidos deduzidos nos autos, pelo Autor.
Dito de outro modo, se, no contexto do caso em apreço, o Autor pretendia deduzir um pedido indemnizatório, processualmente, deveria fazê-lo, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 2, segunda parte, do CPTA, ou seja, tal pedido deveria ter sido deduzido contra o Ministério da Educação e não contra o próprio Estado Português (autonomamente considerado).
É que, precisamente como se prevê no artigo 10.º, n.º 2, segunda parte, do CPTA, está em causa uma atuação de um órgão integrado num Ministério, a saber, o Ministério da Educação.
Por outras palavras, deparamo-nos com um processo que, relativamente a todos os pedidos formulados pelo Autor, se reporta a uma ação do Ministério da Educação: simplesmente, por via do pedido indemnizatório, pretende-se uma tutela subsidiária e de segundo grau.
Aliás, o artigo 10.º, n.º 7 do CPTA, legalmente adotado pelo legislador em 2015, corrobora inteiramente o acolhimento de uma solução de concentração, em matéria de legitimidade processual passiva, circunstância que merece ser salientada (“Quando o pedido principal deva ser deduzido contra um Ministério este também tem legitimidade passiva em relação aos pedidos que com aquele sejam cumulados”).
Referem Mário Aroso e Carlos Cadilha que «O que o n.º 7 estabelece é, portanto, que, quando o pedido principal deva ser deduzido contra um ministério, por efeito da exceção consagrada na segunda parte do n.º 2, os pedidos cumulados relacionados com esse, que se enquadrem ainda no âmbito da atividade do Estado, deverão ser deduzidos também contra o mesmo ministério. O n.º 7 alarga, portanto, a legitimidade passiva do ministério (sendo esta determinada pelo objeto do pedido principal) aos pedidos cumulados.
(...) O sentido útil do preceituado no n.º 7 é, pois, o de estender a legitimidade passiva do ministério a quaisquer outros pedidos deduzidos cumulativamente que respeitem uma qualquer atividade que seja ainda imputável ao Estado enquanto pessoa coletiva pública. O exemplo paradigmático é a cumulação da impugnação de ato administrativo praticado por um órgão de um ministério com um pedido de responsabilidade civil por danos decorrentes da prática do ato ilegal.» - em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra: Almedina, 4.ª ed., págs.115 e 116.
A propósito da extensão da legitimidade do Ministério referiu o Acórdão do TACS de 18-06-2020, proc. n.º 193/16.5BELSB-S1, que «Sendo pedidos principais os atinentes ao reconhecimento do exercício de funções pelo Autor e ao seu enquadramento no conteúdo funcional da categoria de Subintendente, os pedidos deduzidos de condenação ao pagamento de quantias, a título de retribuições devidas pelo exercício de funções ou a título de responsabilidade civil extracontratual por fatos ilícitos, constituem pedidos dependentes ou consequentes.
Existindo cumulação de pedidos, quando o pedido principal deva ser deduzido contra o Ministério, este também tem legitimidade passiva em relação aos pedidos que com aquele sejam cumulados, segundo o n.º 7 do artigo 10.º do CPTA.»
Ademais, à luz da relação material controvertida configurada pelo Autor, e em face dos pedidos formulados atinentes ao reposicionamento na carreira docente, é ao co-réu Ministério da Educação que assiste, e em exclusivo, legitimidade processual passiva para intervir na ação, atento o disposto no artº 10º, nº 1, do CPTA.
Na verdade, é sobre este último que poderia recair o dever de praticar os atos materiais tendentes ao reposicionamento dos associados do Autor no respetivo escalão, como consequência do reconhecimento da sua pretensão, caso, por hipótese, a ação viesse a proceder, o que não sucedeu também quanto ao Ministério da Educação.
Em face do exposto, concordamos com a decisão agora sob recurso quando refere que “... atendendo às diversas pretensões formuladas pelo Autor no seu petitório, de imediato se retira que a presente ação tem por objeto uma ação, a prática de ato administrativo por parte do 1º Réu, ME, verificando-se assim o pleno preenchimento do previsto no nº 2 do artigo 10º do CPTA. Todavia, apresenta ainda o Autor, cumulativamente, um pedido indemnizatório dos danos alegadamente sofridos em virtude da aplicação da referida Portaria nº 119/2018, de 4 de maio, ou seja, no exercício da função administrativa.
Vejamos,
É pacífica a interpretação da lei processual, sufragada pela doutrina e jurisprudência, que, em caso de cumulação de pedidos, é parte legítima o Ministério que praticou o ato impugnado, ou que tenha aplicado regulamento administrativo em certo sentido, ainda que seja deduzido um pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização.
(...)
Posto isto, e analisando o caso em pareço, resulta que, efetivamente, a legitimidade passiva no que ao pedido de reconhecimento de direito e de condenação à prática de ato diz respeito, bem como aquele indemnizatório cumulativamente formulado, e tendo como causa de pedir o exercício da função administrativa...”
Assim, a decisão em apreço que considerou o Estado Português parte ilegítima na ação e o absolveu da instância nenhuma censura merece.
E o que dizer da absolvição do Réu ME do pedido, por impossibilidade jurídica do pedido?
Apenas que sufragamos o entendimento do Tribunal a quo.
Como sentenciado, "(...), não temos dúvidas de que, atenta a formulação do pedido e da causa de pedir, o resultado prático que o A. visa obter através desta acção consiste, na verdade, na colocação dos docentes, seus associados, que ingressaram na carreira antes de 2011 — e aos quais não é aplicável a Portaria n.º 119/2018, de 04/05, o que não é controvertido — na mesma posição remuneratória em que se encontram colocados os docentes que têm o mesmo tempo de serviço, mas aos quais, tendo ingressado na carreira entre 2011 e 2017, é directamente aplicável a Portaria em referência — o que não deixa de representar a aplicação aos primeiros, ainda que por via indirecta (por apelo aos princípios da igualdade, da protecção da confiança e da segurança jurídica e da justiça e ao direito à justa retribuição do trabalho), das mesmas regras que resultam da Portaria n.º 119/2018 e que permitiram, precisamente, o reposicionamento remuneratório dos docentes que ingressaram na carreira após 2011, que o A. ora pretende que seja também aplicado aos docentes que ingressaram na carreira antes de 2011. Trata-se, no fundo, de uma aplicação reflexa, baseada no princípio da igualdade, do reposicionamento decorrente da Portaria n.º 119/2018 aos docentes que ingressaram na carreira antes de 2011.
Dispõe o art.º 36.º do ECD (Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28/04), na sua redacção actual, conferida pelo Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23/06, o seguinte: «1 - O ingresso na carreira docente faz-se mediante concurso destinado ao provimento de lugar do quadro de entre os docentes que satisfaçam os requisitos de admissão a que se refere o artigo 22.º.
2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o ingresso na carreira faz-se no 1.º escalão.
3 - O ingresso na carreira dos docentes portadores de habilitação profissional adequada faz-se no escalão correspondente ao tempo de serviço prestado em funções docentes e classificado com a menção qualitativa mínima de Bom, independentemente do título jurídico da relação de trabalho subordinado, de acordo com os critérios gerais de progressão, em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da educação».
De igual modo, estabelece o art.º 133.º, n.º 1, do ECD, na redacção actual dada pelo Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23/06, que «o ingresso na carreira dos docentes oriundos do ensino particular e cooperativo efectua-se para o escalão que lhe competiria caso tivessem ingressado nas escolas da rede pública, desde que verificados os requisitos de tempo de serviço nos termos do presente Estatuto, em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da educação».
A Portaria a que se referem os art.s 36.º, n.º 3, e 133.º, n.º 1, do ECD é a Portaria n.º 119/2018, de 04/05, diploma que veio definir «os termos e a forma como se processa o reposicionamento no escalão da carreira docente dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário do pessoal docente com tempo de serviço prestado antes do ingresso na referida carreira e a que se refere o n.º 3 do artigo 36.º e o n.º 1 do artigo 133.º do respectivo estatuto de carreira docente» (art.º 1.º).
Pode ler-se no preâmbulo da Portaria em apreço que «o XXI Governo Constitucional fixou como um dos seus objectivos prioritários inverter a tendência de perda de rendimento das famílias e em especial dos trabalhadores em funções públicas, concretizando uma recuperação do rendimento dos trabalhadores do Estado, com o fim dos cortes salariais, a reposição integral dos salários e o descongelamento das carreiras. O descongelamento das carreiras da Administração Pública pôs fim à proibição das valorizações remuneratórias imposta nos sucessivos exercícios orçamentais entre 2011 e 2017, o que, no caso da carreira docente, para além da retoma das progressões na carreira se traduz também na possibilidade de promover o reposicionamento dos docentes. Assim, nos termos e condições previstas no n.º 3 do artigo 36.º e demais preceitos do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (ECD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção actual, e em observância dos critérios gerais de progressão definidos no artigo 37.º do mesmo ECD, a presente portaria estabelece os procedimentos aplicáveis em sede de reposicionamento, para efeitos de determinação do escalão de ingresso. Atendendo a que há que promover o reposicionamento dos docentes que ingressaram entre 2011 e 2017, é consagrado um regime transitório para 2018 que, designadamente, fixa condições específicas para a observação de aulas e assegura a criação de vagas supranumerárias para acesso aos 5.º e 7.º escalões».
Ou seja, decorre das disposições normativas acima transcritas – e nem sequer é controvertido entre as partes – que o regime de reposicionamento no escalão da carreira docente estabelecido na Portaria n.º 119/2018, de 04/05, em regulamentação do disposto no art.º 36.º, n.º 3, do ECD, aquando do ingresso na carreira dos docentes portadores de habilitação profissional adequada, com tempo de serviço prestado em funções docentes antes desse ingresso (e classificado com a menção qualitativa mínima de Bom), se aplica aos docentes que ingressaram na carreira entre os anos de 2011 e 2017 (enquanto estiveram em vigor as regras orçamentais de proibição de valorizações e progressões remuneratórias) e, bem assim, aos que ingressaram (e venham a ingressar) na carreira posteriormente, isto é, a partir de 01/01/2018.
O que, todavia, não é o caso dos associados do A., aqui representados, que ingressaram na carreira antes de 2011 e foram, oportunamente, reposicionados à luz das regras então em vigor.
Ou seja, os docentes ora representados pelo A., dado que ingressaram na carreira docente antes de 2011, não se enquadram no âmbito subjectivo de aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 04/05, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art.º 36.º do ECD.
O A. entende, porém, como vimos, que a aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 04/05, ao não acautelar a situação dos docentes que entraram na carreira antes de 2011, dá azo a que docentes com menos tempo de serviço e que ingressaram na carreira em momento posterior (de 2011 em diante) progridam de forma mais célere, ultrapassando aqueles associados do A., situação que reputa de desigual, em violação dos já referidos princípios da igualdade, da protecção da confiança e da segurança jurídica e da justiça e, bem assim, do direito à justa retribuição do trabalho.
Tal desigualdade deve ser resolvida, segundo o A., pelo reconhecimento do direito dos seus associados que ingressaram na carreira antes de 2011 a serem reposicionados em escalão e índice remuneratório idênticos aos dos seus colegas docentes que foram reposicionados ao abrigo da mesma Portaria e que tenham, pelo menos, o mesmo tempo de serviço, mas que ingressaram na carreira em momento posterior (após 2011). Em suma, pretende o A. que os seus associados, aqui representados, sejam posicionados em escalão e índice idênticos àqueles em que se encontram os docentes a quem foram aplicadas as regras e o regime jurídico fixado na Portaria n.º 119/2018, por entender que a tal têm direito por força dos princípios da igualdade e da confiança jurídica e por força do direito «salário igual para trabalho igual», consagrados nos art.os 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP, de forma a não serem discriminados negativamente em relação aos colegas.
No entanto, concordamos com o R. quando alega que esta pretensão, do modo como foi formulada pelo A., não pode ser, nesta sede, acolhida.
Com efeito, vimos que o pedido de reconhecimento do direito invocado pelo A. tem como pressuposto o facto de a Portaria n.º 119/2018, de 04/05, que regulamenta o art.º 36.º, n.º 3, do ECD, não prever, à semelhança do que ocorreu com outros regimes que antes estiveram em vigor, normas de salvaguarda ou normas transitórias susceptíveis de evitar o tratamento desigual entre docentes (aqueles que ingressaram na carreira antes de 2011 e os que ingressaram após 2011) e que, nessa medida, evite as ultrapassagens na carreira docente. Daí que o A. peticione o reconhecimento desse direito para os seus associados que ingressaram na carreira docente antes de 2011, como resultado da «exigência pelo respeito dos princípios constitucionais, legais e de justiça que são colocados em causa pela referida ultrapassagem».
Importa, porém, realçar que, como sublinha o R., não estando os associados do A., aqui representados, abrangidos no núcleo de pessoas que cabem no âmbito subjectivo de aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 04/05 (porquanto ingressaram na carreira docente antes de 2011), a Administração (o ora R.) não pode ser condenada, por via administrativa, em apelo aos princípios constitucionais da igualdade, da protecção da confiança e do «salário igual para trabalho igual», a reconhecer um direito (ao reposicionamento dos associados do A. em idênticos termos do reposicionamento dos docentes abrangidos por aquela Portaria) que não se encontra legalmente previsto e que o legislador entendeu, bem ou mal, não atribuir ao grupo de pessoas em que os associados do A. se integram – não tendo previsto, para esse efeito, por exemplo, uma norma de salvaguarda ou um regime transitório, de forma a evitar as referidas ultrapassagens na carreira.
E, neste cenário, entendendo o A. que a aplicação da Portaria n.º 119/2018 cria uma situação de profunda desigualdade entre os docentes que ingressaram na carreira antes de 2011 e os restantes docentes que ingressaram após aquela data e que foram reposicionados nos termos da referida Portaria, o certo é que, ainda assim, o direito ora peticionado pelo A. não poderá, como tal, ser reconhecido administrativamente, através da presente acção administrativa, uma vez que o reconhecimento, pelo R., do direito dos sócios do A., aqui representados, ao reposicionamento na carreira em termos idênticos ao reposicionamento dos docentes abrangidos pela Portaria n.º 119/2018, de 04/05 – sendo pacífico que aqueles não se enquadram no âmbito subjectivo de aplicação deste diploma –, não se mostra possível, pois o princípio da legalidade (previsto no art.º 266.º, n.º 2, da CRP), a que também está sujeita a generalidade da actuação da Administração, inclusivamente quando constitutiva, tem um conteúdo positivo, o qual se traduz na circunstância de esta apenas poder fazer o que lhe é permitido pela Constituição, pela lei, e por actos a que estas reconhecem força vinculativa.
Daí que condenar o R. a reconhecer que os associados do A. têm direito a ser posicionados na carreira, em escalão e índice remuneratório idênticos aos dos seus colegas docentes que foram reposicionados ao abrigo do disposto na Portaria n.º 119/2018, quando esse direito, qua tale, não decorre directamente para os mesmos da Constituição, da lei ou de quaisquer actos a que estas reconheçam força vinculativa – quando esse direito não decorre, mormente, da referida Portaria, o que só sucederia caso esta previsse uma norma de salvaguarda –, faria incorrer automaticamente o R. em violação do princípio da legalidade a que se encontra adstrito na sua actuação (cfr., em situações semelhantes, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22/01/2009, proc. n.º 0289/08, e de 20/05/2003, proc. n.º 047950, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Note-se que os princípios constitucionais da igualdade e da protecção da confiança e o princípio de que «para trabalho igual, salário igual», vertidos nos art.os 2.º, 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP, não consubstanciam «normas jurídico-administrativas», nem quaisquer «actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo», nos quais radique directamente o concreto direito invocado pelo A. (reposicionamento dos seus associados em condições idênticas às dos docentes abrangidos pela Portaria) e cujo reconhecimento aqui pretende obter, o que seria necessário, desde logo, para o preenchimento da previsão normativa do art.º 37.º, n.º 1, alínea f), do CPTA (acção para reconhecimento de direitos).
Assim, ante todo o exposto, impõe-se concluir que a pretensão ora deduzida pelo A. em juízo – o reconhecimento do direito dos docentes, seus associados, que ingressaram na carreira antes de 2011, a serem reposicionados da mesma forma, nos mesmos escalões e no mesmo índice remuneratório que todos os que ingressaram após 2011, com o mesmo tempo de serviço, por aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 04/05 – não poderá ser alcançada por via da presente acção administrativa e da correspondente condenação do R.
Aliás, a questão de fundo que o A. aqui pretende ver resolvida – as desigualdades criadas pela aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 04/05, por permitir que docentes que ingressaram na carreira há mais tempo e têm mais tempo de serviço sejam ultrapassados, na mesma estrutura da carreira docente, por outros docentes que ingressaram na carreira em momento posterior e têm o mesmo, senão menos, tempo de serviço – apenas poderia obter uma solução, a nosso ver, por via da eventual invocação de uma inconstitucionalidade por omissão, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da protecção da confiança (devido à ausência de previsão de um regime transitório que permitisse assegurar que não existiam ultrapassagens ou tratamento diferenciado entre docentes), a qual, porém, só pode, como se sabe, ser declarada pelo Tribunal Constitucional, em processo próprio, nos termos do art.º 283.º da CRP.
Por outro lado, temos que o A. também não impugna, em rigor, as normas constantes da Portaria em apreço, enquanto normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo, nem pede, concretamente, a condenação do R. à emissão de normas devidas ao abrigo de disposições de direito administrativo – no caso concreto, por exemplo, de uma norma de salvaguarda que permitisse evitar as alegadas desigualdades resultantes da aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 04/05, em execução do art.º 36.º, n.º 3, do ECD [art.º 37.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPTA]. Tudo isto, claro está, sem prejuízo da verificação dos específicos pressupostos processuais que subjazem a este tipo de pretensões (art.os 72.º e segs. do CPTA).
Ocorre, por isso, no caso em apreço, nos termos e com os fundamentos supra expostos, a invocada impossibilidade jurídica do pedido formulado pelo A., a qual, na medida em que impede o efeito jurídico dos factos por este articulado, configura uma excepção peremptória, que se prende com o mérito da causa e que importa a absolvição do pedido (art.º 89.º, n.º 3, do CPTA e art.º 5.º, n.º 3, do CPC). (...)”

Consequentemente, procede a arguida excepção peremptória de impossibilidade jurídica do pedido, procedência essa que terá como cominação a absolvição do Réu ME do pedido, o que desde já se declara.
Em suma,
(Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença.
Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no Acórdão do STA de 26/09/2007, rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
Este sentido vinculante do princípio da igualdade tem sido exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, em inúmeros arestos, de que se destaca o Acórdão 186/90 - proc. n.°533/88, de 06/06/90, do qual se destaca o seguinte trecho:
"O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.° vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade»,
in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. III, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, págs. 404/405.
Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional-artigo 18.°, n.°1, da Constituição.
Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade».
(...)
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
(...)
E, no mesmo sentido, cfr. o Acórdão nº 39/88 (Diário da República, l Série, de 3 de março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificarão razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n° 2 do artigo 13°.
Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade.”- na mesma linha, o Acórdão do STA nº 073/08 de 13/11/2008. Ou seja, este sentido vinculativo do princípio da igualdade, exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante).

Voltando ao caso concreto, como referido na sentença, a questão de fundo que o A. aqui pretende ver resolvida – as desigualdades criadas pela aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 04/05, por permitir que docentes que ingressaram na carreira há mais tempo e têm mais tempo de serviço sejam ultrapassados, na mesma estrutura da carreira docente, por outros docentes que ingressaram na carreira em momento posterior e têm o mesmo, senão menos, tempo de serviço – apenas poderia obter uma solução, a nosso ver, por via da eventual invocação de uma inconstitucionalidade por omissão, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da protecção da confiança (devido à ausência de previsão de um regime transitório que permitisse assegurar que não existiam ultrapassagens ou tratamento diferenciado entre docentes), a qual, porém, só pode, como se sabe, ser declarada pelo Tribunal Constitucional, em processo próprio, nos termos do art.º 283.º da CRP.
Importa, ainda, realçar que, como sublinha o R., não estando os associados do A., aqui representados, abrangidos no núcleo de pessoas que cabem no âmbito subjectivo de aplicação da Portaria n.º 119/2018, de 04/05 (porquanto ingressaram na carreira docente antes de 2011), a Administração (o ora R.) não pode ser condenada, por via administrativa, em apelo aos princípios constitucionais da igualdade, da protecção da confiança e do «salário igual para trabalho igual», a reconhecer um direito (ao reposicionamento dos associados do A. em idênticos termos do reposicionamento dos docentes abrangidos por aquela Portaria) que não se encontra legalmente previsto e que o legislador entendeu, bem ou mal, não atribuir ao grupo de pessoas em que os associados do A. se integram – não tendo previsto, para esse efeito, por exemplo, uma norma de salvaguarda ou um regime transitório, de forma a evitar as referidas ultrapassagens na carreira.
Improcedem as Conclusões das alegações - v. acórdãos deste TCAN de 05/7/2024 e de 12/7/2024, nos processos 3262/19.6BEPRT e 3463/19.7BEPRT, respectivamente.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente - artigos 527º do CPC e 6º do Regulamento das Custas Processuais, Tabela I -.
Notifique e DN.

Porto, 04/7/2025

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Isabel Jovita