Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00197/19.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/19/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO: PRESCRIÇÃO; TAXA DE PORTAGEM;
PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO RETROACTIVA DA LEI NOVA MAIS FAVORÁVEL; DISPENSA; REDUÇÃO E ATENUAÇÃO ESPECIAL DAS COIMAS; LEI N.º 7/2021, DE 26 DE FEVEREIRO, LEI N.º 27/2023, DE 04/07
Sumário:
I - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.

II – A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.

III - A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

IV – No caso concreto, da norma contida no n.º 3 no artigo 28.º do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional tributário é de seis anos, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.

V - No entanto, por força do artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal.

VI - Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro (bem como pela Lei n.º 27/2023, de 04/07).*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 30/06/2021, que julgou parcialmente procedente o recurso das decisões de aplicação de coima, pela falta de pagamento de taxas de portagem, no âmbito de vários processos de contra-ordenação, que foram identificados na petição inicial apresentada pela arguida [SCom01...] Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º ...48, com sede em ..., em ..., atenuando especialmente as coimas aplicadas, reduzindo a soma dos seus limites mínimos a metade e fixando-as em €15.568,91.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. Por via da sentença sob recurso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela
decidiu atenuar especialmente a coima aplicada à sociedade arguida, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT;
2. Nos termos da supracitada norma a atenuação especial da coima exige a verificação cumulativa de dois pressupostos: i) o reconhecimento, por parte do infrator, da sua responsabilidade; ii) a regularização da situação tributária até à decisão do processo;
3. Referencialmente ao segundo pressuposto, a sociedade arguida justificou a falta de pagamento alegando que a funcionária ter estado internada e de baixa durante um período de tempo, mais alegando que tentou obter junto da concessionária uma referência multibanco para proceder ao pagamento das prestações em atraso, não a tendo obtido;
4. Factualidade que não ficou minimamente demonstrada;
5. A mera alegação da arguida, reproduzida em 3., não autoriza a conclusão, abraçada na sentença recorrida, de que a arguida reconheceu a sua responsabilidade, pela simples razão que tal alegação não foi acompanhada de qualquer meio probatório apto a demonstrar o afirmado;
6. Assim, não poderia o Tribunal, em face da factualidade provada, haver subsumido a verificação do apontado requisito, sendo que a regularização da dívida (ou, no caso, o acordo prestacional), por si só, não significa aquele reconhecimento;
7. Pelo que, a falta deste requisito compromete, desde logo, a possibilidade da atenuação especial da coima;
8. No sentido vindo de expor, padece a decisão recorrida de erro de julgamento, ex vi da valoração efectuada pelo Tribunal a quo na subsunção da factualidade dada como provada à previsão da norma inserta no artigo 32.º n.º 2 do RGIT;
9. Assim, atenta a não verificação in totum dos pressupostos que estão na base da aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do RGIT não poderá a decisão aqui recorrida manter-se na ordem jurídica, por violação do referido inciso normativo;
10. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença recorrida com a manutenção da decisão de aplicação de coima, assim se fazendo a já acostumada Justiça.”
****
O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela respondeu da seguinte forma:
“1.º O reconhecimento da responsabilidade por parte do infrator deverá ser apurado no resultado dos seus atos e declarações praticados no processo, consequentemente o sentido dos mesmos.
2.º O Mmo Juiz a quo, embora de forma genérica, deu como assente nos factos provados o reconhecimento da responsabilidade do infrator desde logo admissão da dívida e seu acordo de pagamento.
3.º O mais alegado pelo infrator foi uma mera explicação para o não pagamento atempado de duas prestações.
4.º A sentença recorrida não violou, por conseguinte, qualquer preceito legal e constitucional, antes tendo feito uma correta aplicação do direito aos factos, revelando-se estes corretamente apreendidos, valorados e juridicamente enquadrados, donde resulta que o recurso não merece provimento e, consequentemente, deve aquela sentença ser integralmente mantida.”
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[SCom01...] UNIPESSOAL, LDA., arguida nos presentes autos, notificada da interposição de recurso pela Fazenda Pública, apresentou contra-alegações, concluído do seguinte modo:
“1ª- Compulsando as Alegações de recurso interpostas pela Fazenda Pública, podemos das mesmas extrair que o Recurso interposto nada mais é do que um Recurso sobre a matéria de direito.
- Claro e evidente resulta das Alegações apresentadas na medida em que fundamenta o seu Recurso no suposto “erro de julgamento na avaliação que fez sobre a possibilidade de aplicação ao caso em presença de coima especialmente atenuada, nos termos do artigo 32º nº2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.”
- Face ao objecto do processo delimitado pela Recorrente, estamos única e exclusivamente perante um Recurso de direito, pondo-se em causa somente o juízo de subsunção à lei e sua aplicação ou não, pelo que resulta claro que o presente Recurso deveria ter seguido os trâmites previstos no artigo 83º, nº2 do RGIT.
- Mal andou a Recorrente quando determinou o seu Recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, devendo outrossim interpô-lo para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
- Nessa condição, deve o Tribunal ad quem, considerar e decidindo pela sua incompetência em razão da matéria, por aplicação do disposto no artigo 83º, nº2 do RGIT, o que se requer.
Caso assim se não entenda, sem prescindir,
- O Tribunal a quo, proferiu Sentença, tendo decidido:
“DECISÃO
Pelo exposto atenuo especialmente as coimas aplicadas fixando-as em 15.568,91 €.”
- Para o que, fundamentou a sua decisão da seguinte forma, no que aqui tange:
“MOTIVAÇÃO
(…)
No caso temos de concluir pela culpa da Arguida que não teve o cuidado devido em substituir a funcionária por outra que efectuasse os pagamentos devidos.
(…)
Nos termos do art.º 32º, nº2 do CPPT “Independentemente do disposto no nº 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso do infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.”
Contudo, e apesar de tudo o exposto, observando que a infractora reconheceu a sua responsabilidade consideramos o firme propósito demonstrado de pagar a totalidade das portagens que nos autos se discutem num plano de pagamento faseado em 12 prestações mensais, como a regularização da situação tributária.
(…)
Portanto, atendendo também ao montante elevado das coimas, mostra-se adequada e ajustada a atenuação especial da coima.
(…)
Assim, nos termos das disposições invocadas e do art.º 18º, nº3 do RGCO, ex vi do art.º 3º, al. b) do RGIT, atenuo especialmente as coimas reduzindo a soma dos seus limites mínimos a metade.”
- Bem andou o tribunal a quo decidindo como decidiu.
- Decorre dos Autos, quer pelos documentos juntos como prova de pagamento das portagens, tendo sido pagas no decurso do processo e por acordo de pagamento faseado feito junto da AT no SF de ..., a Arguida procedeu exemplarmente ao seu pagamento na íntegra.
10º- A Arguida demonstrou ao longo dos Autos a sua única discórdia quanto ao valor cobrado em sede de coima, pelo montante avultado dessas e a impossibilidade de ter cumprido tempestivamente as suas obrigações o que levou à situação dos Autos.
11º- Não se entende como a Fazenda Pública, interpõe o presente Recurso, na medida em que resulta dos Autos esta actuação da arguida, quer pelos documentos juntos, quer pelo que neles consta e fez constar a Arguida, que reconhece a sua obrigação e pagamento.
12º- No depoimento prestado pela testemunha «AA», filha do gerente da Arguida, que é uma empresa familiar, tomado e gravado no Sistema informático do Tribunal e com a duração de 18:50 m, e disponível na plataforma em uso pelos Tribunais Administrativos e Fiscais – TAF.
13º- Compulsando o depoimento da testemunha, nomeadamente a minutos 01:32 e segs indicados, da gravação da Audiência de discussão e julgamento, a mesma refere:
“Juiz: Qual o seu interesse nesta causa?
Test: A empresa é da família… não é?....
Juiz: O sócio gerente desta empresa é seu pai?
Test: Sim, Sim.”
A minutos 02:05 do seu depoimento menciona:
“Adv: Bom dia «AA», a «AA» refere que é uma empresa familiar a [SCom01...]? É isso?
Test: Sim, Sim.
Adv: A suana exerce algumas funções nessa empresa? Que funções é que exerce?
Test: Sou a única administrativa da empresa.
Adv: Digamos é a única administrativa da empresa, ou seja, digamos, os pagamentos, os actos correntes da empresa, contratações e tudo, é a «AA» que trata de tudo?
Test: Tudo eu, é tudo comigo.
Adv: O sócio gerente é o seu pai, não é?
Test: Sim, sim.
Adv: Já disse aqui, o seu pai faz mais o trabalho de campo? Foi isso?
Test: Só mesmo o trabalho de campo, a parte de documentação e tudo é comigo.”
14º-A testemunha indicou que só ela e mais ninguém na estrutura da arguida trabalha nos serviços administrativos da mesma, mais ainda, está é que faz a gestão de tudo o quanto à empresa diz respeito.
15º- Fulcral é atentar ao seu depoimento a instância do douto MP, a minutos 14:20 do depoimento, a testemunha refere, claramente:
“MP: A culpa é das Finanças, ou das pessoas, das coisas não terem sido organizadas a longo prazo?
Test: Sim, também.
MP: Um bocadinho, não é?
Test: Sim.”
16º- A testemunha, única operacional da arguida, que trata das questões inerentes à empresa, pagamentos, recebimentos, e tudo o necessário, confessou efectivamente que a situação de dívida é reconhecidamente culpa da arguida, assumindo a responsabilidade pelo incumprimento.
17º- O testemunho, claro, isento, idóneo e evidenciando razão de ciência, da testemunha traduziu nos Autos a vontade de pagar, os esforços envidados para o cumprimento e a situação financeira da empresa, mais concretizando e evidenciando a responsabilização da empresa e seu reconhecimento.
18º- Face à decisão prolatada pelo douto Tribunal a quo, aos argumentos expendidos e à prova produzida, testemunhal e documental, não é a mesma passível de qualquer censura.
19º- Como se provou em sede de audiência de discussão e julgamento, pela prova testemunhal produzida e documentos juntos aos Autos, provou-se efectivamente que a arguida se assume como responsável pelos pagamentos devidos quanto às coimas, bem sabendo não ter pago e querendo e pretendendo pagar.
20º-Logo e consequencialmente improcede qualquer tese aventada pela Recorrente, que lavra em manifesto erro, infundadamente e sem qualquer atendimento legal, não estando somente conformada com a douta Sentença proferida pelo tribunal a quo.
21º- De forma esparsa, sem grande completude legal, jurisprudencial ou circunstanciada, a Recorrente nada mais alega do que o contraditar da decisão proferida, nada de novo trazendo aos Autos, que pudesse afastar/alterar a decisão tomada pelo Tribunal a quo.
22º- Não fundamenta de forma sustentada probatoriamente a suposta violação legal e em que imputa, supostamente, que incorre a decisão de que Recorre, fazendo somente interpretações vagas e não cuidadas e sem qualquer fundamentação probatória na tentativa de contrariar a decisão final prolatada.
23º- Logo, pelos argumentos aqui dados como reproduzidos e já alegados e deduzidos e provados em Juízo, mantendo integralmente os termos da douta Sentença proferida, pelo que devem improceder na sua plenitude as Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente Fazenda Pública, mantendo, o Tribunal ad quem na sua completude a decisão prolatada pelo Tribunal a quo, assim se fazendo JUSTIÇA!”
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Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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In casu, tudo indica verificar-se a prescrição de alguns procedimentos contra-ordenacionais, por se relacionarem com infracções cometidas em 2016 e 2017, estando em causa, portanto, a apreciação de um pressuposto processual negativo, que constitui excepção peremptória, e que, sendo de conhecimento oficioso, obsta ao conhecimento do mérito do recurso, dado que a prescrição gera o arquivamento do procedimento contra-ordenacional.
Resultando das disposições conjugadas dos artigos 33.º, 61.º e 77.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que a extinção do procedimento de contra-ordenação, por efeito da prescrição, é determinante de arquivamento dos autos, e uma vez que do exame preliminar do processo ressaltou a presença desta questão que foi suscitada, notificaram-se previamente todos os intervenientes processuais para se pronunciarem antes da decisão acerca da eventual existência de causa extintiva do procedimento – cfr artigo 417.º, n.º 6, alínea c) do CPP.
No âmbito do processo n.º 365/19.0BEMDL apenso aos autos, estão também em causa infracções cometidas em 2018, mostrando-se questionado no recurso a atenuação especial da coima determinada na sentença recorrida.
Tendo em vista ponderação também de questão de conhecimento oficioso, consubstanciada na eventual aplicabilidade de regime concretamente mais favorável, foram notificados todos os intervenientes processuais para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma.
Todos os intervenientes processuais silenciaram.
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Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
Assim, será apreciada a questão da prescrição dos procedimentos contra-ordenacionais e ponderada a aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma, dado que, além do mais, está em análise no recurso a verificação dos pressupostos da atenuação especial das coimas.
Previamente, haverá que conhecer a excepção invocada pela Recorrida nas contra-alegações, uma vez que sustenta a incompetência deste tribunal, devendo os presentes autos ser remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo, por a matéria objecto do recurso se cingir unicamente a matéria de direito.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados:
1. A AT aplicou à arguida, coimas pela falta de pagamento de taxas de portagem, a que acresceram custas de 76,50€ em cada um dos processos administrativos (Proc. 197/19.6BEMDL), no montante global de 23.779,14€, assim discriminado:
a. 202,39€ - fls.50 e 51;
b. 997,51€ - fls.71/v;
c. 2.846,60€ - fls.108/v;
d. 31,50€ - fls.137/v;
e. 78,75€ - fls.155/v;
f. 1.392,34€ - fls.180;
g. 111,83€ - fIs.205/v;
h. 489,06€ - fIs.225;
i. 60,64€ - fls.248/v;
j. 2.468,09€ - fls.280;
k. 3.267,67€ - fls.327;
l. 2.928,31€ - fls.376;
m. 4.403,35€ - fls.430/v;
n. 4.101,19€ - fls.489/v;
2. Os valores das coimas aplicadas foram fixados nos valores mínimos - cfr. fls. 46, 65, 96 a 97, 132, 150, 172 e 172/v, 200, 219, 243, 268 a 269, 314 a 315, 363 a 364, 413 a 415, 472 a 474 que aqui se reproduzem (Proc. n.º 197/19.6BEMDL);
3. A AT aplicou à arguida, coimas pela falta de pagamento de taxas de portagem, a que acresceram custas de 76,50€ em cada um dos processos administrativos (Proc. 365/19.0BEMDL), no montante global de 7.789,77€, assim discriminado:
a. 550,04€ - fls.47/v;
b. 610,74€ - fls.72;
c. 1.131,45€ - fls.100/v;
d. 215,74€ - fls.122/v;
e. 194,57€ - fls.139/v;
f. 711,45€ -fls.161;
g. 680,10€ - fIs.181;
h. 516,32€ - fls.204;
i. 54,32€ - fIs.222/v;
j. 948,75€ - fls.251/v;
k. 48,96€ fls.272/v;
l. 1.145,21€ - Fls.305/v;
m. 54,32€ - fIs.327/v;
n. 740,80€ - fls.358/v;
o. 187,68€ - fls.378/v;
4. Os valores das coimas aplicadas foram fixados nos valores mínimos - cfr. fIs.37, 60 e 60/v, 88 e 88/v, 131, 149, 172, 192, 214, 236 e 236/v, 264, 285 e 286, 319, 339 e 339/v, 367, que aqui reproduzem (Proc. n.º. 365/19.0BEMDL);
5. A Arguida e a concessionária "Ascendi" acordaram no pagamento em prestações das taxas de portagem devidas - Doc. 1 do processo principal e doc. 1 do processo apensado;
6. A arguida deixou de pagar a segunda e terceira prestações, com datas de vencimento em 1/4/2017 e 1/5/2017 - cfr. doc. 1 do processo principal e doc. 1 do processo apensado;
7. Em 13/2/2017 «AA» foi admitida no Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar ... os ..., proveniente do Bloco de Partos - fls. 698 do suporte físico do processo 43/19.0BEMDL (que se reporta a recurso judicial de decisão de aplicação de coima, em que as partes são as mesmas relativamente a factos semelhantes, melhor visto com ampliação a fls. 639 do SITAF, distribuído ao mesmo juiz dos presentes autos; e cfr. depoimento da testemunha «AA»;
8. De 1/1/2017 a 21/6/2017 «AA» recebeu da Segurança Social diversos valores em numerário referente a "Subsidio por risco durante a gravidez" e "Subsídio parental Inicial da Mãe por 120 dial" - fls. 699 a 702/V, do suporte físico do processo 43/19.0BEMDL;
9. «AA» era funcionaria da Arguida a data dos factos - cfr, depoimento da testemunha «AA»;
10. Em 10/8/2018 a Arguida expressou o firme propósito de pagar a totalidade das portagens que nos autos se discutem num plano de pagamento faseado de 12 prestações mensais - fls. 41 do processo principal; fls. 31 do processo apensado e depoimento da testemunha «AA».

Não se provou que a concessionária tivesse dado a Arguida uma referência multibanco para efectuar os pagamentos em atraso do plano prestacional e que essa referencia se revelou não disponível – os documentos juntos aos autos não demonstram o facto; sem qualquer documento de suporte desvalorizei o depoimento da testemunha «AA», em sentido contrário, porque sendo filha do socio gerente da Arguida e afirmando que esta é uma empresa familiar, tem nitidamente interesse na acção.”

2. O Direito

Antes de mais, importa esclarecer a competência deste TCA Norte para conhecer o objecto do presente recurso. Efectivamente, a Recorrida suscitou tal excepção, mas olvidando que o n.º 2 do artigo 83.º do RGIT, que previa o recurso para o STA quando estivesse em apreço somente matéria de direito, foi revogado. Com efeito, importa atentar na alteração do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 74-B/2023, de 28 de Agosto, que determinou se aplicasse aos processos pendentes.
Nesta conformidade, é aplicável, in casu, o disposto no artigo 83.º, n.º 1 do RGIT, devendo o recurso da decisão da primeira instância ser apreciado por este TCA Norte.

A Recorrente veio insurgir-se contra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou parcialmente procedente o recurso apresentado pela Recorrida da decisão de aplicação de coima, atenuando especialmente as coimas no âmbito de contra-ordenações, previstas e punidas pelos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, por falta de pagamento de taxas de portagem.
Na linha do que já adiantámos supra, verifica-se causa de extinção de procedimento de contra-ordenação, que obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
A questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional tem vindo a ser abordada, de forma reiterada, por este tribunal, pelo que seguiremos essa jurisprudência.
A prescrição é de conhecimento oficioso em qualquer momento ou fase do processo e implica a extinção do procedimento e da responsabilidade contra-ordenacional, nos termos do artigo 33.º n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) – vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/05/2020, proferido no âmbito do processo n.º 01901/15.7BELRA.
Vem imputada à arguida a prática, em diversas datas, dos anos de 2016, 2017 e 2018, de infracções por falta de pagamento de taxas de portagem, previstas no n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 25/06, de 30 de Junho, punidas pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal.
Nos termos do artigo 33º, nº 1 do RGIT, o procedimento contra-ordenacional extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos 5 anos.
Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
Assim, cumpre, em primeiro lugar, determinar qual o prazo de prescrição aplicável no caso: se o prazo geral de 5 anos, constante do artigo 33.º, n.º 1 do RGIT, se o prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 33.º, n.º 2 do mesmo Regime.
Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Abril de 2010, proferido no Processo n.º 0777/09, no âmbito de recurso de promoção da uniformidade da jurisprudência ao abrigo do artigo 73.º, n.º 2 do RGIMOS, e integralmente disponível em www.dgsi.pt, a infracção depende de liquidação para os efeitos do disposto no artigo 33.º, n.º 2 do RGIT “sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida”.
É também esta a posição defendida por Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in “Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado”, 4ª edição, 2010, Áreas Editora, p. 323, em anotação ao artigo 33.º: “Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no nº 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.”
No que, em concreto, respeita às contra-ordenações previstas na Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, como as que aqui estão em causa, esta matéria foi já tratada neste Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 4 de Abril de 2019, proferido no Processo n.º 00096/18.9BECBR, também relatado pela relatora do presente acórdão, integralmente disponível em www.dgsi.pt, tendo sido ponderado nos seguintes termos:
«Efectivamente, o artigo 33º do RGIT estabelece um prazo geral de prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais, aduaneiras e não aduaneiras, de cinco anos, mas estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. (…)
Lembramos que às contra-ordenações previstas na Lei nº 25/2006, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infracções Tributárias – cfr. o seu artigo 18º. E, assim sendo, a partir das alterações introduzidas pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12, para conhecer a prescrição do procedimento contra-ordenacional teremos que fazer apelo, como se indica na sentença recorrida, ao disposto no artigo 33º do RGIT.
Insurge-se, especificamente, o Recorrente contra a aplicação do nº 2 do artigo 33º do RGIT. Todavia, como veremos, é nossa convicção que tal normativo deve ser aplicado às portagens, com as devidas adaptações, como é próprio da aplicabilidade de direito subsidiário – ex vi artigo 18º da Lei nº 25/2006, de 30/06.
Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no n.º 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2008, Áreas Editora, página 320.
Apontam-se como exemplos de casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária os previstos nos artigos 108º, nº 1, 109º, nº 1, 114º, 118º e 119º, nº 1, do RGIT. Neste último caso, a contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária na medida em que o montante das coimas depende de haver ou não imposto a liquidar.
Ora, a situação em apreço tem, manifestamente, paralelismo com os casos indicados, dado que a decisão da fixação da coima alude à cominação prevista no artigo 7º da Lei nº 25/2006, de 30/06, na redacção dada pela Lei nº 51/2015, de 8 de Junho:
“1 - As contra-ordenações previstas na presente lei são punidas com coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quadruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias. (…).”
Portanto, verifica-se que a coima a fixar depende em absoluto do valor da taxa de portagem correspondente ao percurso efectivamente realizado pelo infractor ou, nos casos em que não é possível verificar tal percurso, sempre dependerá do valor máximo da taxa de portagem “cobrável na respectiva barreira de portagem ou, no caso de infra-estruturas rodoviárias, designadamente em auto-estradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança electrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respectivo local de detecção de veículos para efeitos de cobrança electrónica de portagens” (cfr. artigo 7º, nº 1 e nº 2 da Lei nº 25/2006).
Nesta conformidade, é inequívoco que a sanção aplicável depende do valor da respectiva taxa de portagem.
Por isso, bem andou a sentença recorrida ao considerar aplicável o disposto no artigo 33º, nº 2 do RGIT à situação, que estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação, como é o caso.» [fim de citação]
Acolhendo a jurisprudência deste Tribunal vertida no Acórdão vindo de citar, e que aqui vem sendo reiterada, concluímos que, estando em causa a aplicação do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 2 do RGIT, ex vi artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.
E, assim sendo, aos procedimentos contra-ordenacionais pela prática das infracções em causa nos presentes autos aplica-se, nos termos do artigo 33.º, n.º 2 do RGIT, o prazo de quatro anos previsto no artigo 45.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), normativo segundo o qual, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
Seguidamente, a questão que se coloca, nesta sede, é a de saber qual o termo inicial do prazo de prescrição: se o momento da prática da infracção como estabelece o artigo 33.º, n.º 1 do RGIT, se do termo do ano em que se verificou o facto tributário, por aplicação do disposto no artigo 45.º, n.º 4, 1ª parte, da LGT.
Com efeito, a redacção do artigo 33.º, n.º 2 do RGIT parece sugerir que apenas se aplicaria o prazo de caducidade do direito à liquidação e já não o disposto no artigo 45.º, n.º 4 da LGT quanto ao termo inicial do mesmo, ou seja, o objectivo do legislador seria o de considerar o prazo mais curto da caducidade quando a infracção dependesse da liquidação, mas mantendo as regras próprias do RGIT quanto ao termo inicial.
No entanto, a adopção deste entendimento frustraria a coincidência pretendida pelo legislador entre o prazo de caducidade da liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, pelo que, limitando-se a norma do artigo 33.º, n.º 2 do RGIT a remeter para o prazo de caducidade da liquidação, não distinguindo entre o período de tempo e a fixação do seu início, concluímos que são aplicáveis nesta sede as regras sobre o termo inicial do prazo constantes do artigo 45.º, n.º 4 da LGT.
Como referem J. Lopes de Sousa e Simas Santos, in ob. cit., pp. 320-321: “Não existe um prazo único para o exercício do direito de liquidar tributos, pelo que o prazo de prescrição das contra-ordenações, quando a infracção depender da liquidação, varia conforme os casos. (…) Como se vê pelo texto do nº 2 deste art. 33º do RGIT, em que se refere que o prazo de prescrição “é reduzido”, só relevam para este efeito os prazos de caducidade de direito de liquidação que levem a uma redução do prazo de prescrição de 5 anos, previsto no nº 1, e não prazos superiores a este. (….) Estes prazos de caducidade contam-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (nº 4 do art. 45º da LGT).”
Com efeito, conforme estabelece o n.º 4 do artigo 45.º da LGT, na redacção actual, “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”
Ora, como se referiu, as infracções imputadas à Recorrida consistem em não ter efectuado o pagamento da taxa de portagem reportado a passagens em diversas datas dos anos de 2016, 2017 e 2018.
Estamos perante infracções omissivas que se consideram praticadas na data em que terminou o prazo para o cumprimento do respectivo dever tributário, conforme o disposto no artigo 5.º, n.º 2 do RGIT.
Logo, a data das infracções a considerar corresponderá ao dia em que foram transpostas as barreiras de portagem sem o correspondente pagamento das taxas de portagem devidas, sendo estas as datas de início de contagem do prazo prescricional, por referência às infracções respectivas.
Porém, na contagem do prazo de prescrição tem de ser ressalvado o tempo de interrupção e suspensão da prescrição.
Assim, nos termos do artigo 33.º, n.º 3 do RGIT, o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, para além dos casos previstos nos artigos 42.º, n.º 2, 47.º e 74.º, e, ainda, no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para pagamento.
A remissão feita no citado n.º 3 do artigo 33.º do RGIT é, pois, para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no RGIMOS, cujo artigo 27.º-A estabelece que a prescrição do procedimento por contra-ordenação se suspende, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal [alínea a)], estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa [alínea b)], estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso [alínea c)], sendo que nestes dois últimos casos, “a suspensão não pode ultrapassar seis meses” (n.º 2).
Como referem J. Lopes de Sousa e Simas Santos, in ob. cit., pág. 327, a “existência desta norma especial [artigo 27.º-A do RGIMOS] sobre o regime da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, que reproduz uma das situações de suspensão previstas no art. 120º, nº 1 do C. Penal, leva a concluir que não são aplicáveis neste procedimento as restantes causas admitidas no processo penal que poderiam ser aplicadas em processo contra- ordenacional (…).”
Por seu lado, estabelece o artigo 28.º do RGIMOS, sob a epígrafe Interrupção da prescrição, o seguinte:
«1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com quaisquer declarações que o arguido tenha proferido no exercício do direito de audição.
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.»
A este propósito, transcreve-se, uma vez mais, os Autores e obra citada, pág. 328, na parte em que referem que “estando expressamente previstas as causas interruptivas da prescrição do procedimento contra-ordenacional, está afastada a possibilidade de fazer apelo às causas previstas no art. 121º do C. Penal”.
A inaplicabilidade do Código Penal, em matéria de suspensão e interrupção da prescrição, limita-se, portanto, às causas, e não aos efeitos e limites dos prazos, matérias que, não vindo reguladas no RGIMOS e no RGIT, terão de ser resolvidas com recurso àquele Código.
É, assim, de aplicar o artigo 120.º do Código Penal, cujo n.º 6 enuncia que a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a suspensão e, bem assim, o n.º 2 do artigo 121.º do mesmo Código, que estipula que a interrupção inutiliza o prazo até então decorrido, voltando a contar-se novo prazo, depois de cada interrupção.
Importa, por outro lado, ter ainda presente o disposto no artigo 28.º, n.º 3 do RGIMOS, na redacção da Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, aplicável por remissão do artigo 33.º, n.º 3 do RGIT, e segundo o qual “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”.
Com efeito, como bem se compreende, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, indesejavelmente, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra o arguido, pelo que, em ordem a evitar uma tal situação, estabeleceu-se na referida norma do RGIMOS (como já sucedia no Código Penal) um limite à admissão de um número infinito de interrupções e à ideia de que cada interrupção da prescrição implica um novo decurso da totalidade do prazo, vindo, de resto, consagrar legalmente o que já era entendimento jurisprudencial anterior.
No caso sub judice, o prazo máximo de prescrição é, assim, de 6 anos (4 anos acrescidos de metade). Mas, como expressamente se ressalva no artigo 28.º, n.º 3 do RGIMOS, importa atender aos factos suspensivos da prescrição, porquanto o período durante o qual o procedimento estiver suspenso não relevará para a contagem do referido prazo.
No caso dos autos, a única causa de suspensão que se verifica é a prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A, ou seja, a pendência do procedimento após a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima.
No entanto, em tal situação, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, como resulta do estatuído no artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código Penal – neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto, de 08/02/2006, no âmbito do processo n.º 0545259.
Contudo, excepcionalmente, no presente caso, temos de considerar mais uma causa de suspensão da prescrição que decorreu de leis especiais emanadas no âmbito da pandemia COVID19, que fez suspender todos prazos de prescrição, no âmbito do confinamento ocorrido nos anos de 2020 e 2021.
Assim, todos os prazos de caducidade e de prescrição estiveram suspensos entre o dia 09 de Março de 2020 e o dia 02 de Junho de 2020, num total de 86 dias, conforme as disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e do artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que determinou o seguinte:
«Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.».
E, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, ocorreu nova suspensão relativa no período temporal de 22 de Janeiro de 2021 a 05 de Abril de 2021, num total de 74 dias.
Não obstante não ter havido encurtamento ou ampliação do prazo de prescrição previsto no regime geral em vigor à data da prática da infracção, a modificação legal dos factos interruptivos ou suspensivos que resultaram daquelas alterações influi na contagem concreta do prazo de prescrição do procedimento, visto que as concretas causas de interrupção e de suspensão constituem factores imprescindíveis a ter em conta na determinação do prazo máximo de prescrição do procedimento.
Portanto, por força das referidas leis, o prazo de prescrição esteve suspenso durante um período total de 160 dias [vide, entre outros, acórdãos deste TCAN, proferido a 31/03/2022, processo n.º 2035/21.5BEBRG, e de 19/05/2022, processo n.º 131/19.3BEMDL e vastíssima jurisprudência emitida pelas Relações e STJ].
Atente-se que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma extraível da conjugação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, segundo a qual a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contra-ordenacional estabelecida no sobredito artigo 7.º, n.º 3, é aplicável aos prazos (de prescrição) que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, se encontravam já em curso.
Tendo vindo a considerar, em síntese, que a suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, configura uma medida, entre várias, tomadas no âmbito da legislação de emergência para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de excepção constitucional. O período que mediou entre 9 de Março (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março) e 3 de Junho de 2020 (Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) foi tido como causa de suspensão do prazo prescricional de procedimentos criminais (e contra-ordenacionais), em grande medida como decorrência da paralisação da actividade judiciária lato sensu durante esse período.
Numa lógica de diferenciação entre tipos de retroactividade no domínio penal, distinguindo os conceitos de retroactividade directa ou de primeiro grau e “retrospectividade”, também conhecida por “retroactividade inautêntica”, (nesta última a norma não se aplica retroactivamente – aplica-se para o futuro a processos-crime ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado), o Acórdão TC n.º 500/2021, de 9 de Junho de 2021, acompanhado pelos Ac.s TC nº660/2021, de 29 de Julho, e Acórdão n.º 798/2021, de 21 de Outubro, decidiu: “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respectiva vigência”, cuja interpretação tem inteira aplicação, também, à prescrição do procedimento criminal, conforme referido no texto desse acórdão no seu ponto 31.
Mais concluiu o Tribunal Constitucional que “a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto” (ac. TC n.º 660/2021), “juízo de não inconstitucionalidade cujos argumentos são replicáveis para os procedimentos de natureza contra-ordenacional ” (ac. TC n.º 500/2021 e ac. TC n.º 660/2021).
Assim, o prazo máximo de prescrição (seis anos e seis meses), cuja contagem foi suspensa entre 09/03/2020, reiniciado a 03/06/2020 (86 dias), e entre 22/01/2021 e 05/04/2021 (74 dias) terminou na presente data, em 19 de Setembro de 2024, para as infracções mais recentes praticadas em 09 de Outubro de 2017.
Nesta conformidade, quanto às infracções em causa, com início de contagem em 09/10/2017, o prazo máximo de prescrição (seis anos e seis meses), cuja contagem foi suspensa entre 09/03/2020, reiniciada a 03/06/2020, e entre 22/01/2021 e 05/04/2021, num total de 160 dias, terminou em 19 de Setembro de 2024, pelo que o procedimento relativo a essas infracções, bem como quanto a todas as anteriores praticadas em 2016 e 2017 (até 09/10/2017), está prescrito, com as legais consequências - cfr. artigos 33.º, 61.º, alínea b) e n.º 1 do artigo 77.º do RGIT.
A verificação de causa extintiva destes procedimentos de contra-ordenação tem, por sua vez, como consequência, o arquivamento dos respectivos processos de contra-ordenação em causa, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do RGIT, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional da arguida, aqui Recorrida.
Sorte distinta, como é bom de ver, têm os procedimentos contra-ordenacionais referentes às infracções reportadas desde 09/10/2017 até 31/08/2018.
Repristinando aqui o exposto sobre o modum da contagem e vicissitudes do mesmo, temos que o prazo máximo de prescrição em procedimento contra-ordenacional tributário é de seis anos (4+2), ressalvados os períodos de suspensão de 6 meses como resulta do estatuído no artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, de 86 dias em resultado do período de suspensão que ocorreu entre 09/03/2020 e 02/06/2020 nos termos do regime estabelecido pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e de nova suspensão de 74 dias, relativa no período temporal de 22 de Janeiro de 2021 a 05 de Abril de 2021E, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril.
Pelo que os procedimentos contra-ordenacionais referentes a estas infracções mais recentes em apreço, desde 09/10/2017, não se mostram prescritos.

No que tange a estes procedimentos contra-ordenacionais, foram todos os intervenientes processuais notificados para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a esses procedimentos não prescritos da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma.
Trata-se de lei nova, em matéria contra-ordenacional, estabelecendo um novo regime sancionatório, com alterações relevantes no que toca à dispensa, redução e atenuação das coimas aplicáveis.
Para melhor ponderação desta questão de conhecimento oficioso, foram os intervenientes processuais alertados que, na determinação da coima aplicável, em caso de alteração do regime legal, há que verificar qual o regime concretamente mais favorável, considerando o disposto no n.º 4, parte final, do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal e no n.º 2 do artigo 3.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social.
Vejamos.
Em 27 de Fevereiro entrou em vigor a Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que veio reforçar “as garantias dos contribuintes e a simplificação processual, alterando a Lei Geral Tributária, o Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Regime Geral das Infracções Tributárias e outros actos legislativos”.
Estando em causa nos presentes autos decisão de aplicação de coima por infracção ao disposto nos artigos 5.º, n.º 2 e 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06, por falta de pagamento de taxa de portagem, com respeito pelos limites previstos no artigo 26.º e tendo sido fixada a medida concreta da coima nos termos do disposto no artigo 27.º, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), mostra-se relevante o RGIT ter sido objecto de recente alteração e aditamento pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que, em concreto, procedeu à alteração dos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 40.º, 41.º, 58.º, 70.º, 75.º, 79.º, 80.º, 83.º, 84.º, 92.º, 96.º, 97.º, 108.º e 128.º e aditamento dos artigos 28.º -A, 32.º -A e 112.º -A.
Cumpre atentar às alterações impostas ao RGIT, em sede do regime de dispensa, redução e atenuação das coimas, cuja entrada em vigor ocorreu a 01 de Janeiro de 2022 (vide artigo 17.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro).
De entre as alterações ao RGIT, há precisamente a destacar as que directamente têm a ver com medida e aplicação da coima e sanções acessórias, entre as quais a dispensa, redução e atenuação das coimas.
Estabelece-se a dispensa de coima (artigo 29.º do RGIT) quando, nos cinco anos anteriores, o agente não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias, ou beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução.
A dispensa de coima aplica-se ainda às situações em que (i) não esteja em causa a falta de entrega da prestação tributária e (ii) o agente tenha cumprido as obrigações tributárias que deram origem à infracção. Deixa de ser expressamente exigido, nesta sede, um diminuto grau de culpa.
Fica estipulada a redução do valor da coima para 12,5% ou 50% do montante mínimo legal, respectivamente, nas situações em que as coimas tenham sido pagas, a pedido do agente, e o pagamento for apresentado (i) sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária, ou (ii) até ao termo do prazo para apresentação de audição prévia no âmbito de procedimento de inspecção tributária (artigo 30.º do RGIT).
Sublinhe-se que, adquirido o conhecimento da prática de infracção, se prevê a notificação do infractor informando-o de que pode, em 30 dias, regularizar a situação tributária e exercer o direito à redução de coima (artigo 28.º-A do RGIT).
Com relevo, surgem ainda as alterações em sede de atenuação especial das coimas. A reformulação do regime de atenuação especial das coimas (artigo 32.º do RGIT) esclarece o momento em que o infractor – que reconhece a sua responsabilidade e regulariza a situação tributária - pode pedir a atenuação da coima: no decurso dos 30 dias concedido para a defesa e, ainda que, nas situações em que haja lugar à atenuação especial da coima, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade, não podendo resultar um valor inferior ao que resultaria da aplicação do artigo 30.º, nem ser inferior a 25€. A entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique.
É manifesto, desde logo, de entre as alterações, a regra de notificação para regularização e para exercício do direito à redução, que consta do artigo 28.º-A, que não existia no regime anterior. Depois, temos o artigo 29.º que passa a prever a chamada dispensa das coimas (que anteriormente estava prevista no n.º 4 do mesmo artigo e no 32.º, n.º 1 do RGIT) quando o regime anterior só permitia tal possibilidade para pessoas singulares, não abrangendo as pessoas colectivas e, mesmo em caso de reincidência o n.º 2 não afasta agora a possibilidade de mesmo assim ser aplicada a dispensa de coima, a requerer em 30 dias, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: “a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária; b) Estar regularizada a falta cometida”.
Mais, estarmos perante um regime mais favorável advém ainda do regime quanto à redução de coimas, pois tal como resulta do artigo 30.º, em que a redução que então no anterior regime oscilava entre 12,5%, 30% e 75% (artigo 29.º, n.º 1 da lei anterior), apresenta agora valores inferiores e, bem assim, do regime da atenuação especial das coimas agora previsto.
As principais alterações, referidas, prendem-se com a objectividade que as mesmas transmitem aos regimes de dispensa, redução e atenuação de coima, exemplos disso são: (i) passar, desde logo, a estar definido que não pode ser aplicada coima quando o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha: a) Sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias; b) beneficiar de dispensa ou de pagamento de coima com redução nos termos do RGIT; (ii) ser eliminado o requisito do “diminuto grau de culpa” e definido o conceito de “prejuízo efectivo”; (iii) o alargamento aos sujeitos passivos colectivos da possibilidade de dispensa de coima nas situações em que o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias e beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução.
Posto isto, não podemos olvidar que, em matéria penal, como em matéria contra-ordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT, aplicável “ex vi” artigo 18.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho) – daí que o facto de em causa nos autos estarem contra-ordenações praticadas em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável, enquanto não ocorrer decisão com trânsito em julgado (cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 21.10.2015 proferidos nos recursos n.ºs 719/15, 808/15, 833/15, 983/15, 1043/15 e 1059/15 e de 04.11.2015, nos recursos n.ºs 1042/15 e 1062/15 e vastíssima jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores em matéria penal).
E é precisamente isso que sucede in casu.
Com as alterações introduzidas ao RGIT, pela lei n.º 7/2021, ao dar nova redacção aos artigos do RGIT em matéria de dispensa, atenuação e redução da coima, o legislador introduziu, como já referimos, um conjunto de mudanças em sede das consequências jurídicas da infracção, no sentido de concretizar e tornar mais objectiva a aplicação daqueles regimes, ao alargar a sua aplicação às pessoas colectivas (e, estamos in casu, perante uma sociedade), ao introduzir ex novo determinados condicionalismos para funcionar o regime de redução (artigo 28º - A), aumentando os valores percentuais de redução da coima, e a possibilidade de substituição da coima por admoestação.
Qualquer destas hipóteses, não previstas no regime contra-ordenacional em vigor na altura da aplicação das coimas à Recorrida, a se justificar no caso em apreço, é mais favorável àquela; independentemente de, in casu, o tribunal recorrido já haver atenuado especialmente a coima. Porém, tal ocorreu antes da entrada em vigor deste diploma a que nos vimos referindo, pelo que, naturalmente, não o teve em devida nota.
Perante o exposto, impõe-se, necessariamente, nova graduação das coimas aplicadas, que tenham agora em conta as disposições do RGIT que entraram em vigor no dia 01 de Janeiro de 2022, o que necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima, nomeadamente com cumprimento da imposição do artigo 28.º - A e verificação de determinados condicionalismos, havendo que apurar da regularização da situação tributária, o seu momento temporal, ocorrência ou não de situações anteriores de aplicação de coimas para aferir da reincidência e, perante tais elementos, proceder à atenuação/redução das coimas ou mesmo dispensa, a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação, o que implica uma reapreciação para aplicação do novo regime – cfr., neste sentido, Acórdão deste TCA Norte, de 06/10/2022, proferido no âmbito do processo n.º 361/16.0BEAVR.
Pelas razões expostas, as decisões administrativas de aplicação das coimas sindicadas nos presentes autos, referentes a infracções praticadas em diversas datas no período entre 09 de Outubro de 2017 e 31 de Agosto de 2018, não se podem manter, desde logo, porque haverá que graduar as coimas aplicadas, atendendo aos novos regimes de redução, dispensa e atenuação da pena e, eventualmente, retirar as legais consequências dos mesmos, o que apenas poderá ser feito de modo adequado e eficiente pelos próprios serviços da autoridade administrativa, que não por este tribunal ad quem, a quem não cabe substituir-se à Administração nas decisões de aplicação de coimas, antes escrutinar se tais decisões são conformes à Lei e ao Direito.
Neste ensejo, deverão também os serviços da autoridade administrativa levar em linha de conta as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2023, de 04/07, na Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, que igualmente se repercutem nas decisões de aplicação e na determinação das coimas questionadas nos autos, dado que a lei referida contém uma norma transitória (cfr. artigo 3.º), que estabelece que aos processos de contra-ordenação pendentes a 1 de Julho de 2024 se aplica o regime que, nos termos da lei geral, for mais favorável ao arguido. Trata-se de lei nova, em matéria contra-ordenacional, que altera o valor das coimas aplicáveis às contra-ordenações ocorridas em matéria de infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagens, devendo, além do mais, atender às alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2023, de 04/07, ao artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.
As decisões de aplicação de coimas que estão na origem dos presentes autos foram tomadas em momento anterior ao da entrada em vigor das novas Leis (01/01/2022 e produção de efeitos em 01/07/2024, respectivamente), mas estas repercutem-se inelutavelmente nelas, como supra demonstrado, impedindo que possam subsistir nos termos em que foram proferidas.
Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de as rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina.

Conclusões/Sumário

I - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
II – A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.
III - A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
IV – No caso concreto, da norma contida no n.º 3 no artigo 28.º do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional tributário é de seis anos, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.
V - No entanto, por força do artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal.
VI - Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro (bem como pela Lei n.º 27/2023, de 04/07).

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar extintos, por prescrição, os procedimentos de contra-ordenação, concernentes às infracções praticadas no ano de 2016 e até 09/10/2017, determinando-se o arquivamento desses processos contra-ordenacionais e, no mais, determinar a remessa dos procedimentos contra-ordenacionais à autoridade administrativa, para que reveja ou renove as decisões de aplicação de coima, referentes às infracções posteriores a 09/10/2017, em conformidade com as alterações em vigor introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro (bem como pela Lei n.º 27/2023, de 04/07).

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais].

Porto, 19 de Setembro de 2024

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais