Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01521/16.9BEBRG |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/14/2024 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | VIRGÍNIA ANDRADE |
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Descritores: | IRC; GASTO CONTABILÍSTICO/GASTO FISCAL; GASTOS – ÓNUS PROVA; RACIONALIDADE ECONÓMICA; |
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Sumário: | I. Entre o gasto contabilístico e gasto fiscal não existe uma absoluta coincidência, na medida em que, fiscalmente a dedutibilidade de gastos tem de obedecer ao preenchimento de dois requisitos, quais sejam a comprovação da sua ocorrência e a indispensabilidade destes. II. Recai sobre o contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis e a montante cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade. III. O conceito de indispensabilidade de gastos, previsto no então artigo 23.º do Código do IRC, depende da prova da necessidade, adequação e normalidade do custo para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte 1 – RELATÓRIO A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 31.12.2023 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...], Lda., contribuinte n.º ...94, (incorporada, desde 08.01.2020, por fusão, na sociedade [SCom02...], S.A), contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2011, e de juros compensatórios, no valor global de €234.211,88. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: “1. Salvo melhor entendimento, no modesto entender da recorrente, da douta sentença em recurso consta incorrecta interpretação e aplicação do requisito da indispensabilidade do custo/gasto, de cuja verificação dependia, à data dos factos (2011), o direito de que a recorrida se arroga titular de deduzir o custo/gasto ao lucro tribunal, pelo que, a douta sentença em recurso violou o artigo 23º, nº1, do CIRC e artigo 342º, nº1 do CC aplicável por remissão do artigo 2º, alínea e), do CPPT. 2. A condição da indispensabilidade fixada, então, no artigo 23º, nº1, do CIRC, implicava que o custo/gasto tinha que estar em linha com o objecto social da empresa e tinha que, em tese, fazer sentido do ponto de vista económico financeiro (vide, Acórdão do STA de 11.01.2024, proc. nº01318/18). 3. Para RUI DUARTE MORAIS in Apontamentos de IRC, Coimbra, 2007, pag.87, “se o encargo for determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc. …) então tal custo não deve ser havido por indispensável”, pelo que, a aferição da indispensabilidade terá que assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipo de despesas em causa. 4. Grosso modo, num texto pouco erudito, uma despesa goza de dignidade fiscal (sendo um custo/gasto indispensável e, por isso, dedutível ao lucro tributável) quando, para o homem médio, perante o contexto em que se insere a despesa, a mesma detém racionalidade económica que a justifique. 5. Não há racionalidade económica que justifique a contratação de serviços de um terceiro (ou seja, a [SCom03...]) para efeito de angariação de cliente(s) quando a empresa que contrata o terceiro (ou seja, a recorrida) e o cliente que esse terceiro terá que angariar (ou seja, a [SCom04...] já se conhecem. 6. A recorrida e o cliente ([SCom04...] conhecem-se uma à outra, quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista comercial (vide, factos provados, ponto 11, subponto 3, 13, 15, 17, e, pontos 12 e 13 dos factos provados da douta sentença em recurso 7. Também não fica patente o requisito da indispensabilidade do custo com a mera prova do lucro obtido no exercício económico da contratação dos serviços do referido terceiro – angariador de cliente(s). 8. O lucro obtido, por si só, não é facto suficientemente idóneo para, de direito, justificar e demonstrar o requisito da indispensabilidade do custo/gasto, mormente nos casos em que, da douta sentença em recurso, dos factos provados, consta o seguinte: ü O contrato com a [SCom03...] foi celebrado em 01/07/2011 mas a [SCom03...], sediada em Malta, tem inicio de actividade em 06/07/2011 (vide, factos provados, ponto 2 e ponto 11, subponto 3); ü O contrato com a [SCom03...] não fazia parte dos documentos de suporte da contabilidade e só foi apresentado depois da recorrida ter sido persuadida verbalmente a apresenta-lo (vide, factos provados, ponto 11, subponto 9) ü O contrato com a [SCom03...] tem clausula de duração por 5 anos, todavia, para alem do cliente que a recorrida já conhecia ([SCom04...] e dos inerentes pagamentos à [SCom03...] no ano de celebração do contrato, não são conhecidos outros pagamentos à [SCom03...] ou a qualquer outro angariador de clientes (vide, factos provados, ponto 5 e ponto 11, subponto 16). 9. Em síntese, o requisito da indispensabilidade do custo/gasto não fica demonstrado pelo lucro obtido no ano em que a empresa incorre nesse custo/gasto e, tal custo/gasto seja algo estranho aos negócios da empresa (isto é, sem racionalidade económica) tendo em conta a natureza das relações entre as sociedades intervenientes, seus gerentes e administradores, a falta e desnecessidade de intermediações equivalentes para os negócios semelhantes noutros momentos e também a ausência de novos negócios que fossem obtidos através desse agente (vide, factos provados, ponto 11, subponto 23) Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos por Vs. Exas. deve o presente recurso obter provimento, revogando-se a douta decisão em recurso.” A Recorrida deduziu contra-alegações, com o seguinte teor: “A) Está em causa nos autos a indispensabilidade, para efeitos de IRC (e consequente dedutibilidade), do gasto suportado pela ora Recorrida com as comissões pagas, em 2011, à [SCom03...], ao abrigo do Contrato, para angariar negócios em e aumentar o seu volume de negócios em Angola, tendo a Recorrida, comprovadamente, no âmbito do Contrato e com intervenção da [SCom03...], atingido em 2011 o maior lucro líquido e a mais elevada taxa de lucro bruto na venda de mercadorias em Angola face aos dois anos anteriores. B) A AT, ora Recorrente, não põe em causa a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, designadamente que em 2011: (i) foi no âmbito do Contrato e com intervenção da [SCom03...] que a Recorrida vendeu à [SCom04...] bens e equipamentos para a construção civil e obras públicas e ainda equipamentos para estaleiros (cf. alíneas 5) e 6) da matéria de facto provada); (ii) a Recorrida atingiu o maior lucro líquido e a mais elevada taxa de lucro bruto na venda de mercadorias em Angola face aos dois anos anteriores (cf. alínea 8) da matéria de facto provada). C) A Recorrente também nunca pôs em causa que os gastos suportados pela ora Recorrida com o pagamento de comissões à [SCom03...] ao abrigo do Contrato: (i) tenham sido efetivamente suportados; (ii) respeitem à atividade da ora Recorrida. D) Andou bem o Tribunal a quo, na esteira do entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência sobre o conceito de indispensabilidade dos gastos previsto no artigo 23.º do Código do IRC, pela verificação, in casu, dos pressupostos da referida indispensabilidade. E) Com efeito, por força do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, a dedutibilidade dos está depende somente, de um ponto de vista substantivo, da existência de uma relação fundamentada com a atividade empresarial. F) Como tal, atendendo ao princípio da liberdade de gestão, a indispensabilidade a que se referia o artigo 23.º do Código do IRC, não se reportava à necessidade ou à conveniência meritória da despesa, mas antes a uma relação de causalidade económica, no sentido de que a mesma devesse ser realizada tendo em vista a prossecução do seu escopo societário. G) É entendimento unânime da jurisprudência dos Tribunais Superiores que o conceito de indispensabilidade de gastos, previsto no artigo 23.º do Código do IRC, depende da prova da necessidade, adequação e normalidade do custo para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora (cf., entre outros, acórdãos deste Venerando STA de 29.03.2006, no processo nº 01236/05, de 27.06.2018, no processo nº 01402/17 – do Pleno da Secção de Contencioso Tributário –, de 04.12.2019, no processo nº 01775/15.8BELRA 01299/17, e de 24.09.2014, no processo nº 0779/12, e do TCAS de 26.09.2006, no processo nº 01040/06, e de 28.03.2019, no processo nº 69/17.9BCLSB). H) No presente caso, é incontestável, como decidido pelo Tribunal a quo que a decisão da Recorrida de contratar um terceiro (a [SCom03...]) como agenciador de negócios em Angola se enquadra na liberdade de gestão, não podendo tal decisão ser sindicada pela AT – sob pena de estar a imiscuir-se na gestão empresarial –, e que foi comprovado o “nexo causal, razoável e justificado entre a assunção do gasto referente às comissões, incorrido no interesse da impugnante, e a contribuição desse custo, realizado no âmbito no respectivo escopo social, para a obtenção de lucro, daí decorrendo a indispensabilidade dos aludidos gastos para a obtenção dos proveitos” (cf. pág. 29 da sentença recorrida) I) Com efeito, tendo resultado provada na sentença recorrida a relação do Contrato celebrado entre a ora Recorrida e a [SCom03...] com a atividade da Recorrida, e tendo ficado igualmente provado que foi em 2011, no âmbito deste Contrato e com a intervenção da [SCom03...], que a ora Recorrida realizou vendas à [SCom04...] (cf. alíneas 2), 4), 5) e 6) da matéria de facto provada). J) E tendo ficado também provado na sentença que em 2011 a Recorrida obteve o maior lucro líquido e a mais elevada taxa de lucro bruto nas vendas para Angola face aos dois anos anteriores (cf. alínea 8) da matéria de facto provada). K) É forçoso concluir, como fez o Tribunal a quo, pela verificação da necessidade, adequação e normalidade dos gastos e da causalidade entre os gastos suportados e a atividade da Recorrida. L) Termos em que andou bem o Tribunal a quo ao decidir, como se impunha, à luz da matéria de facto provada e do entendimento pacífico da jurisprudência e da doutrina, pela dedutibilidade do gasto suportado pela Recorrida. Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com os devidos efeitos legais.” Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, por decisão sumária de 9.07.2024, aquele Tribunal declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer o mérito do recurso e competente para esse efeito o Tribunal Central Administrativo Norte (Secção de Contencioso Tributário). Remetidos os autos a este Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos ao abrigo do disposto no artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. ** Objecto do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir do erro de julgamento quanto à matéria de direito por errada subsunção dos factos ao direito. ** 2 - Fundamentação 2.1. Matéria de Facto O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz: “A) FACTOS PROVADOS: Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considera-se provada a seguinte factualidade: 1. A Impugnante dedica-se, desde 2009, ao comércio por grosso não especializado, designadamente, de máquinas, equipamentos e materiais para a construção civil (CAE 046900-R3) – cf. pág. 26v do Processo Administrativo (doravante PA) apenso em suporte físico e Certidão Permanente, fls. 246 do SITAF 2. Em 01-07-2011, a impugnante celebrou um “contrato de agência”, com a „[SCom03...] Limited‟ ([SCom03...]), sedeada em Malta, pelo prazo de cinco anos – Cf. contrato junto a pág. 170/174 do STAF. 3. No âmbito do contrato referido em 02) a impugnante e a [SCom03...] Limited‟ ([SCom03...]), acordaram, entre o mais, o seguinte: - (…) 1. CONSIDERANDOS a) A Principal é uma sociedade exportadora de equipamentos, maquinaria e materiais e pretende nomear o Agente como Agente Comercial dos produtos acima referidos no seguinte território: África (o "Território") b) O Agente pretende aceitar a nomeação e cumprir todas as disposições do presente contrato. 2. DURAÇÃO O prazo de vigência do presente contrato de agência será de cinco anos, a contar da data da sua assinatura, a menos que seja resolvido antes do seu termo. (…) 6. COMISSÕES a) O Agente durante a vigência do presente contrato, receberá uma comissão relativa à venda dos produtos da Principal para utilização no território do Agente, quer sejam vendidos pelo Agente ou pela Principal, ou terceiros, exceto o disposto no presente contrato. b) A comissão do agente sobre as vendas efetuadas nos termos do presente contrato será a seguinte: o Sobre vendas até €50.000 3% o Sobre vendas entre €50.001 e €100.000 5% o Sobre vendas entre €100.001 e € 200.000 15% o Sobre vendas entre €200.001 e €300.000 20% o Sobre vendas entre €300.001 e €400.000 25% o Sobre vendas superiores a €400.001 30% c) A comissão do agente é paga com base nas vendas mensais da Principal calculada da seguinte forma, Volume Bruto de Faturação, incluindo as vendas efetuadas através de outros agentes deduzida por - notas de crédito - e o montante das vendas não liquidadas financeiramente pelos clientes. (No caso de um cliente não pagar e se transformar em dívida incobrável pela Principal, a comissão será posteriormente alterada). - (…) 8. MOMENTO DO PAGAMENTO a) Não será creditado qualquer montante a ser recebido ao abrigo do presente contrato nas contas do Agente nos livros da Principal até que o comprador tenha efetuado a liquidação total à Principal, seja em numerário ou por quaisquer outros meios de pagamento aceitáveis, e tenha enviado à Principal ou a um agente autorizado quaisquer produtos passíveis de devolução. Se a liquidação for feita total ou parcialmente por outros meios de pagamento, a Principal poderá suspender o pagamento da comissão total ou parcialmente até que o pagamento tenha sido efetuado. b) Pode ser debitado na conta do Agente o montante de qualquer comissão previamente paga ao Agente ou creditada na sua conta a parte não paga do valor da compra. (…) – cf. contrato junto a pág. 170/174SITAF 4. Com a celebração do contrato referido nos pontos anteriores a impugnante a impugnante pretendia angariar e aumentar o seu volume de negócios em África, nomeadamente em Angola - Cf. cit. contrato e vd prova testemunhal. 5. Em 2011, no âmbito do contrato identificado em 02) e com Intervenção da [SCom03...], a impugnante vendeu à [SCom04...], SA, sediada em Angola, bens e equipamentos para a construção civil e obras públicas e ainda equipamentos para estaleiros - cf. RIT, Cap. III-5., pág. 31v do PA apenso em suporte físico; cf. ainda prova testemunhal 6. Para pagamento da intermediação das vendas referidas em 05), em 9.12.2011, a [SCom03...] emitiu em nome da impugnante a factura 01077/2011, no montante de € 777.245,19 – cf. factura n.º 01077/2011 constante do Anexo 1 do RIT e pág. 36/37 do PA. 7. Na factura referida em 06) a [SCom03...] fez constar as seguintes operações: “Professional fees in line with agency agreement dated 01.07.2011 Sales invoices 1-11 543.366,44 Sales invoices 12-28 231.200,82 Sales invoices 29-36 2.677,93" - cf. cit. factura n.º 01077/2011 anexa ao RIT. 8. Em 2011 a impugnante atingiu a mais elevada taxa de lucro bruto na venda de mercadorias para Angola face aos dois anos anteriores, bem como o maior lucro líquido– Cf. prova testemunhal. 9. Em 11-11-2015, a impugnante foi alvo de uma acção inspectiva externa, de âmbito geral, incidente sobre o ano de 2011, levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças ... (SIT) em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2015...46 – cf. RIT, pág. 29 do PA apenso em suporte físico. 10. Em resultado da acção inspectiva os SIT efectuaram correcções à matéria tributável, de natureza meramente aritmética, em sede de IRC, no montante de € 777.245,19 – cf. RIT, pág. 28 do PA apenso em suporte físico. 11. As correcções referidas no ponto anterior apoiaram-se no seguinte: “(…) III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas 1. Decorrente das análises e procedimentos inspetivos efetuados à contabilidade da sociedade objeto do presente procedimento, verificámos que se encontra lançada na contabilidade como um gasto, conforme se pode verificar em extrato c/c que anexamos e juntamos ao presente relatório como anexo 1 e que dele passa a fazer parte integrante, e portanto a diminuir o respetivo lucro tributável de 2011, uma fatura emitida em Inglês, emitida pela entidade [SCom03...] Limited, com domicílio fiscal em Malta, no montante global de 777.245, 19 EUR. 2. Esta fatura, que pode ser consultada no anexo 1 ao presente relatório e que dele passa a fazer parte integrante, datada de 2011-12-09 com o conteúdo que a seguir se descreve: "Professional fees in line with agency agreement dated 01.07.2011 Sales invoices 1-11 543.366.44 Sales invoices 12-28 231.200,82 Sales invoices 29-36 2.677,93" 3. Consultamos o sistema VIES (Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias - correspondente à abreviatura do termo inglês VAT Information Exchange System), e verificamos que efetivamente existia uma empresa com este nome, com o número de IVA ...11 sediada em Malta e com início de atividade precisamente em 2011-07-06. 4. Verifica-se ainda que esta fatura estava emitida em dólares, contudo, foram-nos entregues documentos referentes a 2013 em que se procede à substituição da fatura por uma nova com os símbolos em Euro (E), mas mantendo-se os valores numéricos constantes da primeira fatura. Por esse motivo, constata-se que se tratou de um lapso. 5. Consultando na contabilidade as vendas referidas na fatura emitida pela [SCom03...] Limited (as sales invoices), bem como as primeiras informações, embora meramente verbais, prestadas pelo Dr. «AA», verifica-se que as vendas em causa referem-se a bens e equipamentos para a construção civil e obras públicas, e também a equipamentos para estaleiros, e que foram vendidos a empresas associadas do grupo «...A...» em Angola, no caso a [SCom04...] SA. 6. Desta forma a empresa lançou nas suas contas como um gasto de 2011, comissões, atribuíveis a um terceiro domiciliado em Malta, e referentes a vendas que a própria [SCom01...], LDA efetuava para a [SCom04...]. 7. Assim sendo, e porque estes factos nos ofereciam dúvidas, solicitamos através de notificação pessoal, efetuada em 2015-10-02 junto da representante e gerente do sujeito passivo e agindo nesta qualidade, a Dr. a «BB», e que juntamos como anexo 2 ao presente relatório e que dele passa a fazer parte integrante, para que no dia 2015-10-15 pelas 10:00 tivesse presente na sua sede social e nos exibisse o (s) contrato e acordos (s) que tivessem sido celebrados com a sociedade [SCom03...], titular do VAT ...11, bem como cópias das faturas e meios de pagamento que tenham tido origem nos negócios celebrados com essa entidade. 8. Num segundo ponto da mesma notificação era pedido ainda, para no prazo de 13 dias contados a partir da notificação esclarecer por escrito e com a prova e o detalhe que se mostre indispensável qual a natureza precisa dos gastos escriturados na contabilidade da [SCom01...], LDA. relativos a faturas ou outros documentos equivalentes emitidos pela sociedade [SCom03...] LIMITED, titular do VAT ...11 9. Ora na data acordada a empresa não respondeu a nenhum dos pedidos constantes da notificação. Tentamos, todavia, persuadir verbalmente os representantes do sujeito passivo a cumpri-la mesmo que fora de prazo. 10. E sucede que dias mais tarde, em 2015-10-22, o Dr. «AA», enviou-nos um e-mail, que anexamos ao presente relatório com o número de Anexo 3, e que dele passa a fazer parte integrante, com o seguinte teor: "Em resposta à V/ solicitação vimos pelo presente meio esclarecer o seguinte: A [SCom03...], LIMITED é uma entidade terceira com a qual a [SCom01...] tem vindo a efectuar alguns negócios. No caso concreto a [SCom03...] angariou um negócio de venda de equipamentos para Angola à [SCom01...] e sobre o qual cobrou as suas comissões de acordo com o contrato entre a [SCom03...] e a [SCom01...]. Os gastos escriturados (777.245,19 €) pela [SCom01...] na contabilidade em 2011 têm a natureza de comissões e dizem respeito à comissão devida pela venda de equipamentos para Angola, negócio este angariado pela [SCom03...]. Quando à indispensabilidade deste gasto (Art. 230 do CIRC) referimos que o mesmo está directamente relacionado com as vendas efectuadas para Angola, as quais originaram um rédito de 3.582.861 ,65 € pelo que sem o gasto das referidas comissões não teria sido possível efectuar o negócio da venda dos equipamentos o que se traduziria numa diminuição do VN da [SCom01...] no valor do rédito deste negócio, com os concomitantes impactos em sede de IRC.” 11. Junto com esta mensagem resposta, o contribuinte enviou um anexo, em formato pdf, com o contrato efetuado entre a [SCom01...], LDA e a [SCom03...] Limited e que anexamos ao presente relatório como Anexo 4 e que dele passa a fazer parte integrante. 12. O referido contrato de 5 páginas intitula-se de Agency Agreement e está redigido em Inglês e acorda várias condições e pormenores de uma relação com vista ao estabelecimento do agente [SCom03...], Limited como General Business Agent para África durante cinco anos e prometendo-lhe pagar uma comissão pelas vendas da [SCom01...] em África. Está assinado na última página por parte da [SCom01...], LDA por «CC» e por parte do agente [SCom03...] LIMITED por «DD». Notamos que as 4 primeiras páginas do contrato apenas têm aposta no canto superior direito uma rúbrica de um dos contraentes, na aparência o do representante da [SCom01...], LDA. 13. Dados os factos e os elementos apresentados e tendo em conta o artigo 23. 0 do CIRC (Código do Imposto Sobre as Pessoas Coletivas) pensamos que o gasto contabilizado não deve ser dedutível em sede de IRC porque afigura-se desnecessário para a concretização de proveitos ou manutenção da fonte produtora uma vez que a [SCom01...] não tem necessidade de um terceiro para vender para empresas do grupo «...A...» em Angola uma vez que estamos perante um negócio entre partes relacionadas. 14. Nesses negócios efetuados com a [SCom04...] SA de venda, quer de bens e equipamentos para atividades de construção civil e obras públicas, quer de equipamentos para estaleiro, os sócios e gerentes da [SCom01...], LDA são ao mesmo tempo pessoas que ou trabalham, ou são gerentes ou membros do conselho de administração respetivamente da [SCom02...] SGPS SA e do [SCom02...] SA, que por sua vez têm uma participação financeira de domínio na [SCom04...] SA. 15. Conclui-se assim que neste contrato de venda para Angola, existe um relação em que as pessoas que negoceiam estão numa posição de perfeito conhecimento pessoal e comercial, de cada uma das partes envolvidas, e para além disso são partes relacionadas porque ao mesmo tempo dirigem e dominam estatutariamente ambas as entidades que efetuaram os negócios entre si, ou seja, a [SCom01...] LDA e a [SCom04...] SA. 16. Deve-se acrescentar ainda, o argumento, pertinente, que quer no passado, quer posteriormente, aos negócios em causa neste relatório entre a [SCom01...], LDA e a [SCom04...] SA e outras empresas em Angola com participação financeira do grupo «...A...» nunca a [SCom01...], LDA precisou de pagar comissões a terceiros, extra grupo [SCom02...]. 17. É evidente que não se demonstra a necessidade de pagar a terceiros para a concretização destes negócios, dado que a necessidade já existia e era suprida dentro das relações internas entre empresas do mesmo grupo, e dessa forma não se compreende o pagamento a um terceiro fora do grupo. 18. Refira-se, com enorme importância, que este terceiro, a [SCom03...] Limited, não necessitou de prestar qualquer serviço comercial nem teve qualquer encargo ou custo discernível entre outros, com pesquiza, entrevistas e reuniões com, viagens a, ou persuasão, de potenciais clientes, porque os intervenientes nos negócios fonte, a [SCom01...] e a [SCom04...] já eram conhecidos e com relações tais, que o terceiro não veio fazer ou acrescentar nada, pelo que na realidade não há um produto final ou serviço que o terceiro tenha para apresentar e que justificasse a contraprestação ou seja a comissão a auferir. 19. É aliás significativo que não nos tenha sido apresentado qualquer negócio que [SCom03...] tenha arranjado com empresas que estivessem fora do âmbito do grupo, domínio ou associação ao grupo «...A...», o que demonstra mais uma vez cabalmente a irrelevância da [SCom03...] Limited na atividade da [SCom01...], LDA. 20. Assim, não havendo necessidade comercial para o pagamento dessas comissões, e por outro lado não tendo esse terceiro qualquer encargo ou gasto com a prestação de qualquer serviço comercial, de intermediação ou agenciamento, e não resultado visível qualquer trabalho ou concretização real e valorizável em benefício da [SCom01...], LDA, não compreendemos a intervenção do terceiro e muito menos a necessidade de serviços que acabam por não ser concretizados, para que fosse justificável a [SCom01...] pagar qualquer valor e em consequência lançasse o montante como um gasto. 21. Quando na resposta à notificação da AT citada acima no ponto 10 é dito " que sem o gasto das referidas comissões não seria possível efetuar o negócio da venda de equipamentos" não é dito o porquê, nem é explicado o que valida esta afirmação. Apenas é apresentada uma afirmação que existe um rédito e que o gasto efetuado com essa comissão está relacionado com ele e justificaria o mesmo. Mas na verdade não é apresentada uma verdadeira razão de fundo lógica e credível que realmente justificasse a indispensabilidade do gasto. 22. Pelo contrário, como apresentamos acima, existem argumentos significativos para considerar que esse gasto não foi indispensável, nem sequer necessário. 23. Pelo contrário esse gasto acaba por ser algo estranho aos negócios da [SCom01...], LDA tendo em conta a natureza das relações entre as sociedades intervenientes e seus gerentes e administradores, bem como devido aos factos citados, nomeadamente a falta e desnecessidade de intermediações equivalentes para os negócios semelhantes noutros momentos, e também a ausência de novos negócios que fossem obtidos através desse agente como potenciais clientes que fosse alheios ao grupo «...A...», pelo que na verdade não se vislumbra qualquer concretização real da intervenção ou potenciais serviços prestados pela [SCom03...] Limited à [SCom01...], LDA no caso em apreciação. 24. Desta forma, e tendo em conta os elementos e os factos apresentados ao longo da presente exposição, propomos a correção desde gasto que a empresa deduziu indevidamente ao Lucro Tributável em sede de IRC de 2011, por violação do disposto no artigo 23. 0 do CIRC, no que diz respeito à indispensabilidade dos gastos para obter ou garantir os proveitos. 25. Conclusões: 1. Dos pontos expostos anteriormente resulta que: 1.1 O lucro tributável em sede de IRC de 2011 está subavaliado em 777.245,19 EUR (…) – cf. RIT, págs. 31v/33 do PA apenso em suporte físico 12. Em 10-02-2016, a impugnante tomou conhecimento do teor do projecto de relatório de inspecção tributária – cf. pág. 1 do PA apenso em suporte físico. 13. A impugnante não se pronunciou sobre o projecto de conclusões do procedimento inspectivo – cf. RIT, pág. 33v do PA apenso em suporte físico 14. Em 01-03-2016, foi elaborado um Relatório Final Inspectivo (RIT) – cf. págs. 26/48 do PA apenso em suporte físico. 15. Em 03-03-2016, o impugnante teve conhecimento do teor do RIT – cf. págs. 24/48 do PA apenso em suporte físico 16. Em resultado das conclusões da acção inspectiva foi emitida a seguinte liquidação adicional, e respectivos juros compensatórios: IRC: - n.º ...63, referente ao ano de 2011, no valor de € 234 211,88, incluídos juros compensatórios, no valor de € 30 573,63. - Cf. documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido). 17. Em data não concretamente apurada a impugnante tomou conhecimento das demonstrações de liquidação de IRC e de juros compensatórios, referidas no ponto anterior – facto não controvertido. Mais se provou que: 18. Em 2011, a impugnante, a sociedade [SCom02...], SA, entre outras, faziam parte do grupo «...A...» – Facto não controvertido 19. Em 2011 a sociedade [SCom02...], SA detinha 53,75% da [SCom04...], sediada em Angola – Facto não controvertido. 20. Desde 2019 a impugnante foi incorporada, por fusão, na sociedade [SCom02...] – SA – Cf. doc. de fls. 170/174 do SITAF. * B) FACTOS NÃO PROVADOS: Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa. * C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA: A convicção do Tribunal quanto à factualidade tida por assente assentou: na apreciação crítica e conjugada do teor dos documentos juntos aos autos e do procedimento administrativo (PA) apenso em suporte físico, que se encontra apenso em suporte físico, conforme referido em cada ponto do probatório e, outrossim, na posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados (veja-se, nomeadamente os pontos 08), 18), 19), 20))e corroborados pelos documentos juntos, também eles não impugnados; e na prova testemunhal produzida em sede de inquirição de testemunhas que foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum [cf. artigos 396.º do CC e 607.º, n.º 5 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT]. Vejamos mais de perto. Para dar como assente a factualidade vertida nos pontos 04), 05), 06) e 08) foi determinante a inquirição da prova testemunhal arrolada pela impugnante, designadamente a testemunha «AA» – Director financeiro de uma empresa do grupo «...A...» (de que a impugnante faz parte) e anteriormente director da contabilidade no grupo «...A...», grupo onde trabalha desde 2011. Prestou depoimento de modo credível, detalhado, isento e com grande conhecimento das empresas do grupo «...A...» onde a impugnante se insere por ali ter sido fundida como esclareceu e noticia o ponto 20) do probatório. Ao longo do seu depoimento a testemunha esclareceu o Tribunal acerca da contratação da [SCom03...] pela impugnante, dando conta que existia um contrato através do qual a [SCom03...] se comprometia a angariar negócios no mercado em África, mais precisamente em Angola onde aquela entidade angariadora tinha muitas relações comerciais e contactos (no mercado Angolano), o que facilitava os negócios, sendo-lhe pagas comissões por esse trabalho de angariação de clientes e expansão de mercado. Acrescentou que a impugnante antes da [SCom03...] já tinha negócios em Angola mas que “era pouca coisa” e que, com a intervenção da [SCom03...] em 2011, houve um aumento desses negócios que cifrou em cerca de 3.000.000,00, que narrou ao tribunal d modo claro e detalhado fazendo referencia aos valores contabilísticos constantes no quadro 9 da PI (valores não controvertidos) para assim esclarecer o Tribunal da mais valia que resultou para a impugnante a contratação da [SCom03...] e do impacto que teve no seu volume de negócios antes de 2011 e posteriormente a 2011, detalhando de modo credível o contributo que para este crescimento teve a contratação da [SCom03...] para o sentido crescimento da impugnante em 2011 face aos anos anteriores e posteriores. O depoimento assim prestado foi, como avançamos, determinante para o Tribunal se convencer daquilo que resultou provado nos pontos em análise, não só pela sua precisão, detalhe, mas também mercê ter sido, como avançamos, director de contabilidade do grupo «...A...» (no período entre outubro de 2011 e 2014); no facto de ter analisado as contas referentes aos anos de 2009 a 2013; nos conhecimentos revelados acerca do ambiente empresarial vivido em Angola, à data dos factos, desde logo no que respeita à conhecida dificuldade de saída de verbas daquele país, assim como pelo facto de todo o seu depoimento ter respaldo em vários dos documentos juntos aos autos (desde logo o próprio contrato de agência, a factura emitida pela [SCom03...], etc). De resto, quando questionada a testemunha acerca da racionalidade económica da contratação da [SCom03...] como angariador de clientes, respondeu, com segurança e assertividade, que caso não tivesse havido a intervenção da agenciadora, a impugnante não teria logrado concretizar as vendas, tituladas pela factura emitida pela [SCom03...], nem obtido os resultados económicos em 2011, o que se afigura lógico e justificado à luz das regras de experiencia comum e com eco no próprio ponto 08) da factualidade considerada provada. Ora, foi a conjugação de toda a prova assim colhida que, em conjugação entre si e numa apreciação livre e com o recurso às regras da experiência comum, levou o Tribunal a dar por provados os factos enumerados ( Cf. artigos 342.º e 362º e seguintes do CC, em particular o disposto no seu artigo 396.º; 607.º, n.º 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT; 74.º e 76.º da LGT; 123.º do CPPT; 94.º, n.ºs 3 e 4 do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea d) do CPPT).” *** 2.3 – O direito Constitui objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...], Lda., contribuinte n.º ...94, (incorporada, desde 08.01.2020, por fusão, na sociedade [SCom02...], S.A), contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2011, e de juros compensatórios, no valor global de €234.211,88. 2.3.1. Do erro de julgamento quanto à matéria de direito por errada subsunção dos factos ao direito No âmbito de acção inspectiva realizada à Recorrida, tendo por objecto o exercício de 2011, a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou os gastos relativos a comissões pagas em 2011 pela Recorrida à [SCom03...], por considerar que tais gastos se afiguram desnecessários para a concretização de proveitos ou manutenção da fonte produtora e como tal não dedutíveis ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas. O Tribunal a quo decidiu que se verifica o nexo causal, razoável e justificado entre a assunção do gasto referente às comissões, incorrido no interesse da Recorrida, e a contribuição desse custo, realizado no âmbito no respectivo escopo social, para a obtenção de lucro, daí decorrendo a indispensabilidade dos aludidos gastos para a obtenção dos proveitos da Recorrida. A Recorrente, manifesta discordância com o decidido, por considerar que “o requisito da indispensabilidade do custo/gasto não fica demonstrado pelo lucro obtido no ano em que a empresa incorre nesse custo/gasto e, tal custo/gasto seja algo estranho aos negócios da empresa (isto é, sem racionalidade económica) tendo em conta a natureza das relações entre as sociedades intervenientes, seus gerentes e administradores, a falta e desnecessidade de intermediações equivalentes para os negócios semelhantes noutros momentos e também a ausência de novos negócios que fossem obtidos através desse agente.” A Recorrida, por sua vez, em sede de contra-alegações, vem defender que é forçoso concluir, pela verificação da necessidade, adequação e normalidade dos gastos e da causalidade entre os gastos suportados e a actividade da Recorrida. Vejamos. A determinação do lucro tributável, conforme o dispunha o artigo 17.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, “é cotejada pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”. Conforme decorria à data dos factos do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, sob a epígrafe “Gastos” que “1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação; b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos; c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado; d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós -emprego ou a longo prazo dos empregados; e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta; f) De natureza fiscal e parafiscal; g) Depreciações e amortizações; h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões; i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais; l) Menos -valias realizadas; m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.” Desta forma, entre o gasto contabilístico e gasto fiscal não existe uma absoluta coincidência, na medida em que fiscalmente a dedutibilidade de gastos tem de obedecer ao preenchimento de dois requisitos, quais sejam a comprovação da sua ocorrência e a indispensabilidade destes, sendo que a ausência de um destes pressupostos implica a sua não consideração como custo fiscal, uma vez que no IRC vigora o princípio do auto-apuramento do lucro contabilístico do sujeito passivo. Parafraseando António Moura Portugal (in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pag. 116) “Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata.” Mais concretamente sobre o critério da indispensabilidade, o mesmo Autor refere que “O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa” (cfr. ob. cit., p. 136.). Assim, inerente à indispensabilidade dos custos temos o interesse da empresa, sendo necessária a existência entre uma relação de causalidade (indispensabilidade) entre os encargos e os proveitos ou em face da manutenção da fonte produtora. Com efeito, e como se considerou no Acórdão do Pleno da secção do Contencioso Tributário do STA de 27.06.2018, proc. 01402/17: “(…) o conceito a que se reporta o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário.” – fim de citação. A par, do mesmo Aresto decorre que “Como ficou exarado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.06.2017, proferido no recurso 627/16, «no entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Assim, um gasto ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)» - neste sentido vide também os Acórdãos Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2011, recurso n.º 107/11, e de 24.09.2014, recurso 779/12.” – fim de citação. Acresce que, tem também entendido a doutrina que “se o encargo for determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc. …) então tal custo não deve ser havido por indispensável” – cfr. Rui Duarte Morais, in “Apontamentos de IRC”, Coimbra, 2007, pag.87. Nestes termos, e como faz referência a Recorrida nas suas contra-alegações “É entendimento unânime da jurisprudência dos Tribunais Superiores que o conceito de indispensabilidade de gastos, previsto no artigo 23.º do Código do IRC, depende da prova da necessidade, adequação e normalidade do custo para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora (cf., entre outros, acórdãos deste Venerando STA de 29.03.2006, no processo nº 01236/05, de 27.06.2018, no processo nº 01402/17 – do Pleno da Secção de Contencioso Tributário –, de 04.12.2019, no processo nº 01775/15.8BELRA 01299/17, e de 24.09.2014, no processo nº 0779/12, e do TCAS de 26.09.2006, no processo nº 01040/06, e de 28.03.2019, no processo nº 69/17.9BCLSB).” “Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5.ª edição, 1996, pag.206 e seg.). Sendo consabido que “o requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa”, e ainda que “em termos de ónus da prova, (…),cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à administração tributária (AT) o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade (5), sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição(6).2 (cfr. Acórdão do TCA Sul de 31.10.2019, proc. n.º 7424/14.4BCLSB e no mesmo sentido vide Acórdão do TCA Sul de 8.07.2021, proc. 311/03.3BTLRS), impõe-se a apreciação concreta da situação em dissidio. Retornando ao caso dos autos e como resulta da factualidade assente pelo Tribunal a quo, pontos 2. e 3., a Recorrida, celebrou um contrato de agência, com a [SCom03...], sedeada em Malta, pelo prazo de cinco anos, nos termos do qual acordaram o pagamento de comissões relativa à venda dos produtos da Recorrida para utilização no território da sociedade [SCom03...], quer sejam vendidos pela sociedade ou pela Recorrida, ou terceiros. Também resultou comprovado, cfr. pontos 4. a 6. da factualidade assente, que, com a celebração de tal contrato a Recorrida pretendia angariar e aumentar o seu volume de negócios em África, nomeadamente em Angola, tendo, no âmbito do sobredito contrato e com Intervenção da [SCom03...], vendido à [SCom04...], SA, sediada em Angola, bens e equipamentos para a construção civil e obras públicas e ainda equipamentos para estaleiros, tendo, nessa senda pago a comissão na ordem dos €777.245,19. Ora, a Recorrente não impugnou a matéria de facto assente, nem tinha de o fazer, na medida em que a fundamentação do recurso prende-se com a subsunção dos factos ao direito, isto é, as ilações que o Tribunal a quo retirou da factualidade assente, defendendo que se verifica incorrecta interpretação e aplicação do requisito da indispensabilidade do gasto, não se mostrando controvertida a comprovação desse mesmo gasto, mas tão só o juízo de não indispensabilidade do custo em causa. Ora, a Autoridade Tributária e Aduaneira fundamentou a sua actuação nos elementos factuais que decorrem do relatório do procedimento inspectivo coligido no ponto 11. da factualidade assente, os quais, resumidamente passamos a elencar: ü O contrato outorgado pela Recorrida com a [SCom03...] data de 1.07.2011, enquanto que a sociedade iniciou a sua actividade em 6.07.2011; ü Existência de relações especiais entre a Recorrida e a sociedade Angolana [SCom04...], SA, na medida em que, os sócios e gerentes da Recorrida são ao mesmo tempo pessoas que ou trabalham, ou são gerentes ou membros do conselho de administração respetivamente da [SCom02...] SGPS SA e da [SCom02...] SA, que por sua vez têm uma participação financeira de domínio na [SCom04...] SA; ü “(…) quer no passado, quer posteriormente, aos negócios em causa neste relatório entre a [SCom01...], LDA e a [SCom04...] SA e outras empresas em Angola com participação financeira do grupo «...A...», nunca a [SCom01...], LDA precisou de pagar comissões a terceiros, extra grupo [SCom02...]”; ü A [SCom03...] Limited, não necessitou de prestar qualquer serviço comercial nem teve qualquer encargo ou custo discernível entre outros, com pesquiza, entrevistas e reuniões com, viagens a, ou persuasão, de potenciais clientes, porque os intervenientes nos negócios fonte, a [SCom01...] e a [SCom04...] já eram conhecidos e com relações comerciais previamente estabelecidas; ü A [SCom03...] não intermediou qualquer outro negócio com sociedades que estivessem fora do âmbito do grupo, domínio ou associação ao grupo «...A...». Nesta senda, consideramos que a Autoridade Tributária e Aduaneira logrou colocar em causa a relevância do gasto controvertido do ponto de vista da indispensabilidade. Isto porque, não se logra percepcionar a racionalidade económica do pagamento de comissões a terceiro para angariar cliente que já detinha relações comerciais com a Recorrida, não se percepcionando assim a indispensabilidade de tal gasto. Ademais, não se pode desconsiderar, nem deixar de relevar as relações especiais que a Recorrida detinha com a sociedade cliente, por via dos sócios e gerentes desta que trabalham, ou são gerentes ou membros do conselho de administração da sociedade [SCom02...], SGPS SA e da sociedade [SCom02...] SA, que por sua vez têm uma participação financeira de domínio na [SCom04...] SA. Com efeito, não se vislumbra porque é que a Recorrida teve necessidade de contratar uma sociedade terceira para intermediar negócios com uma sociedade com quem já negociava sem intermediário e voltou a negociar após os 5 anos de contrato sem a intervenção de 3º. Assim, consideramos que a Autoridade tributária e Aduaneira cumpriu o seu ónus probatório, no sentido de colocar em causa a indispensabilidade do custo em causa. Por conseguinte, incumbia à Recorrida o ónus da prova de que os custos são indispensáveis. No entanto, não se vislumbra da factualidade comprovada, nem da motivação da mesma que tenha sido demonstrado a indispensabilidade do gasto controvertido. Isto porque, na senda do que aqui já referenciado, não está em questão a materialidade da prestação de serviços inerente a tal gasto, materialidade que encontra respaldo na matéria de facto assente, mas tão só o carácter indispensável do mesmo. À Recorrida impunha-se demonstrar em que medida teve necessidade de recorrer a 3ºs e incorrer em gastos (avultados) para contratualizar vendas com sociedade com quem já negociava e que tinha como trabalhadores/gerentes/membros da administração os seus sócios e gerentes, o que, efectivamente não logrou explicar e em que medida tal se mostra adequado à actividade por si exercida. Ressalva-se que consideramos que o lucro, por si só, não se mostra como elemento suficiente para estabelecer o nexo de causalidade necessário a comprovar a indispensabilidade do gasto, até porque, no caso sob apreciação, nada nos inculca a ideia de que sem a intermediação verificada o lucro obtido não teria sido exactamente o mesmo. Nesta senda, atendendo à natureza das relações existentes entre as sociedades intervenientes, seus gerentes e administradores, à falta e desnecessidade de intermediações equivalentes para os negócios semelhantes noutros momentos (prévios e posteriores à outorga do contrato de intermediação) e também à ausência de novos negócios que fossem obtidos através desse agente, impunha-se que a Recorrida tivesse logrado demonstrar a necessidade, adequação e normalidade do custo para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, o que não logrou fazer. Nestes termos, impõe-se conceder provimento ao recurso interposto, pois, se por um lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira logrou cumprir o ónus que sobre ela recaía, já a Recorrida não logrou comprovar a indispensabilidade do gasto controvertido ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas. *** Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO: I. Entre o gasto contabilístico e gasto fiscal não existe uma absoluta coincidência, na medida em que, fiscalmente a dedutibilidade de gastos tem de obedecer ao preenchimento de dois requisitos, quais sejam a comprovação da sua ocorrência e a indispensabilidade destes. II. Recai sobre o contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis e a montante cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade. III. O conceito de indispensabilidade de gastos, previsto no então artigo 23.º do Código do IRC, depende da prova da necessidade, adequação e normalidade do custo para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. *** 3 – Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida. Custas pela Recorrida. Porto, 14 de Novembro de 2024 Virgínia Andrade Rui Esteves Celeste Oliveira |