Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01299/13.8BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/15/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
| Descritores: | ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO; PROVA DOCUMENTAL VERSUS PROVA TESTEMUNHAL; CONTRATO DE EMPREITADA; TRABALHOS A MENOS REALIZADOS; ARTIGO 19º DO CIRC; ARTIGO 100º, N.º1 DO CPPT; |
| Sumário: | I. A matéria de facto vertida na sentença não pode conter juízos de valor, nem considerações genéricas e deve estar devidamente motivada, fazendo um exame crítico das provas, nomeadamente fundamentado os motivos pelos quais um tipo de prova, como a testemunhal, deve prevalecer sobre a prova documental. II. Uma escritura pública de compra e venda pertence indiscutivelmente à categoria dos documentos autênticos (artigo 369º, nºs 1 e 2 do Código Civil) e faz, por isso, prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora (art. 371º, nº 1 do Código Civil). III. Um documento particular faz prova quanto às declarações que dele constam, considerando-se provadas essas declarações, na medida em que as mesmas não forem infirmadas pela prova testemunhal e não tiver a sua veracidade sido posta em questão pela parte contrária, sendo a sua força probatória livremente apreciada pelo Tribunal. IV. Ao abrigo do então artigo 19º do CIRC, no caso das obras cujo ciclo de produção ou tempo de construção seja superior a um (1) ano, podem as empresas que realizam obras de carácter plurianual adoptarem, na determinação dos resultados, o método do encerramento da obra ou o método da percentagem de acabamento. V. Pelo método da percentagem de acabamento permite que os resultados sejam evidenciados na contabilidade à e na medida do desenvolvimento físico da obra, em função do estádio de avanço da obra. VI. Se ocorrer divergência entre os valores contratados e os valores facturados, e um apuramento pelo sujeito passivo de graus de acabamento de 100% numa obra, legitima a correcção da AT de reconduzir o valor em falta aos proveitos. VII. Se o sujeito passivo provar não terem sido realizados todos os trabalhos previstos nos contratos de empreitada (designadamente os referentes à colocação de granitos), o que implicou uma diminuição dos valores inicialmente contratados com o dono da obra e uma diminuição da correspondente faturação, logra afastar os pressupostos em que assentou as correcções. VIII. Nos termos do artigo 100º, nº 1, do CPPT, sempre que da (contra)prova produzida pelo contribuinte resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Maioria |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A [SCom01...], S.A., (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 14.07.2022, que julgou improcedente a impugnação, por si intentada, contra a liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2009 e juros compensatórios, no valor global de 28.946,61 €, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) 1- A Recorrente impugna a decisão proferida pelo tribunal “a quo” relativamente à matéria de facto, designadamente na parte em que: - A inclusão na relação da matéria de facto declarada “Provada” do que se mostra escrito na al. I) do elenco da relação da matéria de facto declarada “Provada”; E contra, - A omissão de inclusão no elenco da Relação da matéria de facto dada por “Provada” o que resulta da carta enviada pela dona da obra – [SCom02...], lda. – dos dois edifícios, implantados no lote 2 e no lote 3, aos 1/08/2007, e cujo conteúdo se mostra supra transcrito, ou seja, Conforme já vos foi adiantado verbalmente vimos, por este meio, comunicar que surgiu um cliente interessado em adquirir uma fracção autónoma a esta sociedade, cuja actividade consiste na comercialização de mármores, granitos, etc. (mais concretamente trata-se da empresa [SCom03...], S.A.), sendo do seu interesse que o pagamento da fracção seja efectuado mediante o fornecimento de materiais, nomeadamente tudo o que se relaciona com granitos, mármores e afins, das obras em curso, e adjudicados à vossa empresa, nomeadamente obras do lote 2 e lote 3 de ´«...X...». Sendo assim, solicitamos a V.Exa. que os orçamentos iniciais dessas obras e respectivos contratos sejam alterados em virtude de não realização desses trabalhos. (…)” – fls. 43 dos autos - A Omissão de inclusão no elenco da Relação da matéria de facto dada por “Provada” do que resulta dos dois recibos de quitação que foram juntos pela dona da obra daqueles dois edifícios, reportados ao negócio celebrado entre a mesma e a fornecedora dos mármores e granitos, a saber: - Recibo emitido pela fornecedora – [SCom03...], S.A. -, dos mármores e granitos para aqueles dois edifícios (lote 2 e lote 3), tal como para os edifícios que foram construídos no lote 4 e 5, na data da escritura de transmissão do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, objecto da troca, no montante de €.87.500,00, dando, nessa data da outorga da escritura de compra e venda - 25/09/2008 - quitação de todos os fornecimentos que até essa data já havia efectuado à [SCom02...] (doc. 37 junto pela [SCom02...] aos autos em 8/11/2021 e que se encontra a fls._ dos autos); - Recibo emitido pela dona das obras – [SCom02...], Lda. - a favor da dita fornecedora dos mármores e granitos – [SCom03...], S.A. -, que em troca recebeu a fracção autónoma, melhor identificada na escritura notarial de compra e venda, conferindo-lhe, também nessa data de 25/09/2008, integral quitação do preço estipulado para a dita fracção autónoma, igual á dos fornecimentos que tinham sido efectuados até essa data de €. 87.500,00 (doc. 39 junto pela [SCom02...] aos autos em 8/11/2021 e que se encontra a fls._ dos autos); - A Omissão de inclusão no elenco da Relação da matéria de facto dada por “Provada”, do que resulta da citada escritura notarial de Compra e venda outorgada aos 25/09/2008 entre a dona da obra daqueles dois edifícios, [SCom02...], lda. e a fornecedora dos mármores e granitos, [SCom03...], S.A. e através da qual aquela transmitiu a esta a propriedade sobre a fracção autónoma aí melhor identificada, assim se cumprindo o negócio de troca entre ambas celebrado (doc. 38 junto pela [SCom02...] aos autos em 8/11/2021 e que se encontra a fls._ dos autos); E ainda contra, - As respostas de “Não Provado” dadas pelo Tribunal “a quo” à matéria de facto constante de nºs 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7) e 8) da relação da matéria de facto dada como não provada na douta Sentença de fls._ dos autos. 2- A Recorrente impugnou essas teses opinativas e conclusões que o senhor inspector tributário fez verter no relatório para fundamentar a infeliz conclusão a que chegou. 3- Nenhuma prova foi produzida pela AT que permita afirmar poder dar-se como “Provado” o que representa as “teses opinativas” expressas pelo senhor inspector tributário no seu relatório, o qual nunca foi aceite pela sociedade Impugnante. 4- Por isso e ainda por força do acervo probatório resultante dos documentos que infra melhor se descreverão e que aqui desde já se citam, a saber: - carta e comunicação enviada aos 1/08/2007 pela sociedade [SCom02...], Lda. à [SCom01...] S.A.; - Os dois recibos de quitação que foram juntos pela dona da obra daqueles dois edifícios, reportados ao negócio celebrado entre a mesma e a fornecedora dos mármores e granitos; - A escritura notarial de Compra e venda outorgada aos 25/09/2008 entre a dona da obra daqueles dois edifícios, [SCom02...], lda. e a fornecedora dos mármores e granitos, [SCom03...], S.A. - Os mapas de trabalhos a menos respeitantes quer ao edifício construído no Lote 2, quer ao edifício construído no Lote 3. 5- Tal como por força da prova resultante dos depoimentos das testemunhas, designadamente, das partes que infra serão transcritas no capítulo IV dos depoimentos das testemunhas «AA», «BB» e «CC», que por brevidade e economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos. 6- Aquela transcrição do texto e teses opinativas elaboradas pelo senhor inspector tributário devem ser excluídas da relação da matéria de facto. 7- Supomos que é pacífico que devem ser considerados como não escritos, por conterem expressões conclusivas e insusceptíveis de serem vertidas na relação da matéria de facto as teses e opiniões de carácter conclusivo. 8- Por tudo isso deve ser declarado como não escrito por este Venerando Tribunal “ad quem” tudo quando se mostra escrito na al. I) do elenco da matéria de facto declarada “Provada” pelo tribunal “a quo” – aplicação conjugada do art. 607º nº 4 e 662º do CPC. Por outro lado, 9- Os factos afirmados pela Impugnante e, ou, pela dona da obra, correspondente à empreitada dos dois edifícios constantes dos documentos citados nas als. b), c) e d) do capítulo I destas alegações, a saber: - carta e comunicação enviada aos 1/08/2007 pela sociedade [SCom02...], Lda. à [SCom01...] S.A. supra citada; - Os dois recibos de quitação que foram juntos pela dona da obra daqueles dois edifícios, reportados ao negócio celebrado entre a mesma e a fornecedora dos mármores e granitos, também supra citados; A escritura notarial de Compra e venda outorgada aos 25/09/2008 entre a dona da obra daqueles dois edifícios, [SCom02...], lda. e a fornecedora dos mármores e granitos, [SCom03...], S.A., também supra citada. 10- Representam e traduzem factualidade que tem relevância para a decisão a proferir nos autos atentas as diversas soluções plausíveis para a questão de direito que importa dirimir nos autos. 11- Daí que, desses documentos, atento o princípio da aquisição da prova, devem ser extraídos os factos que os mesmos representam e que também correspondem à alegação da impugnante, para serem levados ao elenco da matéria de facto “Provada”, designadamente, devem ser levados ao elenco da matéria de facto “Provada”: - A dona da obra a que diz respeito a empreitada dos edifícios do Lote 2 e Lote 3, [SCom02...], Lda., em 1/08/2007 comunicou à empreiteira, [SCom01...] S.A., que “(…) surgiu um cliente interessado em adquirir uma fracção autónoma a esta sociedade, cuja actividade consiste na comercialização de mármores, granitos, etc. (mais concretamente trata-se da empresa [SCom03...], S.A.), sendo do seu interesse que o pagamento da fracção seja efectuado mediante o fornecimento de materiais, nomeadamente tudo o que se relaciona com granitos, mármores e afins, das obras em curso, e adjudicados à vossa empresa, nomeadamente obras do lote 2 e lote 3 de ´«...X...». Sendo assim, solicitamos a V.Exa. que os orçamentos iniciais dessas obras e respectivos contratos sejam alterados em virtude de não realização desses trabalhos. (…)” - Aquando da celebração da escritura notarial de Compra e venda outorgada aos 25/09/2008 entre a dona da obra daqueles dois edifícios, [SCom02...], Lda. e a fornecedora dos mármores e granitos, [SCom03...], S.A. esta emitiu e entregou à [SCom02...] o recibo de quitação reportado aos fornecimentos de mármores e granitos que havia realizado para o Lote 2 e Lote 3 e, pelo seu lado, a [SCom02...] entregou à [SCom03...], S.A. o recibo de quitação reportado ao preço da fracção autónoma. 12- Estes factos que estão provados, quer pelos supra citados documentos que se encontram juntos aos autos, quer ainda pelos depoimentos das testemunhas, designadamente, das partes desses depoimentos que infra serão transcritas no capítulo IV dos depoimentos das testemunhas «AA», «BB» e «CC», que por brevidade e economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos. 13- Devem ser acrescentados ao elenco da matéria de facto declarada “Provada”, passando a fazer parte da mesma, como decorre de uma boa e acertada análise crítica da prova produzida, seja a documental, seja a testemunhal, como supra se concretizou e especificou, e de acordo com a melhor interpretação do conjugadamente disposto nos arts. 5º, nº 2, als. a) e b), 411º, 413º, 607º nº 4, 611º nº 1 e 662º do CPC. Por outro lado ainda, 14- Os documentos já supra citados carreados para os autos e não impugnados pela AT, designadamente, a dita carta dirigida pela [SCom02...], Lda. à [SCom01...], S.A. em 1/08/2007 informando, a propósito do contrato de empreitada dos edifícios do lote 2 e lote 3/´«...X...»-..., que iria adquirir os mármores e granitos e outros materiais em pedra à sociedade “[SCom03...], S.A.” para serem aplicados nos edifícios em construção naqueles lotes, pretendendo a alteração dos orçamentos iniciais e respectivos contratos, “em virtude de não realização desses trabalhos” pela empreiteira; 15- O “Mapa de extracto de trabalhos a menos” relativos à empreitada da construção do edifício para habitação do lote 2 (Edifício 1...) ´«...X...», de onde resulta a não realização de trabalhos que, atento os preços unitários previstos no contrato de empreitada, traduziram uma redução de serviços, trabalhos e fornecimentos na totalidade de €.45.720,00 e, 16- O “Mapa de extracto de trabalhos a menos” relativos à empreitada da construção do edifício para habitação do lote 3 (Edifício 2...) ´«...X...», de onde resulta a não realização de trabalhos que, atento os preços unitários previstos no contrato de empreitada, traduziram uma redução de serviços, trabalhos e fornecimentos na totalidade de €.60.143,68. 17- As facturas respeitantes aos fornecimentos das pedras de mármore e de granito efectuadas pela já citada [SCom03...], S.A. à dona da obra, [SCom02...], Lda., para serem aplicados naquele Lote 2 (Edifício 1...) e Lote 3 (Edifício 2...). 18- O recibo de quitação emitido pela [SCom03...], S.A. aos 25/09/2008 a favor da [SCom02...], Lda., conferindo, por isso, quitação em razão daqueles e dos demais fornecimentos de mármores e granitos que foram efectuados quer para os edifícios construídos nos Lotes 2 e 3, quer para os outros edifícios construídos nos Lotes 4 e 5; 19- A escritura de compra e venda celebrada entre a [SCom02...], Lda. e a [SCom03...], S.A. nesse mesmo dia 25/09/2008, e o recibo de quitação passado pela [SCom02...], Lda. à [SCom03...], S.A. também nesse mesmo dia 25/09/2008 de valor igual àquele que esta havia emitido a favor daquela e ainda igual ao valor do preço dado 67 à fracção autónoma objecto do negócio de troca, que foi formalizado sob a forma de compra e venda; 20- Impondo-se ainda fazer apelo à explicação que a sociedade [SCom02...], Lda. apresentou nos autos em Março de 2022 – fls._ - onde deixou clarificado as circunstâncias e fundamentos para a elaboração do mapa de trabalhos a menos respeitante ao lote 2 e do mapa de trabalhos a menos respeitante ao lote 3, explicação essa fornecida nos autos que, por brevidade e economia processual, também aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos. 21- Concatenada essa prova documental com as regras da experiência comum, bem como atendendo à melhor valoração dos depoimentos das testemunhas prestados na audiência de julgamento, designadamente, nas partes que supra se transcreveram para melhor demonstrar o erro de julgamento respeitante à matéria de facto cometido pelo tribunal "a quo“, a saber, os citados depoimentos prestados pelas testemunhas, «AA», «DD» e «CC», 22- É forçoso concluir, salvo o devido respeito, que, atentas ainda as regras da experiencia comum, a decisão respeitante á matéria de facto proferida pelo Tribunal “a quo” padece dos já supra assinalados e apontados vícios, quer de inclusão na matéria de facto declarada provada de “teses opinativas e conclusivas”, como é o caso do que se encontra escrito na alínea I) do elenco da relação da matéria de facto que foi dada por provada, quer em razão da omissão da inclusão na matéria de facto dos factos resultantes do invocado pela impugnante e demonstrado nos documentos supra citados e transcritos, quer em razão de ter sido levada ao elenco da matéria de facto “Não Provada” os supra citados factos que se reclama passem para a relação da matéria de facto “Provada”. 23- Devendo este tribunal “ad quem” alterar a decisão respeitante à declaração de “Não Provado” da factualidade também supra identificada e incluída em nºs 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7) e 8) da relação da matéria de facto dada como “não provada”, a qual deverá transitar para o elenco da matéria de facto declarada “Provada”. 24- Alteração esta que é imposta, salvo o devido respeito, pelos documentos que demonstram que: a) O fornecedor de mármores e granitos para cada uma das ditas obras, foi a Sociedade “[SCom03...], S.A.”, b) As facturas respeitantes aos fornecimentos de mármores e granitos para a obra do lote 2 – ´«...X...» – estão identificadas e discriminadas nos documentos n.ºs 1 a 18, nas quais se pode ver e ler a referência a: “Lote 2 – Edifício 1...”; c) As facturas respeitantes aos fornecimentos de mármores e granitos para a obra do lote 3 – ´«...X...» – estão identificadas e discriminadas nos documentos n.ºs 1 a 18, nas quais se pode ver e ler a referência a: “Lote 3 – Edifício 1...”; d) A dona da obra – [SCom02...], Lda. – conseguiu com essa permuta e fornecimentos contratados com aquela “[SCom03...], Lda.”, reduzir de forma muito substancial o custo da obra de construção dos 2 edifícios. Por outro lado, 25- Importa ainda atender, para melhor aquilatar o erro e vicio praticado pela AT, mantido pela douta Sentença recorrida, que normalmente os contratos de construção têm início e conclusão em anos (exercícios económicos) diferentes. 26- Para que na contabilidade de cada exercício sejam reconhecidos os gastos e os proveitos desse exercício existe uma norma na contabilidade que regulamenta essa matéria, actualmente, a Norma Contabilística e de Relato Financeiro no 19, (NCRF 19). 27- Para regular este tipo de situações, que ocorrem muitas vezes, relacionadas com contratos de construção, mandam as normas da contabilidade que se comparem, no final de cada ano os seguintes quocientes: a) Percentagem ou grau de acabamento da obra = Custos incorridos/Custos Estimados b) Percentagem ou grau e faturação Faturação emitida / valor global do contrato. 28- Por tudo isto, a sociedade Impugnante/Recorrente não deve, nem pode, ser forçada a aceitar as correcções propostas no relatório de inspecção e, consequentemente, também não pode, nem deve, ser forçada a aceitar a liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 2009 que agora lhe foi lançada. 29- Padecendo a liquidação de I.R.C. do ano de 2009 aqui Impugnada, do vício de violação de lei, resultante de erro sobre os pressupostos de facto em que a administração tributária assenta o direito à liquidação, uma vez que a sociedade Impugnante não omitiu a sua obrigação de facturar tudo quanto forneceu e prestou no âmbito das duas supramencionadas empreitadas. 30- Violando, para além das pertinentes normas fundamentais de direito tributário — arts. 18º n.º 3 al. b) e 19º n.º 2 do CIRC - as normas de direito civil que regulam as relações contratuais entre os particulares, designadamente, o conjugadamente disposto nos arts. 342º, 405º, 406º e 1216º n.º 1 e 3 do Código Civil e ainda as normas fundamentais da nossa lei Constitucional plasmadas nos arts. 103º n.º 3 e 104 n.º 2 da Constituição. 31- Pelo exposto, deve a douta sentença recorrida ser revogada, por forma a que a liquidação erradamente realizada pela A.T., seja anulada, conforme o peticionado, sendo certo que a mesma viola, por errada interpretação, o conjugadamente disposto nas supra citadas normas do CIRC, do CC, da CRP e ainda o conjugadamente disposto nos arts. 5º, nº 2 al. a) e b), 411º, 413º, 607 nº 4, 611º do CPC, aplicáveis “ex-vi” do art. 2º do C.P.P.T. NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE EXAS. VENERANDOS JUIZES DESEMBARGADORES, DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, POR SER DE INTEIRA, JUSTIÇA,» 1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 647 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. 1.5. Objecto do recurso e questões a decidir: Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre aferir a se a sentença recorrida enferma de (i) erro de julgamento de facto da matéria de facto provada ao reproduzir os juízos de valor constante do RIT, da matéria de facto não provada e omissão com suporte na prova documental existente nos autos e prova testemunhal produzida e, (ii) erro de julgamento de direito por vício de violação de lei (por erro sobre os pressupostos de facto), em infração aos artigos18º, nº 3, al. b) e 19º, nº 2 Código do IRC (CIRC); artigos 342º, 405º, 406º, e 121º, nº 3 do Código Civil (CC) e artigos 103º, nº 3 e 104º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP). 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «A) À data dos factos, a impugnante tinha como atividade principal a construção de edifícios de habitações e obras públicas – cf. RIT de fls. 436 do sitaf, não controvertido. B) À data dos factos, a impugnante tinha como administradores, TOC e ROC as seguintes pessoas: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] – cf. RIT de fls. 436 do sitaf, não controvertido. C) À data dos factos, a impugnante tinha como administradores/gerentes comuns às seguintes empresas, que também eram empresas suas clientes na aquisição de serviços de construção ...66 – [SCom02...], LDA e ...54 – [SCom04...], LDA- cf. RIT de fls. 436 do sitaf, não controvertido. D) No âmbito da ordem de serviço n.º ...01, a AT procedeu a uma ação de inspeção à Impugnante, relativa aos anos de 2009 e 2010, em sede de IRC - Cf. fls. 28 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. E) No âmbito da aludida inspeção foi elaborado projeto de relatório final em 10/09/2012 do qual se extraem as seguintes correções em sede de IRC: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Cf. fls. 148 do sitaf (fl. 13 e ss) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. F) Por ofício datado de 13/09/2012, registado, foi a Impugnante notificada para exercer o direito de audição - Cf. fls. 148 do sitaf (fl. 29 e ss) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. G) Em 01/10/2012, a Impugnante exerceu o direito de audição - Cf. fls. 148 do sitaf (fl. 31 e ss) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. H) No âmbito da aludida inspeção foi elaborado relatório final em 04/10/2012 do qual se extraem as seguintes correções em sede de IRC: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Cf. fls. 148 do sitaf (fl. 43 e ss) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. I) Do RIT mencionado na alínea antecedente extrai-se sob a epígrafe “descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria coletável” o seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] […] Cf. fls. 148 do sitaf (fl. 43 e ss) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. J) Em 12/10/2012 foi proferido despacho de concordância com as correções propostas no referido RIT - Cf. fls. 148 do sitaf (fl. 41) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. K) Em 17/10/2012 a Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária vindo a referenciar - Cf. fls. 148 do sitaf (fl. 74 e ss ) cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. L) Na sequência das conclusões do RIT vindo a referenciar foi emitida a liquidação adicional de IRC e JC n.º ...84, relativa ao exercício de 2009, no valor de € 28.946,61, com data limite de pagamento em 20/12/2012 - Cf. fls. 13 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. M) A Impugnante reclamou graciosamente da referida liquidação em 10/12/2012 -Cf. fls. 2 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. N) Por despacho de 23/04/2013, da Sr.ª Chefe de Divisão da DJAC da DF do ... foi indeferida a reclamação graciosa apresentada - Cf. fls. 52 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. O) A Impugnante foi notificada do despacho mencionado na alínea antecedente por ofício registado em 30/04/2013 - Cf. fls. 55 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. P) A presente impugnação deu entrada em 17/05/2013 - Cf. fls. 2 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Q) A “[SCom03...], SA” emitiu à “[SCom02...], Lda” as seguintes faturas: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Cf. 257 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Factos não provados 1) Em 2008 e 2009 a empresa praticamente não executou obras públicas, por via da crise que se instalou no sector e porque para o efeito não foi contratada. 2) No caso da empreitada identificada como “obra 11160 – lote 2 – ´«...X...»”, a “[SCom02...], Lda.” propôs e, acabou por impor, que todos os artigos relacionados com o fornecimento de granitos, mármores e afins, fossem eliminados do orçamento inicial da empreitada e o contrato fosse rectificado em conformidade. 3) Uma vez que os mesmos seriam fornecidos à [SCom02...], Lda.” por um interessado na compra de uma fracção autónoma desse mesmo empreendimento, sendo que o pagamento desses materiais pelo dono da obra, seria feito por encontro de contas aquando da venda/escritura dessa fracção autónoma. 4) A aqui Impugnante viu-se constrangida a aceitar tal alteração do contrato de empreitada, porque percebeu bem a justificação que o dono da obra lhe estava a dar para a diminuição da quantidade e qualidade dos trabalhos contratados. 5) A aqui impugnante acabou por não poder realizar esses fornecimentos relativos a mármore e granitos antes previstos e, por isso, não foi faturado qualquer valor respeitante a tais fornecimentos e trabalhos antes orçamentados e reflectidos no valor do contrato de empreitada celebrado. 6) No apuramento da conta final da empreitada apurou-se os seguintes valores: Valor do contrato inicial: 353.317,47 € Valor facturado: 307. 597,47 € Valor dos “trabalhos a menos/não realizados”: 45 720,00 € 7) No que concerne à obra de empreitada identificada como “Obra 11162 – Lote 3 – ´«...X...»”, por solicitação do dono da obra, a qual, pelos motivos e fundamentos já aludidos, se configura como uma verdadeira imposição, tiveram de ser deduzidos ao orçamento inicial e respectivo valor do contrato, todos os itens/artigos relacionados com o fornecimento de mármores e granitos, que foram fornecidos directamente à dona da obra pelo mesmo fornecedor, que aceitou que o preço desses fornecimentos fosse pago através de entrega de uma fracção autónoma. 8) No apuramento da conta final desta empreitada apurou-se os seguintes valores: Valor do contrato inicial: 409.257,86€ Valor facturado: 349. 132,14 € Valor dos “trabalhos a menos/não realizados”: 60 125,72 € * Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa. Motivação A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados. Quanto aos factos não provados, a convicção do Tribunal resultou da falta de prova desta factualidade, pois a prova testemunhal e documental produzidas não convenceu o Tribunal da mesma. Com efeito, «AA», empregado de escritório da impugnante, desde 1987, afirmou ter como funções proceder ao lançamento dos documentos, mas não era o TOC responsável pela contabilidade. Esta testemunha não demonstrou conhecimento direto desta factualidade, pois quando questionado sobre o conhecimento da mesma afirmou que este advém de conversas e de documentos de trabalhos a menos. A testemunha limitava-se a emitir a faturação de acordo com os autos de medição que lhe entregavam mensalmente, mas não intervinha na elaboração desses autos de medição. Também não teve intervenção na elaboração dos mapas de trabalhos a menos (docs. 2 a 4 juntos com a p.i.), pelo que não demonstrou conhecimento direto sobre os trabalhos a menos efetivamente não realizados, se foi uma imposição da “[SCom02...]” ou se por acordo com a impugnante. Também não demonstrou conhecimento sobre os demais trabalhos a menos constantes nos referidos documentos, afirmando que não se desloca à obra. Quanto a eventual acerto de contas entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]” relativamente a uma permuta de um apartamento, não demonstrou conhecimento direto destas negociações. Quanto a «BB», sócio gerente da “[SCom02...]”, desde 2006 até 2017, afirmou que desempenhava funções na parte comercial e deslocava-se às obras regularmente. Afirmou que não conferia os autos de medição que não eram da sua responsabilidade e quando confrontado com os docs. de fls. 44 e 45 do processo físico, afirmou tratar-se de trabalhos a menos, que estão assinados pela testemunha, mas não soube concretizar a data em que assinou estes documentos e que não elaborou os mapas de trabalhos a menos. Também não se recorda se o contrato de empreitada sofreu alterações por causa destes trabalhos a menos. Deste modo, a testemunha não demonstrou um conhecimento direto dos trabalhos efetivamente não realizados, limitando-se a assinar os mapas de trabalhos a menos que lhe foram apresentados, nem sequer demonstrou um conhecimento direto das negociações havidas entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]”. Por fim, «CC», TOC, afirmou ter trabalhado a tempo inteiro na empresa e no período em causa nos presentes autos era administrador da impugnante. Aludiu genericamente a trabalhos a mais e a menos e que os empreiteiros têm que se sujeitar a trabalhos a menos. Declarou que mensalmente era elaborado um auto de medição que vai para a contabilidade para ser emitida a faturação e que os trabalhos não efetuados foram justificados com a elaboração do auto de trabalho a menos. Contudo, afirmou que não teve intervenção na elaboração de tais autos e quando confrontado com os documentos três e quatro juntos com a p.i., afirmou que não teve intervenção e não estão assinados por si, tendo feito apenas o tratamento contabilístico. Afirmou que os granitos não foram fornecidos pela impugnante, mas que não teve conhecimento disso no decorrer da obra. Só no final da obra é que verificou que a faturação estava aquém do contratado e que os mapas de trabalhos a menos terão servido para justificar essas diferenças. Não soube concretizar em que momento foram feitos os mapas de trabalhos a menos e afirmou que não acompanhou o negócio da permuta, o que sabe são conversas que ouviu. Deste modo, as testemunhas inquiridas não demonstraram um conhecimento direto da factualidade, mas apenas documental ou contabilístico insuficiente para firmar a convicção do Tribunal (não demonstraram conhecimento direto dos concretos trabalhos alegadamente não realizados, respetivos valores, negociações havidas entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]”, valor atribuído aos fornecimentos, respetivas margens, acerto de contas), pelo que o Tribunal é forçado a dar como não provada esta factualidade. Quanto à documentação de fls. 257 do sitaf (fls. 1 a 106) junta aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, trata-se de faturas emitidas pela “[SCom03...], SA” à “[SCom02...], Lda” de cujo teor não é possível extrair qualquer correspondência entre as mesmas e as obras em causa nos presentes autos. Quanto à escritura de fls. 107 e ss de fls. 257 do sitaf, de 25/09/2008, outorgada entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]” não se extrai da mesma que tenha havido qualquer permuta ou que o pagamento tenha sido efetuado através de um acerto de contas, pelo que o Tribunal é forçado a dar como não provada esta factualidade. Além disso, esta escritura entra em contradição com a alegação da impugnante, pois esta alega que os granitos, mármores e afins fossem eliminados do orçamento inicial da empreitada e o contrato fosse retificado em conformidade, uma vez que os mesmos seriam fornecidos ao dono da obra por um interessado na compra de uma fração autónoma desse mesmo empreendimento – lote 2 – sendo que o pagamento desses materiais pelo dono da obra, seria feito pelo encontro de contas aquando da venda/escritura dessa fração autónoma (art.º 56.º da p.i.), mas o que se extrai da escritura de fls. 107 e ss de fls. 257 do sitaf, de 25/09/2008, outorgada entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]” é que se trata de uma fração em «...Y...». Do doc. 2 junto com a p.i. também não se extrai a factualidade alegada, designadamente os concretos trabalhos alegadamente não realizados, respetivos valores, negociações havidas entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]”, valor atribuído aos fornecimentos, respetivas margens, acerto de contas entre estas empresas. Dos documentos 3 e 4 juntos com a petição inicial, na medida em que se trata de documentos particulares livremente apreciáveis pelo Tribunal e nenhuma das testemunhas conseguiu demonstrar um conhecimento direto dos concretos trabalhos alegadamente não realizados, respetivos valores, negociações havidas entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]”, valor atribuído aos fornecimentos, respetivas margens e acerto de contas, tais documentos não podem servir só por si para demonstrar a factualidade alegada. Tanto mais que os docs. 3 e 4 juntos com a p.i. aludem a outros materiais, para além de mármores e granitos, e nenhuma das testemunhas demonstrou conhecimento direto sobre esses trabalhos a menos, pelo que não podem servir só por si para demonstrar a factualidade alegada.» 2.2. De direito Inconformada com a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, vêm a recorrente interpor recurso para este Tribunal daquela que julgou improcedente a impugnação por si deduzida, por ter aquela considerado que «... tendo a AT detetado diferenças entre o valor do contrato inicial e o valor faturado, sendo os resultados evidenciados na contabilidade à e na medida do desenvolvimento físico da obra – método da percentagem de acabamento – é evidente que a AT recolheu indícios seguros e adequados quando às omissões apuradas, pelo que a AT cumpriu o seu ónus – cf. art.º 74.º da LGT.» invertendo-se o ónus da prova da «(...)alegação genérica não concretizada em factos concretos que não serve para infirmar a factualidade recolhida pela AT, pois a impugnante não alega que em concreto houve atrasos na conclusão das obras ou incumprimento de prazos, pelo que improcede a alegação como causa invalidante das correções em causa nos presentes autos. (...)trata-se de matéria não provada, pelo que terá de soçobrar a alegação da impugnante como causa invalidante das correções efetuadas, improcedendo a violação dos arts. 18.º, n.º 3, b) e 19.º do CIRC, bem como arts. 103.º, n.º 3 e 104.º, n.º 2 da CRP.» Tanto quanto se apura das conclusões das respectivas alegações, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, são as seguintes as questões que a recorrente vem submeter à apreciação deste Tribunal ad quem: (i) Do erro de julgamento de facto, delimitado em três segmentos, do excesso de factualidade decorrente da inserção de meros juízes de valor constantes do RIT no ponto I) da matéria de facto assente, a ser alvo de supressão, da falta de condução ao probatório dos factos provados por via da prova documental junta aos autos em sede de petição e, da eliminação dos factos dados como não provados assente na prova documental existente nos autos e a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento; (ii) Do erro de julgamento de direito, por vício de violação de lei em infração aos artigos18º, nº 3, al. b) e 19º, nº 2 Código do IRC (CIRC), as normas de direito civil que regulam as relações contratuais entre os particulares, designadamente, o disposto 342º, 405º, 406º, e 1216º, nº 3 do Código Civil (CC) e, ainda as normas fundamentais da nossa lei Constitucional, artigos 103º, nº 3 e 104º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Cumpre apreciar e decidir. 2.2.1. Do erro de julgamento de facto Iniciaremos a análise do presente recurso pela apreciação do erro de julgamento de facto, o que corresponde ao teor das conclusões 1ª a 24ª (cumpre a estabilização da matéria de facto, para subsequentemente se proceder à análise do erro de julgamento de direito imputado). Na delimitação do objecto do recurso jurisdicional autonomizamos as várias vertentes da impugnação da matéria de facto, tal e qual decorrem das conclusões apresentadas, atenhamo-nos no erro apontado ao facto I) , indigitado nas conclusões 1ª, 6ª a 8ª, as quais permitem reduzir a pretensão de alteração do probatório à seguinte questão essencial: que a transcrição parcial do RIT ali reconduzida contém “texto e teses opinativas elaboradas pelo senhor inspector (...) que devem ser considerados como não escritos, por conterem expressões conclusivas” pelo que cumpre a este Tribunal ad quem declarar as mesmas como não escrito. Que dizer. De uma leitura mesmo que superficial dos factos apurados é manifesta a relevância que o Tribunal a quo atribuiu ao Relatório de Inspecção realizado à recorrente e, decorrente do teor deste, mormente à fundamentação dele constante sobre os pressupostos em que assentam as correcções meramente aritméticas determinadas. E, é nesse sentido, que tem que ser lido o transcrito e incluso no facto I), como sendo o que resulta do Relatório de Inspecção e a sua correcta valoração como tal. É que, no que respeita à força probatória do Relatório de Inspecção, cumpre salientar que aquele não faz prova plena dos factos nele exarados, mas exclusivamente, da sua elaboração e de quais foram os fundamentos nele expostos. Ou seja, a Administração Tributária tem, na parte que legalmente lhe está imposta, que fazer a prova dos factos, aqui se incluindo a prova dos factos indiciários que recolheu e em que fundamentou a sua decisão de não relevar fiscalmente a contabilidade do sujeito passivo e determinar correcções, explicitando as mesmas. Ou seja, não se pode confundir o teor e existência do Relatório com os factos cuja prova se impunha que fosse apurada, incluindo os factos aí vertidos. Por esse motivo, não vemos razão para alterar o conteúdo do I) supratranscrito, o que não invalida, que no passo seguinte, na apreciação da matéria de facto não provada e omissões elencadas neste recurso, não possa a pretensão da recorrente em sede de valoração da prova vir ser atendida em sede da apreciação do cumprimento do ónus da prova pelas partes. Prosseguindo no demais alegado no recurso em sede de erro de julgamento de facto, cumpre mencionar que a sentença depois de dar por assente a matéria de facto que considerou pertinente, em função dos elementos constantes do procedimento inspectivo, RIT, Reclamação graciosa e processo administrativo apenso, deu como provado no seu item Q) listagem de facturas emitidas pela “[SCom03...], S.A.” à “[SCom02...], Lda”, e da demais prova documental e da prova testemunhal, considerou em sede de factos não provados que a recorrente tenha deixado de executar obras públicas nos anos de 2008 e 2009, por via da crise que se instalou no sector, declinou a tese da recorrente que quanto aos lotes 2 e 3, todos os fornecimentos de granitos, mármores e afins foram eliminados do orçamento inicial da empreitada, não aceitando o valor dos “trabalhos a menos/não realizados”, em suma a tese da Recorrente, esgrimida na sua petição. Em função, dos mesmos conclui a sentença que estavam verificados os pressupostos das correções ao IRC de 2009, perante as diferenças entre o valor do contrato inicial e o valor faturado, sendo os resultados evidenciados na contabilidade à e na medida do desenvolvimento físico da obra e a tese dos trabalhos a menos da empreitada não provada. A recorrente alega que se deve considerar e valorar o conteúdo dos documentos juntos aos autos com a petição, a saber (i) carta e comunicação enviada aos 1/08/2007 pela sociedade [SCom02...], Lda. à [SCom01...] S.A., (ii) 0s dois recibos de quitação que foram juntos pela dona da obra daqueles dois edifícios, reportados ao negócio celebrado entre a mesma e a fornecedora dos mármores e granitos, (iii) a escritura notarial de Compra e venda outorgada aos 25/09/2008 entre a dona da obra daqueles dois edifícios, [SCom02...], ldª. e a fornecedora dos mármores e granitos, [SCom03...], S.A. , e (iv) os mapas de trabalhos a menos respeitantes quer ao edifício construído no Lote 2, quer ao edifício construído no Lote 3, os quais traduzem factualidade com relevância para a decisão da causa, que atento o princípio da aquisição da prova devem ser reconduzidos ao probatório provado. Mais alega que tais factos “(...) estão provados, quer pelos supra citados documentos que se encontram juntos aos autos, quer ainda pelos depoimentos das testemunhas, designadamente, das partes desses depoimentos que infra serão transcritas no capítulo IV dos depoimentos das testemunhas «AA», «BB» e «CC», que por brevidade e economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos. Devem ser acrescentados ao elenco da matéria de facto declarada “Provada”, passando a fazer parte da mesma, como decorre de uma boa e acertada análise crítica da prova produzida, seja a documental, seja a testemunhal, como supra se concretizou e especificou, e de acordo com a melhor interpretação do conjugadamente disposto nos arts. 5º, nº 2, als. a) e b), 411º, 413º, 607º nº 4, 611º nº 1 e 662º do CPC”. Para além do aditamento supra preconizado, mais requer a eliminação dos factos não provados decorrente da conjugação da prova testemunhal com a documental, argumentando que o Tribunal de 1.ª instância fez uma errada análise crítica da prova produzida. Apreciando. Em primeiro lugar compete referir que a recorrente indica a concreta prova que entende enfermar de erro de julgamento, seja por omissão, requerendo o seu aditamento, seja por erro, quanto ao que consta dos itens 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7) e 8) da matéria de facto dada como não provada. De seguida deve dizer-se que não é possível analisar os concretos depoimentos, na medida em que apesar de estarem transcritas e destacadas por translineação as passagens das gravações que eventualmente possam contrariar ou infirmar os factos dados como não provados através da prova testemunhal, certo é que a alegação é feita em bloco para o conjunto dos oitos factos que compõem o grupo de factos não provados, ou seja, foi omitida a sua concretização no que concerne ao depoimentos das três testemunhas relativamente a cada um dos concretos factos negativos cuja decisão impugna [neste sentido vide acórdão da STJ de 05.09.2018, proferido no âmbito do processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2]. Razão pela qual se considera que a recorrente não cumpriu o ónus estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC. Mas já é possível saber se existiu um exame crítico da prova mediante a análise da fundamentação da sentença, no que concerne à motivação da matéria de facto, mormente na parte relativa à prova testemunhal e sua conjugação com a prova documental, o que de imediato nos propomos. Vejamos, conforme preceitua o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, “4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” No mesmo sentido dispõe o n.º 3 do artigo 94.º do CPTA a, que o juiz deve analisar criticamente as provas, e por sua vez, o n.º 2 do artigo 123.º do CPPT determina que o juiz discrimina a matéria provada da não provada e fundamenta as decisões. Temos assim, «A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.º 2 do art. 123.º do CPPT. Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção. Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto”. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objetivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respetivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Mas, quando se tratar de meios de prova suscetíveis de avaliação subjetiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objetivo de revelação das razões da decisão, que seja efetuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária» [Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, (ed. 2011, vol. II, págs. 321 e 322), destacados nossa autoria]. Em suma, por via do exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma, indicando os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado [neste sentido vide Miguel Teixeira de Sousa in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348]. Prosseguindo, naqueles estudos o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, [op. cit pág. 348], sobre a boa técnica da motivação explicita que: “a fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção…” E, com relevo, in casu, existindo elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros. À luz do n.º 1 do artigo 662º do CPC, o Tribunal da Relação, ou seja, o Tribunal Central Administrativo enquanto Tribunal de 2.ª instância, deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, as provas produzidas impuserem decisão diversa, realizando um juízo autónomo sobre a factualidade assente, mormente sobre a prova produzida. Conforme refere o Prof. Rui Pinto, no Manual do Recurso Civil – vol. I, AAFDL Editora, ano 2020, na pág. 33: «2. Ora, é inegável que a relação pode censurar o tribunal a quo, em duplo grau de jurisdição em decisão sobre a matéria de facto, ao abrigo do artigo 662º, mesmo quanto aos juízos de livre apreciação da prova produzidos pelas instâncias.». E, o conselheiro Abrantes Geraldes, refere na sua obra Recursos em Processo Civil (6.ª ed., Almedina, ano 2020), em anotação ao artigo 662.º, nas págs. 331 e 332, que «3. Com a redação do art. 662.º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetem a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previsto no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência. (…) 4. o atual art. 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 2 e 3, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.». Por seu turno, o Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, redige no seu livro, Prova por Presunção no Direito Civil (3.ª ed., almedina, 2017), na pág. 185: «Conforme refere HENRIQUE ANTUNES, «(…) em face dos dados que a lei disponibiliza ao intérprete e ao aplicador, não há outra resposta exata que não entender que a Relação não deve limitar-se a corrigir os erros manifestos ou grosseiros da instância a quo, e que, na busca de uma solução mais acertada e justa para o objeto da causa, deve valorar de novo a prova, sem estar vinculada às razões e às valorações do juiz da 1ª instância – embora, no caso de divergência deve cumprir, com particular escrúpulo, o dever de motivação a que está adstrita, a través da indicação das razões que justificam a discordância.». Face a esta relevante alteração normativa, dúvidas não subsistem de que a Relação há de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a primeira instância, se estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida em função do princípio da imediação da prova ou de qualquer outro.». Munidos destes ensinamentos, constatamos que a sentença realiza uma análise crítica da prova, mormente tentando elucidar das razões pela qual a prova testemunhal prevaleceu in totum sobre a prova documental que a recorrente havia junto em sede de petição, documentação essa, alguma com prova plena e outra elaborada pelas próprias partes no negócio subjacente à redução do valor da empreitada que lograva provar, pro via da qual, se alcançamos o sentido da motivação, são as próprias testemunhas inquiridas para confirmar os documentos, que segundo o Tribunal a quo “infirmam” os próprios documentos, a negar a sua recondução à matéria de facto provada. O que desde logo, nos leva a questionar, de que se não houvera sido realizada a prova testemunhal, que visava atestar e complementar toda a prova documental junta em sede de petição, a factualidade inerente aos documentos teria sido relevada e levada ao probatório pelo julgador de 1ª instância? Atentemos algumas afirmações que se extraem da motivação explanada sobre a desvalorização dos documentos juntos. Ali se afirma «Quanto à documentação de fls. 257 do sitaf (fls. 1 a 106) junta aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, trata-se de faturas emitidas pela “[SCom03...], SA” à “[SCom02...], Lda” de cujo teor não é possível extrair qualquer correspondência entre as mesmas e as obras em causa nos presentes autos. Quanto à escritura de fls. 107 e ss de fls. 257 do sitaf, de 25/09/2008, outorgada entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]” não se extrai da mesma que tenha havido qualquer permuta ou que o pagamento tenha sido efetuado através de um acerto de contas, pelo que o Tribunal é forçado a dar como não provada esta factualidade. Além disso, esta escritura entra em contradição com a alegação da impugnante, pois esta alega que os granitos, mármores e afins fossem eliminados do orçamento inicial da empreitada e o contrato fosse retificado em conformidade, uma vez que os mesmos seriam fornecidos ao dono da obra por um interessado na compra de uma fração autónoma desse mesmo empreendimento – lote 2 – sendo que o pagamento desses materiais pelo dono da obra, seria feito pelo encontro de contas aquando da venda/escritura dessa fração autónoma (art.º 56.º da p.i.), mas o que se extrai da escritura de fls. 107 e ss de fls. 257 do sitaf, de 25/09/2008, outorgada entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]” é que se trata de uma fração em «...Y...». Do doc. 2 junto com a p.i. também não se extrai a factualidade alegada, designadamente os concretos trabalhos alegadamente não realizados, respetivos valores, negociações havidas entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]”, valor atribuído aos fornecimentos, respetivas margens, acerto de contas entre estas empresas. Dos documentos 3 e 4 juntos com a petição inicial, na medida em que se trata de documentos particulares livremente apreciáveis pelo Tribunal e nenhuma das testemunhas conseguiu demonstrar um conhecimento direto dos concretos trabalhos alegadamente não realizados, respetivos valores, negociações havidas entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]”, valor atribuído aos fornecimentos, respetivas margens e acerto de contas, tais documentos não podem servir só por si para demonstrar a factualidade alegada(...)». Cremos, que a sentença, efectuou um juízo de apreciação da prova testemunhal, por via da análise crítica dos depoimentos prestados, limitando-se a tecer considerações genéricas e superficiais sobre as testemunhas «AA» e «CC», afastando o seu conhecimento directo, mais abalando os seus testemunhos por não concretizarem as datas em que ocorreu a elaboração dos mapas de trabalho a menos. Quanto a testemunha «BB», o qual assinou os mapas de trabalho a menos aí se deixou expresso que «sócio gerente da “[SCom02...]”, desde 2006 até 2017, afirmou que desempenhava funções na parte comercial e deslocava-se às obras regularmente. Afirmou que não conferia os autos de medição que não eram da sua responsabilidade e quando confrontado com os docs. de fls. 44 e 45 do processo físico, afirmou tratar-se de trabalhos a menos, que estão assinados pela testemunha, mas não soube concretizar a data em que assinou estes documentos e que não elaborou os mapas de trabalhos a menos. Também não se recorda se o contrato de empreitada sofreu alterações por causa destes trabalhos a menos. Deste modo, a testemunha não demonstrou um conhecimento direto dos trabalhos efetivamente não realizados, limitando-se a assinar os mapas de trabalhos a menos que lhe foram apresentados, nem sequer demonstrou um conhecimento direto das negociações havidas entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]”.» Mas certo é que o que a sentença não fez, foi um juízo comparativo entre os dois tipos de prova, ou seja, a prova testemunhal e a prova documental, sendo que esta última apresenta maior objetividade, pelo que se mostrava necessário estar fundamentada a decisão da matéria de facto, no sentido de ser manifesta a prevalência da prova testemunhal sobre a documental, e neste particular, cremos que falece e não nos convence de todo, essencialmente porque a preocupação do julgador de 1ª instância foi a de justificar a factualidade dada como não provada, olvidando a presença de documentos cuja factualidade tinha que ter sido vertida para o probatório, não podendo assentar a sua não transposição no simples não conhecimentos directo de duas das testemunhas e a falta de concretização por parte de uma outra. Perante o exposto, está validada a admissibilidade deste Tribunal ad quem concretizar a sua própria convicção, realizando a devida fundamentação. E, como se impõem comecemos pela prova documental. Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 376.º do Código Civil, o documento particular faz prova plena quanto às declarações que nele constam, considerando-se provados os factos na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, sendo a declaração indivisível. Só assim não sucede quando esteja arguida a falsidade do documento, sendo que no caso em apreço não foi arguida a falsidade de tais documentos, pelo que os mesmos se devem considerar verdadeiros e prevalecerem sobre a prova testemunhal, conforme dispõe a lei e tem sido entendimento jurisprudencial e doutrinal. Veja-se, por exemplo, o Acórdão da Relação de Évora, proferido em 14.10,2021, no processo n.º 4151/20.7YIPRT.E1, cujo sumário se transcreve: “I. Um documento particular (artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil) cuja autoria (assinatura) não se encontra impugnada, tem o valor probatório previsto no artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova a falsidade do documento. II. Assente a força probatória plena do documento, não é admissível a prova testemunhal (e, consequentemente, a prova por presunção judicial - cfr. artigo 351.º do Código Civil) visando a demonstração da inveracidade da declaração com base em quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento com força probatória plena, sejam as mesmas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato (artigos 393.º, n.º 1 e 2, e 394.º, do Código Civil. III. Exceciona, porém, a lei, esta regra desde que esteja em causa apenas a interpretação do contexto do documento, como expressamente estipula o n.º 3 do artigo 394.º do Código Civil. IV. Se as circunstâncias do caso tornam verosímil a convenção (contra o conteúdo do documento ou para além dele – artigo 394.º do Código Civil), entende-se que a prova (...)testemunhal não colide com a regra dos artigos 394.º e 395.º do Código Civil. V. Nesse pressuposto, a prova testemunhal limita-se a completar e a esclarecer o significado das circunstâncias objetivas inerentes ao negócio em ordem a interpretar o contexto do documento confessório donde resultará, ou não, a conformidade do declarado com o facto ali inscrito (artigo 393º, n.º 3, do Código Civil).” Temos assim, que a prova testemunhal não pode ser admitida para infirmar o que o que decorre dos documentos de fls. 44 e 45 do processo físico “trabalhos realizados a menos”, escritura pública celebrada entre a dona de obra “sociedade [SCom02...]” e a “sociedade [SCom03...]”; as comunicações efectuadas em momento anterior pela dona de obra à sociedade responsável pela empreitada, os recibos de quitação emitidos pela “[SCom02...]” e “[SCom03...]” inerentes à compra e venda titulada pela escritura, e as facturas emitidas pela “[SCom03...]” a “[SCom02...]”. Sobre a valoração das declarações prestadas em escritura pública, em contraponto com as declarações insertas em documento particular que sejam diferentes, deve considerar-se que as declarações prestadas diante de oficial público são inverosímeis, caso haja outros documentos em sentido contrário, mesmo particulares. Veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/01/2018, proferido no processo n.º 8470/15.6T8CBR.C1, cujo sumário contém o seguinte teor: “I – Um documento autêntico faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador: tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exacto (art. 371º, nº 1, 1ª parte, do C.Civ.). II - Uma escritura pública de compra e venda pertence indiscutivelmente à categoria dos documentos autênticos (art. 369º, nºs 1 e 2 do CCiv) e faz, por isso, prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora (art. 371º, nº 1 do CCiv.). III - Um documento autêntico prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções (art. 371º, nº 1, 2ª parte, do CCiv.). (...) IX - Em resultado dessa força probatória plena, o facto confessado ter-se-ia, em princípio, de considerar como provado, sem poderem ser admitidas outras provas para isso contrariar (designadamente, a prova testemunhal - artº 393º, nº 2 - e, consequentemente, o funcionamento das presunções judiciais - artº 351º, nº 1, do CCiv), sem prejuízo, porém, de se poder demonstrar a falsidade do aludido documento autêntico ou fazer prova da falta ou vícios da vontade que inquinaram a declaração “confessória” (artºs 372º, nº 1 e 359º do CCiv.). X - A jurisprudência dos tribunais superiores, com base no defendido pelo Prof. Vaz Serra, tem entendido, maioritariamente, que, fora dos casos acima referidos, quando houver determinado circunstancialismo, por exemplo um princípio de prova por escrito, que tornem verosímil o facto a provar, contrário à declaração confessória, ficará aberta a possibilidade de complementar esse circunstancialismo, mediante testemunhas, de modo a fazer a prova do facto contrário ao constante dessa declaração, ou seja, no caso, a prova de onde resulte não corresponder à realidade o afirmado recebimento do preço. XI - Na verdade, se o facto a provar está já tornado verosímil por um começo de prova por escrito, a prova testemunhal é de admitir, pois não oferece os perigos que teria se desacompanhada de tal começo de prova: em tal caso, a convicção do tribunal acha-se já formada parcialmente com base num documento, não sendo a prova testemunhal o único meio de prova do facto. XII - Tal como nos documentos autênticos, fixada a força probatória formal dos documentos particulares, segue-se a determinação da sua força probatória material, que se encontra fixada no art. 376.°, n.° 1, do CCiv, ao estabelecer que, reconhecido que o documento procede da pessoa a quem é atribuído, que é genuíno, fica determinado que as declarações dele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante, sendo indivisível a declaração, nos termos que regulam a prova por confissão.” A documentação mencionada, tem que ser vista como um todo e não fraccionada ou isoladamente, em confronto com a prova testemunhal que possa ser determinante na sua contextualização e nas ilacções que venham a ser retiradas dos factos assentes a partir daqueles mesmos documentos, cuja veracidade não foi colocada em causa nos autos, pois que os mesmos não foram impugnados. Assim, cumpre reproduzir os factos constantes de tais documentos e, após perante os mesmos atestar da verosimilidade da tese que os mesmos sustentam. E, exemplo que a documentação a par da alegação tem de ser vista como um todo, veja-se que não faz qualquer sentido a afirmação na motivação emitida pelo Tribunal a quo de que existe contrariedade entre o teor da escritura e alegado no artigo 56º da petição, uma coisa é o que efectivamente veio a ser objecto do contrato de compra e venda em 2008, a fracção de um empreendimento em «...Y...», outra coisa é a intenção de aquisição de uma fracção pela empresa “[SCom03...]” à “[SCom02...]” em 2007 nas obras em curso do lote 2 e 3 de ´«...X...», o teor deste documento e da escritura são perfeitamente compatíveis à luz da experiência e respeito pela vontade negocial das partes, pelo que cumpria reconduzir o teor de ambos ao probatório, pois tal discrepância não invalida a eventual afectação do pagamento parcial do preço do apartamento sito em «...Y...», por via da prestação de materiais no empreendimento ´«...X...» lote 2 e 3. A exemplificar à luz das regras da experiência, vou visitar um empreendimento para aquisição de um apartamento, comprometo-me na compra daquele, no decurso das negociações, o promotor apresenta-me um produto à beira mar do mesmo promotor, mais caro, mas que me agrada, transfiro aquela minha negociação para a concretização da compra deste último apartamento, tal não invalida a minha intenção que eu manifestara, de aquisição no primeiro empreendimento visitado e do eventual negócio de permuta que estaria subjacente à compra do apartamento. Assim, sendo cumpre em primeiro lugar carrear para a matéria de facto provada a factualidade dos factos decorrentes da prova documental junta pela impugnante com a petição inicial, para num 2º momento aferir, numa apreciação critica e valorativa dos factos aditados conjugados com a prova testemunhal, confirmar ou infirmar a matéria vertida nos factos não provados. Em conformidade com o exposto, adita-se ao probatório transcrito supra, os seguintes factos, cuja respectiva fundamentação, se reconduz aos respectivos documentos com a menção expressa da sua referência e localização nos autos. Aditamento: R) Por comunicação datada de 01.08.2007, a sociedade “[SCom02...], Lda.” transmitiu à recorrente, sob o assunto “Edifícios Lote 2, Lote 3 – ´«...X...», o seguinte: “Exmos Senhores, Conforme já vos foi adiantado verbalmente, vimos, por este meio, comunicar que nos surgiu um cliente interessado em adquirir uma fracção autónoma a esta sociedade, cuja actividade consiste na comercialização de mármores, granitos, etc, (mais concretamente trata-se da empresa [SCom03...] S.A.), sendo do seu interesse que o pagamento da fracção seja efectuado mediante o fornecimento de materiais, nomeadamente tudo o que se relaciona com granitos, mármores e afins, das obras em curso e adjudicadas à vossa empresa, nomeadamente obras do lote 2 e lote 3 de ´«...X...». Sendo assim, solicitamos a V. Exa que os orçamentos iniciais dessas obras e respectivos contratos sejam alterados em virtude de não realização desses trabalhos” (cfr. doc. n.º 2 junto com a petição fls. 22 e ss. do SITAF, a que corresponde fls. 43 do suporte físico do processo) S) Em 25.09.2008 na qualidade de fornecedora de mármores e granitos a “[SCom03...], S.A.” emitiu em nome da sociedade “[SCom02...]” o recibo n.º 696, dando quitação do pagamento da quantia de € 87 500,00, correspondente a uma parte das facturas mencionadas na alínea Q) supra – cfr. fls. 257 e ss. do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido (doc. 37 junto pela “[SCom02...]” a instâncias do Tribunal (vide acta de 21.10.2021) aos autos em 09.11.2021 e que se encontra a fls.257 e ss do processo SITAF, cujo teor se dá por reproduzido); T) Em 25.09.2008, a sociedade “[SCom02...]” emitiu em nome da sociedade “[SCom03...]” o recibo n.º 280016/2008, dando quitação do pagamento de € 87 500,00, referente à “Prestação pela Compra de Apartamento (N.º 3) Fracção B PARK «...Y...»” (doc. 39 junto pela “[SCom02...]” a instâncias do Tribunal (vide acta de 21.10.2021) aos autos em 09.11.2021 e que se encontra a fls.257 e ss do processo SITAF, cujo teor se dá por reproduzido) U) Em 25.09.2008, foi outorgada uma escritura de “Compra e Venda”, onde os legais representantes da sociedade “[SCom02...]” declararam vender à sociedade “[SCom03...], S.A.”, pelo preço de € 87 500,00, já recebido, a fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado “Edifício Parque «...Y...»”, sito na ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...11; (doc. 38 junto pela “[SCom02...]” a instâncias do Tribunal (vide acta de 21.10.2021) aos autos em 09.11.2021 e que se encontra a fls.257 e ss do processo SITAF, cujo teor se dá por reproduzido). V) A Impugnante elaborou o “Mapa de extracto de trabalhos a menos – Construção edifício para habitação Lote 2 – ´«...X...»”, datado de 15/05/2009, que foi assinado pelos representantes legais da Impugnante e da sociedade “[SCom02...]”, que aprovaram o referido mapa contemplando trabalhos a menos no valor total de € 45 720,00; (cfr. doc. n.º 3 junto com a petição fls. 22 e ss. do SITAF, a que corresponde fls. 45 e ss. do suporte físico do processo) X) A Impugnante elaborou o “Mapa de extracto de trabalhos a menos – Construção edifício para habitação Lote 3 – ´«...X...»”, datado de 19/06/2009, que foi assinado pelos representantes legais da Impugnante e da sociedade “[SCom02...]”, que aprovaram o referido mapa contemplando trabalhos a menos no valor total de € 60 143,68; (cfr. doc. n.º 4 junto com a petição fls. 22 e ss. do SITAF, a que corresponde fls. 49 e ss. do suporte físico do processo) Posto isto vejamos dos itens não provados e da pretendida eliminação. Assim, quando ao ponto 1) cujo teor aqui deixamos “Em 2008 e 2009 a empresa praticamente não executou obras públicas, por via da crise que se instalou no sector e porque para o efeito não foi contratada”, nenhuma menção ou análise critica quanto ao mesmo discorre da motivação supratranscrita, o que nos leva desde logo a considerar a eliminação do mesmo. Mas mais se diga que o mesmo é manifestamente inócuo para a apreciação e decisão da causa, que se desenvolve no quadro da execução de obras privadas, o mesmo não reveste matéria controvertida entre as partes e, por último, que a crise da construção civil naqueles anos de 2008 e 2009 é um facto notório do conhecimento deste Tribunal ad quem, qual seja a crise que se instalou no sector da construção civil entre o período de 2007 a 2014, a valorar em sede de fundamentação. Do exposto, determina-se a eliminação do item 1) da “matéria de facto não provada”. Revisitando a prova testemunhal ao abrigo dos poderes conferidos a este Tribunal ad quem (artigo 662º do CPC), por via da sua audição, vejamos do depoimento das três testemunhas que estiveram na base da motivação do Tribunal a quo e que sustentando os itens não provados, infirmou como vimos a apreciação e valoração da prova documental constante dos autos. Cientes da matéria de facto dada por provada com suporte documental, atentemos desde logo ao depoimento do então sócio gerente da “[SCom02...]”, «BB», que após explicar algumas particularidades do empreendimento ´«...X...», lote 2 e 3 , e sobre a crise e o atraso no andamento das obras em vista a sua conclusão em cerca de dois anos, mencionou a existência de uma permuta entre, um apartamento que a “[SCom02...]” tinha em «...Y...» por vender e o fornecimentos de material que ele vendia para as obras em curso, que é granito, mármores, mais referindo especificando quais os materiais utilizados nos lotes 2 e 3 de que “(...) foi toda a fachada... em granito, salvo erro ..., salvo erro, porque ..., ... são muito parecidos e agora sei que a cor, aquela cor clara, e forneceu também para a escadaria, para toda, toda a caixa de escadas do prédios e halls de entrada, granito também, cozinhas, no caso concreto balcões da cozinha, padieiras, soleiras, porquê, porque nós, nós estou-me a referir sempre a “[SCom02...]”, se pudermos obter material sem ir ao banco, ao nosso, ao banco, à nossa conta bancária da “[SCom02...]” mexer, sem ir lá buscar dinheiro para obter esses materiais, melhor ainda, ficámos com... e libertamos um apartamento que estava lá. Conseguimos chegar a acordo, o senhor era de ..., a empresa é da ..., tinha um apartamento em «...Y...», em «...W...», portanto, era meio caminho, o homem até achou alguma piada a ter aquilo para o fim de semana, e fizemos o negócio, e era-nos fornecido para nós “[SCom02...]” era muito bom que deixávamos de ter esse encargo no fim do mês quando era fornecido o material, o material sempre que é fornecido à “[SCom02...]”, seja por quem for, é para pagar no fim do mês ou logo que se possa, ou 45 dias, 30, 45 dias é o normal, portanto e nessa medida essa, essa permuta deu-nos muito jeito na altura”. E, no mais foi concretizando a ocorrência de trabalhos a menos por parte da recorrente “[SCom01...]” que por força dos materiais fornecido pela “[SCom03...]”, quer por eliminação de alguns equipamentos extras, tais como recuperador de calor e cabines de hidromassagens, justificando tal situação inerente à crise que o então sector da construção atravessava e falta de liquidez com o bloqueio existente de vendas. Assim sendo não nos revemos de todo na motivação espelhada na sentença de que “a testemunha não demonstrou um conhecimento direto dos trabalhos efetivamente não realizados, limitando-se a assinar os mapas de trabalhos a menos que lhe foram apresentados, nem sequer demonstrou um conhecimento direto das negociações havidas entre a “[SCom02...]” e a “[SCom03...]””. Quanto às demais testemunhas, empregado de escritório e o técnico oficial de contas, «AA» e «CC», respectivamente, não relevaram directamente conhecimento dos factos, mas certo é que o seu depoimento não é cabal a infirmar o que decorre da matéria dada como provada assente na prova documental. Assim, no que concerne aos pontos 6) e 8) dos factos não provados, os mesmos são eliminados, por manifesta contradição com o levado ao probatório nesta sede recursiva sob os itens V) e X) . E, o mesmo se diga dos pontos 2), 3), 4), 5) e 6), pois que os mesmos contêm em sim mesmo valorações e afirmações subjectivas, a retirar do probatório aditada nesta sede recursiva. Portanto, em face da prova documental constante de documentos particulares e documentos públicos, como é a escritura pública, e da prova testemunhal ouvida pelo Tribunal não infirmam o teor dos mesmos, pois, por um lado temos que os documentos escritos prevalecem sobre os depoimentos testemunhais, e, por outro lado, aqueles depoimentos testemunhais não são susceptíveis de infirmar o que deles decorre, bem pelo contrário cremos que o depoimento da testemunha «BB» é no sentido de confirmar e esclarecer a concreta contextualização dos mesmos. Posto isto em jeito de conclusão, deferir parcialmente o erro de julgamento de facto alegado pela recorrente, em conformidade com o aditamento preconizado aos factos provados dos itens R), S), T), U), V), e X) e, concomitantemente, a eliminação dos factos dados como provados sob os itens 1) a 8), devendo considerar-se nesse segmento “Factos não provados” – “Inexistem, com interesse para a decisão da causa”. 2.2.2. Do erro de julgamento de Direito In casu, as correcções de IRC operadas, resultam do facto de a AT ter constatado que a Impugnante optou pelo método da percentagem de acabamento da obra para determinar o valor das obras em curso e acabadas a 31/12 de cada exercício e ainda não facturadas a clientes. A AT constatou a existência de obras cujo grau de acabamento ascendia já os 100%, mas que não tinham sido facturadas, na sua totalidade, ao cliente, concluindo a AT pela omissão à faturação e omissões nas regularizações aos acréscimos de proveitos. A AT dectetou diferenças entre o valor do contrato inicial e o valor facturado, sendo os resultados evidenciados na contabilidade à e na medida do desenvolvimento físico da obra – método da percentagem de acabamento. Concretizando, conforme se extraí do RIT, analisadas todas as obras realizadas pela “[SCom01...], S.A.”, são de corrigir as obras já terminadas e ainda não totalmente faturadas, considerando que se encontram concluídas em 31 de dezembro do último ano em que foram imputados custos. Na obra lote 2 ´«...X...», que em 2009 apresentava uma percentagem de acabamento de 100%, encontrava-se por facturar o valor de € 45 720,00, pelo que ficou em falta e omitido à contabilidade os acréscimos de proveitos, e na obra Lote 3 ´«...X...», que em 2009 apresentava uma percentagem de acabamento de 100%, encontrava-se por facturar o valor de € 60 125,72, pelo que ficou em falta e omitido à contabilidade os acréscimos de proveitos. Por conseguinte, as correções em crise assentaram no facto de a Recorrente ter alegadamente concluído em 2009, os serviços de construção que prestou à sociedade “[SCom02...]” respeitante ao lote 2 e 3 ´«...X...» e ter omitido à contabilidade os acréscimos de proveitos. A Impugnante insurge-se contra a liquidação de IRC e de juros compensatórios do ano de 2009, mais concretamente contra as correcções meramente aritméticas infligidas ao lote 2 e 3 de ´«...X...» [a correcção operada ao exercício de 2010 relativa ao lote 5, não integra o objecto dos presentes autos], obras levadas a cabo pela recorrente, por força do contrato de empreitada celebrado com o dono de obra “[SCom02...]”, sustentando que as mesmas assentam em pressupostos errados, na medida em que: (i) Na determinação do grau de acabamento de 100% foram tidos em conta custos diretos e indiretos, sendo que a Impugnante tem uma estrutura de custos fixos muito elevada e nos anos em causa praticamente não executou obras públicas, pelo que teve de imputar todos aqueles custos fixos às obras particulares que estavam em curso; (ii) Nas empreitadas dos lotes 2 e 3 de ´«...X...» foram realizados “trabalhos a menos” no valor de € 45 720,00 e € 60 143,68, respectivamente, uma vez que, também aqui, o dono da obra impôs à Impugnante que todos os granitos e mármores fossem retirados dos orçamentos iniciais das empreitadas, pois seriam fornecidos por um interessado na compra de uma fração autónoma do empreendimento; Quid iuris, perante a factualidade vertida no probatório por este tribunal ad quem. Por outras palavras, atenta a eliminação dos itens 1) a 8) da matéria de facto dada como não provada e, do aditamento dos itens R) a X), que dizer. Abordemos, antes do mais, o regime das obras de carácter plurianual então em vigor, as quais colocam especiais dificuldades à concretização do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18º, do CIRC, na redacção então em vigor. O citado regime das obras de carácter plurianual merecia consagração legal no artigo 19º do CIRC, o qual visava as obras cujo ciclo de produção ou tempo de construção superior a um ano, isto é, aquelas cuja duração de execução se estende para além de um exercício económico. Nesta definição cabem, a título exemplificativo, a construção de pontes, barragens, estradas, edifícios, navios e bens de equipamento, não se circunscrevendo, portanto, à construção civil e empreitadas de obras públicas e privadas. São excluídas da previsão do preceito, todavia, as actividades de ciclo de produção ou de tempo de construção inferior a doze meses, embora com início e termo situados em dois períodos fiscais anuais diferentes. Aí se consagrava a possibilidade de as empresas que realizam obras de carácter plurianual adoptarem, na determinação dos resultados, o (i) método do encerramento da obra ou o (ii) método da percentagem de acabamento, reconhecidos de há longa data pela prática contabilística e recomendados pelas normas internacionais de contabilidade. Pelo primeiro método os resultados só são determinados e registados quando a obra é dada por concluída ou substancialmente concluída (grau de acabamento superior a 95% - cfr. artigo 19º, nº.3, al. a), do CIRC), sendo os custos incorporados nas obras acumuladas até final nas existências e as prestações recebidas dos clientes relevadas como adiantamentos. Verifica-se, em consequência, o diferimento e a concentração de tributação do lucro no exercício da conclusão da obra. Por sua vez, o método da percentagem de acabamento, o qual nos importa perante o caso concreto, permite que os resultados sejam evidenciados na contabilidade à e na medida do desenvolvimento físico da obra, isto é, em função do estádio de avanço da obra. A percentagem de acabamento pode ser aferida por diversos critérios, sendo o mais usual o recurso ao cálculo de percentagens dos custos incorporados na obra até certa data sobre a totalidade dos custos estimados. Ao revelar-se o resultado no período em que em princípio é produzido, obtém-se uma distribuição da carga fiscal ao longo do tempo de duração da obra. O artigo 19º, n.º2 do CIRC impõe a utilização do método da percentagem de acabamento nas obras públicas ou privadas em que haja lugar a facturações parciais do preço estabelecido e as obras realizadas tenham atingido o grau de acabamento correspondente aos montantes facturados e, igualmente, nas obras efectuadas por conta própria e vendidas fraccionadamente. Estamos perante métodos que pretendem dar tradução à correlação temporal entre proveitos e custos, tendo como pano de fundo o citado princípio da especialização dos exercícios e que suscitam relevantes dificuldades de aplicação (cfr. Maria dos Prazeres Lousa, A determinação dos resultados nas obras de carácter plurianual, Revista Fisco, nº.8, maio de 1989, pág.3 e seg.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.71 e seg.). Revertendo ao caso dos autos, entendeu o Tribunal a quo, conforme mencionado supra, que «Dispõe o art.º 74.º, n.º 1 da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, compete à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar. Ora, tendo a AT detetado diferenças entre o valor do contrato inicial e o valor faturado, sendo os resultados evidenciados na contabilidade à e na medida do desenvolvimento físico da obra – método da percentagem de acabamento – é evidente que a AT recolheu indícios seguros e adequados quando às omissões apuradas, pelo que a AT cumpriu o seu ónus – cf. art.º 74.º da LGT. » E, em sede de conhecimento se a impugnante lograra cumprir o seu ónus de infirmar as conclusões da AT, considerou que « Alega a impugnante que: (i) No caso da empreitada identificada como “obra 11160 – lote 2 – ´«...X...»”, a “[SCom02...], Lda.” propôs e, acabou por impor, que todos os artigos relacionados com o fornecimento de granitos, mármores e afins, fossem eliminados do orçamento inicial da empreitada e o contrato fosse rectificado em conformidade; (ii) Uma vez que os mesmos seriam fornecidos à [SCom02...], Lda.” por um interessado na compra de uma fracção autónoma desse mesmo empreendimento, sendo que o pagamento desses materiais pelo dono da obra, seria feito por encontro de contas aquando da venda/escritura dessa fracção autónoma; (iii) A aqui Impugnante viu-se constrangida a aceitar tal alteração do contrato de empreitada, porque percebeu bem a justificação que o dono da obra lhe estava a dar para a diminuição da quantidade e qualidade dos trabalhos contratados; (iv) A aqui impugnante acabou por não poder realizar esses fornecimentos relativos a mármore e granitos antes previstos e, por isso, não foi facturado qualquer valor respeitante a tais fornecimentos e trabalhos antes orçamentados e reflectidos no valor do contrato de empreitada celebrado; (v) No apuramento da conta final da empreitada chegou-se aos seguintes valores: Valor do contrato inicial: 353.317,47 €; Valor facturado: 307. 597,47 €; Valor dos “trabalhos a menos/não realizados”: 45 720,00 €; (vi) No que concerne à obra de empreitada identificada como “Obra 11162 – Lote 3 – ´«...X...»”, por solicitação do dono da obra, a qual, pelos motivos e fundamentos já aludidos, se configura como uma verdadeira imposição, tiveram de ser deduzidos ao orçamento inicial e respectivo valor do contrato, todos os itens/artigos relacionados com o fornecimento de mármores e granitos, que foram fornecidos directamente à dona da obra pelo mesmo fornecedor, que aceitou que o preço desses fornecimentos fosse pago através de entrega de uma fracção autónoma; (vii) No apuramento da conta final desta empreitada chegou-se aos seguintes valores: Valor do contrato inicial: 409.257,86€; Valor facturado: 349. 132,14 €; Valor dos “trabalhos a menos/não realizados”: 60 125,72 €. Contudo, trata-se de matéria não provada, pelo que terá de soçobrar a alegação da impugnante como causa invalidante das correções efetuadas, improcedendo a violação dos arts. 18.º, n.º 3, b) e 19.º do CIRC, bem como arts. 103.º, n.º 3 e 104.º, n.º 2 da CRP.» Perante as alterações de facto preconizadas, não nos revemos no assim decidido. Vejamos. Conforme se colhe do probatório a “[SCom02...]” comunicou à recorrente “[SCom01...]”, por carta datada de 01.08.2007, que a sociedade “[SCom03...]” estava interessada na aquisição de uma fração autónoma, e que pretendia efetuar o respetivo pagamento através do fornecimento de materiais (mármores e granitos) para as empreitadas dos lotes 2 e 3 de ´«...X...», adjudicadas à recorrente, solicitando a “[SCom02...]” que os orçamentos iniciais fossem alterados em virtude da não realização pela Impugnante daqueles trabalhos; a “[SCom03...]” emitiu em nome da [SCom02...] diversas facturas, com datas compreendidas entre 27.11.2007 e 13.02.2009, fazendo referência a artigos de granito e afins; a “[SCom03...]” emitiu em nome da “[SCom02...]” o recibo n.º 696, datado de 25.09.2008, dando quitação do pagamento da quantia de € 87 500,00, correspondente a uma parte da facturação emitida; a “[SCom02...]” emitiu em nome da “[SCom03...]” o recibo n.º 280016/2008, datado de 25.09.2008, dando quitação do pagamento de € 87 500,00, referente à “Prestação pela Compra de Apartamento (N.º 3) Fracção B PARK «...Y...»”; em 25.09.2008, foi outorgada uma escritura de compra e venda através da qual a “[SCom02...]” declarou vender à “[SCom03...]”, pelo preço de € 87 500,00, já recebido, a fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano denominado “Edifício Parque «...Y...»”; a recorrente elaborou o “Mapa de extracto de trabalhos a menos – Construção edifício para habitação Lote 2 – ´«...X...»” datado de 15.05.2009, que foi assinado pelos representantes legais da recorrente e da “[SCom02...]”, que aprovaram o referido mapa contemplando trabalhos a menos no valor total de € 45 720,00; a recorrente elaborou o “Mapa de extracto de trabalhos a menos – Construção edifício para habitação Lote 3 – ´«...X...»” datado de 19.06.2009, que foi assinado pelos representantes legais da recorrente e da “[SCom02...]”, que aprovaram o referido mapa contemplando trabalhos a menos no valor total de € 60 143,68. Temos pois, que as faturas emitidas pela “[SCom03...]” à “[SCom02...]”, referentes a granito, bem como os recibos emitidos por ambas as sociedades (a dar quitação quer do pagamento referente à compra da fração autónoma “B” do “Edifício Parque «...Y...»”, quer do pagamento de parte das referidas faturas), conjugados com a sobredita escritura de compra e venda, estão em consonância com o teor da carta, datada de 01.08.2007, que a “[SCom02...]” remeteu à Impugnante a comunicar-lhe que existia uma interessada (a sociedade “[SCom03...]”) na aquisição de uma fração autónoma e que esta pretendia efetuar o respetivo pagamento através do fornecimento de materiais (mármores e granitos) para as empreitadas dos lotes 2 e 3 de ´«...X...», adjudicadas à recorrente, sendo que como discorre dos autos a aquisição dos granitos, mármore e afins era por sua conta. No que concerne aos mapas de trabalhos a menos juntos aos autos, verifica-se que foram assinados pelos legais representantes da empreiteira e da dona da obra [“[SCom01...]” e “[SCom02...]”] e que detalham os trabalhos que alegadamente ficaram por realizar por parte da recorrente (empreiteira), contendo um valor total de trabalhos a menos de € 45 720,00 para a obra do lote 2 e de € 60 143,68 para a obra do lote 3. No que concerne aos mapas referenciados, é certo que tratando-se de documentos particulares, por si só, não constituem meios de prova aptos a demonstrar que os dados deles constantes são reais, sendo a sua força probatória livremente apreciada pelo Tribunal. Ora, analisados os referidos mapas, neles se visualizam diversas rubricas conexionadas com granitos (tais como “revestimento de pavimentos, com placas de granito”, “aplicação de placagem de granito”, “bancadas de cozinha em granito”, etc.) e outras cuja conexão é inexistente (tais como “fornecimento e colocação de recuperador de calor, incluindo conduta de exaustão de fumos em aço inox”, “execução de caixas de fundo de areia”, “cabine de hidromassagem” etc.). Não descora este Tribunal ad quem que de entre as testemunhas inquiridas, o empregado de escritório e o técnico oficial de contas, apesar de revelarem terem conhecimento da existência dos referidos mapas de trabalhos a menos, afirmaram não possuir conhecimento directo do que se encontrava inscrito nos mesmos, por não terem participado na sua elaboração, o mesmo já não ocorre com a testemunha «BB», então sócio-gerente da “[SCom02...]” que reconheceu que do mesmo consta a sua assinatura e que depôs sobre o negócio subjacente à venda da fracção pelo dona de obra à “[SCom03...]” e a compartida do pagamento da mesma mediante o fornecimento de granitos para a obra lote 2 e 3 de ´«...X...», mais mencionou a crise instalada no sector de construção e a necessidade imperiosa de reduzir alguns componentes da empreitada, sendo disso exemplo as cabines de hidromassagem. Mais diremos, recorrendo às regras da experiência e conhecimento comum, que é normal que durante a execução de contratos de empreitada - com especial relevo em períodos de crise do sector da construção, infligida por uma quebra acentuada e quase nula de vendas, como foi aquela que ocorreu entre 2007 a 2014- surjam alterações dos preços contratados, motivadas, desde logo, pela existência de trabalhos a menos, pelo que não surpreende que no decurso das empreitadas em causa, lote 2 e 3 de ´«...X...», tivessem sido suprimidos certos materiais e reduzidos e/ou excluídos determinados trabalhos, para diminuir o custo das obras e, consequentemente, o preço de venda dos imóveis. Sendo certo que o montante de € 45 720,00 que os serviços de inspeção consideraram por facturar na obra do lote 2 – cujo acréscimo foi determinado aos proveitos – corresponde, exatamente, ao valor constante do mapa de trabalhos a menos da referida obra. E, o mesmo se diga do montante de € 60 125,72 que os serviços de inspeção consideraram por facturar na obra do lote 3 – cujo acréscimo foi determinado aos proveitos – é muito aproximado do valor constante do mapa de trabalhos a menos da referida obra, que registava um valor de € 60 143,68. Por todo o exposto, da conjugação de toda a prova produzida nos autos, firmada se mostra a convicção, de que, apesar da divergência entre os valores contratados e os valores facturados e do apuramento pela recorrente de graus de acabamento de 100% nas obras em causa, não terão sido realizados todos os trabalhos previstos nos contratos de empreitada (designadamente os referentes à colocação de granitos), o que implicou uma diminuição dos valores inicialmente contratados com o dono da obra e uma diminuição da correspondente facturação e valor a reconduzir aos proveitos. Assim sendo, as correções respeitantes às obras dos lotes 2 e 3 de ´«...X...», que deram origem à liquidação de IRC de 2009 aqui impugnada, não se possam manter na ordem jurídica, por não se verificarem os pressupostos em que assentaram, perante a desconsideração pela AT de trabalhos a menos. Em suma, e contrariamente ao julgado em 1ª instância, somos de considerar que a recorrente logrou, através da prova documental e testemunhal produzida, que as obras em questão não se realizaram pelo valor contratado com a “[SCom02...]” tendo ocorrido trabalhos a menos justificativos dos valores omitidos aos proveitos. E, ainda que assim não se entendesse, mormente por não se mostrar efectivamente provada o exacto montante dos trabalhos a menos realizados em contraposição com o valor firmado entre a Recorrente e o dono da obra para a empreitada, sempre seria de concluir que da prova produzida nos autos resultou uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários, o que sempre conduziria à anulação dos atos de liquidação de IRC aqui impugnada (cfr. artigo 100º, n.º 1, do CPPT). Temos que convir que a Recorrente logrou a prova de que ocorreram trabalhos a menos o que só por si é suficiente para suscitar a dúvida sobre os factos que à AT competia provar. Em suma, a Recorrente foi, portanto, diligente na produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT como constitutivos do direito a que esta se arroga, daí que sem margem para qualquer dúvida legitima a avocação da aplicação da regra prevista no artigo 100º, nº 1, do CPPT. Pois que, o supra referido regime de repartição do ónus da prova no procedimento tributário é complementado, no processo judicial, pelo art.º 100º do CPPT, que estabelece que sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deve o acto impugnado ser anulado. Nesta conformidade, conclui-se pela procedência do presente recurso, consequente revogação da sentença recorrida, e em substituição julgar a impugnação procedente determinando-se a anulação da liquidação adicional de IRC do exercício de 2009, com todas as devidas e legais consequências. 2.3. Conclusões I. A matéria de facto vertida na sentença não pode conter juízos de valor, nem considerações genéricas e deve estar devidamente motivada, fazendo um exame crítico das provas, nomeadamente fundamentado os motivos pelos quais um tipo de prova, como a testemunhal, deve prevalecer sobre a prova documental. II. Uma escritura pública de compra e venda pertence indiscutivelmente à categoria dos documentos autênticos (artigo 369º, nºs 1 e 2 do Código Civil) e faz, por isso, prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora (art. 371º, nº 1 do Código Civil). III. Um documento particular faz prova quanto às declarações que dele constam, considerando-se provadas essas declarações, na medida em que as mesmas não forem infirmadas pela prova testemunhal e não tiver a sua veracidade sido posta em questão pela parte contrária, sendo a sua força probatória livremente apreciada pelo Tribunal. IV. Ao abrigo do então artigo 19º do CIRC, no caso das obras cujo ciclo de produção ou tempo de construção seja superior a um (1) ano, podem as empresas que realizam obras de carácter plurianual adoptarem, na determinação dos resultados, o método do encerramento da obra ou o método da percentagem de acabamento. V. Pelo método da percentagem de acabamento permite que os resultados sejam evidenciados na contabilidade à e na medida do desenvolvimento físico da obra, em função do estádio de avanço da obra. VI. Se ocorrer divergência entre os valores contratados e os valores facturados, e um apuramento pelo sujeito passivo de graus de acabamento de 100% numa obra, legitima a correcção da AT de reconduzir o valor em falta aos proveitos. VII. Se o sujeito passivo provar não terem sido realizados todos os trabalhos previstos nos contratos de empreitada (designadamente os referentes à colocação de granitos), o que implicou uma diminuição dos valores inicialmente contratados com o dono da obra e uma diminuição da correspondente faturação, logra afastar os pressupostos em que assentou as correcções. VIII. Nos termos do artigo 100º, nº 1, do CPPT, sempre que da (contra)prova produzida pelo contribuinte resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação. Custas a cargo da recorrida. Porto, 15 de maio de 2025 Irene Isabel das Neves (Relatora) Paulo Moura (1.º Adjunto) Serafim José da Silva Fernandes Carneiro (2.º Adjunto/ vencido nos termos do voto que junta) Voto de vencido Para nós a recorrente não logrou comprovar que os trabalhos a menos relativos aos lotes 2 e 3 que deram origem às correções e liquidações impugnadas não foram efetivamente prestados. A escritura pública de compra e venda infirma a própria alegação dos artigos 56.º e 62.º da petição inicial, porque a fração foi comprada num prédio de «...W...», quando a recorrente alega (já depois da compra da fração de «...W...») que a fornecedora de mármore e granito iria comprar uma fração nos lotes para os quais se destinavam os fornecimentos que justificavam parte dos trabalhos a menos. A escritura pública também não estabelece qualquer ligação entre o preço de compra da fração e o fornecimento de mármores e granitos para os referidos lotes. Acresce que a escritura de compra e venda é de 25/9/2008 e parte dos fornecimentos de mármores e granitos para o lote 3 foram faturados com data posterior (26/9/2008, 28/10/2008, 9/1/2009, 20/1/2009, 4/2/2009 e 13/2/2009), pelo que a recorrente não pode alegar que esses fornecimentos de mármores e granitos para os referidos lotes 2 e 3 serviram para pagar o preço da fração. Mais. Essas faturas, bem como as demais faturas emitidas a partir de 30/6/2008, inclusive, também não fazem parte das faturas identificadas no recibo n.º 696, da [SCom03...], SA, que justificariam parte dos trabalhos a menos. Por outro lado, as faturas emitidas pela [SCom03...] não identificam cabalmente o local da entrega das mercadorias, referindo genericamente como local de “Descarga «...H...»”, não demonstrando de forma inequívoca, nem sequer indiciária, que as mesmas foram descarregadas nas obras dos lotes 2 e 3, em causa nestes autos. Acresce que a recorrente diz que os trabalhos a menos resultaram do fornecimento de mármores e granitos pela [SCom03...] à [SCom02...] só que há uma incongruência inultrapassável nos valores em causa: o valor da faturação de mármores e granitos para o lote 2 foi de €25.014.72 e os alegados trabalhos a menos terão sido de €45.720,00, pelo que não se sabe qual é a origem dos alegados trabalhos a menos no montante de €21.705,28; e no caso do lote 3 os fornecimentos foram de €24.326,69 e os trabalhos a menos de €60.125,72, pelo que não se sabe qual é a origem dos trabalhos a menos no montante de €35.799,03. Pese embora no “Mapa de extracto de trabalhos a menos” junto aos autos pela [SCom02...] estejam identificados outros alegados trabalhos a menos que justificariam as referidas diferenças, a recorrente nada alegou quanto a elas em sede de petição inicial, designadamente nunca alegou a eliminação de alguns equipamentos extra, designadamente, recuperadores de calor e cabines de hidromassagem, pelo que tais factos não foram julgados e não podem ser aqui ponderados porque são factos essenciais à decisão da causa que tinham de ter sido alegados e demonstrados pela recorrente e não foram. Estas incongruências não foram cabalmente explicadas pela prova testemunhal, pelos fundamentos invocados na motivação da matéria de facto da sentença recorrida, que analisada complementarmente com a prova documental continua a não demonstrar a existência efetiva dos alegados trabalhos a menos, sobretudo pela referida falta de conhecimento direto dos factos alegados, invocada na sentença recorrida, que demonstrem de forma inequívoca que os trabalhos a menos não foram realizados e em que circunstâncias. Na ponderação da prova não podemos olvidar a circunstância de à data dos factos os administradores da recorrente serem gerentes da [SCom02...], o que indicia uma eventual confusão de interesses. Acresce que no seu depoimento a testemunha «BB» não afirma inequivocamente que a alegada contrapartida pela venda do apartamento foi especificamente o fornecimento de mármores e granitos para os lotes 2 e 3. E esta circunstância era a nosso ver essencial, porque apesar do seu depoimento ter sido prestado a propósito dessa questão, não podemos esquecer que a escritura de compra e venda foi realizada em 25/9/2008 e parte dos fornecimentos para o lote 3 foi posterior a essa data e o recibo da [SCom03...] não contempla parte desses fornecimentos, o que abala a credibilidade da versão apresentada pela própria recorrente e que exigiria uma assertividade dos depoimentos das testemunhas que entendemos não se verificar, para comprovar que os fornecimentos de mármores, granitos e afins realizados pela [SCom03...] à [SCom02...] foram efetivamente destinados aos lotes 2 e 3. Estas inconsistências abalam a credibilidade da alegação e da prova documental da recorrente e não têm consistência bastante para eliminar os factos não provados dos números 2) a 8). Embora tenham uma narração parcialmente conclusiva, tem conteúdo parcialmente fáctico e foram alegados pela recorrente, que agora vem invocar o seu carácter conclusivo. Ainda em relação aos factos não provados dos números 6) e 8), entendemos que os factos aditados V) e X) não são manifestamente contraditórios daqueles. Uma coisa é ter sido elaborado o ““Mapa de extracto de trabalhos a menos – Construção edifício para habitação Lote 2 – ´«...X...»”” e o ““Mapa de extracto de trabalhos a menos – Construção edifício para habitação Lote 3 – ´«...X...»””, que constam da matéria aditada em V) e X), outra bem diferente é dizer que foram apurados “trabalhos a menos/não realizados” nos montantes de €45.720,00 e €60.125,72 (com a redação que consta da matéria de facto julgada não provada nos números 6) e 8)), pelo que não há contradição que sustente a eliminação destes. Também entendemos que não há prova bastante para aditar o facto R), porque não há prova que essa comunicação foi remetida à recorrente ou recebida por ela. A única prova existente é a própria carta, que não comprova que foi remetida à destinatária ou recebida por ela, porque não há prova do registo do envio ou da eventual acusação da sua receção. Por isso, julgaríamos parcialmente procedente o recurso do julgamento da matéria de facto, aditando a matéria das alíneas S) a X), eliminando o facto não provado 1), não aditaríamos a alínea R), nem eliminaríamos os factos não provados 2) a 8), e, em consequência, negaríamos provimento ao recurso e confirmaríamos a sentença recorrida, porque a alteração da matéria de facto não é bastante para alterar o julgamento de direito. Para nós, mesmo a alteração da matéria de facto feita no acórdão, não é bastante para comprovar que houve trabalhos a menos e que resultaram do fornecimento de mármores, granitos e afins – única causa invocada pela recorrente – o que também determinaria a falta de provimento do recurso. (Serafim José da Silva Fernandes Carneiro) |