Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00771/12.1BEPRT-S1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/30/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO MOURA
Descritores:CRITÉRIOS PARA O RECURSO DE RECUSA DE MEIO DE PROVA;
Sumário:
I - O regime dos recursos interlocutórios de recusa de meio de prova, não foi gizado para resolver incidentes no âmbito da realização da prova, mas apenas para as situações de recusa liminar do meio de prova.

II - Por isso, o recurso interlocutório de recusa de meio de prova, não serve para saber se a prova, está ou não, realizada conforme uma das partes entende.
Votação:Unanimidade
Decisão:Indeferir a reclamação para a Conferência.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

[SCom01...] Lda., apresenta Reclamação para a Conferência da Decisão Sumária que não admitiu o recurso interlocutório interposto contra o Despacho do TAF que indeferiu a recolha de elementos de comparação de assinatura, tendo em vista a resposta às matérias constantes dos Quesitos IV e V.

Para o efeito alega não concordar com o entendimento versado na Decisão Sumária, segundo a qual, tendo sido realizado o meio de prova, não é admissível recurso do despacho que recusa o esclarecimento. Considera a Reclamante que, tecnicamente, não está em causa um esclarecimento sobre um relatório pericial já realizado, mas sim sobre a não realização de parte da perícia, na medida em que esta nunca foi realizada aos Quesitos IV e V.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

**

Para melhor apreensão da situação em apreço nos autos, reproduz-se a Decisão Sumária, ora sob Reclamação para a Conferência.
« O Despacho recorrido não contém descrição de matéria de facto, em virtude de se tratar de uma decisão de indeferimento de realização de perícia aos Quesitos IV e V, motivo pelo qual se mostra necessário elencar os passos processuais dados até à prolação da decisão recorrida, com recurso à análise do processado no processo principal.
1 - Em 03/06/2014, a Impugnante requereu a realização de um exame pericial de reconhecimento da letra ao documento designado por «Modelo n.º 1888/Declaração de Cessação de actividade», relativamente à letra e assinatura do seu sócio gerente, apresentando os seguintes Quesitos:
I - A assinatura manuscrita com a designação “«AA»” aposta no canto inferior esquerdo da folha do documento designado por “MODELO nº 1888/declaração de Cessação de actividade”, por baixo do campo “assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal” foi efectuada, realizada e aposta pelo próprio punho do legal representante da empresa «AA»?
II - As designações, letras, palavras, números e assinaturas, manuscritas, constantes e inseridos na folha do documento designado por “MODELO nº 1888/Declaração de Cessação de Actividade” foram efectuadas pela mesma caneta/esferográfica?
III - Aquelas designações, letras, palavras, números e assinaturas manuscritos, foram efectuadas na mesma altura e na data aposta naquele documento?
IV - Tais designações, letras palavras, números e assinaturas, manuscritos, foram efectuados pela mesma pessoa?
V - E, por fim, tais designações, letras, palavras, números e assinaturas, manuscritos, foram efectuados e apostas pelo gerente da Impugnante «AA»?
(pág. 720 SITAF, proc. principal)
2 - A realização desta perícia foi deferida, por Despacho proferido em 24/02/2017, e ordenada a sua realização ao Laboratório de Exame de Documentos de Escrita Manual da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, nos seguintes termos:
«A fls. 578 e ss. e 662 e ss.do processo físico, a impugnante requer a realização de exame pericial de reconhecimento de letra e assinatura dos gerentes da empresa – «BB» e «AA» – aposta no documento de fls. 553 do processo físico, intitulado “Procedimento externo de inspecção” e referente à designação de «CC» como representante no procedimento de inspecção. Para tanto, alega, em síntese, que aqueles gerentes não assinaram o documento em causa, pelo que as assinaturas do mesmo constantes são falsas.
No requerimento de fls. 578 e ss. indica o objecto da perícia.
A fls. 679 e ss.do processo físico, a impugnante requer a realização de exame pericial de reconhecimento de letra e assinatura do gerente da empresa «AA» aposta no documento de fls. 667 do processo físico, intitulado “Declaração de cessação de actividade” e referente à cessação de actividade da impugnante. Para tanto, alega, em síntese, que aquele gerente não assinou o documento em causa, pelo que a assinatura do mesmo constante é falsa. No requerimento indica o objecto da perícia.
Notificada de ambos os requerimentos, a Fazenda Pública remeteu-se ao silêncio.
Vejamos.
Como resulta do artigo 388.º do Código Civil, “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.”
Considerando que a Fazenda Pública alega que a notificação do relatório de inspecção ao técnico oficial de contas «CC» se justifica com o documento em que o mesmo foi designado pelos gerentes da impugnante como representante da mesma no procedimento de inspecção e que a impugnante
contrapõe que as assinaturas daqueles são falsas, impõe-se, para o apuramento da verdade material:
a) a realização de prova pericial à assinatura dos mesmos constante do documento de fls. 553 do processo físico, intitulado “Procedimento externo de inspecção” e referente à designação de «CC» como representante no procedimento de inspecção;
b) a realização de prova pericial à assinatura de «AA» aposta no documento de fls. 667 do processo físico, intitulado “Declaração de cessação de actividade” e referente à cessação de actividade da impugnante.
(vide Despacho de pág. 749 do SITAF proc. principal)
3 - Em 25/01/2019 foi entregue o Relatório Pericial do Laboratório de Exame de Documentos de Escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, composto por oito páginas e diversos anexos, dos quais se destaca:
«(…) Foram utilizados, para efeito de exame, os seguintes documentos:
Documentos contestados (C)
C1 – (…)
C2- Uma declaração de cessação de atividade, datada de 05/2010, junta a fls. 730 dos Autos acima referidos. Nela consta a escrita da assinatura contestada de «AA», aposta no local destinado ao sujeito passivo ou ao seu representante legal.
(…)
3.4 – Exame de veracidade de escrita das assinaturas contestadas de «AA», aposta nos documentos identificados como C1 e C2.
(…)
4 - Conclusões
(…)
3- Considera-se provável (1) a verificação da hipótese de a escrita das assinaturas contestadas de «AA», aposta nos documentos identificados como C1 e C2, ser do seu punho.».
(Pág. 965 SITAF proc. principal)
4 - Em 11/02/2019 a Impugnante apresenta Reclamação ao Relatório Pericial. (pág. 1074 SITAF proc. principal)
5 - Em 21/02/2019, foi proferido Despacho a indeferir a Reclamação ao Relatório Pericial. (pág. 1084 SITAF proc. principal)
6 – Em 07/03/2019, foi interposto, pela Impugnante, recurso do Despacho que indefere a Reclamação ao Relatório Pericial. (págs. 1088, 1090 e 1092 SITAF proc. principal)
7 - Em 19/03/2019, foi proferido Despacho a admitir o recurso com subida a final.
(pág. 1114 SITAF proc. principal)
8 - Em 07/03/2019, a Impugnante requer a realização de segunda perícia. (pág. 1109 SITAF proc. principal)
9 – Em 19/03/2019, foi proferido Despacho a indeferir o pedido de segunda perícia. (pág. 1114 SITAF proc. principal)
10 - Em 02/04/2019, foi interposto recurso do Despacho de indeferimento do pedido de segunda perícia. (pág. 1123 SITAF proc. principal)
11 - Em 14/06/2019, foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação judicial do processo principal (deduzida contra as liquidações de IRC dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, assim como as liquidações de juros compensatórios), que foi objeto de recurso por parte da Fazenda Pública. (págs. 1180, 1212 e 1226 SITAF proc. principal)
12 - Em 21/05/2020, foi proferido Acórdão pelo TCA Norte que anulou a sentença recorrida, concedeu provimento aos recursos interlocutórios, revogando os despachos recorridos, de recusa de prestação de esclarecimentos sobre a perícia e de indeferimento do pedido de segunda perícia, determinando a remessa à 1.ª instância para o processo prosseguir os seus termos. (pág. 1367 SITAF proc. principal)
13 - Por Despacho do TAF do Porto de 25/02/2022, em obediência ao Acórdão do TCAN de 21/05/2020, foi ordenada a prestação de esclarecimentos à perícia, assim como ordenada a realização de 2.ª perícia, nos seguintes termos: (pág. 1584 SITAF proc. principal)
1. Que se notifique a entidade que realizou a Perícia (Laboratório de Exame de Documentos e escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto que, preste os esclarecimentos solicitados pela impugnante, no requerimento de 11 de Fevereiro de 2019, a saber:
a) Que venham responder às restantes matérias quesitadas nos requerimentos de 3 de Junho de 2014 e de 30 de Junho de 2016 (juntando-se cópia dos mesmos);
b) Que venham os Senhores Peritos a esclarecer a razão pela qual, no exame comparativo entre as assinaturas genuínas e as contestadas, apenas se pronuncia sobre as semelhanças ente umas e outras, designadamente ao nível dos seus elementos gerais e do desenho das letras e, não, sobre as diferenças entre umas e outras, a ocorrerem?
c) Que venham esclarecer se, da comparação entre as assinaturas genuínas e as assinaturas contestadas de «BB» e de «AA», inexistem diferenças, quer quanto aos seus elementos gerais quer, quanto ao desenho das letras?
2. Novamente em obediência ao decidido no douto Acórdão do TCAN de 21.5.2020, deve ser realizada segunda perícia, tendo como objecto os quesitos constantes dos requerimentos da impugnante de 3 de Junho de 2014 e de 30 de Junho de 2016, bem como no artº 7º do Requerimento de 7 de Março de 2019.
Para realização da perícia referida, designo o Centro Médico-Legal, Lda, ..., conforme requerido pela impugnante.
14 – Em 11/03/2022, o Laboratório de Exames de Documentos e Escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, respondeu ao pedido de esclarecimentos, nos seguintes termos: (pág. 1591 SITAF proc. principal)
«(…) Para dar resposta aos quesitos agora juntos no requerimento de 3 de junho de 2014, designadamente os quesitos III e IV, informa-se que seria necessário novo envio do original do Procedimento externo de inspeção, sendo que o quesito IV levanta um problema de datação relativa que poderá não ter resolução, informando-se ainda que o quesito V levanta um problema de datação absoluta que com os meios técnicos atualmente disponíveis não tem resolução.
Relativamente aos quesitos agora juntos no requerimento de 30 de junho de 2016, informa- -se o seguinte:
- para responder ao quesito II, seria necessário novo envio do original de Declaração de cessação de atividade;
- o quesito III levanta um problema de datação absoluta que com os meios técnicos actualmente disponíveis não tem solução;
- para dar resposta aos quesitos IV e V seria necessário o envio de elementos genuínos de comparação de «AA», nos quais conste escrita de texto comparável com a escrita em questão, o que implicaria um novo exame comparativo com os custos que daí advêm.».
15 – Em 29/03/2022, a Impugnante pronuncia-se sobre os esclarecimentos prestados pelo Laboratório, referindo, a final, o seguinte: (pág. 1610 SITAF proc. principal)
«20º
Pelo que, se requer, venham a ser realizadas as Perícias requeridas e deferidas, em toda a sua extensão e, só após, se houver discordância, se deve decretar a Segunda Perícia.
21º
Suspendendo-se, em conformidade, a decretada realização da Perícia a realizar pelo Centro Médico Legal ....».
16 – Em 20/04/2022, foi proferido Despacho a ordenar a suspensão da segunda perícia e para que o «Centro Médico Legal ...», remetesse ao tribunal, a título devolutivo, os documentos originais, objeto da perícia, para que: «Recebidos tais documentos originais, devem os mesmos, ser enviados ao Laboratório da Universidade do Porto, para completar os esclarecimentos pedidos». (pág. 1618 SITAF proc. principal)
17 – Em 03/06/2022, o Laboratório de Exames de Documentos e Escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (LFCUP), respondeu ao pedido de esclarecimento, pronunciando-se sobre os quesitos I, II e II e relativamente aos quesitos IV e V, referiu, o seguinte: (pág. 1641 SITAF proc. principal)
«Para dar resposta aos quesitos IV e V, e tal como foi dito no pedido de esclarecimento anterior, seria necessário o envio de elementos genuínos de comparação de «AA», nos quais conste escrita de texto comparável com a escrita em questão, elementos esses que não nos foram remetidos».
Tendo concluído os esclarecimentos da seguinte forma:
«Nestas condições, e conjugados todos os factos, não há outra razão para as semelhanças encontradas entre as assinaturas de «BB» e de «AA» e as assinaturas genuínas dos mesmos, a não ser a proveniência do mesmo punho.
Considera-se que foram satisfeitas todas as dúvidas suscitadas no pedido de esclarecimentos e reitera-se, assim, tudo quanto foi dito no relatório pericial e respetivas conclusões.».
18 – A Impugnante, em 20/06/2022, requereu, entre outros: «Já no que respeita aos Quesitos IV e V, ocorre ausência de resposta, pelos motivos que o LFCUP aí deixa plasmados: de não lhe terem sido remetidos…” elementos genuínos de comparação de «AA», nos quais conste escrita de texto compatível com a escrita em questão.». (pág. 1665 SITAF proc. principal)
Tendo, ainda, referido: «pelo que, em conformidade, se requer, seja decretado o cumprimento de tal envio, de modo a habilitar aquela entidade a realizar o requerido exame pericial, para que, possa responder às matérias quesitadas naqueles pontos, do requerimento de 30/06/2016.».
19 – Por Despacho de 01/07/2022, foi decidido, o seguinte: (pág. 1671 SITAF proc. principal)
«Face aos esclarecimentos prestados, notifique o LFCUP para que esclareça de que elementos genuínos de comparação necessita, para dar resposta aos quesitos IV e V de documento “Declaração de Cessação de Actividade”.
Oficie ao Centro Médico-Legal, Lda, ..., solicitando que retome a perícia, conforme despacho de 25.2.2022, para o que devem ser enviados os documentos originais, que são objecto da perícia.».
20 – Em 13/07/2022, o LFCUP, respondeu àquela notificação, por ofício datado de 08/07/2022, onde referiu o seguinte:
«Conforme foi referido nos pedidos de esclarecimento anteriores, para dar resposta aos quesitos IV e V formulados no requerimento de 30/06/2026, será necessário o envio de elementos genuínos de comparação de «AA», nos quais conste escrita de texto comparável com a escrita em questão, sugerindo, por exemplo, formulários, requerimentos, ou quaisquer outros documentos (…).
No caso desses documentos serem escassos, sugerimos que seja efectuada uma nova colheita de autógrafos (no Tribunal ou neste Laboratório) a «AA», nos moldes referidos no parágrafo anterior. O exame pericial à assinatura de «AA» já foi efetuado, pelo que não é necessário o envio de assinaturas genuínas de comparação do mesmo. (…)». (pág. 1679 SITAF proc. principal)
21 - A Impugnante, notificada daquela resposta, veio em 28/11/2023, referir o seguinte: (pág. 1816 SITAF proc. principal)
1º Mantém, a Impugnante, interesse na realização da perícia tendo em vista dar resposta às matérias quesitadas nos Pontos IV e V do seu Requerimento de 30/06/2016;
2º Por sua vez, resulta do Ofício do LFCUP de 08/07/2022 que, para tanto, é necessário o envio de elementos genuínos de comparação de «AA» que, conforme sugestão, poderão ser recolhidos no Tribunal ou no referido Laboratório.
3º Nesse pressuposto, requer-se, determine-se a recolha e envio pelo Tribunal ou, em alternativa, a recolha pelo LFCUP, de elementos genuínos de comparação, tendo em vista, realizar-se a perícia às matérias constantes dos Quesitos IV e V do Requerimento da Impugnante de 30/06/2016.
PEDE DEFERIMENTO
22 - Em 16/02/2024, foi proferido o seguinte Despacho: (Despacho recorrido)
«Requerimento de 28.11.2023:
Tendo em conta que, entretanto, foi ordenada nova perícia, tendo por objecto os mesmos quesitos, não se justifica nova repetição.
Assim, indefere-se o requerido.
Notifique.
Prossigam os autos.».
(pág. 1839 SITAF proc. principal)
23 – Em 04/03/2024, a Impugnante interpõe o presente recurso, referindo que o faz nos termos do artigo 279.º e seguintes do CPPT e que é de Apelação. (pág. 1839 SITAF proc. principal)
24 - Em 18/04/2024, foi proferido Despacho a admitir o presente recurso, com o seguinte teor: (pág. 1889 SITAF proc. principal)
«Requerimento de interposição de recurso de despacho, de fls. 1847 e ss do processo eletrónico:
Por legal e tempestivo e para tanto possuir legitimidade, admite-se o recurso ora interposto pela Impugnante para o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, o qual o qual é processado como recurso de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, nos termos dos artigos 644.º, n.º 2, alínea d) e 645.º, n.º 2 do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, e 286.º, n.º 2 do CPPT.
Cumpridas as demais formalidades, não tendo vindo a contraparte e o Digno Magistrado do Ministério Público apresentar contra-alegações, extraia a U.O. certidão das peças indicadas nas alegações de recurso para os efeitos do artigo 646.º do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT.
Notifique.
D.N.».
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Apreciação da admissibilidade do presente recurso

A Recorrente apresentou o presente recurso, invocando o disposto no artigo 279.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário; portanto e referindo que interpõe recurso de Apelação, em separado e com efeito suspensivo.
O Despacho que admitiu e ordenou a subida do recurso, atribuiu-lhe efeito devolutivo, com subida em separado, nos termos dos artigos 644.º, n.º 2, alínea d) e 645.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Despacho este, do qual não houve reclamação.
Significa isto, que o recurso foi admitido com subida imediata, em separado, em virtude de ter sido entendido que se estava diante da recusa de um meio de prova, pois é isso que refere a alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (já que não está em causa a admissão ou rejeição de algum articulado).
As partes foram ouvidas sobre a possibilidade de o recurso não ser conhecido, em virtude de não estar em causa propriamente a reusa de um meio de prova.
Apenas a Recorrente se pronunciou no sentido de que o Tribunal partiu de premissas erradas de que o Relatório Pericial foi feito, sendo que ainda não foi dada resposta aos Quesitos IV e V, pelo que se deve considerar que a perícia ainda não foi realizada a estes quesitos, pelo que o recurso deve ser admitido.
Cumpre apreciar.
A análise sobre a questão em apreço deve ser realizada no pressuposto de se verificar, no caso concreto, se existe ou não decisão que recuse algum meio de prova.
Conforme dado por assente acima nos pontos 2 e 3 da matéria de facto a perícia foi deferido o pedido de perícia à letra e assinatura de «AA» e foi respondido pela perícia a tal pedido, designadamente através da verificação da assinatura aposta na declaração de cessação de atividade [ali designado como documentoC2].
Nessa sequência, a Impugnante apresentou uma Reclamação ao Relatório Pericial e solicitou esclarecimentos à perícia; esclarecimentos esses que foram prestados (vide pontos 14 e 17 supra da matéria de facto), tendo sido os esclarecimentos concluídos da seguinte forma:
«Nestas condições, e conjugados todos os factos, não há outra razão para as semelhanças encontradas entre as assinaturas de «BB» e de «AA» e as assinaturas genuínas dos mesmos, a não ser a proveniência do mesmo punho.
Considera-se que foram satisfeitas todas as dúvidas suscitadas no pedido de esclarecimentos e reitera-se, assim, tudo quanto foi dito no relatório pericial e respetivas conclusões.».

Prestados estes esclarecimentos, a Impugnante requer o envio de elementos ao Laboratório de perícia para que sejam prestados novos esclarecimentos (vide pontos 17 e 21 dos factos acima dados por assentes).
Ora, os esclarecimentos pretendidos já não se enquadram no regime de recusa de um meio de prova, na medida em que, foi realizada a prova pericial pretendida, o Laboratório produziu um Relatório Pericial e depois ainda prestou esclarecimentos ao mesmo, tendo concluído que a prova pericial se encontra satisfeita.
Portanto, o despacho que recusa a prestação de novos esclarecimentos sobre a Perícia realizada, não corresponde à recusa de um meio de prova, mas antes à recusa de mais diligências no âmbito daquela prova já realizada.
E o facto de alegadamente não estarem respondidos dois quesitos, não altera os dados da questão, na medida em que a perícia debruçou-se sobre o essencial do seu objeto, conforme determinado no Despacho que a ordenou, que era a de saber se uma determinada assinatura aposta em determinado documento correspondia ou não à de determinada pessoa, sendo que a Perícia responde reportando-se a esse documento – vide pontos 2 e 3 dos factos.
Para além do que fica exposto, tem sido entendimento jurisprudencial, que a possibilidade de recurso sobre a rejeição de um meio de prova, apenas existe quando essa recusa ocorre por motivos de ordem meramente formal e não por motivos substancias. Neste sentido veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 15/09/2022, proferido no processo n.º 1644/15.1T8CHV.G2 (disponível em www.dgsi.pt), que a dado passo diz o seguinte:
«Quando o tribunal rejeita o articulado ou o meio de prova, não com fundamento exclusivo na inadmissibilidade dos mesmos por claudicação dos respectivos pressupostos formais para a apresentação desse articulado ou para a apresentação/requerimento do meio de prova, mas com fundamentos substanciais, isto é apreciando o conteúdo desse articulado ou a relevância desse meio de prova sobre a relação material controvertida ou sobre a relação processual, então o caso não se subsume à al. d), do n.º 2 do art. 644º do CPC, pelo que essa decisão, nos termos do n.º 3 do art. 644º do CPC, pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, onde se insere a sentença final».

Veja-se, ainda, o Acórdão da relação de Lisboa de 02/05/2023, tirado no processo n.º 752/21.4T8LSB-B.L1-7 (disponível em www.dgsi.pt), cuja arte do sumário com interesse para o assunto em apreço, se transcreve.
1–A admissibilidade de apelação autónoma relativamente à admissão ou rejeição de algum meio de prova, prevista no artigo 644º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil não se estende a todas as vicissitudes que possam surgir quanto à produção de prova, mas apenas às decisões que efectivamente rejeitem ou admitam meios de prova.
A dado passo, refere, ainda, este Acórdão:
«António Abrantes Geraldes refere que a previsão da alínea d) do n.º 2 do art.º 644º do CPC abrange os casos em que o juiz admite ou não o depoimento de parte ou a prova por declarações de parte; admite ou rejeita um rol de testemunhas, autoriza ou não o seu aditamento ou substituição, defere ou indefere a realização de uma perícia ou inspecção judicial, admite ou desconsidera determinados documentos ou defere ou indefere a requisição de documentos ou a obtenção de informações em poder da outra parte ou de terceiros – cf. op. cit., pág. 253; com idêntica enumeração de situações abrangidas pela mencionada norma, cf. José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 121.
Como explica Rui Pinto, o despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova é o despacho em que se julga da sua admissão para o processo e não, por exemplo, aquele que lhe fixa o respectivo objecto (daí que o despacho que fixa o objecto da prova pericial não equivale a despacho que admite ou rejeite a perícia) – cf. op. cit., pág. 301.
Não integram também a qualificação de despacho de admissão ou rejeição de meio de prova, para efeitos da previsão da alínea d) do n.º 2 do art.º 644º do CPC, entre outros, aquele que defere a prestação do depoimento de parte por escrito[4]; aqueles que se pronunciam sobre incidentes suscitados no âmbito da produção da prova testemunhal, como a acareação ou a contradita, posto que em nenhuma deles se trata de admitir ou de rejeitar meios de prova, mas de controlar o valor probatório[5]; o despacho que fixa o objecto da prova pericial – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 253, notas 419 a 422.
Assim, aquilo que vem sendo considerado pela jurisprudência é que a admissibilidade de apelação autónoma não se estende a todas as vicissitudes que possam surgir quanto à produção de prova, mas apenas às decisões que efectivamente rejeitem ou admitam meios de prova – cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 6-05-2021, processo n.º 10981/19.5T8LSB.L1-6; e do Tribunal da Relação do Porto de 4-11-2019, processo n.º 701/17.4T8MAI.P1, sendo que neste se entendeu que a segunda perícia não é um meio de prova no sentido da previsão do preceito que admite a recorribilidade imediata e autónoma, cuja razão de ser não se estende a todas as vicissitudes da prova, onde se inclui a segunda perícia ou a contradita, por exemplo.»

Conforme referido nesta última parte da transcrição efetuada, se o despacho que fixa o objeto da perícia não pode ser objeto de recurso interlocutório, por maioria de razão, não pode ser objeto de recurso, o despacho que recusa um segundo pedido de prestação de esclarecimentos.
Ou se se quiser, estando deferido o meio de prova pretendido e realizada essa prova, não pode ser objeto de recurso interlocutório, o despacho que recusa esclarecimentos a essa prova, pois já se trata de matéria sobre o eventual mérito dessa prova ou sobre eventual necessidade de mais diligências no âmbito da mesma prova já realizada. O que significa que não se trata de uma recusa formal de prova; situação em que apenas é possível lançar mão do recurso interlocutório previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil.
Isto porque se a prova está bem ou mal realizada, se está completa ou incompleta, é assunto para apreciar a final (onde se apreciará o mérito da prova que esteja em apreço) e não em recurso interlocutório.
No caso em apreço, conforme já referido, a prova foi realizada, foram prestados esclarecimentos, sendo que novo pedido de esclarecimentos não configura uma recusa de meio de prova.
Para além disso, ao caso também não é aplicável o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, na medida em que não está em causa decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seja absolutamente inútil; porquanto a verificar-se a necessidade dos esclarecimentos aos Quesitos IV e V (após a apreciação do mérito da prova), sempre a decisão final poderá ser anulada e, posteriormente, ordenada tal diligência.
E o facto de anteriormente poder ter sido ordenada determinada diligência e depois considerada desnecessária, também não encontra acolhimento nas situações de recurso interlocutório, conforme se pode ler pelo que está determinado nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, concluiu-se que o presente recuso não pode ser admitido, por não preencher o pressuposto processual de recusa de meio de prova; e, como tal, deve ser rejeitado.» [Fim de transcrição]

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Apreciando a Reclamação para a Conferência.

Segundo a Reclamante a perícia não se encontra integralmente realizada, por isso ocorreu a recusa de um meio de prova.
Ora, conforme dito na Decisão Sumária, a recusa de um meio de prova subsume-se à recusa liminar de realização da prova pretendida, por motivos de ordem formal, conforme jurisprudência ali citada.
Na situação em apreço, não ocorreu recusa de realização da prova pretendida, mas antes a continuação de mais diligências no âmbito da prova pericial, que foi objeto de um Relatório Pericial e depois objeto de prestação de esclarecimentos no âmbito do mesmo Relatório Pericial.
Se o Relatório Pericial e respetivos esclarecimentos, respondem ou não à totalidade do objeto da perícia, não corresponde a um motivo formal de recusa desse meio de prova, para além de não ser uma recusa liminar de um meio de prova.
Ainda que esteja alegado que possa estar em falta a resposta a dois quesitos, em função do teor do Relatório Pericial e dos esclarecimentos prestados ao mesmo, apreciar neste recurso interlocutório a eventual necessidade de resposta aos quesitos em apreço, seria entrar no domínio material da perícia.
Ora, o recurso interlocutório sobre a recusa da admissão de um meio de prova, apenas é admitido quando não se tenha de aferir a materialidade ou a completude ou não do meio de prova realizado. Ou seja, o meio de prova é a perícia e não o quesito em concreto. A Perícia tem o seu objeto, sendo que o Relatório Pericial e respetivos esclarecimentos, consideraram que o objeto da perícia estava realizado.
Dito de outra forma, o que está em causa é resolver um incidente que ocorre no decurso da realização de um meio de prova, de modo a ser apreciado se a realização dessa prova já se encontra ou não satisfeita.
O regime dos recursos interlocutórios não foi gizado para resolver incidentes no âmbito da realização da prova, mas apenas para as situações de recusa liminar do meio de prova; o que não é a situação destes autos.
Portanto, admitir um recurso interlocutório de recusa de meio de prova, para saber se a prova está ou não, realizada conforme uma das partes entende, não é admissível, pois tal apenas pode ser apreciado no recurso que venha a ser interposto a final, quando tal recurso final esteja fundamentado em erro ou insuficiência da matéria de facto.
Por sua vez, em relação a algum despacho que o julgador eventualmente esteja vinculado, por se ter formado caso julgado dentro do processo, também não encontra acolhimento no regime dos recursos interlocutórios, conforme explicado na Decisão Sumária. Até porque, no caso em apreço, seria apreciar o incidente no âmbito do meio de prova realizada, sobre outra configuração.
Resulta, ainda, que no caso em apreço, não existe motivo para admitir o recurso, por não estar em causa nenhuma situação em que o recurso a final seria absolutamente inútil.
Em resumo, não estando em causa uma rejeição liminar de um meio de prova, os eventuais incidentes ocorridos no âmbito da prova realizada, não podem ser objeto de recurso interlocutório ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil.
Face ao exposto, deve manter-se a Decisão Sumária Reclamada.
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Atenta a improcedência da Reclamação para a Conferência, deve a reclamante ser condenada em custas do incidente a que deu azo - vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, assim como n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais e sua Tabela II (outros incidentes).
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
II - O regime dos recursos interlocutórios de recusa de meio de prova, não foi gizado para resolver incidentes no âmbito da realização da prova, mas apenas para as situações de recusa liminar do meio de prova.

II - Por isso, o recurso interlocutório de recusa de meio de prova, não serve para saber se a prova, está ou não, realizada conforme uma das partes entende.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em indeferir a Reclamação para a Conferência e manter a Decisão Sumária reclamada.
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Custas do incidente a cargo da Reclamante, cuja taxa de justiça se fixa em 2 UC.
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Porto, 30 de janeiro de 2025.
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Paulo Moura
Isabel Ramalho dos Santos
Virgínia Andrade