Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01826/18.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/28/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:PAULO MOURA
Descritores:LITISPENDÊNCIA;
ATOS JURÍDICOS IMPUGNADOS DIFERENTES;
Sumário:
Existe litispendência quando, não obstante, estarem em análise em dois processos atos jurídicos diferentes, o resultado jurídico pretendido seja o mesmo.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

[SCom01...], S.A., interpõe recurso da sentença que julgou verificada a litispendência entre estes autos e o processo n.º 1825/18.6BEBRG, por entender que estão em causa situações diferentes.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
A. O presente recurso vem interposto da douta sentença que decidiu pela procedência da exceção dilatória, alegada ela Fazenda Publica, de litispendência entre o que está em causa nos presentes autos e o que se discute no processo de impugnação nº 1825/18.6BEBRG.

B. A recorrente processou a sua autoliquidação de IRC quanto ao exercício de 2015,

C. sendo que posteriormente foi confrontada com um procedimento de inspeção tributária relativo a IRC e (também) ao exercício de 2015.

D. No decorrer do procedimento de inspeção mencionado na conclusão anterior, a recorrente deduziu reclamação graciosa contra a sua autoliquidação supra referida, disso tendo dado nota em sede do exercício do direito de audição no referido pro cedimento de inspeção.

E. Do mencionado procedimento de inspeção veio a resultar uma liquidação adicional de IRC.

F. A recorrente deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional mencionada na conclusão anterior, pedindo a sua anulação,

G. de onde, em caso de procedência integral do pedido, decorreria a reposição na ordem jurídica da autoliquidação do sujeito passivo.

H. Entretanto, foi indeferida a reclamação graciosa anteriormente referida, da qual veio a ora recorrente, mantendo o interesse em ver reformada a sua autoliquidação, deduzir a impugnação judicial dos presentes autos.

I. Neste seguimento, a Fazenda Pública veio arguir exceção dilatória de litispendência, arguição a que o tribunal à quo reconheceu procedência com base no entendimento, por um lado, de que a impugnação dos pressentes autos carecia de objeto pelo facto de a liquidação adicional contestada no processo n.º 1825/18.6BEBRG ter afastado da ordem jurídica a anterior autoliquidação,

J. e, por outro lado, no entendimento de que a pretendida reforma da autoliquidação se resolveria, em caso de procedência do respetivo pedido, em sede de execução de julgado da decisão a proferir no processo nº 1825/18.6BEBRG – invocando o disposto no art.º 100.º da LGT.

K. Todavia, não se verifica a alegada carência de objeto – podendo quanto muito ocorrer uma situação de prejudicialidade – porque uma vez anulada, no caso de procedência do pedido, a liquidação adicional questionada no processo nº 1825/18.6BEBRG, surge a reposição na ordem jurídica da autoliquidação que se pretende ver apreciada nos presentes autos.

L. Por outro lado, no processo nº 1825/18.6BEBRG o tribunal só pode decidir sobre o pedido aí formulado – a anulação da liquidação adicional decorrente do procedimento inspetivo – não sendo caso de apreciar o anterior ato de autoliquidação, sob pena de excesso de pronúncia.

M. E o disposto no art.º 100.º da LGT, que o Meritíssimo Juiz invoca como suporte da sua decisão, não permite que em sede de execução do julgado a que se reporta a conclusão anterior a recorrente possa exigir a satisfação do pedido formulado nos presentes autos, porque a “imediata e integral reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, ali revista, esta balizada pelo pedido formulado pela impugnante.

N. Com o devido respeito, e salvo melhor opinião em contrário, a sentença à quo incorre em erro quanto à interpretação do art.º 100.º da LGT, quando sustenta que a execução do julgado relativo ao processo nº 1825/18.6BEBRG constitui o lugar próprio para reivindicar a satisfação do pedido formulado nos presentes autos.

O. A tudo o que antecede, acresce que a impugnação dos presentes autos vem na sequência de despacho de indeferimento de anterior reclamação graciosa, que constitui o objeto imediato do pleito.

P. A impugnante, ora recorrente, pode ter interesse em ver efetivamente apreciada a (in)conformidade legal do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

Termos em que, e nos mais de direito permitidos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a sentença recorrida, devendo ainda, ordenar-se a apreciação do pedido formulado pela Impugnante, ora Recorrente.

Assim decidindo, V. Exas. farão a tão acostumada,
JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.
A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT], é a de saber se ocorre ou não litispendência entre este processo e o processo n.º 1825/18.6BEBRG.

**

Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
Para o correcto conhecimento da excepção dilatória de litispendência torna- -se necessário proceder à fixação da matéria de facto relevante.
Assim, dão-se como provados, com base nos documentos juntos aos autos (os quais não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal), os seguintes factos:
A) A impugnante foi submetida a acções inspectivas externas relativas ao IRC dos exercícios de 2013, 2014 e 2015, as quais se iniciaram em 06-11-2017 e 27-09-2017 (cfr. fls. 20 do PA apensos aos autos);
B) A impugnante foi notificada, por ofício de 26-03-2018, para exercer o direito de audição relativamente ao projecto de relatório elaborado na sequência das acções inspectivas referidas na alínea anterior (cfr. fls. 12 do PA);
C) A impugnante apresentou, no dia 23-04-2018, no Serviço de Finanças ..., uma reclamação graciosa contra a sua autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2015, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida
(cfr. fls. 2-3 do PA);
D) A impugnante exerceu o direito de audição prévia no âmbito do procedimento inspectivo referido na alínea A) por requerimento entrado na Direcção de Finanças ... no dia 24-04-2018, de cujo teor se destaca o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)

(cfr. fls. 298-302 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E) Foi elaborado, com data de 30-04-2018, o relatório final referente às acções inspectivas referidas na alínea A), de cujo teor se destaca o seguinte:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 355-394 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F) Foram emitidas em 09-05-2018, na sequência das correcções propostas no relatório referido na alínea anterior, as seguintes liquidações de IRC:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. fls. 20, 24 e 28 da paginação electrónica do processo nº 1825/18.6BEBRG);

G) A reclamação graciosa referida na alínea C) foi indeferida por despacho de 29-06-2018, de cuja fundamentação se destaca o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. fls. 6-7 e 9-10 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
H) Encontra-se pendente neste Tribunal o processo de impugnação nº 1825/18.6BEBRG, de cuja petição inicial se destaca o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)

(cfr. fls. 3-19 da paginação electrónica do processo nº 1825/18.6BEBRG, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega a Recorrente que a sentença incorre em erro quanto à interpretação do artigo 100.º da LGT, quando sustenta que a execução do julgado relativo ao processo n.º 1825/18.6BEBRG constitui o lugar próprio para reivindicar a satisfação do pedido formulado nos presentes autos.
Em primeiro lugar, porque, tratando-se no processo n.º 1825/18.6BEBRG, uma situação de contencioso de mera anulação, apenas poderá resultar a anulação do ato aí impugnado, fazendo reaparecer na ordem jurídica a situação preexistente, ou seja, a autoliquidação de IRC.
Em segundo, porque face ao pedido formulado no processo n.º 1825/15.6BBERG, bem pode o sujeito passivo ser confrontado, quanto ao que aqui importa, com uma decisão de mera anulação da liquidação aí impugnada, e a A.T. vir a entender que a anulação que lhe é imposta não passa disso mesmo, da anulação.
Em terceiro lugar, porque no hipotético caso de a decisão a proferir no processo n.º 1825/18.6BEBRG decidir expressamente em termos que vão para além da mera anulação da liquidação aí impugnada, a impugnante poderá vir a ser confrontada com a alegação da Fazenda Pública, de excesso de pronúncia.
Por fim, diz que, não obstante a autoliquidação constituir o objeto mediato da impugnação judicial, a verdade é que o seu objeto imediato é o próprio despacho de indeferimento da reclamação graciosa, cuja conformidade com a lei pretende ver apreciada, de acordo como pedido que formulou e vem transcrito na sentença.

A sentença recorrida considerou que ocorria a litispendência entre esta Impugnação e o processo n.º 1825/18.6BEBRG, que também corresponde a uma Impugnação judicial tributária deduzida contra as liquidações oficiosas emitidas na sequência da inspeção tributária de que a Recorrente foi alvo.
Considerou a sentença recorrida que a causa de pedir é a mesma em ambos os processos, uma vez que os factos alegados são rigorosamente os mesmos, não só do ponto de vista material, como do ponto de vista da qualificação jurídica.
Refere a sentença que não obvia à litispendência, o facto de estarem em causa atos diferentes, na medida em que o objetivo final é a ilegalidade da liquidação do ano de 2015. Esclarece a sentença que a decisão da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de 2015, teve em conta o relatório de inspeção tributária que deu origem às liquidações adicionais de IRC do ano de 2015, pelo que o indeferimento aceita as correções realizadas oficiosamente.
Diz, ainda, a sentença que a autoliquidação de IRC de 2015, já não existe tendo sido consumida pela liquidação adicional, pelo que o processo também careceria de objeto, uma vez que está pedida a anulação da autoliquidação.
Apreciando.
O regime da litispendência, é em tudo semelhante ao do caso julgado, mas diverge deste, pelo facto de não haver qualquer decisão transitada em julgado. Sobre o assunto, estabelece o artigo 581.º do Código de Processo Civil:
Artigo 581.º (Requisitos da litispendência e do caso julgado)
1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

Para melhor compreensão deste regime, transcreve-se a anotação ao artigo 581.º do CPC, efetuada no Código de Processo Civil anotado, vol. I, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, 2.ª ed., ano 2020, Almedina, que escrevem a págs. 686 e 687, o seguinte:
«5. A identidade de pedidos afere-se pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequação integral das pretensões (…).
6 A identidade de pedidos pode, aliás, ser apenas parcial e, ainda assim, ser bastante para que se considerem verificadas a exceção de litispendência ou de caso julgado. (…)
7. A identidade de causa de pedir verifica-se quando as pretensões deduzidas nas ações derivam do mesmo facto jurídico, analisado à luz da substanciação consagrada no n.º 4 (cf. nota 2 ao art.º 5.º). no que tange à noção operativa de causa de pedir para efeitos de litispendência, Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, defende que se identifica com o conjunto de factos principais que permitem preencher determinada norma jurídica, de modo que apenas quando noutra ação se aleguem normas que impliquem, pelo menos, um facto principal diferente será diversa a causa de pedir (p. 508). Continua a mesma autora que só haverá exceção de litispendência quando, na segunda ação, não são alegados factos principais diferentes dos alegados na primeira (p. 512) e que, para efeito de exceção de caso julgado, a causa de pedir será definida “através do conjunto de todos os factos constitutivos de todas as normas em concurso aparente que possam ser aplicadas ao conjunto de factos reconhecidos como provados na sentença transitada” (p. 497), daqui derivando que um mesmo acontecimento histórico possa ser realmente apreciado com base noutra norma jurídica quando algum dos factos que permitem a aplicação dessa norma não tenha sido apreciado pelo juiz. Sobre esta questão, cf. Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. II, 3ª ed., pp 597-599, e as anot. aos arts. 186.º e 552.º sobre a definição e delimitação da causa de pedir.
8. Em STJ 14-12-16, 219/14, entendeu que a identidade e individualidade das causas de pedir tem de aferir-se em função de uma comparação entre o núcleo essencial, não sendo afetada tal identidade, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão (neste sentido, cf. Ainda STJ 1-10-19 20427/16), nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afete o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as ações, nem pela invocação na primeira ação de determinada factualidade, perspetivada como meramente instrumental ou concretizadora de factos essenciais (cf. Ainda STJ 17-4-18, 1486/15, STJ 24-4-13 7770/07 e RP 9-7-14, 16/13). Em STJ 18-9-18, 21852/15, entendeu-se que, para delimitar determinada causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.».

Veja-se, ainda, o que refere sobre o assunto o Conselheiro Jorge Augusto Pais do Amaral, no seu livro «Direito Processual Civil», 7.ª ed., Almedina, ano de 2008, nas páginas 211 e 212:
«A lei fornece-nos o conceito de repetição. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – artigo 498.º, n.º 1
Como se vê, tem de se verificar a tripla identidade e cumulativamente.
identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica
Identidade de sujeitos não significa identidade física. Se uma das partes faleceu e, por isso, a sua posição foi ocupara pelos seus sucessores, apesar de serem pessoas fisicamente diferentes, têm a mesma posição sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Verifica-se, portanto, identidade das partes ou sujeitos.
Por outro lado, a diversidade de posição processual não obsta à identidade dos sujeitos. Se numa das acções figurar como autor quem na outra tem a posição de réu, esse facto não compromete a identidade dos litigantes. As partes são as mesmas, embora ocupem posições opostas em cada um dos processos.
identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – artigo 498.º, n.º 3.
Sendo o pedido o efeito jurídico pretendido pelo autor, ou seja, a tutela jurisdicional que requer; há identidade do pedido quando numa e noutra causa o autor formula a mesma pretensão.
identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido – art.º 498.º, n.º 4.
Nas acções de reivindicação, por exemplo, a causa de pedir é o direito de propriedade.
Nas acções constitutivas como, por exemplo, nas acções de divórcio não é o facto abstracto, mas o facto material e concreto. Assim, a causa de pedir não é, por exemplo, o adultério, mas o facto concreto que traduz o adultério, ou seja, determinada relação sexual extraconjugal. Se noutra acção for invocado como fundamento um facto concreto diferente, embora traduza também uma relação sexual extraconjugal, deixa de haver identidade de causa de pedir, pois constituem factos concretos distintos.
Sendo detectada a excepção da litispendência, há que evitar que um dos processos prossiga os seus termos. Com essa finalidade, a litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar. Se a excepção de litispendência invocada for julgada procedente, isto é, se se verificar a tripla identidade de que falámos, será proferido despacho pondo fim à instância.
Considera-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente – art.º 499.º, n.º 1.
Como se verifica, não se considera proposta em segundo lugar a acção cuja petição inicial deu entrada mais tarde. A ordem de entrada apenas tem relevância, para este efeito, quando a citação em ambas as acções tenha tido lugar no mesmo dia – cfr. art.º 499.º, n.º 2.
Verifica-se a excepção de caso julgado sempre que já tenha sido proferida decisão de mérito em processo anterior ou quanto tenha sido proferida uma decisão anterior sobre a relação processual. Na primeira hipótese designa-se caso julgado material, porque a decisão recaiu sobre a relação material ou substantiva. Na segunda, tendo a decisão recaído sobre questões de carácter processual, diz-se que apenas faz caso julgado formal.».

Conforme se percebe do que acima ficou descrito, está aqui apenas em apreciação o IRC de 2015, ano em que a Impugnante foi alvo de uma inspeção tributária, que originou uma liquidação oficiosa impugnada no processo nº 1825/18.6BEBRG, que não teve em consideração os prejuízos fiscais pretendidos pela Impugnante.
Em relação ao mesmo período, a Impugnante havia apresentado atempadamente a declaração de IRC modelo 22, e posteriormente uma nova autoliquidação modelo 22. Assim, conforme decorre da matéria de facto descrita na aliena C) do probatório, a Impugnante apresentou nova autoliquidação de IRC do ano de 2015, em 23/04/2018, na qual já apurou o prejuízo fiscal de € 53.997,98 e imposto a recuperar de € 165.282,36.
Está em causa em ambos os processos:
a) Exclusão do reconhecimento das depreciações que erradamente foram reconhecidas; e
b) Reconhecimento das imparidades para créditos sobre clientes que deveriam ter sido reconhecidas e não foram.

No que concerne à situação mencionada na alínea a), a própria Impugnante pediu a sua exclusão das depreciações, situação que a inspeção tributária também excluiu, pelo que se verifica uma identidade de causa de pedir.

No que concerne à alínea b), a impugnante pretendeu o reconhecimento dos prejuízos fiscais, por duas (senão três) vias: a reclamação graciosa, a apresentação de nova autoliquidação e a sua atendibilidade no âmbito da inspeção tributária.
Ora, não obstante a apresentação de uma nova declaração mod. 22 de IRC para o ano de 2015, ou seja, de uma nova autoliquidação para 2015, a Impugnante deduziu Reclamação Graciosa contra a primitiva autoliquidação de IRC de 2015, conforme menciona no introito da Petição Inicial, quando refere que deduz Impugnação Judicial «Contra o referido despacho e contra a autoliquidação de IRC a que procedeu quanto ao exercício de 2015, onde apurou o lucro tributável de € 193 080,31 e o imposto a pagar de € 37 662,02 – depois de abatidos os pagamentos por conta antes efetuados, conforme doc. n.º 2, de 5 fls.».
Na Reclamação Graciosa pediu o reconhecimento do prejuízo fiscal de € 53.997,98 – vide alínea c) da matéria de facto.
Sucede que na nova autoliquidação já leva em consideração exatamente este prejuízo fiscal. E esta nova autoliquidação foi apresentada antes da emissão da liquidação oficiosa decorrente da inspeção tributária – vide alíneas F) e G) da matéria de facto supra.
Nestes autos, a Impugnante também pede a anulação da sua primitiva autoliquidação de IRC de 2015, para que seja substituída pela autoliquidação que apresentou em 23/04/2018, conforme se pode ver pelo pedido realizado a final da Petição Inicial, que se transcreve: «Deve ser revogado o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e reconhecer-se a procedência da respetiva petição inicial, determinando-se a anulação da autoliquidação de IRC do exercício de 2015, substituindo-a pela liquidação decorrente da declaração mod/22 a que se refere a petição de reclamação graciosa, com a consequente devolução dos valores de IRC a mais pagos quanto a esse exercício, e o reconhecimento de um prejuízo fiscal a deduzir nos exercícios seguintes de € 53 997,98.».

Portanto, a Impugnante pede neste processo, que a sua primitiva autoliquidação de IRC de 2015, seja substituída pela sua nova autoliquidação de IRC de 2015. Isto, para além, do pedido de anulação da decisão da Reclamação Graciosa. No fundo, a Impugnante pretende que fique a valer na ordem jurídica a autoliquidação apresentada em 23/04/2018, onde declara prejuízos fiscais e imposto a recuperar.
Independentemente da oportunidade ou mesmo necessidade de deduzir reclamação graciosa contra a primitiva liquidação de IRC de 2015, em função da apresentação da nova declaração de IRC, compete referir que, conforme peticionado nestes autos, a Impugnante visa ver como válida na ordem jurídica a sua nova autoliquidação de IRC de 2015.
Ora, se a primitiva autoliquidação foi objeto de uma declaração de substituição por outra autoliquidação, aquela inicial autoliquidação deixou de figurar na ordem jurídica, pelo que não pode ser objeto de impugnação.
Por outro lado, com o pedido realizado no final da Petição Inicial, a Impugnante pretende fazer valer a sua nova autoliquidação, onde declarou prejuízos fiscais; os quais lhe foram negados pela inspeção tributária. Significa isto, que a liquidação oficiosa emitida na sequência da inspeção tributária, não teve em consideração as pretendidas imparidades ou prejuízos fiscais.
Seja como for, é contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que está em apreço nestes autos; enquanto no processo n.º 1825/18.6BEBRG, está em discussão a liquidação oficiosa emitida na sequência da inspeção tributária.
Portanto, a questão que importa analisar, é a de saber se está ou não em apreço a mesma situação de facto e de direito, não obstante estarem em causa dois atos jurídicos distintos.
Na Reclamação Graciosa deduzida contra a primitiva autoliquidação de IRC do ano de 2015, a Impugnante pretende que sejam atendidos os fundamentos deduzidos por si, de forma a ser aceite um prejuízo fiscal, que não estava relevado na autoliquidação inicial de 2015, mas já está vertido na nova autoliquidação.
No processo n.º 1825/18.6BEBRG, a Impugnante pretende a anulação da liquidação oficiosa do IRC de 2015; liquidação essa que não admitiu aqueles prejuízos fiscais pretendidos pela Recorrente.
A questão relevante é a de saber se o reconhecimento das imparidades deve ser observado, caso a liquidação oficiosa seja anulada no processo n.º 1825/18.6BEBRG. Segundo o entendimento da sentença, tal deve acontecer, até porque em ambos os processos a causa de pedir é a mesma. Em relação a este aspeto, a sentença mencionou o seguinte, a págs. 9, 10 e 11:
«Quer nestes, quer naqueles autos, o impugnante alegou que cometeu determinadas irregularidades contabilísticas durante os exercícios de 2013, 2014 e 2015, as quais procurou corrigir na pendência do procedimento inspectivo tendo, para o efeito, apresentado novas declarações modelo 22.
Em ambos os processos é alegado que a liquidação relativa ao exercício de 2015 padece de erro por errónea quantificação da matéria tributável, na medida em que desconsiderou os gastos relativos a imparidades sobre dívidas de terceiros, bem como os gastos relativos a créditos incobráveis.
Os factos alegados em ambos os processos são rigorosamente os mesmos, não só sob o ponto de vista da sua materialidade naturalisticamente considerada, mas também sob o ponto de vista da sua qualificação jurídica, pelo que não há como deixar de se ter por verificada a identidade de causa de pedir.»
Mais adiante refere a sentença:
«Assim, apesar de no processo nº 1825/18.6BEBRG o impugnante apenas ter pedido a anulação da liquidação adicional relativa ao exercício de 2015, ao passo que nestes autos pediu também a sua “substituição” pela liquidação decorrente da declaração modelo 22 que apresentou na pendência do procedimento inspectivo, com a consequente devolução dos valores de IRC a mais pagos quanto a esse exercício e o reconhecimento de um prejuízo fiscal a deduzir nos exercícios seguintes no montante de 53.997,98 €, a verdade é que estes últimos “pedidos” mais não são do que a consequência da procedência do pedido anulatório, dado que tal pedido anulatório tem como causa de pedir, precisamente, o reconhecimento das imparidades que a impugnante fez reflectir na declaração modelo 22 de substituição.
Pois bem, se no processo nº 1825/18.6BEBRG o Tribunal concluir pela anulação das liquidações impugnadas por as mesmas não terem tomado em consideração as imparidades que o impugnante inscreveu na referida declaração modelo 22, então o efeito reconstitutivo da sentença sempre implicará que a impugnada, em sede de execução do julgado anulatório, proceda “à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade” (art.º 100º da LGT) o que não poderá deixar de passar por proceder a uma nova liquidação que tome tais imparidades em consideração, donde se conclui que o efeito jurídico pretendido é, em ambos os processos, o mesmo.».

Se por acaso houvesse procedência na presente Impugnação, que foi deduzida contra o indeferimento da Reclamação Graciosa, em função do peticionado, ficaria a valer na ordem jurídica a nova autoliquidação de IRC de 2015. Autoliquidação essa que teve em consideração os prejuízos fiscais.
Ora, esses prejuízos fiscais não foram admitidos pela inspeção tributária, e, nessa sequência foi emitida a liquidação oficiosa que está em discussão no processo n.º 1825/18.6BEBRG.
Portanto, tratam-se dos mesmos factos jurídicos relevantes para a apreciação do mesmo exercício económico.
Por sua vez, no que concerne ao pedido, não obstante estarem em apreço diferentes atos jurídicos, resulta que a consequência jurídica pretendida é a mesma; o que por si só releva para efeitos de se considerar que o pedido é o mesmo. Ou conforme, refere o n.º 3 do artigo 581.º do CPC, o efeito jurídico pretendido é exatamente o mesmo em ambos os processos.
A alegada eventual dificuldade do processo de impugnação corresponder a um contencioso de mera anulação para poder ver considerados os custos fiscais ou imparidades em sede de execução de julgado, é uma falsa questão, na medida em que no processo n.º 1825/18.6BEBRG, vai ter que ser apreciada a legalidade da liquidação oficiosa, segundo os fundamentos da Petição Inicial ali apresentada. Ora, segundo esses fundamentos, a AT devia ter tido em consideração os prejuízos fiscais ou imparidades, pelo que, se a liquidação oficiosa for anulada por erro nos pressupostos de facto, devido a não ter aceite os prejuízos fiscais ou imparidades, em execução de sentença a AT vai ter que emitir nova liquidação tendo em conta o que concretamente foi julgado. E se for julgado que a liquidação oficiosa deveria ter em conta os prejuízos fiscais ou imparidades, não há excesso de pronúncia, assim como a AT fica obrigada a acatar a sentença, com a emissão de uma nova liquidação que tenha em consideração os prejuízos fiscais ou imparidades.
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Face ao exposto, concluiu-se que ocorre litispendência entre este processo e o processo n.º 1825/18.6BEBRG, pelo que o recurso não merece provimento.
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No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora- -se o seguinte sumário:
Existe litispendência quando, não obstante, estarem em análise em dois processos atos jurídicos diferentes, o resultado jurídico pretendido seja o mesmo.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 28 novembro 2024.

Paulo Moura
Conceição Soares
Cristina da Nova