Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02003/13.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/18/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, IP; BONIFICAÇÃO DE DEFICIÊNCIA/SUBSÍDIO
Sumário:
I-Não existe qualquer respaldo legal para que o ISS IP, ora Recorrente, imponha à aqui Recorrida o ónus da prova de aumento de encargos com os descendentes decorrentes das suas deficiências;
I.1-o único condicionalismo que o DL 133-B/97, de 30 de maio efectivamente impõe é que (…) os descendentes dos beneficiários, menores de 24 anos, sejam portadores de deficiência física, orgânica, sensorial, motora ou mental que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico (…), o que é o caso, conforme provado por documentos juntos aos autos;
I.2-a ora Recorrida beneficiou do apoio da bonificação por deficiência dos seus descendentes, durante vários anos, sempre a coberto da interpretação dada pelo Recorrente ao apontado diploma legal;
I.3-face à prova produzida, e não posta em crise por este, a demonstração do acréscimo de encargos é estultícia por se tratar de um facto notório. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP
Recorrido 1:CMRL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso da decisão final;
Rejeitar o recurso interposto do despacho saneador
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
CMRL, residente na Rua M…, 4900-424 Viana do Castelo, intentou acção administrativa especial contra o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP, com sede na Alameda D. Afonso Henriques, nº 82, 4º e 5º, 1049-076 Lisboa, pedindo a anulação do despacho do Vogal do Conselho Directivo que indeferiu a atribuição do subsídio por bonificação de deficiência cumulado com o pedido de condenação da Entidade Demandada a repor o pagamento daquela prestação social.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a acção e:
-anulado o acto praticado pelo Vogal do Conselho Directivo do Instituto Réu, que manteve o acto praticado, em 20 de Maio de 2013, pela Directora de Recursos Humanos daquele Instituto, que indeferiu o pedido de bonificação que vinha a ser atribuído aos filhos da Autora, JP e IS;
-condenado o Réu a emitir novo acto administrativo de reposição da bonificação por deficiência à Autora, referente àqueles seus filhos e a pagar-lhe as prestações que se mostrem devidas desde a data em que foi determinada a cessação da atribuição da bonificação por deficiência e enquanto se mostrarem verificados os requisitos previstos no DL 133-B/97, de 30/05.
Desta vem interposto recurso.
O ISS,IP recorre ainda do despacho saneador de 22/03/2015, que negou provimento à excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto por si invocada, nos termos dos artigos 87º/1/a) e 89º/1/c), ambos do CPTA.

Alegando, formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador do TAF de Braga, de 22-03-2015, que negou provimento à exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato, invocado pelo Réu, ora Recorrente, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea a) e artigo 89.º, n.º 1, alínea c), ambos do então CPTA;
2. Assim como da subsequente sentença do TAF de Braga, de 09.02.2016. que, julgando procedente a ação, anulou o ato praticado pelo Vogal do Conselho Diretivo do ISS;IP, que manteve o ato praticado em 20 de maio de 2013, pela Diretora de Recursos Humanos dos Serviços Centrais deste Instituto, que indeferiu o pedido de bonificação que vinha a ser atribuído aos filhos da ora Recorrida, JP e IS e, em consequência, condenou o Réu, ora Recorrente a emitir novo ato administrativo de reposição da bonificação, nos termos elencados na douta sentença recorrida; Assim;
3. Em sede do despacho saneador, o Tribunal a quo negou provimento à exceção de inimpugnabilidade do ato invocada pelo Réu, ora Recorrente, sustentando que o ato administrativo contenciosamente impugnado nos presentes autos era virtualmente lesivo para os interesses da Autora e como tal jurisdicionalmente impugnável, nos termos do artigo 51.º,n.º1 do CPTA;
4. Desse modo, após a fixação da matéria de facto relevante e com vista a alicerçar a decisão, o Tribunal a quo principiou por aduzir a fls 4 do despacho saneador que “… no caso em apreço e em função dos factos provados, dos autos não resulta qualquer prova quanto à prática pelo Réu de uma decisão proferida ao abrigo de normas de direito público que visasse produzir efeitos jurídicos e concretos sob a esfera jurídica da Autora (cfr. art.º 120 do CPTA e n.º 4 do artigo 268.º da CRP).”
5. Mal andou o Tribunal a quo ao extrair tal conclusão uma vez que a mesma é manifestamente contraditada pela matéria de facto dada por assente nos ponto II.5 e II.6 do despacho saneador recorrido [fls 2 do despacho saneador recorrido]: […] a Diretora do Departamento de Recursos Humanos proferiu, em 20.05.203 o seguinte despacho: “Concordo e indefiro nos termos referidos” (cfr. fls.40 e 41 dos PA, junto via site e constitui fls. electrónica 88). ; 6. A Autora foi notificada desta decisão através do ofício com a referência DRH/UDARH/NAP enviado pela Directora de Unidade, datado de 22.05.2013 do seguinte teor: “Para conhecimento, e após ter-lhe sido efectuada audiência prévia, através do ofício Ref. SCC-42565/2013, de 10-04-2013, e nada ter alegado que alterasse os requisitos exigidos, foi proferido por despacho da Senhora Diretora de Recursos Humanos, em 20-05.2013, o indeferimento definitivo do pedido de bonificação por deficiência relativamente aos descendentes JPLF e ISLF. (Cfr. Documento n.º 7 da PI e fls. 42 do PA junto ao site- fls. eletrónica 88);
6. Na verdade, o despacho da Senhora Diretora de Recursos Humanos a que aludem os pontos II.5 e II.6 da matéria de facto dada por assente no douto despacho saneador, consubstancia um ato administrativo com eficácia externa, que visou produzir efeitos jurídicos concretos sobre a esfera jurídica da Autora, pois conformou definitivamente a situação jurídica no que concerne ao pedido de bonificação por deficiência para o ano de 2013, referente aos seus descendente, negando provimento ao peticionado;
7. Assim, ao contrário do que o Tribunal a quo conclui a fls. 2 do despacho saneador recorrido, decorre da prova produzida nos presentes autos e da matéria de facto fixada em sede do despacho saneador, a existência de uma decisão proferida ao abrigo de normas públicas que visou produzir efeitos jurídicos concretos sob a esfera jurídica da Autora: despacho da Senhora Diretora de Recursos Humanos de 20-05.2013;
8. Assim, o Tribunal a quo incorreu, desde logo, em erro sobre os pressupostos de facto, o que se argui com as devidas consequências legais.
9. O Tribunal a quo alicerça o entendimento de que o ato do Sr. Vogal do CD, de 05.09.2013. é virtualmente lesivo para a esfera jurídica da Autora, ora Recorrida e como tal contenciosamente recorrível, nos seguintes termos: “Como resulta do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA citado, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (sublinhado nosso). A susceptibilidade aqui referida constitui um mero critério da impugnabilidade do acto face à garantia constitucional (artigo 268.º n.º 4 da CRP) e não um requisito absoluto do conceito. Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha in Comentário ao Código de processos nos Tribunais Administrativos, pág. 261: “o acto contenciosamente impugnável não se confunde com o acto lesivo, embora possa, na generalidade dos casos, corresponder a um acto potencialmente lesivo, cuja impugnação será admissível se a ação for deduzida pelo titular do direito ou interesse ofendido”. E, no caso, a Autora vem por em crise um acto com a virtualidade de lesar um concreto interesse individual.”
10. Mal andou o Tribunal a quo ao decidir nos termos que o fez porquanto a ato proferido pelo Sr. Vogal do CD, em 05.09.2013, não se afigura como um ato potencialmente lesivo, sendo, na verdade, um ato confirmativo, como se demonstrará, o que é coisa diferente.
11. Efetivamente, quanto aos atos potencialmente lesivos elencados no artigo 51.º do então CPTA, o TCA Sul já teve a oportunidade elucidar no acórdão de 14.05.2015, P.º 12005/15 que…só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os atos cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51.º, n.º 1) – devendo entender-se que atos com eficácia externa são os atos administrativos que determinem (que visem determinar, que sejam capazes de determinarem) a produção de efeitos externos, independentemente da respetiva eficácia”. Tal princípio geral definiu o ato administrativo impugnável como sendo aquele ato dotado de eficácia externa, remetendo a lesividade (subjetiva) para mero critério de aferição dessa impugnabilidade. Daí que se compreendam ou insiram no conceito legal de “ato impugnável” todos os atos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos assim se respeitando a garantia constitucional impositiva, constante do nº 4 do artigo 268º da CRP (que impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos atos lesivos), garantia essa que acaba, todavia, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles atos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjetivos e de interesses legalmente protegidos, são dotados de eficácia externa. Sendo que a própria “eficácia externa”, enquanto definidora de impugnabilidade contenciosa, não tem de ser atual, podendo ser potencial desde que seja seguro ou muito provável que o ato irá produzir efeitos (cfr. arts. 51.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1, alínea b) ambos do CPTA). “
12. Assim como aos ensinamentos de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3 edição revista – 2010, Almedina, pág. 347 elucidam a este propósito que “… o caráter impugnável do acto afere-se pela susceptibilidade de produzir efeitos externos, e não pelo efectivo preenchimento dos requisitos de eficácia. Daí que, nos termos do artigo 54.º, se torne possível impugnar um acto administrativo ineficaz, designadamente quando tenha sido objeto de execução indevida.”
13. Ora, como é consabido, um ato confirmativo não é um ato potencialmente lesivo nos termos em que é anunciado na jurisprudência e doutrina citadas nas conclusões 11 e 12 pois não detém, desde logo, a suscetibilidade de produzir externa. Na verdade, limitando-se este ato a confirmar um ato administrativo anterior, a eficácia externa é deste e não dele próprio. (Cfr. Acórdão do STA, de 7/2/2002, Rec. 045909, "Como se entendeu no acórdão deste STA de 9.2.93 (Rec. n.º 25.798) na esteira de jurisprudência firmada neste Tribunal, no âmbito do direito administrativo e para efeitos de recurso contencioso, a confirmatividade de um acto pressupõe a anterior produção de um acto administrativo contenciosamente impugnável, ou seja, que o acto confirmado, contendo a devida estatuição, tenha já definido a situação jurídica do administrado face à Administração. Uma tal situação revelará a presença de um acto confirmativo (o segundo acto), acto este que se tem como contenciosamente irrecorrível, desde logo pela circunstância de não introduzir qualquer modificação na situação jurídica do administrado, não se traduzindo em diversa ou maior ofensa dos seus direitos ou interesses legítimos.
14. Na verdade, nos presentes autos a Autora, ora Recorrida, pretendeu a anulação do despacho “que indeferiu a atribuição da bonificação por deficiência”…”e consequentemente ser reposto o pagamento daquela prestação social, desde a data da sua suspensão, despacho esse que identificou, nos artigos 14.º e 33.º da p.i., como sendo o “despacho proferido pelo Senhor Vogal do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, IP…”, aliás, como o douto Tribunal reconhece a fls. 5 do despacho saneador …”a intenção da Autora é impugnar o acto praticado pelo Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, responsável pelo Pelouro dos Recursos Humanos, que negou provimento ao recurso aí interposto pela Autora e, em consequência, manteve o acto praticado pela Directora do Departamento de Recursos Humanos proferido em 20.05.2013, que indeferiu o pedido de bonificação que vinha a ser atribuído aos seus descendentes JP e IS …”
15. Todavia, o indeferimento definitivo da pretensão da Autora ocorreu, desde logo, por força do despacho proferido pela Sra. Diretora dos Recursos Humanos do ISS, IP, em 20 de maio de 2013, em sede do procedimento de 1.º grau, despacho esse era, desde logo, afigurava jurisdicionalmente impugnável, nos termos do artigo 51.º, n.º 1 do então CPTA;
16. O ato objeto da presente ação – Despacho do Vogal do CD, de 04-09-2013 - , limitou-se, no essencial, a negar provimento recurso hierárquico deduzido pela Autora, confirmando, por essa via, o pretérito despacho da Senhora Diretora de Recursos Humanos, que indeferiu o pedido de deficiência, relativo aos descendentes ISLF e JPLF.
17. Tal evidência despoja o despacho objeto da presente ação do seu caráter lesivo/potencialmente lesivo, sendo por essa razão inimpugnável. (cfr, Acórdão do STA de 08-10-2003, processo n.º 01494/03, cujos pontos III e IV do respetivo sumário se transcrevem: “III - O acto administrativo impugnável através de recurso hierárquico facultativo é directa e imediatamente impugnável por via contenciosa (art. 167.º, n.º 1, do C.P.A.).IV - O acto proferido em decisão do recurso hierárquico facultativo que se limita a confirmar o acto recorrido não é acto lesivo, não sendo impugnável contenciosamente.”
18. De facto, os atos confirmativos não são passíveis de impugnação jurisdicional, conforme resulta do artigo 53.º do então CPTA, “quando o ato anterior: c) tenha sido impugnado pelo Autor; d) tenha sido objeto de notificação ao Autor;(…)”
19. No caso concreto, o despacho da Diretora de Recursos Humanos, datado de 20 de maio de 2013, foi notificada à Autora, ora Recorrida, a coberto do ofício SAI.SCC -61812/2013, de 28/05/2013.
20. De outra parte, na sequência da notificação da aludida decisão a Autora, ora Recorrida, interpôs recurso hierárquico daquela decisão para o Vogal do CD., conforme e, aliás, enuncia no artigo 13.º da p.i.( e o Tribunal a quo também reconhece no ponto 6 da matéria de facto dada por assente a fls. 2 do despacho saneador recorrido).
21. Conformidade, a Autora, ora Recorrida, expressamente impugnou o ato anterior ao ato confirmativo objeto da presente ação.
22. Razão pela qual, o ato confirmativo objeto da presente ação não é jurisdicionalmente impugnável, conforme resulta do artigo 53.º, alínea a) e b) do CPTA, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, em sede do despacho saneador recorrido. [Sobre o tema cfr, na jurisprudência, e entre muitos outros, AC STA/Pleno de 27.02.96, Rº23486; AC STA de 25.05.01, Rº43440; AC STA de 07.01.02, Rº45909; AC STA de 29.04.03, Rº0363/03; AC STA de 11.10.06, Rº614/06; AC STA de 21.05.2008, Rº770/06; AC STA de 11.03.2009, Rº01084/08 e AC STA de 28.10.2010, Rº0390/10; e cfr., na doutrina, nomeadamente, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10ª edição, 452 e seguintes; Freitas do Amaral, Direito Administrativo, volume III, páginas 230 e seguintes; Mário de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, página 129 e seguintes].
23. Pelo que, o despacho saneador recorrido ao improver a exceção de inimpugnabilidade do ato suscitada pelo Réu, ora Recorrente, enferma de erro de julgamento, por violação do art. 53.º do CPTA não podendo ser mantido.
Em todo caso, quanto à sentença recorrida:
24. Vem o presente recurso, de igual modo, interposto da ulterior sentença do TAF de Braga, de 09.02.2016. que, julgando procedente a ação, anulou “…o acto praticado pelo Vogal do Conselho Diretivo do ISS;IP, que manteve o acto praticado, em 20 de maio de 2013, pela Diretora de Recursos Humanos dos Serviços Centrais daquele Instituto, que indeferiu o pedido de bonificação que vinha a ser atribuído aos filhos da Autora, JP e IS …” e, em consequência, condenou o Réu, ora Recorrente, a emitir um novo acto administrativo de reposição da bonificação, nos termos elencados na douta sentença recorrida;
25. Por, na elevada ponderação de facto e de direito efetuadas, o Tribunal a quo ter concluído no sentido de que a Autora reunia os pressupostos jurídicos para que fosse lhe fosse concedida a bonificação por deficiência previsto no Decreto-Lei n.º 133-B, de 30/05, na versão em vigor à data dos factos, respeitante aos seus descendentes JP e IS.
Na ótica do Tribunal a quo, o ato contenciosamente impugnado nos presentes autos, decisão do Sr. Vogal do CD, de 05-09-2013, incorreu em vício de lei ao manter/confirmar, em sede recurso hierárquico facultativo, o pretérito ato praticado em 20-05-2013, pela Diretora de Recursos Humanos do Réu, que indeferiu definitivamente o pedido de bonificação da então Autora.
26. Todavia, mal andou o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez.
27. De facto, a bonificação por deficiência do subsídio familiar a crianças e jovens, tem assento legal no Decreto-Lei n.º 133-B /97, de 30 de maio que, nessa parte, define a proteção na eventualidade de encargos familiares do regime geral da segurança social.
28. No preâmbulo do citado diploma legal desde logo se esclarece o intérprete que se pretendeu, neste âmbito, “a definição de uma nova política social de compensação de encargos familiares…”, baseada no princípio da solidariedade, “… indo de encontro das necessidades dos agregados familiares economicamente mais débeis.” De outra parte, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 133-B /97 vem-nos elucidar, sob a epígrafe “caracterização da eventualidade” que “Consideram-se encargos familiares os que decorram de situações geradoras de despesa de família especialmente previstas na lei.”
29. No tocante ao complemento de bonificação por deficiência, o artigo 6.º, n.º 2 Decreto-Lei n.º 133-B /97 preceitua que o abono de família pode ser objeto de uma bonificação para compensar os encargos específicos de uma situação de deficiência, nos termos do artigo seguinte.
30. Preceituando, por sua vez, o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 133-B /97, a esse propósito, que :“A bonificação, por deficiência, do subsídio familiar a crianças e jovens destina-se a compensar o”…[1]…”acréscimo dos encargos familiares diretamente decorrentes da situação dos descendentes dos beneficiários, “…[2]… “menores de 24 anos,…” [3]…”portadores de deficiência de natureza física, orgânica, sensorial, motora ou mental, que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico”.
31. Ora, da mera leitura do citado preceito jurídico, inserida no Capitulo I .” …âmbito e titularidade das prestações” resulta que a concessão da bonificação por deficiência, no seu âmbito geral, [1] - Depende do acréscimo dos encargos familiares diretamente decorrentes da situação de deficiência dos descendentes do beneficiário;[2]. - Os descendentes do beneficiário sejam menores de 24 anos,;[3] - E portadores de deficiência de natureza física, orgânica, sensorial, motora ou mental, que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico, nos termos do artigo 21.º
32. Assim, são desde logo definidos no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97 o âmbito e os pressupostos jurídicos/condições a atender para à concessão da bonificação por deficiência, ao contrario do que o Tribunal a quo defende.
33. Efetivamente, cumpre alertar que as condições de atribuição das prestações enunciadas no Capítulo II – Secção I– “Condições gerais”, de artigos 14.º a 17.º, e as condições especiais, previstas na Secção II “Condições especiais…” de artigos 18.º a 20.º do citado diploma legal, correspondem aos requisitos estabelecidos para a atribuição do então subsídio familiar a crianças e jovens, não tendo o legislador, nesse Capitulo e respetivas Secções, regulado as condições de índole objetiva e subjectiva para concessão da bonificação por deficiência;
34. A demonstrar tal evidência está a revogação das citadas disposições legais pelo artigo 56, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 201/2003, de 2 de agosto que veio instituir o novo abono de família para crianças e jovens em substituição do subsídio familiar.
35. Na verdade, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 201/2003, no âmbito do citado Capitulo II, apenas se manteve em vigor o artigo 21.º, sistematicamente inserido na Secção II- “… e caraterização das situações de deficiência”, sob a epígrafe “Caraterização da deficiência para efeitos de bonificação;
36. Através do qual o legislador, veio aclarar e desenvolver o sentido do requisito portadores de deficiência de natureza física, orgânica, sensorial, motora ou mental, que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico” previsto no artigo 7.º, esclarecendo que se consideram crianças e jovens portadores de deficiência, para efeitos de eventual bonificação, as que, em alternativa,
· Necessitem de apoio individualizado pedagógico e ou terapêutico específico, adequado à natureza e características da deficiência de que sejam portadores, como meio de impedir o seu agravamento, anular ou atenuar os seus efeitos e permitir a sua plena integração social;
· Frequentem, estejam internados ou em condições de frequência ou de internamento em estabelecimentos especializados de reabilitação.
37. Da conjunção dos citados preceitos jurídicos, resulta claro que a bonificação por deficiência só poderá ser atribuída verificados que sejam os requisitos cumulativos previstos no artigo 7.º, com as especificidades contidas no artigo 21.º, ao contrário do que entende o Tribunal a quo.
38. Efetivamente, como se salientou no ponto oito da Informação n.º 2219/2013, de 22/09/2013, em que se sustenta o despacho impugnado, objeto da presente ação:”8. Assim, conforme resulta do citado preceito jurídico, a concessão da citada bonificação está dependente, para além da verificação da situação de deficiência dos descendentes do beneficiário, nos termos prescritos no artigo 7, in fine, 21.º e 61.º, da demonstração do efetivo acréscimo dos encargos familiares decorrentes da supradita situação de deficiência.”, o que a Autora não logrou demonstrar, em ambas as instâncias administrativas.
39. Desse modo, o despacho objeto da presente ação, não padece do vício que lhe é imputado pelo Tribunal a quo uma vez que a posição adoptada, que, relembre-se, secunda e confirma o já anteriormente decidido, a coberto do despacho da Sra. Diretora dos Recursos Humanos, de 20/03/2013, tem pleno respaldo na letra e espírito da lei.
40. Em todo caso, o complemento por deficiência tem um único fim: compensar as famílias dos encargos resultantes da situação de deficiência, pelo que a hermenêutica do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 133-b/97 propugnada pelo Recorrente é a única que se coaduna com o espírito da lei.
41. Desse modo, o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez incorreu em erro de julgamento, violando o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97, assim como o espírito da lei subjacente à concessão da bonificação por deficiência.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho saneador recorrido a fls. e o ulteriormente processado nos presentes autos, com as devidas consequências, designadamente, a absolvição do Réu, ora Recorrente, da Instância;
Caso assim não se entenda, deve sentença recorrido ser revogada, mantendo-se na ordem jurídica o ato impugnado.
*
A Autora contra-alegou e concluiu nestes termos:
1. Toda a matéria indispensável à apta e boa decisão do presente pleito encontra-se junto aos autos.
2. O que sempre esteve em causa é conhecer se a ora recorrente tem ou não direito a que lhe seja atribuída a bonificação, por deficiência, do subsidio familiar relativos aos seus filhos JP e IS .
3. ora recorrida sempre fez prova, conforme relatórios médicos juntos aos autos (cfr doc 6), da deficiência que afeta os seus dois descendentes JP e IS.
4. A prova a que se alude no ponto anterior, e apresentada pela recorrida, decorre do estabelecido no artigo 7º do Decreto Lei 133-B/97 “(…) a bonificação, por deficiência destina-se a compensar o acréscimo de encargos familiares decorrentes da situação dos descendentes portadores de deficiência(…)”
5. O artigo 24º do Decreto Lei 133-B/97 de 30 de Maio também estabelece que “(…) consideram-se crianças e jovens portadores de deficiência, os descendentes de idade inferior a 24 anos que por motivo de perda ou anomalia congénita ou adquirida, da estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica e necessitem de apoio individualizado pedagógico e ou terapêutico específico adequado à natureza e características de que sejam portadores(…)”
6. Os normativos supra citados, são taxativos, “conditio sine qua non”, para que a ora recorrida possa beneficiar do subsidio bonificado:
7. Não existe qualquer respaldo legal para que o ISS IP, ora recorrente imponha à recorrida o ónus da prova de aumento de encargos com os descendentes decorrentes das suas deficiências
8. Nem o espírito nem a letra do diploma em apreço sugerem qualquer interpretação no sentido daquele que a ora recorrente pretende.
9. O único requisito que o Decreto Lei 133-B/97 de 30 de Maio efectivamente impõe é que “(…) os descendentes dos beneficiários, menores de 24 anos sejam portadores de deficiência física, orgânica, sensorial, motora ou mental que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico(…)”o que é manifestamente o caso, conforme provado por documentos já juntos aos autos;
10. A ora recorrida beneficiou do apoio da bonificação por deficiência dos seus descendentes, durante vários anos, sempre a coberto da interpretação dada pela ora recorrente ao Decreto Lei 133-B/97 de 30 de Maio
11. A recorrente, não pode, em obediência a princípios estruturantes do ordenamento jurídico, nomeadamente ao principio da certeza e segurança jurídica, vir agora decidir, totalmente ao invés, do que decidiu durante anos.
12. Face às conclusões/contra alegações supra nenhuma razão de facto nem direito subsiste para que não seja confirmada a douta sentença recorrida.
13. Destarte, dos factos dados como provados e não provados na Douta Sentença a quo, nenhuma errónea análise resulta.
14. É, outrossim, claro, que inexistia outro juízo que não aquele que efectivamente o MM Juiz a quo produziu, quando decidiu pela condenação do réu a emitir novo acto administrativo de reposição da bonificação por deficiência à ora recorrida, referente aos seus filhos JP e IS e a pagar-lhe as prestações que se mostrem devidas desde a data em que foi determinada a cessação da atribuição da bonificação e enquanto se mostrarem verificados os requisitos previstos no Decreto Lei 133-B/97 de 30 de Maio.
Termos em que deve o recurso interposto pela recorrente ser considerado improcedente, com as necessáris consequencias, desde logo a confirmação da decisão do tribunal recorrido.
*
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi dada como assente a seguinte factualidade:
1. A Autora exerce funções no CDVC do Instituto Réu com a categoria de Assistente Técnico mediante contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado [Cfr. Documento (Doc.) n.º 1 junto com a petição inicial (PI);
2. A Autora é mãe de JPLF e de ISLF (Cfr. Doc. n.º 1 junto com a PI);
3. A Autora recebeu subsídio por deficiência pelo seu descendente JP desde Março de 1999 até Janeiro de 2013 e pela sua descendente IS desde Fevereiro de 2010 até Março de 2013 (Cfr. Doc. n.ºs 1 e 2 juntos com a PI);
4. Em 28 de Fevereiro de 2013, a Autora recebeu um email da Direcção de Recursos Humanos da Entidade Ré com o seguinte teor:
“(…) face à análise das provas de deficiência de carácter permanente, e dado terem suscitado dúvidas quanto à fundamentação que deu origem à atribuição do referido subsídio, acto administrativo que deverá ter suporte legal nos termos dos artigos 6.º, 7.º, 21.º e 61.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 341/99, de 25 de Agosto, vimos por este meio solicitar os elementos abaixo indicados:
- atestado médico ou relatório com fundamentação mais detalhada, de modo, a esclarecer da melhor forma, a natureza da deficiência do descendente e indicação da data do início da deficiência, em conformidade com o supra mencionado enquadramento legal.
No seguimento do acima exposto, informa-se que a bonificação encontra-se suspensa até ao envio do solicitado (…)”(Cfr. Fls. 57 do PA);
5. Em 04 de Março de 2013, a Autora remeteu um email ao Réu, do seguinte teor:
(…) junto envio provas de deficiência dos descendentes IF e JF, para análise e levantamento da suspensão”, anexando, dois documentos denominados “Prova da deficiência”- Mod. RP5039-DGSS - referentes a cada um dos seus filhos, datados de 01 de Março de 2013, com o certificado médico subscrito pela Dra. MLC da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, E.P.E. (Cfr. fls. 56, 58 -61 do PA);
6. No documento referente ao JP é referido pela médica Dra. MLC que aquele é portador de deficiência permanente desde 2001, caracterizada como “deficiência por anomalia congénita de função fisiológica, asma brônquica” (…) “tratamento diário preventivo das crises de dispneia que aparecem também quando faz esforços (aulas de educação física) ” (Cfr. Fls. 60-61 do PA);
7. No documento referente à IS é referido pela médica Dra. MLC que aquela é portadora de deficiência permanente desde 2010, caracterizada como “deficiência por anomalia congénita de função fisiológica, asma brônquica também com crises desencadeadas pelo esforço que obrigam a tratamento diário preventivo das mesmas (…) e esporadicamente de alívio das mesmas”(Cfr. fls. 58-59 do PA);
8. Por carta datada de 08 de Abril de 2013, o Réu comunicou à Autora que por despacho da Directora de Desenvolvimento e Administração dos Recursos Humanos de 01 de Abril “é intenção deste serviço indeferir o requerimento de Bonificação por Deficiência pelo descendente JP, dado que não cumpre o estabelecido no art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio (…) sendo-lhe concedido um prazo de 10 dias úteis para alegar o que houver por conveniente” (Cfr. Fls. 52 do PA);
9. Em 16 de Abril de 2013, a Autora pronunciou-se sobre a proposta de indeferimento referida em 8, pugnando pelo deferimento da bonificação (Cfr. fls. 51 do PA);
10. Em 02 de Maio de 2013, a Autora comunicou à Entidade Ré relativamente situação da IS, pugnando pelo deferimento da bonificação (Cfr. fls. 47-48 do PA);
11. Por carta datada de 22 de Maio de 2013, a Entidade Ré comunicou à Autora o seguinte:
para conhecimento, e após ter-lhe sido efectuada audiência prévia (…) e nada ter alegado que alterasse os requisitos exigidos, foi proferido por despacho da Senhora Directora do Departamento de Recursos Humanos, em 20-05-2013, o indeferimento definitivo do pedido de bonificação por deficiência relativamente aos descendentes JPLF e ISLF” (Cfr. fls. 42 do PA);
12. A Autora apresentou recurso hierárquico da decisão referida em 11 dirigida ao Vogal do Conselho Directivo do Instituto Réu, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (Cfr. fls. 12-19 do PA);
13. Com o recurso referido em 12 a Autora juntou duas declarações subscritas pela médica, Dra. MLC, referentes a cada um dos filhos da Autora (Cfr. fls. 38-39 do PA);
14. A declaração a que se alude em 13 referente ao JP é do seguinte teor:
(…) sofre de asma brônquica associada a rinite cujas crises são determinadas por alergia a ácaros e pólens e também pelo esforço.
Está habitualmente medicado com Budesonida + formoterol (symbicort) diariamente e antes dos esforços para prevenção das crises, cetirizina e fluticazona nasal (Avamys) em SOS.”
15. A declaração a que se alude em 13 referente à IS é do seguinte teor:
(…) sofre de asma brônquica associada a rinite.
Faz terapêutica preventiva das infecções antes do Inverno com Broncho-Vaxom e está habitualmente medicada com fluticasona (Flixotaide diskus 250) inalada diariamente para prevenção das crises e desloratadina em SOS.”
16. Em 22 de Agosto de 2013, foi enviado à Autora pela funcionária do Réu Rosário Mila, email do seguinte teor:
(…) para efeitos de instrução do processo administrativo relativamente ao pedido de atribuição de Bonificação por deficiência (…) vimos por este meio solicitar (…) os comprovativos de despesas efectuadas com os descendentes (…), bem como as respectivas prescrições médicas, relativamente às deficiências em causa, no que diz respeito aos anos 2012 e 2013 (…) (Cfr. fls. 8 do PA);
17. Em 30 de Agosto de 2013, a Autora comunicou ao Réu o seguinte: “por ser uma pessoa com carências económicas e ajudada pela acção social, para algumas despesas, a maior parte da medicação é paga com essa ajuda (Cfr. Fls. 7 do PA);
18. O recurso hierárquico referido em 12 foi objecto de despacho de indeferimento proferido pelo Vogal do Conselho Directivo do Instituto Réu responsável pelo Pelouro dos Recursos Humanos em 05 de Setembro de 2013 e comunicado à Autora em 09 de Setembro de 2013 (Cfr. Fls. 2-6 do PA);
19. A decisão referida em 18 foi exarada sob a Informação prestada pelo Técnico Superior JN, e na qual consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) a concessão da citada bonificação está dependente, para além da verificação da situação de deficiência dos descendentes do beneficiário, nos termos prescritos no artigo 7, in fine, 21.º e 61.º, da demonstração do efetivo acréscimo dos encargos familiares decorrentes da supradita situação de deficiência.
(…)
Ora, do parecer do Director do NAP (que é do conhecimento da impetrante, aliás como a impetrante reconhece em sede do presente RH) resulta que o indeferimento do pedido se alicerçou na circunstância da impetrante não ter comprovado o aumento dos encargos familiares decorrentes da situação de deficiência, como lhe cabia.
Tal fundamentação é clara, suficiente e congruente, sendo apreensível a uma pessoa média, colocada no lugar da ora impetrante, pelo que a decisão impugnada não padece do apontado vício de falta de fundamentação.
De outra parte, a decisão impugnada não viola o regime constante do DL 133-B/97, uma vez que a impetrante não demonstrou, como era seu ónus, o requisito cumulativo previsto no artigo 7.º do citado diploma legal, “acréscimo dos encargos familiares directamente decorrentes da situação dos descendentes do beneficiário.”
Em todo o caso, em sede de impugnação administrativa, convidou-se, oficiosamente, a impetrante em nome do princípio do inquisitório, a fazer prova do efectivo acréscimo dos encargos familiares directamente decorrentes da situação de deficiência dos seus descendentes.
(…)
Não obstante instada para o efeito, a impetrante não logrou fazer prova do citado acréscimo de encargos, razão pela qual deve o presente recurso ser indeferido (…)”(Cfr. fls. 3-6 do PA);
20. A petição inicial deu entrada em juízo em 12 de Dezembro de 2013 (Cfr. fls. 1 da paginação electrónica).
*
DE DIREITO
Estão postas em causa as decisões que a seguir se transcrevem.
É este o discurso jurídico fundamentador do despacho saneador, na parte que ora interessa:
Por ter sido invocada pelo Réu matéria que pode obstar ao prosseguimento dos presentes autos e consequente conhecimento do mérito da pretensão da Autora, cabe analisar a excepção de inimpugnabilidade, por aquele invocada (Cfr. alínea a) do n.º 1 do art.º 87.º e alínea c) do n.º 1 do art.º 89.º, ambos do CPTA).
Cumpre analisar a supra aludida excepção invocada pelo Réu, tendo em mente que a Autora pretende com o presente meio processual impugnar o acto consubstanciado no despacho, proferido em 05.09.2013 do Vogal do CD, que negou provimento ao recurso e manteve o acto da Directora do Departamento de Recursos Humanos proferido em 20.05.2013, que indeferiu o pedido de bonificação que vinha a ser atribuído aos seus descendentes JP e IS.
Diz o Réu que a decisão que a Autora impugna é a decisão de não provimento dada ao recurso hierárquico interposto, afirmando traduzir-se numa mera confirmação da decisão da Senhora Directora de Recursos Humanos, que indeferiu o pedido de deficiência, relativo aos descendentes ISLF e JPLF, argumentando que “Tal evidência despoja o despacho objecto da presente acção do seu caracter lesivo, sendo por essa razão inimpugnável”, face ao disposto no artigo 53.º al. a) do CPTA.
Dispõe o artigo 50.º, n.º1 do CPTA que “A impugnação de um acto administrativo tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto” , prescrevendo o artigo 51.º do citado CPTA:
“1 - Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - São igualmente impugnáveis as decisões materialmente administrativas proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo.
3 - Salvo quando o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento e sem prejuízo do disposto em lei especial, a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento.
4 - Se contra um acto de indeferimento for deduzido um pedido de estrita anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do acto devido, e, se a petição for substituída, a entidade demandada e os contra - interessados são de novo citados
Ora, no caso em apreço e em função dos factos provados, dos autos não resulta qualquer prova quanto à prática pelo Réu de uma decisão proferida ao abrigo de normas de direito público que visasse produzir efeitos jurídicos lesivos e concretos sob a esfera jurídica da Autora (Cfr. art.º 120.º do CPTA e n.º 4 do art.º 268.º da CRP).
A questão que se coloca, assim, é a de saber se a ausência de afirmação de lesividade actual, concreta e expressa relacionada com o aludido acto por parte do Réu, pode obstar a que o Autor possa reagir contra a actuação daquele.
Como resulta do n.º 1 do art.º 51.º do CPTA citado, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
A susceptibilidade aqui referida constitui um mero critério da impugnabilidade do acto face à garantia constitucional (artigo 268.º n.º4 da CRP) e não um requisito absoluto do conceito. Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 261: “ o acto contenciosamente impugnável não se confunde com o acto lesivo, embora possa, na generalidade dos casos, corresponder a um acto potencialmente lesivo, cuja impugnação será admissível se a acção for deduzida pelo titular do direito ou interessa ofendido”. E, no caso, a Autora vem por em crise um acto com a virtualidade de lesar um concreto interesse individual.
Interpretando a petição inicial percebe-se bem que a intenção da Autora é impugnar o acto praticado pelo Vogal do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, responsável pelo pelouro dos Recursos Humanos, que negou provimento ao recurso aí interposto pela Autora e, em consequência, manteve o acto praticado pela Directora do Departamento de Recursos Humanos proferido em 20.05.2013, que indeferiu o pedido de bonificação que vinha a ser atribuído aos seus descendentes JP e IS, sendo que com argumentos aí aduzidos demonstra a sua legitimidade para exercer o direito de impugnação.
Assim, a presente acção administrativa especial centra-se na vontade impugnatória da Autora contra um acto eventualmente lesivo, cuja validade é discutida nos presentes autos.
Por isso, não se verifica a excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado invocada pelo Réu, sendo que nada mais obsta a que a presente acção prossiga os seus ulteriores termos.
(….)
E a sentença apresenta este discurso jurídico fundamentador:
A presente acção administrativa especial visa a impugnação da decisão proferida pelo Vogal do Conselho Directivo do Instituto Réu, que manteve o acto praticado, em 20 de Maio de 2013, pela Directora de Recursos Humanos daquele Instituto, que indeferiu o pedido de bonificação que vinha a ser atribuído à Autora referentes aos seus filhos JP e IS e a condenação do Réu na prática do acto devido, consubstanciado na reposição da referida bonificação e pagamento das quantias devidas.
Previamente ao conhecimento do mérito da presente acção, importa delimitar o thema decidendum, o que se fará tendo por base o pedido e a causa de pedir livremente estruturados pela Autora em juízo.
Ora, nos termos do disposto no artigo 66.º, n.º 2 do CPTA, formulando o Autor o pedido de condenação à prática de acto devido, o que importa é averiguar do mérito ou do bem fundado da pretensão da Autora e não da ilegalidade imputada ao acto impugnado em juízo, pelo que, mais do que apreciar se o acto impugnado enferma dos vícios que lhe vêm assacados, importa decidir sobre o pedido condenatório formulado, pois apenas se este for julgado procedente, a ora Autora verá a sua pretensão satisfeita.
Pelo que, mostra-se insuficiente para a satisfação da pretensão requerida, a mera declaração de nulidade ou anulação do acto impugnado, na exacta medida em que a sua eliminação da ordem jurídica não é susceptível de produzir os efeitos jurídicos de natureza positiva, requeridos pela Autora.
Assim, importa então conhecer do mérito do pedido, de acordo com a enunciação supra efectuada das questões a apreciar - saber se estão verificados os pressupostos para que seja atribuído à Autora a bonificação por deficiência prevista no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30/05, respeitante aos seus descendentes JP e IS -.
Proceder-se-á, desde já, ao conhecimento da questão essencial, que está na base da instauração da presente acção administrativa especial e que se repercute no pedido formulado - a alegação da violação do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30/05 e se a
Autora tem direito à bonificação por deficiência que lhe foi retirada por estarem preenchidos os requisitos previstos naquele diploma legal para tal - .
O vício de violação de lei
- Da violação do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30/05 pela Entidade Ré -
O vício de violação de lei na dogmática jurídico-administrativa é definido como a discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis, ou seja, o vício que afecta o acto praticado em desconformidade com os requisitos legais vinculados respeitantes aos respectivos pressupostos ou objecto (Cfr. neste sentido, Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, III Vol., pág. 303 e Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, pág. 559 e ss.).
O Prof. Marcello Caetano, no seu Manual de Direito Administrativo (vol. I, pág. 501) definia o vício de violação de lei como o vício que enferma o acto administrativo cujo conteúdo, incluindo os respectivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar, integrando tal vício quer o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito) como o erro baseado em fatos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto).
O vício de violação de lei configura uma ilegalidade de natureza material. É a própria substância do acto administrativo que contraria a lei. A ofensa da lei não se verifica aqui nem na competência do órgão nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do acto (Cfr. Freitas do Amaral, in Obra citada, pág. 304).
Este vício produz-se, normalmente, no exercício de poderes vinculados mas também pode ocorrer no exercício de poderes discricionários quando, designadamente, sejam violados os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, nomeadamente, os princípios da imparcialidade, da igualdade e da justiça.
Com a presente acção, pretende a Autora condenação do Instituto Réu a praticar o acto administrativo de reposição da bonificação por deficiência dos seus descendentes JP e IS.
A bonificação por deficiência tem o seu regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30/05, diploma que foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 176/2003, de 02/08, excepto no que concerne às prestações por este não reguladas e, nomeadamente, a bonificação por deficiência pelo que, os pressupostos para a respectiva atribuição têm que ser aferidos pelo referido Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30/05.
Preceitua o artigo 7.º do diploma legal referido: “a bonificação, por deficiência, do subsídio familiar a crianças e jovens destina-se a compensar o acréscimo de encargos familiares decorrentes da situação dos descendentes dos beneficiários, menores de 24 anos, portadores de deficiência de natureza física, orgânica, sensorial, motora ou mental, que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico.”
O subsídio familiar a crianças e jovens a que se refere este preceito tem de ser objecto de uma leitura actualista e entender-se como referente ao abono de família para crianças e jovens, instituído pelo referido Decreto-Lei n.º 176/2003.
Ou seja, o legislador previu que, além do agora denominado abono de família, os beneficiários que tivessem descendentes menores de 24 anos portadores de deficiência receberiam, uma quantia acrescida ao abono de família, a título de bonificação para compensar os acréscimos de encargos que tal deficiência causa, desde que preenchidos os requisitos previstos para o efeito.
Não estando em discussão nos presentes autos a qualidade e natureza de beneficiária da Autora, mas assentando a discrepância de posições das Partes nos requisitos legalmente previstos no que concerne aos descendentes, é esta a questão a apreciar pelo Tribunal.
Prescreve o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 133-B/1997, de 30/05:
Consideram-se crianças e jovens portadores de deficiência para efeitos de atribuição da bonificação do subsídio familiar a crianças e jovens, os descendentes de idade inferior a 24 anos que, por motivo de perda ou anomalia congénita ou adquirida, de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica, se encontrem em alguma das seguintes situações:
a) necessitem de apoio individualizado pedagógico e ou terapêutico específico, adequado à natureza e características da deficiência de que sejam portadores, como meio de impedir o seu agravamento, anular ou atenuar os seus efeitos e permitir a sua plena integração social;
b) frequentem, estejam internados ou em condições de frequência ou de internamento em estabelecimentos especializados de reabilitação”.
A prova da deficiência deve ser apresentada de acordo com o previsto no artigo 61.º (na redacção anterior à Lei n.º 82-B/2014, de 31/12), que dispõe:
1. A prova da deficiência para atribuição da bonificação por deficiência do subsídio familiar a crianças e jovens (…) é efectuada:
a) No âmbito da segurança social:
i) Através da certificação por equipas multidisciplinares de avaliação médico-pedagógica ou, não as havendo, por médico especialista na deficiência em causa, ou pelo médico assistente, se não for possível o recurso às primeiras modalidades referidas, tratando-se da bonificação por deficiência do subsídio familiar a crianças e jovens;
ii) (…)
b) No âmbito do regime de protecção social da função pública, através da certificação por equipas multidisciplinares de avaliação médico-pedagógica ou, não as havendo, por médico especialista na deficiência em causa, ou pelo médico assistente, se não for possível o recurso às primeiras modalidades referidas.
2. É dispensada a renovação anual da prova da deficiência sempre que esta, pelas suas características de amplitude e gravidade, seja considerada permanente.”
A prioridade da lei quanto à prova da deficiência vai para a certificação pelas equipas multidisciplinares de avaliação médico-pedagógica. Contudo, nada no Diploma define ou regulamenta estas equipas. Se é certo que o artigo 72.º, n.º 1 determina que “a regulamentação das normas constantes no presente diploma constará de decreto regulamentar”, na verdade, os Decretos Regulamentares n.º 24 -A/97, de 30/05 e n.º 15/99, de 17/08, que visam regulamentar o Decreto-Lei n.º 133 -B/97, de 30/05, não contêm qualquer norma sobre estas equipas multidisciplinares.
Assim, a certificação deverá ser efectuada por médico especialista na doença em causa ou pelo médico assistente.
Dos factos dados como assentes resultou que a Autora apresentou junto dos serviços do Réu uma certificação da deficiência emitida pela médica assistente dos seus filhos, feita através de formulário próprio da Segurança Social, com o preenchimento de todos os campos exigidos para ficar demonstrada a deficiência a que alude o art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30/05. Apresentou, ainda, duas declarações subscritas pela referida médica assistente, complementares à certificação anteriormente emitida para fazer prova da deficiência. Destes documentos resulta que os filhos da Autora sofrem de deficiência por anomalia congénita de função fisiológica caracterizada por asma brônquica para a qual é necessário tratamento diário preventivo e que se agudiza com o esforço.
Verifica-se assim estarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 21.º do Decreto-
Lei n.º 133-B/97, de 30/05.
Sustenta, no entanto, a Entidade Ré que a concessão da bonificação por deficiência depende também de prova a efectuar pela Autora do efectivo acréscimo dos encargos familiares decorrentes da situação de deficiência.
Mas afigura-se não lhe assiste razão.
Vejamos
Ressalta, desde logo, da análise do preâmbulo do referido diploma legal que, esta bonificação é um acréscimo, um “plus” face ao subsídio familiar a crianças e jovens que, em virtude de determinada deficiência, causa aos progenitores um acréscimo das despesas familiares e que é atribuído, não em função destas, mas em função dos rendimentos familiares e da idade da criança e/ou jovem (Cfr. artigo 32.º do D.L. n.º 133-B/97, de 30/05).
Assim, pode aí ler-se:
(…) excepto no que respeita a prestação do abono complementar a crianças e jovens deficientes, que agora é substituída por uma bonificação, por deficiência, que acresce ao subsídio familiar a crianças e jovens (…).
A modulação do montante do subsídio familiar a crianças e jovens é feita através de três escalões de rendimentos, indexados ao valor do salário mínimo garantido à generalidade dos trabalhadores, sendo que ao escalão de mais baixos rendimentos corresponderá a prestação de montante mais elevado.”
Acresce que o artigo 7.º está inserido na Secção I do Capítulo I intitulada
“Natureza e âmbito das prestações”, visando esclarecer o aplicador da lei da natureza e âmbito da bonificação, por deficiência, do subsídio familiar a crianças e jovens. Já as condições de atribuição das prestações estão consagradas no Capítulo II, dividindo-se em condições gerais e condições especiais, sendo as primeiras de índole subjectiva (referentes aos beneficiários e aos respectivos familiares) e as segundas de índole objectiva e que, no que ao presente caso interessa, estão previstas no artigo 21.º
Significa dizer que os requisitos para que a bonificação por deficiência seja concedida são os previstos no referido artigo 21.º e que, como supra foi referido. Requisitos esses que estão preenchidos, no que aos descendentes da Autora diz respeito.
Este entendimento é reforçado ainda pelas disposições respeitantes aos meios de prova, pois o legislador teve o especial cuidado de estabelecer quais os meios de prova a utilizar para cada um dos pressupostos de que depende a atribuição das prestações previstas naquele diploma legal. Partindo de uma premissa de âmbito geral para os meios de prova a utilizar no que às condições de índole subjectiva diz respeito (ex. prevendo a prova por certidões do registo civil e as declarações do beneficiário e demais interessados), o legislador estabelece depois os requisitos para efectuar a prova, nomeadamente, de rendimentos, da dependência, da situação escolar e da deficiência.
Recorrendo ao elemento sistemático de interpretação que, como ensina J. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1996, pág. 183 “compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que integra a norma interpetanda, isto é, que regulam a mesma matéria
(contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos), a interpretação dada pelo Réu ao artigo 7.º do Decreto - Lei n.º 133-B/97, de 30/05 não é consentânea com a regulamentação jurídica deste instituto no diploma legal a que nos vimos a referir, uma vez que o legislador teve a preocupação de regular de forma detalhada as condições de atribuição da bonificação, sem nunca referir ser necessária a prova pelo beneficiário dos efectivos acréscimos de encargos familiares que a deficiência do descendente lhe causa.
Aliás, situação similar à do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30/05 se verifica com o Decreto-Lei n.º 176/2003, de 02/08 que instituiu, nomeadamente, os requisitos para concessão do abono de família para crianças e jovens, que no artigo 1.º, n.º 2 preceitua que “a protecção na eventualidade visa compensar os encargos decorrentes de situações geradoras de despesas para as famílias, especialmente previstas neste diploma” (redacção, em tudo, similar à do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30/05) e no artigo 3.º, n.º 2 que “o abono de família para crianças e jovens é uma prestação mensal, de concessão continuada, que visa compensar os encargos familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens.”
E quanto à prestação do abono de família que tem uma regulamentação muito similar à que nos vimos a referir quanto à bonificação por deficiência, é pacífico que os beneficiários não têm que fazer prova dos encargos com o sustento e educação dos descendentes.
Assim, sem mais considerandos, conclui-se que o despacho impugnado padece de vício de violação de lei.
Do pedido de condenação do Réu à prática de acto devido
Conforme admitido pela lei processual administrativa, com o pedido de anulação de acto administrativo, pode ser cumulado o pedido de condenação à prática de acto administrativo devido, em substituição total ou parcial, do acto impugnado praticado (Cfr. alínea a) do n.º 2, do artigo 47.º do CPTA), fazendo a lei depender a procedência do pedido de condenação, da verificação dos pressupostos estabelecidos no artigo 67.º do CPTA e bem ainda, o pedido, que normalmente caberá em sede de execução do julgado e que, in casu, se mostram preenchidos.
Como se concluiu o acto impugnado em juízo é ilegal por vício de violação de lei e a Autora logrou provar preencher todos os pressupostos para que lhe seja reposta a bonificação por deficiência respeitante aos descendentes JP e IS e receber as prestações devidas.
Ora, atendendo a tudo quanto supra foi explanado conclui-se que será de julgar totalmente procedente a presente acção administrativa especial.
X
Vejamos:
É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado quer pela lei processual quer pela jurisprudência que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, das conclusões da parte recorrente resulta que a mesma se insurge contra o Despacho Saneador de 22/03/2015 que lhe negou provimento à excepção dilatória de impugnabilidade do acto por si invocado, nos termos do artigo 89º/1/c) do CPTA, do mesmo modo que interpôs recurso da sentença de 09/02/2016 que julgou procedente a acção e, consequentemente, anulou o acto praticado pelo Vogal do Conselho Directivo do ISS, IP que havia mantido o acto praticado em 20/05/2013, pela Directora de Recursos Humanos dos Serviços Centrais e que havia indeferido o pedido de bonificação que vinha a ser atribuído aos filhos da ora Recorrida, e, em consequência, condenou o ora Recorrente a emitir novo acto administrativo de reposição da bonificação, nos termos elencados na dita Sentença.
Questão Prévia - da inadmissibilidade do Recurso do Despacho Saneador
Nos termos do nº 1 do artigo 144º do CPTA o prazo para interposição de recurso é de 30 dias.
O Réu vem agora (apenas agora) interpor recurso do Despacho Saneador de 22/03/2015, o que conduz à sua rejeição por (manifesta) intempestividade.
Da Sentença -
O Réu vem, de igual modo, recorrer da Sentença que julgou procedente a acção.
Entendeu o Tribunal a quo que a Autora reunia os pressupostos jurídicos para que lhe fosse atribuída a bonificação por deficiência previsto no DL 133-B/97, de 30/05, na versão em vigor à data dos factos, respeitante aos seus descendentes JP e IS. Especificamente, considerou que o regime jurídico elencado naquele Diploma não está dependente da prova do efectivo acréscimo dos encargos familiares decorrentes da situação de deficiência, nos termos em que é prevista no seu artigo 7º.
Nessa conformidade, na óptica do Tribunal a quo, o acto contenciosamente impugnado nos presentes autos, a decisão do Sr. Vogal do CD, de 05/09/2013, incorreu em vício de lei ao manter/confirmar, em sede de recurso hierárquico facultativo, o pretérito acto praticado em 20/05/2013, pela Directora de Recursos Humanos do Réu, que indeferiu definitivamente o pedido de bonificação da então Autora.
O Recorrido discorda desta leitura.
Quid Juris?
De facto, a bonificação por deficiência do subsídio familiar a crianças e jovens, tem assento legal no Decreto-Lei 133-B /97, de 30 de maio, que, nessa parte, define a proteção na eventualidade de encargos familiares do regime geral da segurança social.
No preâmbulo do citado diploma desde logo se esclarece o intérprete que se pretendeu, neste âmbito, “a definição de uma nova política social de compensação de encargos familiares…”, baseada no princípio da solidariedade, “… indo de encontro das necessidades dos agregados familiares economicamente mais débeis.”.
De outra parte, o artigo 2º deste DL elucida-nos, sob a epígrafe “caracterização da eventualidade” que “Consideram-se encargos familiares os que decorram de situações geradoras de despesa de família especialmente previstas na lei.”.
No tocante ao complemento de bonificação por deficiência, o artigo 6º/2 preceitua que o abono de família pode ser objecto de uma bonificação para compensar os encargos específicos de uma situação de deficiência, nos termos do artigo seguinte, preceituando, por sua vez, o artigo 7º, a esse propósito, que:
“A bonificação, por deficiência, do subsídio familiar a crianças e jovens destina-se a compensar o”…[1]…”acréscimo dos encargos familiares directamente decorrentes da situação dos descendentes dos beneficiários, “…[2]… “menores de 24 anos,…” [3]…”portadores de deficiência de natureza física, orgânica, sensorial, motora ou mental, que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico”.
Ora, da leitura do citado normativo, inserido no Capitulo I, ” …âmbito e titularidade das prestações” não retiramos a exigência aqui sustentada pelo Réu/Recorrente.
A concessão da bonificação por deficiência, no seu âmbito geral,
[]- Depende da idade:
[1]- Os descendentes do beneficiário sejam menores de 24 anos;
[2]- E portadores de deficiência de natureza física, orgânica, sensorial, motora ou mental, que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico, nos termos do artigo 21.º
É assim, desde logo, definido no artigo 7º o âmbito e os pressupostos jurídicos/condições a atender para à concessão da bonificação por deficiência.
Efectivamente, como bem observa o Recorrente, as condições de atribuição das prestações enunciadas no Capítulo II - Secção I - “Condições gerais”, de artigos 14º a 17º, e as condições especiais, previstas na Secção II “Condições especiais…” de artigos 18º a 20º , todas do DL 133-B /97, prendem-se com o requisitos estabelecidos para a atribuição do então subsídio familiar a crianças e jovens, não tendo o legislador, nesse Capítulo e respectivas Secções, regulado as condições de índole objectiva e subjectiva para concessão da bonificação por deficiência.
A demonstrar tal evidência está a revogação das citadas disposições legais pelo artigo 56º/1 do DL 201/2003, de 2 de agosto que veio instituir o novo abono de família para crianças e jovens em substituição do subsídio familiar.
Na verdade, com a entrada em vigor deste DL 201/2003, no âmbito do citado Capitulo II, apenas se manteve em vigor o artigo 21º, sistematicamente inserido na Secção II- “… e caraterização das situações de deficiência”, sob a epígrafe “Caraterização da deficiência para efeitos de bonificação, …através do qual o legislador, veio aclarar e desenvolver o sentido do requisito portadores de deficiência de natureza física, orgânica, sensorial, motora ou mental, que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico” previsto no artigo 7º, esclarecendo que se consideram crianças e jovens portadores de deficiência, para efeitos de eventual bonificação, as que, em alternativa,
a) Necessitem de apoio individualizado pedagógico e ou terapêutico específico, adequado à natureza e características da deficiência de que sejam portadores, como meio de impedir o seu agravamento, anular ou atenuar os seus efeitos e permitir a sua plena integração social;
b) Frequentem, estejam internados ou em condições de frequência ou de internamento em estabelecimentos especializados de reabilitação.
Da conjunção dos citados preceitos jurídicos, resulta claro que a bonificação por deficiência só poderá ser atribuída verificados que sejam os requisitos cumulativos previstos no artigo 7º, com as especificidades contidas no artigo 21º.
Ainda assim, como bem concluiu a Senhora Juíza, a Autora logrou demonstrar a presença do condicionalismo legal subjacente à obtenção (continuação da obtenção) do subsídio em apreço.
Não tem respaldo na letra ou no espírito da lei a prova ora pretendida pelo Réu.
Naturalmente que o complemento por deficiência tem um único fim: compensar as famílias dos encargos resultantes da situação de deficiência, pelo que a hermenêutica do artigo 7º do DL 133-B/97 propugnada pela Autora/Recorrida é a que se coaduna com o espírito da lei.
A prova claramente exigida pelo legislador foi efectuada, conforme relatórios médicos levados ao probatório.
Desse modo, o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez não incorreu em erro de julgamento; antes efectuou correcta interpretação do disposto no artigo 7º do DL 133-B/97, assim como do espírito da lei subjacente à concessão da bonificação por deficiência, socorrendo-se dos ensinamentos do Professor João Baptista Machado, em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1996, pág. 183.
Em suma:
-o Réu/Recorrido não questionou a factualidade levada ao probatório;
-o que está em causa é conhecer se a ora Recorrida tem ou não direito a que lhe seja atribuída a bonificação, por deficiência, do subsídio familiar relativos aos seus dois filhos;
-tal como decidido, esta fez prova, conforme relatórios médicos juntos aos autos (cfr. doc. 6), da deficiência que afecta os seus dois descendentes JP e IS;
-a prova a que se alude no ponto anterior, e apresentada pela Recorrida, decorre do estabelecido no artigo 7º do DL 133-B/97 “(…) a bonificação, por deficiência destina-se a compensar o acréscimo de encargos familiares decorrentes da situação dos descendentes portadores de deficiência (…)”;
-o artigo 24º deste DL também estabelece “(…) consideram-se crianças e jovens portadores de deficiência, os descendentes de idade inferior a 24 anos que por motivo de perda ou anomalia congénita ou adquirida, da estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica e necessitem de apoio individualizado pedagógico e ou terapêutico específico adequado à natureza e características de que sejam portadores (…)”;
-os normativos supra citados são taxativos, conditio sine qua non, para que a ora Recorrida possa beneficiar do subsídio bonificado;
-não existe qualquer respaldo legal para que o ISS IP, ora Recorrente imponha à aqui Recorrida o ónus da prova de aumento de encargos com os descendentes decorrentes das suas deficiências;
-nem o espírito nem a letra do diploma em apreço sugerem qualquer interpretação no sentido daquele que o ora Recorrente pretende;
-o único requisito que o DL 133-B/97, de 30 de maio efectivamente impõe é que “(…) os descendentes dos beneficiários, menores de 24 anos, sejam portadores de deficiência física, orgânica, sensorial, motora ou mental que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico (…)”o que é o caso, conforme provado por documentos juntos aos autos;
-a ora Recorrida beneficiou do apoio da bonificação por deficiência dos seus descendentes, durante vários anos, sempre a coberto da interpretação dada pelo Recorrente ao apontado diploma legal;
-face à prova produzida, e não posta em crise por este, a demonstração do acréscimo de encargos é estultícia por se tratar de um facto notório.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação, o que culminará com a manutenção na ordem jurídica da sentença sob escrutínio.
***
DECISÃO
Termos em que:
a) se rejeita o recurso interposto do Despacho Saneador;
b) se nega provimento ao recurso da Sentença.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 18/05/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Rogério Martins