Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01941/12.8BEBRG |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/25/2023 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | Paulo Moura |
| Descritores: | CASO JULGADO FORMAL; VIOLAÇÃO DE DECISÃO ANTERIOR PROFERIDA NO PROCESSO; |
| Sumário: | I - Qualquer despacho que decida uma questão no processo que não seja de mérito, em princípio, faz caso julgado formal (artigo 620.º do CPC). II - Só assim não sucede com os despachos de mero expediente, nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário (artigo 620.º, n.º 2 e 630.º do CPC). III – Nas situações em que não é violado do caso julgado formal, pode haver violação de decisão anterior proferida no processo, sendo por isso ineficazes, nos termos do n.º 2 do artigo 625.º do CPC.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: «AA», interpõe recurso do Despacho Saneador-Sentença que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Instituto da Segurança Social. Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: I - A decisão judicial ao absolver da instância o Réu ISS, I.P., por procedência da exceção da ilegitimidade passiva incorreu em violação de lei, mormente: violação de caso julgado formal e preterição do dever do Tribunal providenciar pela sanação de tal exceção mediante convite dirigido ao Autor para o efeito. Nesse sentido, II - No que concerne à ofensa de caso julgado formal, a Autora instaurou a presente ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido contra o Instituto da Segurança Social, IP, que devidamente citado apresentou contestação invocando a sua ilegitimidade para os presentes autos uma vez que da Petição Inicial não resulta nenhum ato praticado pelo Centro Distrital ..., verificando-se, outrossim, a referência a um despacho da senhora Diretora de Recuperação Executiva, a qual pertence ao IGFSS, I.P; III - Notificada a Autora a fls... para responder à exceção suscitada, esta defende que o ato impugnado pertence ao ISS, I.P; IV - Por despacho de fls... (com data de 21.05.2014 e com a referência ...41) foi ordenada a citação do IGFSS, IP, o qual apresentou contestação a fls...; V - Para a prolação do despacho de citação do IGFSS, IP, o Tribunal a quo atendeu à factualidade alegada pela Autora na sua petição inicial e pelo Réu ISS,IP, na sua contestação, conhecendo ex oficio da invocada exceção dilatória de ilegitimidade passiva, conforme, aliás, lhe é determinado pelo artigo 7º-A do CPTA; VI - Ora, uma vez citado o Réu (IGFSS, IP), a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir conforme, assim, preceitua o artigo 260º do CPC, o qual assume a autoridade de caso julgado formal – cfr. artigo 620º do CPC; VII - Pelo que, o Tribunal a quo ao proferir decisão que absolve o Réu ISS, I.P. da instância por preterição de litisconsórcio necessário, entendendo que atenta a relação material controvertida tal como é configurada pela Autora na P.I, para regular definitivamente a questão, a presente ação deveria ter sido instaurada, também, contra o IGFSS, IP., salvo o devido respeito por melhor opinião, viola o despacho anteriormente proferido que ordena a citação do IGFSS, I.P. e que constitui caso julgado formal; VIII - Mesmo que assim se não entenda, não assiste razão ao Tribunal a quo quando, em face da preterição do litisconsórcio necessário passivo, decidiu absolver o Réu ISS, I.P. da instância, defendendo para o efeito que não cabe ao Tribunal substitui-se ao Autor e provocar a intervenção dos litisconsortes, cabendo antes ao próprio Autor provocar a intervenção dos litisconsortes mediante a intervenção a que faz alusão o artigo 318º/1 do CPC; IX - Pois, por força do disposto no artigo 88º do CPTA é imposto ao julgador, em sede do dever de conhecer de todas as questões que obstem ao conhecimento do processo e em decorrência do princípio da cooperação processual consagrado nos artigos 7º-A e 6º do CPC), providenciar pela prévia correção dos articulados e do suprimento das exceções dilatórias; X - Ora, a ilegitimidade constitui exceção dilatória (artigo 89º/ 2 e 4 do CPTA) suprível nos termos do artigo 87º/1, al. a) e 2 do CPTA, pelo que deveria o Tribunal a quo ter proferido despacho a convidar a Autora a deduzir o pertinente incidente da intervenção provocada do IGFSS, I.P. XI - Por último, ao não ser assim, estar-se-ia a dar primazia ao direito objetivo, com grave e injusto prejuízo para o direito substantivo e para os direitos dos cidadãos e da verdade material, em clara violação da tutela efetiva desses direitos, previstos no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. XII - Pelo que, salvo o devido e merecido respeito, ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida não fez a correta aplicação do direito, designadamente, violando o disposto nos artigos 7º-A, 8º, 87º/1, al. a) e nº. 2, 89º/2 e 4, al. e) do CPTA e 260º, 6º, 620º do CPC e artigo 20º da Constituição República Portuguesa; XIII - Devendo ser revogada e proferido despacho que convide a Autora a suprir a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, deduzindo o pertinente incidente da intervenção provocada. TERMOS EM QUE deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da ação, convidando-se a Autora, quando assim se não entender, a providenciar pelo suprimento da exceção dilatória da ilegitimidade passiva deduzindo o pertinente incidente de intervenção provocada, assim se fazendo inteira JUSTIÇA! Não foram apresentadas contra-alegações. O Ministério Público não emitiu parecer, por se estar no âmbito de uma ação administrativa especial e a questão controvertida não implicar com direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais (artigos 9.º, n.º 2 e 146.º, n.º 1 do CPTA). Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais). ** Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir. As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões de acordo com o disposto nos artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA e dos artigos 635.º, n.º 4, 639.º e 608.º, n.º 2 do CPC, são as de saber se existe caso julgado formal, por já ter havido despacho que ordenou a citação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e caso assim não se entenda se o Tribunal devias ter convidado a Autora a deduzir o incidente de intervenção provocada do referido Instituto. ** Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte: Para o efeito consideram-se assentes os seguintes factos: 1. Em 23.12.2011 a Autora apresentou reclamação parcial da dívida exequenda, no âmbito do Proc. nº ...55. (cfr. doc. nº 5 junto com a petição inicial) 2. Na sequência da reclamação referida em 1. foi emitido um oficio pelo Instituto de Gestão Financeira da segurança Social, I.P.- Secção de Processo Executivo de ..., com o teor que se transcreve: “Exma. (a) Sr.º (ª) Serve a presente para notificar V/Exas. De que a reclamação oportunamente apresentada nesta Secção de Processo foi Aceite Parcialmente, conforme informação do Núcleo de Gestão de Contribuições do Centro Distrital competente do ISS, IP., que se transcreve: “foi concedida a isenção de contribuir para o período 01/08/2008 a 02/2009. A partir de 03/2009 é exercida atividade independente, nos dois estados membros, teria a beneficiária que provar qual a legislação aplicável, o que aconteceu. Toda a outra div” Encontrando-se nesta data os referidos processos Penhora/Venda. Mais se notifica que dispõe V/Exa. do prazo de 10 dias, para efetuar o pagamento integral, ou requerer o pagamento a prestações caso os seus processos não se encontrem EXTINTOS ou A AGUARDAR ANULAÇÃO. Aos montantes da quantia exequenda em divida acresce juros de mura e custas processuais, pelo que se deve dirigir a esta Secção de Processo, sita na Rua ..., ... – ..., ... .... Findo o referido prazo sem que V/Exa. venha aos autos o processo segue os ulteriores termos de penhora.” (cfr. doc. nº 6 junto com a petição inicial) 3. Em 13.03.2012 a Autora apresentou junto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.- Secção de Processo Executivo de ... reclamação, referente a contribuições de trabalho independente relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2010. (cfr. doc. nº 9 junto com a petição inicial) 4. Por ofício exarado pela Sra. Dra. da Direção de Recuperação Executiva do IGFSS, I.P., datado de 28.05.2012, foi dado a conhecer à Autora a resposta à reclamação, com o teor que se transcreve: “Serve o presente para notificar V/Exas. de que, após a conclusão da análise da reclamação pelo Centro Distrital competente do ISS, IP, persiste dívida nos processos reclamados. O valor em divida dos processos reclamados é de 9.395,36€ (capital, juros e custas), estando em anexo a discriminação dos meses que permanecem e m dívida. Informa-se ainda que o valor total em dívida em execução fiscal, incluindo os processos reclamados, a esta data é de 9.395,36€ (incluindo capital, juros e custas). Mais se notifica que dispõe V/Exa. do prazo de 10 dias, para efetuar o pagamento integral ou, em alternativa, requerer o pagamento em prestações conforme modelo que se anexa, que deverá remeter por endereço eletrónico, fax ou via postal para a Secção do Processo. Findo o referido prazo sem que V/Exa. venha aos autos, o processo segue os ulteriores termos de penhora. Caso já tenha procedido ao pagamento, no âmbito da execução fiscal, do valor acima referido, queira considerar sem efeito o presente aviso para pagamento. Para qualquer esclarecimento adicional, poderá contactar através do nº ...59 das 9:00 às 18:00 horas onde terá um Serviço de Atendimento Telefónico ao seu dispor.” (cfr. doc. nº 10 junto com a petição inicial) 5. Em 29.06.2012, a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão referida em 4., para o Sr. Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. (cfr. doc. nº 11 junto com a petição inicial) 6. Por ofício nº ...38 datado de 14.08.2012, foi comunicado à Autora o prosseguimento dos autos de execução para a cobrança coerciva do montante de € 9.510,41, no âmbito do processo de execução fiscal nº ...55. (cfr. doc. nº 12 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos) 7. Em 11.09.2012 a Autora enviou uma carta dirigida à Sra. Coordenadora do Instituto Financeiro da Segurança Social, IP – Secção de Processos Executivos de ..., cujo teor se transcreve: “Na sequência da V/ resposta à reclamação .../ ofício com a referência ...12, venho informar que foi interposto recurso hierárquico para o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social em 29.06.2012. Nessa medida, não se compreende o teor da presente resposta a qual nem sequer identifica o número da reclamação a que se reporta. Mais se salienta que com a V/ resposta apenas foi anexado a notificação dos valores em dívida, faltando a resposta do CDISS que V. Exas. fazem alusão. Pelo que se solicita que identifiquem a que reclamação se reporta o presente oficio bem como procedam ao envio da mencionada resposta do CDISS.” (cfr. doc. nº 13 junto com a petição inicial) 8. Por fax de 12.09.2012, a Autora foi notificada do ofício exarado pelo Chefe da Equipa de Identificação e Qualificação do Instituto da Segurança Social, IP, exarado em 14.08.2012, com o teor que se transcreve: “Sobre a reclamação apresentada pela beneficiária acima identificada, reitera-se a informação dada a esses Serviços em 03.05.2012, como a seguir se indica: Foi reconhecido o direito à isenção do pagamento de contribuições na qualidade de trabalhadora independente, relativamente ao período de 01.08.2008 a 28.02.2009 por ter comprovado o exercício de atividade profissional em Espanha como trabalhadora por conta de outrem, em acumulação. Como a partir de 1.03.2009 passou a exercer atividade profissional como trabalhadora independente nos dois Estados Membros e reside em Espanha, cabe à Segurança Social daquele País determinar a legislação aplicável nos termos do nº 2 do art. 13º do Regulamento (CE) 883/2004 de 29.04 e art.ºº do Regulamento(CE) 987/2009 de 16.09. Deve assim, a beneficiária apresentar formulário E 101E que comprove tal situação para efeitos de regularizar a situação contributiva como trabalhadora independente em Portugal, a partir de 1.03.2009. O formulário E 101E que já entregou, relativamente ao período de 24.03.2010 a 23.03.20111 refere-se a um período de destacamento para exercício de atividade na empresa «W, Lda.» na qualidade de sócia gerente e não para o exercício de atividade na qualidade de trabalhadora independente.” (cfr. doc. nº 14 junto com a petição inicial) ** Aditamento à matéria de facto Por se considerar pertinente, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, adita-se a seguinte matéria de facto: 9 – O Instituto da Segurança Social na Contestação invocou a sua ilegitimidade passiva, por considerar que não estava identificado nenhum ato administrativo por si praticado, havendo antes alusão a um Despacho do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, devendo ser esta a entidade de demandada. (pág. 114 SITAF) 10 – Foi dada Vista ao Ministério Público, o qual considerou que a ação devia ter sido interposta contra o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, por a autora do despacho se integrar neste instituto, concluindo pela absolvição da instância. (Vide Parecer de 18/02/2014, a pág. 150 do SITAF) 11 – Notificado o Parecer referido no item anterior, a Autora pronunciou-se no sentido de que, para o caso de se admitir estar-se diante de uma exceção dilatória, a mesma é suprível, podendo o Tribunal corrigir oficiosamente ou, mesmo que assim não se entenda, poderá ser realizado convite à Autora para corrigir a Petição Inicial, nos termos do artigo 88.º, n.º 1 do CPTA, pelo que nunca poderá haver absolvição da instância. (Vide requerimento de pág. 161 do SITAF) 12 – Foi dada novamente Vista ao Ministério Público, tendo se pronunciado no sentido de que: «(…) a questão da ilegitimidade passiva poderá ser corrigida oficiosamente pelo Tribunal, como, aliás, tem sido decidido em processos deste TAF». (vide pág. 172 do SITAF) 13 – Em 21/05/2014, foi proferido o seguinte despacho judicial: (pág. 176 SITAF) «Atenta a posição das partes e ouvido o Digno Magistrado do M.P. determina-se se proceda á citação do IGFSS. D.N.». 14 – Foi realizada a citação do IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o qual na Contestação considerou que o processo se encontrava corretamente intentado contra o Instituto da Segurança Social, por ser a entidade competente para discutir a legalidade da dívida, explicando que a intervenção do IGFSS, apenas começa após a extração de certidão de dívida e cinge-se aos termos do processo executivo. (Vide pág. 201 do SITAF) 15 – Foi dada novamente Vista ao Ministério Público, tendo-se pronunciado pela improcedência da ação. (Vide pág. 221 do SITAF) 16 – Havendo mudança da Mm.ª Juiz titular do processo, em 25/09/2015, foi proferido Despacho para «a Autora se pronunciar quanto à exceção deduzida pelo Réu, Instituto da Segurança Social, I.P. e pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de ...». (Vide pág. 252 do SITAF) 17 – A Autora responde que, nos termos do artigo 78.º, n.º 3 do CPTA, a citação considera-se feita, à pessoa coletiva ou Ministério a que o órgão pertence, nesse caso podendo ser feita ao Ministério da Segurança Social; quando assim não se considera e se entenda que a ação devia ser interposta contra o IGFSS, a absolvição do Réu ISS, não acarreta a extinção dos autos, os quais deverão prosseguir contra o IGFSS, uma vez que configura uma exceção dilatória suprível, podendo o Tribunal corrigir oficiosamente ou se assim se não entender convidar a Autora a corrigir a sua Petição Inicial, nos termos do artigo 88.º, n.º 1 e 2do CPTA. (Vide pág. 259 do SITAF) 18 – Em 29/10/2015, foi proferido o Despacho Saneador-Sentença recorrido. (Vide pág. 266 do SITAF) ** Apreciação jurídica do recurso. Alega a Recorrente que o Tribunal, na sequência de parecer emitido pelo Ministério Público, ordenou a citação do IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o qual apresentou Contestação, onde alegou que a sua intervenção começa apenas e só após a instauração das certidões de dívida, cingindo-se aos termos do processo executivo e que todas as questões relativas à legalidade e legalidade da dívida são sempre decididas pelo ISS, IP. Mais alega a Recorrente, que, salvo melhor opinião, o Tribunal providenciou pela sanação da ilegitimidade passiva, mediante a citação do IGFSS, IP, verificando-se que existe caso julgado formal, por isso a decisão recorrida ofende o despacho que ordenou a citação e ofende o caso julgado formal. Alega, ainda, que para a hipótese de assim não se entender, tendo presente o enquadramento normativo expendido na sentença, a mesma erra quando diz que não compete ao Tribunal substituir-se à Autora para despoletar a intervenção processual nos termos do artigo 318.º, n.º 1, alínea a) do CPC, uma vez que o artigo 88.º do CPTA admite, não apenas a correção oficiosa de deficiências ou irregularidades de caráter formal que as peças processuais padeçam, mas também o suprimento de exceções dilatórias. O Despacho Saneador-Sentença, depois de identificar a legislação aplicável, verificou que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e o Instituto da Segurança Social, são entidades autónomas e que, pelo facto de o recurso hierárquico ter sido dirigido ao Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, nunca poderia condenar o Instituto da Segurança Social. Mais entendeu a decisão recorrida, que no âmbito da presente questão, a competência do IGFSS, I.P. era meramente executiva, não lhe cabendo qualquer pronúncia sobre o mérito da isenção; e no sentido de obter uma composição no presente litígio, deveria a Autora ter demandado em litisconsórcio necessário passivo o ISS, I.P. e o IGFSS, I.P., pois só perante este cenário, poderia haver lugar a uma composição definitiva do litígio. Diz, ainda, que não compete ao Tribunal substituir-se ao Autor no chamamento à demanda. Concluiu a decisão recorrida que, por preterição de litisconsórcio necessário, o Instituto da Segurança Social é parte ilegítima, por isso decidiu pela absolvição da instância. Apreciando. Em primeiro lugar cumpre apreciar se ocorre caso julgado formal, sendo que a presente ação corresponde a uma ação administrativa especial, regulada pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o qual não contém nenhuma previsão sobre o caso julgado formal, pelo que sobre o assunto temos de aplicar o regime estabelecido no Código de Processo Civil (CPC), que, à data do despacho Saneador-Sentença era já o novo Código aprovado no ano de 2013. Relativamente ao caso julgado formal, o CPC contém normas próprias que são as seguintes: Artigo 620.º (Caso julgado formal) 1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. 2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º. Artigo 630.º (Despachos que não admitem recurso) 1 - Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. 2 - Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios. O Despacho Saneador-Sentença recorrido devia ter tido em consideração todo o processado anterior e retirado as consequências condizentes com esse processado. Conforme dado por assente no item 13 da matéria de facto, acima ditada, o Tribunal recorrido proferiu despacho a ordenar a citação do IGFSS, IP. Para o efeito remeteu os fundamentos dessa decisão para a posição das partes no processo, bem como para o Parecer do Ministério Público. O Mistério Público, havia emitido parecer no sentido de a questão da ilegitimidade passiva ser corrigida oficiosamente, ou seja, o Tribunal devia suprir oficiosamente a falta de indicação como parte passiva do IGFSS, IP – vide item 12 da matéria de facto, acima aditada. Por sua vez, a Autora havia dito que a exceção era suprível oficiosamente, mas se assim não fosse entendido, que fosse convidada a corrigir a Petição Inicial, nos termos do artigo 88.º do CPTA. Nesta sequência foi realizada a citação do IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o qual Contestou, portanto passou a ser parte passiva da ação. Posteriormente a Autora foi notificada novamente para se pronunciar sobre a exceção deduzida pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e agora também para se pronunciar pela exceção apresentada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. A Autora respondeu nos termos idênticos aos anteriores, ou seja, que a situação podia ser oficiosamente corrigida ou então ser convidada a corrigir a Petição Inicial, nos termos dos nos. 1 e 2 do artigo 88.º do CPTA. De seguida foi proferido o Despacho Saneador-Sentença recorrido que não viu ou não quis ver que o IGFSS já era parte no processo, assim como também não viu ou não quis ver o que estabelece o artigo 88.º do CPTA. Somos do entendimento que o Despacho Saneador-Sentença incorre em desacerto, na medida em que, conforme dado por assente no item 13 da matéria de facto, havia já sido proferido um despacho judicial a ordenar a citação do IGFSS, ou seja, a determinar que este Instituto fosse chamado à demanda como parte passiva. Nessa sequência foi realizada a citação do IGFSS na qualidade de Réu, que Contestou. Portanto o IGFSS era já Réu no processo, pelo que não se compreende como é que posteriormente o Despacho Saneador-Sentença refere que, devido ao IGFSS não ser parte demandada, nem a Autora ter impulsionado o seu chamamento, efetua uma absolvição da instância. A partir do momento em que o Despacho judicial que ordena a citação do IGFSS (vide item 13 da matéria de facto aditada), não se pode mais dizer que o IGFSS não é parte no processo, nem contrair a força de caso julgado formal de tal Despacho. Segundo referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil anotado, vol. I, 2.ª ed., ano 2020, Almedina, em anotação ao artigo 620.º, a pág. 771: «1. O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam o mérito do direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas exceções, designadamente a que decorre do art. 595.º, n.º 3, quanto à apreciação genérica de nulidades e exceções dilatórias (cf. notas 4 e 5 ao art. 595.º). Despachos que recai sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, aprecia e decide uma questão que não seja de mérito (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. II, 3.ª ed., p. 753). (…) 3. O n.º 2 reporta-se aos despachos de mero expediente e aos proferidos no uso de um poder discricionário, os quais constituem decisões que o juiz pode modificar no decurso do processo.». Conforme referido pelos citados autores, qualquer despacho que decida uma questão no processo que não seja de mérito, em princípio, faz caso julgado formal. Só assim não sucede com os despachos de mero expediente, nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. O n.º 4 do artigo 152.º do CPC, define este tipo de despachos da seguinte forma: «4 - Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.». Ora, decidir se determinada entidade deve ser chamada ao processo, não corresponde a um despacho de mero expediente, uma vez que interfere com o conflito de interesses das partes. Da mesma forma, não é um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário, pois existe obrigação de decidir a questão da invocada ilegitimidade passiva e possível chamamento à demanda de mais um interveniente. Por isso, não fica ao livre arbítrio do julgador decidir ou não essa questão. Ou seja, o Tribunal tem de decidir todas as questões que lhe são colocadas, sendo que a ilegitimidade passiva e a possibilidade de poder ser suprida, estabelece uma obrigação de decisão, por isso não corresponde a um poder discricionário decidir tal questão ou deixá-la por decidir. Veja-se o disposto no artigo 608.º do CPC, ao caso aplicável, que estabelece o seguinte: Artigo 608.º (Questões a resolver – Ordem do julgamento) 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica. 2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Em face do exposto, conclui-se que o despacho que ordenou a citação do IGFSS, decidiu uma questão processual nos autos, pelo que tem de ser respeitado, uma vez que se formou caso julgado formal sobre essa questão. Por isso, qualquer decisão posterior tem de respeitar esse caso julgado formal, sendo ineficaz a decisão que o contraria. Mas, ainda que não tivesse havido caso julgado formal em relação ao Despacho que ordenou a citação do IGFSS, sempre esse Despacho tinha de prevalecer, por aplicação do regime do n.º 2 do artigo 625.º do CPC, que diz: Artigo 625.º (Casos julgados contraditórios) 1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar. 2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual. Em anotação a este preceito, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil anotado, vol. I, 2.ª ed., ano 2020, Almedina, a pág. 774: «1. A exceção dilatória de caso julgado (art. 557.º, al. i)) visa impedir a existência de duas decisões contraditórias nos limites objetivos e subjetivos definidos pelo art. 581.º. Apesar da oficiosidade do conhecimento de tal exceção (art. 578.º) e da recorribilidade sem dependência do valor da causa (art. 629.º, n.º 1, al. a)), que visam evitar a consumação da violação do caso julgado, os seus efeitos são remediados a posteriori através de uma medida que concede prevalência à decisão que transitou em julgado em primeiro lugar (valendo, para o efeito, o critério que consta do art. 628.º). essa prevalência redunda na ineficácia da sentença coberta por trânsito em julgado posterior, constituindo ainda fundamento de oposição à execução que venha a ser instaurada com base em tal decisão (art. 729.º, al. f)). 2. Semelhante solução é prevista para os casos em que o conflito se estabeleceu entre duas decisões de natureza adjetiva proferidas no âmbito do mesmo processo.». A decisão recorrida ao referir que era necessário efetuar o chamamento do IGFSS, quando este já era parte demandada nos autos, para além de incorrer em erro, também viola o princípio da prevalência de decisão anterior que já havia ordenado a citação do IGFSS. Assim, não era mais possível dizer que o IGFSS não é parte no processo e que ainda carecia de ser chamado aos autos por impulso autónomo e voluntário da Autora. Portanto, mesmo que o Despacho Saneador-Sentença não violasse o caso julgado formal, sempre violava decisão anterior proferida no processo, sendo por isso ineficaz. Desta forma, o Despacho Saneador-Sentença deve ser revogado e a ação continuar os seus termos, se a tal mais nada obstar. ** No concerne às custas deste recurso, atenta a procedência do recurso, a revogação da sentença e ao facto de as Recorridas não terem contra-alegado, ficam as custas a cargo destas, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não terem contra-alegado – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e Acórdão deste TCA Norte de 30/09/2021, processo n.º 00378/06.2BECBR, disponível em www.dgsi.pt. ** Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: I - Qualquer despacho que decida uma questão no processo que não seja de mérito, em princípio, faz caso julgado formal (artigo 620.º do CPC). II - Só assim não sucede com os despachos de mero expediente, nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário (artigo 620.º, n.º 2 e 630.º do CPC). III – Nas situações em que não é violado do caso julgado formal, pode haver violação de decisão anterior proferida no processo, sendo por isso ineficazes, nos termos do n.º 2 do artigo 625.º do CPC. * * Decisão Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar o Despacho Saneador-Sentença recorrido e ordenar a baixa dos autos para apreciação do mérito da causa, se a tal mais nada obstar. * * Custas a cargo das Recorridas, não sendo devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não terem contra-alegado. * * Porto, 25 de maio de 2023. Paulo Moura Vítor Salazar Unas Ana Patrocínio |