Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01871/16.4BEBRG-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/19/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA-REQUISITOS-CASO JULGADO FORMAL.
Sumário:1- A decisão que admita o incidente da intervenção principal e ordena a citação das intervenientes é uma decisão em tudo semelhante/idêntica ao despacho judicial que ordena a citação do réu para uma determinada ação, quando essa citação se encontra sujeita a despacho judicial liminar, não precludindo o direito dos intervenientes de, na contestação que venham a apresentar, suscitarem todas as questões que, na sua perspetiva, deviam ter levado ao indeferimento do incidente de intervenção, designadamente, a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para a causa.

2- Em relação aos intervenientes principais, o despacho que admite o incidente da intervenção daqueles e ordena a sua citação, jamais transita em julgado, tratando-se de um despacho liminar, suscetível de vir a ser objeto de diametral inflexão no despacho saneador, com fundamento em questões, entretanto, surgidas ex novo, como em questões que já eram operantes aquando da prolação do despacho que admitiu o incidente e que reclamavam que este tivesse sido indeferido.

3- Não incorre em violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, nem sequer do caso julgado formal, o tribunal que tendo admitido a intervenção principal provocadas das seguradoras dos Réus, na sequência da arguição pelas intervenientes, na contestação, da exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para a ação, conhece dessas exceções, julga-as procedentes e absolve as intervenientes da instância.

4- A intervenção principal provocada pressupõe a verificação de uma relação litisconsorcial, isto é, que a relação jurídica material controvertida que está a ser discutida na ação pendente, tenha como titular ativo ou passivo o sujeito cuja intervenção principal é requerida.

5- Não há qualquer relação litisconsorcial entre a relação que está a ser discutida entre demandante e entidades demandadas na ação pendente, em que aquela pretende ser indemnizada pelos danos sofridos, por alegada violação das legis artis pelo 2º Réu, em decorrência de intervenção cirúrgica por este realizada, em hospital integrado no SNS, e explorada pela 1ª Ré, no âmbito de um contrato de parceria público-privada que celebrou com o Estado Português, e a relação estabelecida entre os Réus e as respetivas seguradoras, mas antes esta relação contratual privatística é conexa com a que está a ser discutida na ação, servindo de fundamento a que se requeira a intervenção acessória provocada dessas seguradoras, mas nunca da intervenção principal provocada destas.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:Hospital (...), S.A, e Outros
Recorrido 1:Companhia de Seguros (...), S.A, e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I- Relatório

1.1.R., instaurou a presente ação administrativa comum, contra Hospital (...), S.A. e J., pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de 15.000,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até efetivo pagamento, bem como a indemnização ilíquida que vier a ser fixada em decisão ulterior ou liquidada em execução de sentença.
Para tanto alega, em síntese, que no Verão de 2013, foi-lhe detetado um problema de osso rompido, na sequência do que, foi encaminhada para as instalações da 1ª Ré, onde teve a 1ª consulta com o 2º Réu, médico designada pela 1ª Ré, em setembro de 2013;
O 2º Réu comunicou-lhe que de acordo com o diagnóstico que lhe fez, aquela tinha de ser objeto de uma intervenção cirúrgica para colocação de uma prótese na anca;
Em momento algum, o 2º Réu informou a Autora sobre as consequências e riscos inerentes a esse procedimento cirúrgico, e nunca lhe apresentou alternativas possíveis de tratamento;
A Autora realizou essa intervenção cirúrgica em 19/09/2012, tendo esta sido realizada pelo 2º Réu;
Acontece que a Autora acabou por ficar internada durante três semanas e não durante cinco dias;
Apesar de nas primeiras horas após a cirurgia, a Autora não sentir as pernas, passado algumas horas, apesar de sentir dores, manteve-se sem qualquer tipo de sensibilidade no pé direito e passou a ter dores, que antes da intervenção cirúrgica não sentia;
O 2º Réu, que apenas a visitou por uma única vez durante o período de internamento, apesar das queixas da Autora, desvalorizou-as, retorquindo-lhe que, num período máximo de quatro meses, iria recuperar a sua locomoção normal, o que que nunca veio a acontecer, apesar das sessões de fisioterapia a que se submeteu a Autora;
A Autora foi operada para colocação de uma prótese na anca e acabou por perder a sensibilidade no pé direito, o qual não foi alvo da intervenção cirúrgica;
A perda da sensibilidade no pé direito da Autora resulta da violação dos deveres de cuidado por parte do 2º Réu, do que advieram para a primeira, danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização reclama.
1.2.Os Réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocaram a exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos tribunais administrativos para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial, sustentando que a presente ação se destina a efetivar a responsabilidade civil extracontratual dos mesmos perante a Autora, quando, à data dos factos, o estabelecimento hospitalar em que esta recebeu assistência médica, era gerido pela 1ª Ré, com quem o Estado Português celebrou em 09/02/2009, um contrato de gestão;
A 1ª Ré é uma pessoa coletiva de direito privado, pelo que a competência material para conhecer do presente litígio pertence à jurisdição comum;
Impugnaram a generalidade dos factos alegados pela Autora, sustentando que após o 2º Réu ter explicado àquela o seu quadro clínico, bem como o tratamento cirúrgico que lhe foi proposto e os riscos associados a essa intervenção cirúrgica, esta assinou dois consentimentos informados após refletir sobre a sua opção;
O atendimento proporcionado à Autora observou todas as boas práticas da medicina.
Concluíram, pedindo que por via da procedência da exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos tribunais administrativos, para conhecerem dos autos, se absolva os mesmos da instância e, em todo o caso, dos pedidos.
1.3. Requereram a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros (1), S.A., alegando que por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 8332213, a 1ª Ré tinha, à data dos factos, a sua responsabilidade civil geral e profissional transferida para essa seguradora, pelo que, em caso de condenação da 1ª Ré a pagar qualquer indemnização à Autora, essa seguradora será responsável pelo pagamento de tal indemnização.
1.4.Requereram a intervenção principal provocada de Companhia de Seguros (2), S.A., sustentando que por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0084.05.935947, o 2º Réu tinha, à data dos factos, transferido a sua responsabilidade civil geral e profissional para essa seguradora, pelo que, caso venha a ser condenada a pagar qualquer indemnização à Autora, é essa seguradora a entidade responsável pelo pagamento dessa indemnização.
1.5.Requereram a intervenção principal provocada da Administração Regional de Saúde do Norte, sustentando que caso a Autora tivesse conhecimento do contrato de gestão celebrado entre o Estado Português e a 1ª Ré e das responsabilidades que do mesmo decorrem para a ARS, teria, muito provavelmente, interposta a presente ação contra essa entidade;
Nos termos do contrato de gestão celebrado, existia uma partilha de responsabilidades entre a 1ª Ré e a ARS, tendo em vista a execução de uma tarefa comum, incumbindo à ARS o acompanhamento e o controlo da execução do objeto da parceria, de forma a garantir que são alcançados os fins de interesses público subjacentes, no âmbito do que, a ARS detém um vasto conjunto de poderes de acompanhamento, inspeção e fiscalização do Hospital (...);
A Autora foi atendida por um conjunto de profissionais desse hospital, sendo que entre esses profissionais, nomeadamente, o 2º Réu, e a 1ª Ré não existia, à data dos factos, nem sequer existe, qualquer vínculo laboral, os quais eram (e são) trabalhadores do Hospital (...) e, por conseguinte, da ARS;
A 1ª Ré continuou apenas a gerir e a remunerar aquele pessoal, que é detentor de uma relação jurídica de emprego público, mas nunca assumiu a qualidade de entidade empregadora desse pessoal.
1.6. Notificada da contestação e dos pedidos de intervenção de terceiros nela deduzidos pelos Réus, a Autora nada disse.
1.7. Por decisão proferida em 06/02/2017, a 1ª Instância deferiu o incidente da intervenção principal provocada da Companhia de Seguros (1), S.A. e de Companhia de Seguros (2), S.A., constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:
“Assim, e vistos os atuais arts. 311º e 312º do CPC, conjugados com os arts. 316º, n.º 3 e 317º do mesmo Código, defiro o pedido de intervenção principal provocada das chamadas Companhia de Seguros (1), S.A. e da Companhia de Seguros (2), S.A., e, consequentemente, determino a citação da seguradora, nos termos previstos no art. 319º do CPC”.

1.8.A interveniente Companhia de Seguros (1), S.A., contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório exercido nos autos pela Autora contra aquela, advogando que, por via do disposto no n.º 1 do art. 498º do CC, o direito indemnizatório prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito indemnizatório que lhe compete, quando atentos os factos descritos na petição inicial e que podem consubstanciar a responsabilidade dos Réus, estes terão alegadamente ocorrido em 19/10/2013;
A interveniente foi citada para a presente ação em 09/02/2017 e, portanto, quando já estavam decorridos mais de três anos sobre aqueles factos que servem de base aos pedidos indemnizatórios formulados pela Autora, concluindo pela prescrição desse direito indemnizatório a que esta se arroga titular perante si;
Invocou a exceção dilatória da ilegitimidade passiva daquela para os termos da presente ação, que intitulou de “contrato de seguro e da inexistência de qualquer direito da Autora perante a ora chamada”, sustentando que apesar de ter celebrado o contrato de seguro invocada pela 1ª Ré, mediante o qual, a partir de 01/09/2009, até ao montante máximo de três milhões de euros, e com uma franquia de 5.000,00 euros, garante o pagamento das indemnizações exigidas à 1ª Ré por dano patrimonial e/ou não patrimonial resultantes de lesão corporal causada a terceiro, decorrente de erro ou falta profissional cometida no exercício da atividade profissional do corpo médico e de enfermagem do Hospital (...), seus auxiliares ou substitutos e demais trabalhadores/colaboradores, quando ao serviço ou sob as suas ordens e responsabilidade, bem como assim da posse e uso de bens e instalações próprias para o exercício dessa atividade, nos termos do segundo parágrafo do art, 2º, ponto 2.2 das condições particulares desse contrato, essa cobertura apenas “funcionará sempre em excesso e/ou falta de qualquer seguro de responsabilidade civil que o profissional de saúde detenha em seu nome e/ou enquanto membro de uma organização profissional”, pelo que dispondo o 2º Réu de contrato de seguro válido à data dos factos, a interveniente nunca poderá ser diretamente demandada pelo alegado lesado, a não ser que este prove, desde logo, que os médicos ou os profissionais de saúde da segurada não tinham qualquer seguro que cobrisse a responsabilidade civil decorrente da atividade e dos atos por eles praticados e descritos na petição inicial, o que não se encontra alegado.
Acresce que o contrato de seguro que celebrou com a 1ª Ré tem natureza facultativa, pelo que nos termos do art. 140º da LCS, aprovada pela Lei n.º 72/2008, e face ao disposto no segundo parágrafo do art. 2º, ponto 2.2 das condições particulares daquele contrato de seguro, e à circunstância da interveniente não ter iniciado quaisquer negociações com a Autora com vista à resolução do presente litígio (o que nem sequer vem alegado), apenas a 1ª Ré poderá ser responsabilizada pela indemnização eventualmente devida Autora, não podendo a lesada demandar diretamente a interveniente, impondo-se a absolvição desta.
Impugnou a generalidade da facticidade alegada pela Autora.
Conclui pedindo que a se julgue a ação improcedente e que se absolva os Réus do pedido.
1.9.A interveniente Companhia de Seguros (2), S.A., contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção dilatória da ilegitimidade passiva da própria, advogando que a sua participação nos presentes autos, a título de interveniente principal passiva, é legalmente inadmissível, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legais enunciados no art. 316º do CPC, dado que entre aquela e a relação jurídica material delineada na petição inicial pela Autora, não existe qualquer relação litisconsorcial;
Acresce que o contrato de seguro que celebrou com o 2º Réu tem natureza facultativa, pelo que, apenas em determinadas situações, o lesado pode demandar diretamente a seguradora;
Conclui que aquela “não pode intervir nos autos como interveniente principal, pois que, não sendo sujeito da relação jurídica controvertida, não tem legitimidade para nela intervir como parte principal, mas tão só como parte acessória, a fim de auxiliar na defesa do seu segurado, pelo que deve a intervenção principal provocada passiva ser convolada em intervenção acessória passiva, sob pena de ilegitimidade da interveniente, o que se requer”.
Invocou a exceção perentória da ilegitimidade substantiva do 2º Réu, advogando que de acordo com a alegação da Autora vertida na petição inicial, o Hospital (...) é uma unidade hospitalar, integrada no Serviço Nacional de Saúde, que exerce, através de uma parceria público privada celebrada com a 1ª Ré, funções administrativas de satisfação da prestação de saúde a cargo do Estado, e que os atos médicos praticados pelo 2º Réu e mencionados na petição inicial, são considerados como atos de gestão pública, porque exercidos em instituição pública de saúde;
Por sua vez, o 1º Réu alega ter celebrado com o Estado Português um contrato de gestão, que tem por objeto a conceção, a construção, a organização e o funcionamento do Hospital (...), integrado no Serviço Nacional de Saúde”, e que “se destina a realizar prestações de saúde”, e que, à data dos factos, não mantinha qualquer vínculo laboral de natureza privada com o 2º Réu, que atuou enquanto médico, na qualidade e enquanto titular de uma relação jurídica de emprego público;
Deste modo, o 1º Réu, pessoa coletiva de direito privado, ao prestar os cuidados de saúde à Autora, agiu no exercício de prorrogativas de poder público ou que essa atividade era regulada por disposições ou princípios de direito administrativo, enquanto o 2º Réu era funcionário ou agente do Estado ou de outra pessoa coletiva de direito público, e, nessa qualidade, prestou aqueles serviços à Autora, o que demanda que este e a interveniente, sua seguradora, são partes substancialmente ilegítimas para a presente ação;
Impugnou a generalidade dos factos alegados pela Autora na petição inicial, e sustentou que nos termos do contrato que celebrou com o 2º Réu, a responsabilidade civil deste, por danos causados no exercício da atividade profissional de médico ortopedista, que se mantinha válido à data dos factos descritos na petição inicial, o capital seguro por sinistro e anuidade encontra-se limitado a 300.000,00 euros, vigorando uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de 125,00 euros.
Conclui pedindo que se convole a intervenção principal provocada daquela para intervenção acessória; se julgue as exceções da ilegitimidade substantiva passiva da mesma e do 2º Réu procedente e, por via disso, se absolva estes do pedido e, subsidiariamente, se julgue a ação improcedente por não provada e se absolva aqueles dos pedidos.
1.10.Não houve réplica.
1.11.Por despacho proferido em 27/04/2021, a 1ª Instância dispensou a realização de audiência prévia e proferiu despacho saneador, em que conheceu da exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, dos tribunais administrativos para conhecer da relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial pela Autora, invocada pelos Réus, julgando essa exceção improcedente.
Conheceu da exceção dilatória da ilegitimidade passiva da interveniente principal Companhia de Seguros (1), S.A., por esta suscitada, julgando-a procedente, nos termos que se seguem:
“Procede, por isso, a alegada exceção dilatória da ilegitimidade passiva (artigo 89º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea e) do CPTA) e absolvo da instância a interveniente principal Companhia de Seguros (1), S.A.”.
Mais conheceu da exceção dilatória da ilegitimidade passiva da interveniente Companhia de Seguros (2), S.A., que julgou procedente, nos seguintes termos:
“Procede, por isso, a alegada exceção dilatória de ilegitimidade passiva (artigo 89º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea e) do CPTA) e absolvo da instância a interveniente principal Companhia de Seguros (2), S.A., ficando prejudicado o conhecimento do restante invocado”.
Julgou que “em face da absolvição da instância da interveniente principal Companhia de Seguros (1), S.A.” fica prejudicado o conhecimento da exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório da Autora invocado pela interveniente Companhia de Seguros (1).
Fixou o valor da presente ação em 15.000,00 euros, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram objeto de reclamação, e conheceu dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes.
1.12.Inconformada com o despacho saneador que julgou procedente as exceções dilatórias da ilegitimidade passiva das intervenientes principais Companhia de Seguros (1), S.A. e Companhia de Seguros (2), S.A., e as absolveu da instância, os Réus, E., S.A. e J., interpuseram o presente recurso de apelação, em que apresentam as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador que julgou procedente a invocada exceção de ilegitimidade passiva das Intervenientes Principais COMPANHIA DE SEGUROS (1), S.A. e COMPANHIA DE SEGUROS (2) S.A. e consequente absolvição da instância.
II. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo faz uma incorreta interpretação da matéria relativa aos artigos 30º do CPC e 10º do CPTA, o que de seguida se procurará demonstrar.
III. O tribunal a quo, indica no despacho saneador que a A. não configura a relação material controvertida como estando posicionada, no lado passivo, as Intervenientes COMPANHIA DE SEGUROS (1), S.A. e COMPANHIA DE SEGUROS (2) S.A., pois, que aquela não imputa a estas sociedades a prática de qualquer ilícito, não a chamando ao pagamento da indemnização peticionada.
IV. Ora, por despacho de 6 de fevereiro de 2017 o tribunal a quo deferiu os requerimentos de intervenção das Companhias de Seguro deduzidos pelos RR. nas suas contestações e admitiu-as como partes legitimas na presente lide.
V. Tendo, por isso, concluído o tribunal a quo: “assim, e vistos os atuais artigos 311º e 312º do CPC, conjugados com os artigos 316º, nº3, e 317º, do mesmo Código, defiro o pedido de intervenção principal provocada das chamadas Companhia de Seguros (1), S.A. e da Companhia de Seguros (2), S.A., e, consequentemente, determino a citação das Seguradoras, nos termos previsto no art.º 319º do CPC.”
VI. Dispõe o artigo 613º, nº 1, do CPC, que proferida a sentença - ou o despacho, pois este normativo vale também para os despachos, nos termos do seu nº 3 – fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz.
VII. Isto é, proferida sentença ou despacho sobre a matéria da causa, o juiz não pode voltar a proferir nova decisão sobre a mesma questão.
VIII. Que foi o que aconteceu nos autos, pois o tribunal a quo depois de proferir despacho que admitiu a intervenção das companhias de seguro como parte principal na presente ação, veio a proferir o despacho de que ora se recorre, declarando procedente a exceção dilatória de ilegitimidade.
IX. O que claramente viola o princípio de extinção do poder jurisdicional, previsto no artigo 613º, nº 1 do CPC.
X. A legitimidade passiva afere-se pelo interesse em contradizer e olhando os termos como a A. configura o seu direito, sendo que, o que releva para efeitos de legitimidade processual é a causa de pedir tal como a A. a configura (art. 30º n.º3 do CPC).
XI. Atendendo o contrato de seguro celebrado pelos RR. com as respetivas companhias de seguro, resulta claro que da procedência da presente ação advirá para as Intervenientes Principais prejuízo resultante de eventuais indemnizações junto da A..
XII. In casu existindo contrato de seguro, aquele servirá para cobrar do tomador a medida da responsabilidade, em espécie ou em equivalente.
XIII. Ou seja, o posicionamento das RR. Companhias de Segurado na relação jurídica processual, tem por objeto os mesmo atos/causas do dano alegado, a mesma causa de pedir, e o mesmo pedido da A..
XIV. Do supra alegado, decorre que também as Companhias de Seguro têm interesse direto em contradizer pelo prejuízo que lhe advirá da procedência da ação.
XV. Os contratos celebrados entre os RR. (como tomadores do seguro) e as Intervenientes (como seguradoras) constitui um contrato de seguro de responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros, como é o caso do alegado pela A..
XVI. Tal como vem delimitada pela A. a causa de pedir reside nas consequências danosas causadas pela alegada violação da legis artis pelos profissionais de saúde da 1ª R. e pelo tratamento médico diretamente instituído pelo 2º R. que trataram a A., pelo erro ou falta profissional cometida no exercício da sua atividade profissional.
XVII. A seguradora, enquanto companhia de seguros está obrigada a assumir todas as obrigações contratuais resultantes do contrato de seguro celebrado.
XVIII. Ora, face a esta transferência da obrigação de indemnizar da esfera jurídica dos segurados para as das seguradoras, é manifesto que as seguradoras têm um interesse direto em contestar a presente ação, como aliás o fizeram.
XIX. Com efeito, o contrato de seguro obriga a seguradora a suportar o risco, como contrapartida do recebimento do prémio.
XX. Desta forma, pode afirmar-se que, por força do contrato, nas relações internas, a seguradora coloca-se na posição de quem é obrigada a indemnizar.
XXI. O artigo 140º, nº 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro refere expressamente que “o segurador de responsabilidade civil pode intervir em qualquer processo judicial ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, suportando os custos daí decorrentes.”, como é o presente.
XXII. A questão da legitimidade de igual forma se poderá aferir de acordo com o preceituado no artigo 10º n.º 9 do CPTA, segundo o qual podem ser demandados particulares, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares.
XXIII. Trata-se, assim, de uma regra de legitimidade plural passiva que expressamente consente a intervenção das seguradoras.
XXIV. Assim, atentos os fundamentos supra aduzidos, têm as Intervenientes Companhias de Seguro todo o interesse em serem demandadas, pelo que deverão ser consideradas partes legítimas.
Termos em que, e nos melhores de Direito aplicável, deve o presente recurso ser procedente, revogando-se o Despacho recorrido e substituído por outro que admita as Intervenientes Companhias de Seguro COMPANHIA DE SEGUROS (1), S.A. e COMPANHIA DE SEGUROS (2) S.A. como partes legítimas na presente ação. Fazendo, desta forma, V. Ex.ªs JUSTIÇA!
1.13.Apenas a apelada Companhia de Seguros (2), S.A. contra-alegou, pugnando pela improcedência da presente apelação.
1.14. O Ministério Público, notificado para se pronunciar nos termos do disposto no n.º1 do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
1.15.Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte:
a- saber se o despacho saneador recorrido, na parte em que julgou procedente as exceções dilatórias da ilegitimidade passiva das intervenientes principais Companhia de Seguros (1), S.A. e Companhia de Seguros (2), S.A., por estas suscitadas nas respetivas contestações, absolvendo-as da instância, padece de erro de direito, por violar o princípio da extinção do poder jurisdicional e/ou o caso julgado formal que cobre o despacho proferido em 06/02/017, em que a 1ª Instância deferiu o incidente da intervenção principal dessas intervenientes seguradoras;
b- saber se em todo o caso, esse despacho saneador, ao julgar procedente as ditas exceções dilatórias da ilegitimidade passiva das intervenientes principais seguradoras para os termos da presente ação, absolvendo-as da instância, padece de erro de direito, dado que estas últimas detêm um interesse direto em contestar a presente ação, encontrando-se, portanto, preenchidos todos os requisitos legais de que depende a intervenção principal provocadas destas do lado passivo.
Note-se que do objeto do presente recurso de apelação não faz parte a questão da convolação do incidente da intervenção principal provocada das apeladas para o incidente da intervenção acessória provocada, dado que os apelantes não requereram que as intervenientes principais continuem a figurar nos presentes autos como intervenientes acessórias, limitando-se a pugnar pela revogação do despacho saneador recorrido, na parte em que julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva destas para os termos da presente causa e absolveu essas intervenientes da instância, e pela substituição dessas decisões “por outro que admita as intervenientes Companhias de Seguro Companhia de Seguros (1) e Companhia de Seguros (2), S.A. como partes legítimas na presente ação”, isto é, pugnando para que estas sejam mantidas com o estatuto processual de “partes” no âmbito de presente ação, pelo que sob pena de se incorrer no vício da nulidade, por excesso de pronúncia, a questão da convolação não pode ser conhecida pelo tribunal ad quem.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.
A. DE FACTO
3.1Os factos que relevam para o conhecimento da presente apelação, são os que constam no relatório que acima se encontra elaborado, a que acrescem os seguintes factos:
A- Entre a 1ª Ré “E., S.A.”, e a interveniente principal “Companhia de Seguros (1), S.A.” foi celebrado um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 8332213, que se mantinha em vigor à data da ocorrência dos factos descritos na petição inicial – cfr. doc. 1, anexo à contestação.
B- Na cláusula 2ª das condições particulares desse contrato, que tem por epígrafe “Âmbito de Cobertura”, estabelece-se que:
Nos termos do presente, o Segurador garante, dentro dos limites fixados nestas condições particulares, o pagamento das indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao segurado por:
(…);
2.2. Responsabilidade Civil Profissional:
Dano patrimonial ou dano não patrimonial resultante de lesão corporal causado a terceiro, decorrente de erro ou falta profissional cometida no exercício da atividade profissional do corpo médico e de enfermagem do Hospital (...), seus auxiliares ou substitutos e demais trabalhadores/colaboradores, quando ao serviço ou sob as suas ordens e responsabilidade, bem como assim da posse e uso de bens e instalações próprias para o exercício dessa atividade.
Esta cobertura funcionará sempre em excesso e/ou falta de qualquer seguro de responsabilidade civil profissional que o profissional de saúde detenha em seu nome e/ou enquanto membro de uma organização profissional.
(…) – condições particulares juntas em anexo à contestação.
C- Na cláusula 6ª das condições particulares desse mesmo contrato, que tem por epígrafe “Limites de Indemnização”, estabelece-se que:
“6.1. O limite máximo de indemnização garantido pela apresente apólice, por sinistro e anuidade é de 6.000.000,00 euros, com os seguintes limites:
(…);
- Responsabilidade Civil Profissional: 3.000.000,00 euros por sinistro e anuidade com o seguinte sublimite:
(…);
6.2. A responsabilidade do segurador em relação aos danos corporais e/ou materiais causados a pessoas e bens, não poderá exceder a quantia máxima fixada por cada sinistro”.
D- Por sua vez, entre o Réu J. e a interveniente principal “Companhia de Seguros (2), S.A.” foi celebrado um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 0084.05.935947, que se mantinha em vigor à data da ocorrência dos factos descritos na petição inicial, lendo-se nessa apólice que:
“Modalidade – Ordens Profissionais
Atividade – Ortopedia.
Coberturas Contratadas Capital Seguro Franquia
Resp. Civil Profissional 600.000,00 euros Tipo 30
(…)
São aplicáveis as seguintes franquias identificadas acima:
Tipo 30 – Esta(s) cobertura(s) fica(m) sujeita(s) a uma franquia de 10% do valor resultante dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de 125,00 euros – cfr. doc. n.º 3 anexo à contestação.
E- No art. 1º das condições especiais do contrato de seguro referido em D), que tem por epígrafe “Objeto, âmbito e garantia do contrato”, lê-se que:
“1- Nos termos desta condição especial, o segurador garante a responsabilidade civil do segurado inerente ao exercício da profissão especificada na proposta de contrato nos seguintes termos:
a) (….);
b) Por danos causados a clientes ou terceiros em consequência de atos ou omissões negligentes cometidos pelo segurado no exercício da sua profissão;
(…) – condições especiais, juntas em anexo à contestação apresentada pela interveniente Companhia de Seguros (2).
F- No art. 2º das condições gerais do mesmo contrato, que tem por epígrafe “Objeto do contrato”, estipula-se que:
O presente contrato tem por objeto a garantia de responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade civil contratual, quando esteja expressamente prevista na condição especial contratada que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado enquanto na qualidade ou exercício da atividade expressamente referida nas respetivas condições especiais e particulares”.
G- No art. 3º dessas condições gerais, que tem por epígrafe “Riscos Cobertos” que:
“O presente contrato garante os danos patrimoniais e não patrimoniais exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, de harmonia com o estipulado nestas condições gerais, nas condições especiais e particulares, sem prejuízo das exclusões previstas nos artigos seguintes”.
H- E no art. 8º das condições gerais, que tem por epígrafe: “Direitos do tomador do seguro e/ou segurado” que:
São direitos do tomador do seguro e/ou do segurado:
a)…;
b) ver transferida para o Segurador a obrigação de regularização do sinistro que, ao abrigo do presente contrato, ocorra durante o período de vigência do mesmo, incluindo a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências;
c)…;
d) receber atempadamente, nos termos desta apólice, as indemnizações, estornos e outras prestações a que o segurador se encontra obrigado, sem prejuízo do princípio de que o presente contrato não pode, em caso algum, ter efeitos lucrativos” – condições gerais do contrato de seguro, juntas em anexo à contestação apresentada pela interveniente principal Companhia de Seguros (2).
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III. B.DE DIREITO
b.1- Da Violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional e/ou do caso julgado formal.
A Autora R., instaurou a presente ação administrativa contra “E., S.A.” e J., com vista e exercer o direito indemnizatório a que se arroga titular, com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, imputando a violação negligente de legis artis ao 2º Réu, no âmbito da cirurgia ortopédica a que foi submetida e por este realizada, quando exercia a sua atividade de médico ortopedista no Hospital (...), integrado no Serviço Nacional de Saúde, e cuja gestão cabia à 1ª Ré, no âmbito do contrato de “parceria público-privada” que esta celebrou com o Estado Português.
Na contestação, a 1ª Ré requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros (1), S.A., com fundamento de que, à data dos factos descritos na petição inicial, tinha a sua responsabilidade civil geral e profissional transferida para esta seguradora, por contrato de seguro, pelo que “em caso de condenação da 1ª Ré a pagar qualquer indemnização à Autora, a aludida seguradora será responsável pelo seu pagamento”.
Por sua vez, o 2º Réu requereu a intervenção principal provocada de Companhia de Seguros (2), S.A., advogando que, à data dos factos descritos na petição inicial, tinha a sua responsabilidade civil geral e profissional transferida para esta seguradora, por contrato de seguro que com ela celebrou, argumentando que “em caso de condenação do ora 2º Réu a pagar qualquer indemnização à Autora, a aludida seguradora será responsável pelo seu pagamento”.
Ambas estas pretensões foram deferidas, por despacho de 06/02/2017, em que a 1ª Instância deferiu o incidente da intervenção principal provocado de ambas as seguradoras, as quais, todavia, uma vez citadas, apresentaram contestação em que invocam a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para os termos da presente causa, com os argumentos que enunciam nesses articulados.
Em sede de despacho saneador, a 1ª Instância conheceu das invocadas exceções dilatórias suscitadas por ambas as intervenientes principiais, julgando-as procedentes, e absolvendo as intervenientes principais seguradoras da instância.
Com esta decisão não se conformam os Réus (apelantes), sustentando que, ao assim proceder, a 1ª Instância violou o princípio da extinção do poder jurisdicional, que lhe veda a possibilidade de uma vez deferida a intervenção principal das intervenientes seguradoras, a possibilidade de reapreciar novamente a questão sobre se estas dispõem ou não de legitimidade passiva para a presente causa e de, nela, consequentemente, assumirem a posição jurídico processual de partes.
Deste modo, a questão suscitada pelos apelantes consiste em saber se a circunstância do tribunal ter deferido o incidente da intervenção principal provocada das intervenientes seguradoras, impedia que estas, uma vez citadas, pudessem suscitar a sua ilegitimidade passiva para a causa, na contestação que vieram apresentar, e se o tribunal podia reapreciar essa exceção dilatória, julgando-a procedente e absolvendo as intervenientes principias da instância, ou se a invocação dessa exceção pelas intervenientes e a sua reapreciação pelo tribunal lhe estar vedada, por tal implicar uma violação ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional daquele tribunal ou, eventualmente, do caso julgado formal que cobre a decisão de 06 de fevereiro de 2017, que deferiu o incidente da intervenção principal provocada daquelas seguradoras, intervenientes principais.
Como se sabe os denominados incidentes da intervenção de terceiros constituem uma exceção ao princípio da estabilidade da instância, na vertente subjetiva, ao permitirem que terceiros, isto é, quem não é demandante, nem sequer é demandado ab initio numa determinada ação que se encontra pendente, possa nela intervir espontaneamente, ou seja, por sua iniciativa própria (intervenção espontânea), ou a ela ser chamado por uma das partes dessa ação (intervenção espontânea), com vista a assumir o estatuto de parte, seja, como co- autor ou como co- réu (intervenção principal), ou com vista a acautelar o direito de regresso dos réus caso estes sejam condenados nessa concreta ação (intervenção acessória).
Pelo incidente da intervenção principal, em caso de deferimento do incidente, associam-se novas partes às partes primitivas do processo Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 10ª ed., Almedina, págs. 70 a 73, onde pondera que “O princípio da estabilidade da instância, que veicula a ideia de que citado o réu, a instância, em regra, deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, é excecionado, na sua vertente subjetiva, pela intervenção de terceiros, ou seja de pessoas que não são partes, isto é, por quem ou contra quem não é solicitada em nome próprio alguma providência judicial tendente à tutela de direitos” (…) Na intervenção principal – do lado ativo ou passivo – o terceiro que podia acionar ou ser acionado inicialmente na posição de litisconsorte, associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, com vista à apreciação de uma relação jurídica da sua titularidade, conexa com a formulada pelas primitivas partes na ação, assumindo por essa via o estatuto de parte principal. É espontânea a intervenção que resulte da iniciativa do interveniente, caso em que se configura como ação por ele intentada contra o réu ou em quadro de defesa no confronto do autor da causa principal; é provocada se for da iniciativa de alguma das primitivas partes na ação. (…). Na intervenção acessória, o requerente invoca um interesse ou uma relação material controvertida conexa ou dependente daquela que é discutida na ação entre ele e o autor. O chamamento do terceiro pelo requerente visa que aquele o auxilie, em quadro de atividade subordinada à sua, para obstar ao prejuízo que indiretamente lhe possa advir da decisão proferida no confronto do autor. Não obstante a sua atividade processual se reportar à matéria relativa ao eventual direito de regresso de quem o chamou a intervir, tem a faculdade de contestar a ação”. (…) O escopo da intervenção principal “é essencialmente o de associar novas partes às primitivas, e não o de operar a exclusão destas últimas por via de substituição, com fundamento, por exemplo, na transmissão pelo autor de determinado direito de crédito”., uma vez que o interveniente principal assume o estatuto de parte, isto é, de autor ou de réu, conforme a sua intervenção principal seja admitida pelo lado ativo ou pelo lado passivo da relação jurídica material controvertida na ação pendente.
Diversamente, na intervenção acessória, o interveniente, porque não é parte da concreta relação material controvertida que se encontra a ser discutida na ação pendente, mas apenas parte de uma relação conexa com aquela que está ser discutida nessa ação, relação conexa esse de que decorre que, em caso de condenação do réu na ação pendente, este último tem direito de regresso sobre o chamado, é admitida a intervenção acessória desse terceiro, não como parte (precisamente porque não é parte da relação jurídica que está a ser discutida na ação), mas exclusivamente como auxiliar na defesa do réu, e daí que a sentença que venha a ser proferida na ação apenas constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no art. 332º, relativamente às questões de que depende o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização (arts. 323º, n.º 4 e 321º do CPC) Ac. RC. de 15/05/2007, Proc. 6600/04.2TBLRA-A.C1, in base de dados da DGSI, em que se pondera: “Os incidentes processuais da intervenção principal e da intervenção acessória são inconciliáveis, em termos de um excluir sempre o outro. Na base da configuração da intervenção acessória provocada está a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexa com a controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor”..
Naturalmente que atento o princípio da estabilidade da instância e, bem assim do escopo prosseguido pelos incidentes da intervenção de terceiros, que como dito, no caso de intervenção principal, no caso de deferimento do incidente, este tem por consequência jurídica a assunção pelo interveniente principal do estatuto de “parte”, de modo que admitida a intervenção principal, a sentença que aprecie o mérito da causa conhece da relação jurídica da titularidade do chamado e constitui quanto a ele caso julgado (art. 320º do CPC), a intervenção principal, seja espontânea ou provocada, e seja pelo lado ativo ou passivo (assim, como o próprio incidente de intervenção acessória), encontra-se sujeita a requisitos legais rígidos para que seja admitido.
No âmbito do incidente da intervenção principal provocada, que é o incidente sobre que versam os presentes autos, uma vez que foram os Réus, partes demandadas que tomaram a iniciativa de requerer a intervenção principal provocada das suas seguradoras, sem prejuízo das especificidades aplicáveis no âmbito da jurisdição administrativa,( que infra se analisarão na medida em que se torne pertinente para a resolução do caso colocado à apreciação deste TCAN, no âmbito do processo civil, conforme decorre do disposto no art. 316º do CPC), a intervenção principal provocada encontra-se circunscrita à figura do litisconsórcio.
A este propósito incumbe precisar que se verifica uma relação litisconsorcial quando se está perante uma única relação jurídica envolvendo vários sujeitos, que são partes dessa relação jurídica.
Quando essa concreta relação jurídica está em discussão, nuns casos exige-se a intervenção de todos os sujeitos dessa relação jurídica para que esta possa ser discutida (caso em que o litisconsórcio se diz necessário) e noutros casos basta um dos sujeitos para que essa relação possa ser discutida na ação (caso em que o litisconsórcio se diz voluntário).
Logo, para que exista uma relação litisconsorcial é necessário que numa determinada ação judicial esteja em discussão uma única relação jurídica com vários sujeitos, por exemplo, o direito de propriedade sobre determinado prédio, de que são comproprietários vários sujeitos, ou o exercício do poder paternal sobre um determinado menor, que é detido por ambos os progenitores, etc.
No litisconsórcio voluntário, todos os titulares da relação jurídica unitária podem demandar ou ser demandados, não se verificando, portanto, qualquer ilegitimidade se não estiverem todos presentes em juízo (art. 32º do CPC). Mas quando o litisconsórcio seja necessário, todos os titulares dessa relação jurídica têm de demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 152.
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A obrigatoriedade de todos os titulares da relação jurídica terem de demandar ou serem demandados na ação judicial que tenha por objeto essa relação jurídica e, portanto, o litisconsórcio necessário pode ser imposto por lei, por contrato ou resultar da própria natureza da relação jurídica, a qual exige a intervenção de todos os sujeitos titulares da relação jurídica, sob pena de a decisão judicial que sobre ela venha a recair não produzir o seu efeito útil normal, impedindo uma composição definitiva entre as partes da causa (art. 33º do CPC), como acontece com a ação de divisão de coisa comum em que só a intervenção de todos os interessados pode compor definitivamente a situação entre todos os comproprietários, porque qualquer divisão realizada entre apenas alguns deles é necessariamente incompatível com uma nova divisão entre quaisquer outros; ou da ação de anulação do testamento, em que a sentença a proferir só produz o seu efeito útil normal com a intervenção de todos os interessados, isto é, de todos os herdeiros e legatários do testador, porque só essa participação comum assegura uma decisão uniforme entre eles, ou da ação da decisão de prestação de contas, que tem de ser proposta por todos os interessados, porque a falta de qualquer deles pode impedir que a decisão a proferir seja definitiva, ou ainda da ação de reivindicação de uma fração autónoma de um imóvel em propriedade horizontal, com fundamento na sua ocupação, como parte comum, pelos condóminos, que tem de ser proposta contra todos os condóminos Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 156 a 164..
Como dito, no âmbito do processo civil, o incidente da intervenção principal provocada (o mesmo acontecendo, aliás, no incidente da intervenção espontânea – art. 311º do CPC), encontra-se circunscrito à figura do litisconsórcio, o que significa que o interveniente, que é chamado para assumir a posição jurídica de parte na ação que se encontra pendente, tem de ser titular da relação jurídica que está a ser discutida nessa concreta ação.
No entanto, quanto ao autor, este apenas pode deduzir incidente de intervenção principal provocada de terceiro para este passar a assumir igualmente a posição jurídica de autor, conjuntamente com ele, em caso de preterição de litisconsórcio necessário (n.º 1 do art. 316º do CPC), ou seja, quando a lei, o contrato ou a própria natureza da relação jurídica exija que a ação seja instaurada por todos os sujeitos da relação jurídica material controvertida que está a ser discutida naquela concreta ação, sob pena da falta de um deles determinar a ilegitimidade ativa do autor que a intentou sozinho.
Em caso de litisconsórcio voluntário, o autor apenas pode recorrer ao incidente da intervenção principal provocada, quando tenha intentado a ação contra determinado sujeito ou sujeitos (réu ou réus) e perante a defesa por estes apresentada, fique numa situação de fundada dúvida sobre quem é o verdadeiro sujeito da relação jurídica controvertida, como acontece, por exemplo, quando o autor instaure uma ação de constituição legal de passagem em beneficio do prédio de que é proprietário, onerando o prédio de terceiro, que pensa ser propriedade da pessoa ou pessoas que demandou, e estas vêm alegar que esse prédio não é sua propriedade, mas antes propriedade de um terceiro, e perante essa defesa, o autor fique numa situação de fundada dúvida sobre quem é o real e verdadeiro proprietário do prédio que pretende ver onerado com a servidão de passagem que pretende ver constituída e, salvaguardando-se da possibilidade desse prédio ser efetivamente propriedade desse terceiro, pretende dirigir, a título subsidiário, o pedido da constituição da servidão legal contra esse terceiro, nos termos do art. 39º, caso em que pode fazê-lo intervir, mediante o competente incidente da intervenção principal provocada, requerendo a intervenção desse terceiro e deduzindo contra este o pedido que formulou contra o réu ou réus que demandou, a título subsidiário (n.º 2 do art. 316º do CPC).
Fora deste caso previsto no n.º 2 do art. 316º do CPC, no caso de litisconsórcio voluntário, em que, portanto, a relação jurídica em discussão nos autos, tem vários titulares do lado ativo ou passivo, designadamente vários credores ou vários devedores, mas em que a lei, o contrato ou a natureza dessa concreta relação jurídica controvertida em discussão na ação que se encontra pendente, não exige que o direito seja exercido por todos os credores ou contra todos os devedores, o autor que assumindo-se como um dos credores, optou por intentar a ação sozinho, isto é, desacompanhado dos restantes credores, não pode, posteriormente, requerer a intervenção principal provocada dos restantes credores, para estes passarem a figurar, conjuntamente consigo, na ação, assumindo a posição de autores, ou tendo optado por apenas demandar um dos condevedores, não pode depois, mediante o incidente da intervenção principal provocada, pretender que os restantes, também seus condevedores, sejam chamados à ação para assumirem a posição de réus, ao lado do réu contra quem intentou a ação.
Já quanto aos réus, em caso de preterição de litisconsórcio necessário, estes podem deduzir o incidente de intervenção principal provocada contra o terceiro ou terceiros, titulares da relação jurídica controvertida em discussão na concreta ação que se encontra pendente e que contra eles foi intentada, mas em que por lei, por contrato ou atenta a própria natureza dessa relação jurídica, exige-se a intervenção de todos como autores (litisconsórcio necessário do lado ativo) ou como réus (litisconsórcio do lado passivo) para, respetivamente, assegurar a legitimidade ativa do autor que intentou essa concreta ação, ou a legitimidade passiva do réu ou réus contra quem essa ação foi instaurada (n.º 1 do art. 316º do CPC).
No caso de litisconsórcio voluntário, os réus apenas podem requerer a intervenção principal provocada de qualquer sujeito da relação material controvertida em discussão na concreta ação que contra eles foi instaurada, quando esses terceiros sejam igualmente sujeitos passivos dessa relação jurídica controvertida em discussão na ação e quando, acrescidamente, mostrem ter interesse atendível em chamar esse terceiro ou terceiros para que estes também assumam a posição de réus na ação pendente (al. a), do n.º 3 do art. 316º do CPC) ou quando pretendam provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (al. b), do n.º 3 do art. 316º do CPC).
Logo, no caso de preterição de litisconsórcio necessário ativo ou passivo, qualquer das partes (autor ou réu) podem lançar mão do incidente da intervenção principal provocada para fazer intervir os terceiros, que figuram na relação jurídica material controvertida que está a ser discutida na ação pendente, como titulares ativos dessa relação material e que, portanto, têm de figurar na ação como autores, a fim de suprir a ilegitimidade ativa do autor ou autores que intentaram a ação desacompanhado do terceiro, ou para provocar a intervenção provocada de terceiros, titulares da relação jurídica material controvertida do lado passivo, para suprir a ilegitimidade passivo do réu ou dos réus contra quem a ação foi instaurada, desacompanhado desses terceiros.
Assim, conforme se tem ponderado, nos casos de litisconsórcio necessário ativo ou passivo, o incidente da intervenção principal provocada constitui o mecanismo processual que permite superar a ilegitimidade ativa ou passiva.
Nos casos de litisconsórcio voluntário, porque a lei, o contrato ou a própria natureza da relação jurídica material que está a ser discutida na concreta ação que o autor intentou contra determinado réu, apesar dessa relação ter vários sujeitos do lado ativo e/ou do lado passivo, não exige a intervenção de todos os sujeitos que figuram na relação jurídica do lado ativo, sequer a intervenção de todos os sujeitos que nela figuram do lado passivo, podendo apenas um dos sujeitos intentar a ação contra um dos sujeitos ou contra todos os sujeitos que figuram como titulares dessa relação jurídica do lado passivo, compreende-se que a Lei seja extremamente limitadora na admissibilidade do incidente da intervenção principal, apenas admitindo que o autor recorra a esse incidente exclusivamente na hipótese prevista no n.º 2 do art. 316º, e que os réus apenas possam recorrer ao incidente em causa nas duas situações previstas taxativamente no n.º 3 desse mesmo art. 316º.
Reafirma-se, o incidente da intervenção tem por escopo chamar novas partes (autores ou réus) ao processo para que este siga os seus termos legais com essas novas partes e as partes primitivas.
A intervenção principal pressupõe, portanto, que exista sempre e necessariamente uma relação litisconsorcial, isto é, que a relação jurídica material controvertida que está a ser discutida na concreta ação que se encontra pendente, tem de ter vários sujeitos do lado ativo e/ou do lado passivo, destinando-se precisamente o incidente da intervenção principal provocada a chamar esses terceiros, que não figuram como autores ou como réus na ação, para que os mesmos passem a deter essa qualidade jurídica de autores ou de réus, ou seja, de partes, na concreta ação que se encontra pendente, ao lado de quem nela figura como autor ou como réu (isto é, das partes primitivas).
Logo, o incidente da intervenção principal não tem por escopo operar, nem sequer opera, a substituição das partes primitivas pelas novas partes.
Quanto ao réu, este apenas pode requerer a intervenção principal provocada de terceiros, para intervirem como réus, ao lado de si, no caso de preterição de litisconsórcio necessário passivo ou, tratando-se de litisconsórcio voluntário passivo, nos casos exclusivamente previstos no n.º 3 do art. 316º, mas nunca para que esses terceiros o substituam na posição de réu Salvador da Costa, ob. cit., págs. 73, em que escreve que o escopo da intervenção principal espontânea “é essencialmente o de associar novas partes às primitivas, e não o de operar a exclusão últimas por via de substituição”, acrescentando, a fls. 74”: “A intervenção principal provocada consubstancia-se, em regra, no chamamento ao processo, por qualquer das partes, de terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária, sobretudo em situações de litisconsórcio. Não tem, porém, a virtualidade de servir para o réu se fazer substituir na ação pela pessoa que julga ser o sujeito passivo da relação jurídica material invocada pelo autor. Destina-se, pois, essencialmente a chamar à ação terceiros interessados, para se associarem à parte requerente, ou à parte contrária, em quadro de relações de litisconsórcio”..
Posto isto, no âmbito das ações administrativas, os incidentes da intervenção de terceiros, encontram-se previstos no n.º 10 do art. 10º do CPTA, onde se estatui que: “Sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra uma entidade pública exija a colaboração de outra ou outras entidades, cabe à entidade demandada promover a respetiva intervenção no processo”.
Conforme ponderam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, a primeira parte do n.º 10, admite a aplicação subsidiária de qualquer das formas de intervenção e terceiros previstas nos arts. 311º e segs. do CPC. (…). Por outro lado, o n.º 10, interpretado em conjugação com o n.º 9, igualmente autoriza a que o incidente de intervenção de terceiros possa ser utilizado em relação a sujeitos privados que devam intervir a posição de demandados, desde que se encontrem preenchidos os correspondentes requisitos de legitimidade. De facto, (…) o n.º 9 admite que sejam demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares, o que permite configurar situações de litisconsórcio voluntário passivo entre entidades públicas e interessados particulares quando a relação material controvertida lhes diga respeito, tendo então pela aplicação o disposto no art. 31º do CPC. A questão coloca-se nos mesmos termos em relação à intervenção de terceiros, na modalidade de intervenção principal. O interveniente principal faz valer, em relação ao objeto da causa, um direito próprio, paralelo ao do réu de modo que poderia constituir ab initio, com uma das partes, um litisconsórcio necessário voluntário ou necessário. A intervenção origina, assim, um litisconsórcio sucessivo, que necessariamente terá de obedecer aos mesmos pressupostos processuais do litisconsórcio necessário: num caso, a intervenção processual do sujeito processual é requerida, logo na petição inicial, na qualidade de litisconsorte enquanto que, no outro, o chamamento do particular surge na pendência da ação. Deste modo, se a ação poderia ser originariamente proposta contra uma entidade pública e um sujeito privado, por aplicação das regras do litisconsórcio voluntário, nada obsta a que a intervenção do interessado particular venha a se suscitada, espontaneamente ou por iniciativa do primitivo réu, no decurso do processo. É o que resulta com linear clareza no art. 311º, que estabelece que, “estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir aquele que, em relação ao objeto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos arts. 32º, 33º e 34º. Ou seja, verificando-se os requisitos do litisconsórcio voluntário ou do litisconsórcio necessário passivo, a que se referem estes preceitos da lei processual civil, aquele que pudesse figurar desde o início como sujeito passivo também pode intervir no processo como associado do réu, seja a título de intervenção espontânea (situação versada no art. 311º do CPC), seja a título de intervenção provocada (hipótese prevista no art. 316º do CPC” Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 122 e 123.
Ac. TCAN de 22/06/2006, Proc. n.º 214/04; de 12/01/2006, Proc. 769/05, TCAS de 12/04/2007, Proc. 2344/07, em que se considera que o art. 10º, n.º 8, na versão originária do CPTA, a que corresponde o atual n.º 10, veio tornar admissível no contencioso administrativo, por aplicação subsidiária, as diversas formas de intervenção de terceiros dos arts. 311º e segs. do CPC. - destacado nosso.

Destarte, resulta do que se vem dizendo, que no âmbito do contencioso administrativo, na sequência do n.º 10 do art. 10º do CPC passaram a ser admitidos, por aplicação subsidiária do CPC, todas as formas de intervenção de terceiros, incluindo a intervenção principal provocada, contanto que se encontrem preenchidos os requisitos legais previstos para os incidentes de intervenção em causa na lei processual civil. Quanto ao incidente da intervenção principal provocada, os requisitos legais fixados para a admissão deste incidente encontram-se elencados no art. 316º do CPC e já foram acima enunciados e analisados.
Acresce que por força do disposto nos n.ºs 9 e 10 do art. 10º, contanto que se encontrem preenchidos os requisitos legais fixados na lei processual civil para a admissibilidade do incidente da intervenção principal provocada, não constitui óbice a essa intervenção a circunstância de o interveniente ser um particular, uma vez que o n.º 9 prevê expressamente que os particulares podem ser demandados nos tribunais administrativos, no âmbito de relações jurídico administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares, pelo que quando a relação jurídica controvertida que está a ser discutida na concreta ação pendente, desde que o particular seja parte/sujeito dessa relação jurídica material controvertida e esta seja uma relação jurídica administrativa, nada obsta à sua intervenção principal provocada.
Como dito, o incidente da intervenção, seja espontânea, seja provocada, reclama e, portanto, apenas é legalmente admissível quando se esteja perante um relação litisconsorcial, isto é que a relação jurídica material controvertida, delineada pelo autor na petição inicial, e em discussão na concreta ação que se encontra pendente (em que é deduzido o incidente) tenha vários sujeitos do lado ativo e/ou do lado passivo e se pretenda, mediante o incidente, fazer com que esses terceiros, que não figuram como autores ou como réus primitivos nessa ação, sejam a ela chamados, a fim de nela passarem a intervir como autores ou como réus, conjuntamente, respetivamente, com os autores ou os réus originários (parte primitivas dessa ação pendente).
Quanto ao incidente da intervenção principal provocada, quando a lei, o contrato ou a própria natureza da relação litisconsorcial exija a intervenção da todos os sujeitos dessa relação do lado ativo para poderem demandar, ou a intervenção de todos os sujeitos passivos dessa relação, a fim de serem demandados, em que, por conseguinte, se afirma, respetivamente, uma relação litisconsorcial necessário do lado ativo (exigindo-se que a ação seja intentada por todos os titulares ativos dessa relação unitária, sob pena de ilegitimidade do autor que intentou a ação) ou uma relação litisconsorcial necessária do lado passivo (que exige que a ação seja instaurada contra todos os titulares passivos/devedores dessa relação unitária, sob pena de ilegitimidade dos réus contra quem a ação foi intentada), o n.º 1 do art. 316º do CPC., admite que qualquer das partes primitivas, ou seja, autor(es) ou réu(s) primitivos da ação pendente, possam deduzir incidente da intervenção principal, requerendo a intervenção dos terceiros, que não figuram na ação como autores (mas que nela tinham obrigatoriamente de figurar como autores), ou que nela não figuram como réus (mas que tinham de figurar nela como tal), a fim de assumirem essa qualidade de autores ou de réus, seguindo a ação com os mesmos e com as partes primitivas dessa ação, assim se suprindo a ilegitimidade ativa ou passiva antes verificada.
Já se tratando de litisconsórcio voluntário, os réus apenas podem deduzir o incidente da intervenção principal provocada de terceiros, que figurem como titulares passivos (devedores) da relação jurídica material delineada pelo autor na petição inicial, a fim destes assumirem, conjuntamente com eles (réus primitivos na ação pendente), a posição de réus, nas situações enunciadas no n.º 3 do art. 316º do CPC.
Ora, tendo no caso dos autos, por decisão proferida em 06/02/2017, a 1ª Instância admitido o incidente da intervenção principal provocada das companhias de seguro dos Réus “Escala Braga” e João Carlos, o que, conforme resulta do que se vem dizendo, pressupõe o reconhecimento pela 1ª Instância que a relação jurídica material controvertida delineada pela autora, na petição inicial, e em discussão nos presentes autos, em que pretende ser ressarcida pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência da intervenção cirúrgica realizada pelo Réu João Carlos, por violação negligente das legis artis a que se encontrava obrigado enquanto médico ortopedista, quando exercia essa sua atividade profissional no Hospital (...), integrado no Serviço Nacional de Saúde, e gerido pela 1ª Ré “E.”, por via do contrato de parceria público-privada que celebrou com o Estado Português, com fundamento no regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, é única e tem como sujeitos passivos os Réus (primitivos), mas também as intervenientes seguradoras, as quais, com o deferimento do incidente em causa, adquiriram o estatuto processual de rés (isto é, de “partes”) na presente ação, a questão que agora se suscita é a de saber se tendo estas sido citadas, na sequência do deferimento do incidente, para os termos da presente ação, as mesmas podem, em sede de contestação, suscitar a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para os termos da presente ação.
Com efeito, ao deferir o incidente da intervenção principal provocada, o tribunal a quo reconheceu necessariamente que as seguradoras eram sujeitas da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial e que está a ser discutida na presente ação e que, consequentemente, detêm interesse direto em contradizer, detendo, por isso, legitimidade para contradizer, pelo que ao suscitarem a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva, as intervenientes seguradoras estão, pelo menos, aparentemente, a suscitar uma questão perante o tribunal que aquele já apreciou e decidiu. Assim, urge verificar se ao reapreciar essa questão e, inclusivamente, ao julgar procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva das intervenientes para os termos da presente ação, ocorre, tal como sustentam os apelantes acontecer, violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional ou, inclusivamente, do caso julgado formal que cobre a decisão proferida pela 1ª Instância, que deferiu o incidente da intervenção principal provocada dessas seguradoras.
Neste conspecto, incumbe precisar que o princípio do esgotamento do poder jurisdicional tem consagração legal no n.º 1 do art. 613º do CPC.
Nos termos deste preceito, uma vez proferida a sentença (o despacho – n.º 3 do art. 613º - ou o acórdão – art. 666º, n.º 1 do CPC) fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz à matéria da causa, o que significa que salvo as exceções taxativamente admitidas a esse princípio, previstas no n.º 2 do art. 613º (retificação de erros materiais, supressão de nulidades e reforma da sentença, nos termos previstos nos arts. 615 e 616º), o juiz não pode reapreciar a questão decidida, pelo que, em regra, essa decisão apenas poderá ser modificada por via de recurso, quando este seja admissível, ou mediante incidente de reforma ou arguição de nulidade (arts. 615º, n.º 4 e 616º).
Do princípio da extinção do poder jurisdicional decorrem, assim, dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; e um efeito negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 760..
Note-se que uma vez proferida a sentença, despacho ou acórdão, apenas faz sentido apelar ao princípio da extinção do poder jurisdicional do tribunal, enquanto estes não transitem em julgado, por não admitirem já recurso ordinário ou reclamação (art. 628º).
Na verdade, transitada em julgado a sentença, acórdão ou despacho, o que verificar-se-á quando estes não admitirem recurso ordinário ou reclamação, caso essa decisão recaia unicamente sobre a relação processual (art. 620º), como é inegavelmente o despacho proferido em 06/02/2017, que admitiu o incidente da intervenção principal provocada das intervenientes seguradoras, o neles decidido adquire força indiscutível e impositiva, mas apenas dentro do processo, o que significa que o tribunal não pode mais reapreciar a concreta questão processual apreciada e decidida dentro do mesmo processo, sequer as partes podem voltar a suscitá-la junto desse tribunal e dentro desse processo, não obstando, no entanto, o caso julgado formal que essa mesma questão seja novamente suscitada pelas mesmas partes e apreciada e decidida pelo tribunal, num outro processo Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 304, onde pondera que o caso formal, externo ou de simples preclusão, “consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário (desde logo ou subsequentemente), não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via. É a simples preclusão dos recursos ordinários (irrecorribilidade; não impugnabilidade). Não obsta, portanto, a que a matéria da decisão seja diversamente apreciada em novo processo, pelo mesmo ou por outro tribunal. (…) Só intervém aqui uma razão de disciplina ou ordem no desenvolvimento do processo. (…). Só este caso julgado (e não também o material) corresponde às decisões que versam apenas sobre a relação processual. Não provendo elas sobre os bens litigados, pensou-se não haver inconveniente de maior na possibilidade de serem desrespeitadas noutro processo”. .
Logo, a ter o despacho proferido em 06/02/2017, transitado em julgado, por já não admitir recurso ordinário, nem sequer reclamação, a questão suscitada pelos apelantes nos autos, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se reconduz à violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional do tribunal, mas antes à violação do caso julgado formal que eventualmente cobre aquele despacho.
Posto isto, conforme já enunciado o incidente da intervenção principal provocada destina-se a fazer intervir, numa ação que já se encontra pendente, terceiros, isto é, que nela não figuram como autor, nem sequer como réu, que sejam titulares da relação jurídica material que está a ser discutida nessa concreta ação, a fim de que esses terceiros passem a figurar como partes (autor ou réus) ao lado das partes primitivas.
Requerido e deferido o incidente da intervenção principal provocada, estatui o art. 319º do CPC, que o interessado é chamado por meio de citação (n.º 1), recebendo, no ato de citação, cópias dos articulados já oferecidos, apresentados pelo requerente do chamamento (n.º 3), a quem assiste o direito de oferecer o seu articulado ou declarar que faz seus os articulados do autor ou dos réu, dentro do prazo igual ao facultado para a contestação, seguindo-se entre as partes os demais articulados admissíveis (n.º 3) e que se intervier no processo após o decurso do prazo da contestação, tem de aceitar os articulados da parte a que se associa e todos os atos e termos do processo já processados n.º 3).
Logo, admitido o incidente da intervenção principal, os intervenientes são citados para os termos da ação, recebendo cópias dos articulados que foram apresentados até àquele momento pelas partes primitivas do processo, a fim de naturalmente puderem exercer o seu direito à defesa, assistindo-lhe o direito de, na sequência dessa citação, optar por: a) apresentar, dentro do prazo da contestação, articulado próprio (petição inicial própria, caso a intervenção principal ocorra do lado ativo, ou contestação própria, caso a intervenção ocorra do lado passivo), b) declarar que fazem seus os articulados do autor ou do réu; c) ou por não apresentarem articulado ou declaração alguma, sujeitando-se, neste caso, às consequências decorrentes da sua inércia, uma vez que independentemente desta, a sentença que venha a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado (art. 320º do CPC), e daí que se compreenda que o n.º 3 do art. 319º confira ao interveniente principal o direito de intervir no processo a qualquer momento, até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na ação, tendo, no entanto, quando não tenha apresentado articulado próprio no prazo que para tanto lhe foi concedido, de aceitar os articulados da parte a quem se associa e todos os atos e termos já processados.
Note-se, que à semelhança do que acontece com o réu primitivo, isto é, todo e qualquer réu contra quem é instaurada uma dada ação, a quem não é conferido o direito a recorrer, mas apenas de contestar, ou de se manter inerte, sofrendo as consequências dessa sua inércia, não lhe assistindo o direito de recorrer do despacho que ordenou a respetiva citação (quando esta seja precedida desse despacho, o que atualmente é uma situação excecional – art. 226º, n.ºs 1 e 3 do CPC), também ao interveniente principal que seja citado para ação na sequência da admissão do incidente da intervenção não assiste o direito de recorrer do despacho que admitiu o incidente de intervenção principal provocada e que, nessa sequência, ordenou a sua citação, nada mais lhe restando, pois, que se manter inerte, apresentar articulado próprio ou aderir aos já apresentados pela parte a quem se associa.
No âmbito do incidente da intervenção principal provocada, uma vez admitido o incidente e citado o interveniente, este encontra-se, por conseguinte, numa situação em tudo igual àquela em que se encontra o réu contra quem a ação é ab initio instaurada uma determinada ação, quando é citado para essa citação, o qual não pode recorrer da citação, mesmo quando esta é precedida de despacho judicial que a ordenou e assim, reconheceu, implicitamente, que não ocorria qualquer fundamento legal de rejeição liminar da petição inicial.
Na verdade, nos casos excecionais previstos no n.º 4 do art. 226º, em que a citação depende de prévio despacho judicial, embora impenda sobre o juiz o poder-dever de analisar esse articulado inicial, devendo indeferi-lo liminarmente quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórios insupríveis e de que aquele possa conhecer oficiosamente (n.º 1 do art. 590º do CPC), o n.º 5 do art. 226º é expresso em estatuir que “não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar.
Destarte resulta do que se vem dizendo que nos casos em que a citação é precedida obrigatoriamente de despacho judicial, que a ordena, esse despacho é irrecorrível, mas não forma caso julgado formal sobre as questões que podem justificar o indeferimento liminar, o que se compreende uma vez que ainda não foi observado o contraditório Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 275, nota 7..
Assim, ao réu primitivo, isto é, contra quem a ação é primitivamente proposta, mesmo que a citação daquele para essa concreta ação tenha sido precedido de despacho judicial, nada mais resta que não seja, uma vez citado, contestar, invocando nesse articulado as exceções que, na sua perspetiva, seriam fundamento de indeferimento liminar, as quais terão de ser conhecidas pelo juiz no despacho saneador, e a sua demais defesa.
Ora, porque assim é, encontrando-se os intervenientes principais que, na sequência do deferimento do incidente da intervenção principal provocada, sejam citados, numa situação paralela/semelhante àquela em que se encontra o réu primitivo, em que a respetiva citação para a ação tenha sido precedido de despacho obrigatório que ordena a sua citação, em que tal como acontece com os intervenientes principais, não assiste o direito a recorrer do despacho que ordenou a sua citação para a ação, e também, tal como aquele, não teve oportunidade de apresentar a sua defesa, nomeadamente, os argumentos que, na sua perspetiva, deviam ter levado ao indeferimento do incidente da intervenção principal provocada que contra eles foi deduzido, em observância do princípio do contraditório, que na sua dimensão positiva, proíbe, inclusivamente, a indefesa (art. 3º, n.º 3 do CPC), impõe-se reconhecer que, sob pena de inconstitucionalidade material de interpretação distinta, a esses terceiros intervenientes assiste o direito a suscitarem todas as questões, incluindo, a exceção da sua ilegitimidade passiva para a ação (e que, portanto, deviam ter levado ao indeferimento do incidente de intervenção principal), necessárias à sua defesa, tal como aliás, é reconhecido ao réu primitivo que tenha sido citado para a ação, na sequência de despacho judicial que ordenou essa citação, em relação ao qual o n.º 5 do art. 226º é expresso que esse despacho não preclude o direito deste a suscitar, na contestação, as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar.
Logo, se em relação às partes primitivas da ação em que o incidente da intervenção de terceiros é deduzido, o despacho que admita ou indefira esse incidente, é autonomamente e imediatamente recorrível (al. a), n.º 1 do art. 644º do CPC) Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 193, em que a propósito da al. a), do n.º 1 do art. 644º do CPC, escreve que: “A apelação autónoma apenas abarca os incidentes processados autonomamente. Não se circunscrevendo esta previsão apenas aos incidentes processados por apenso, como ocorre com a habilitação, tem potencialidades para abarcar outros incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia, designadamente a intervenção de terceiros ou a verificação do valor da causa, implicando trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados”, acrescentando: “É possível distinguir a decisão que ponha termos ao incidente de outra que não admita (liminarmente) o incidente suscitado, sendo que apenas as decisões de rejeição final ou de admissão final do incidente são abarcadas no n.º 1, al. a)”., pelo que, caso estas não interponham recurso imediato e autónomo dessa decisão, esta consolida-se na ordem jurídica, tornando-se inatacável dentro do processo, por via do caso julgado formal que cobre essa decisão de deferimento ou indeferimento do incidente em causa, pelo que essas partes primitivas não podem suscitar posteriormente essa questão novamente perante o tribunal, nomeadamente, deferido o incidente da intervenção principal provocada de terceiro, virem invocar a exceção dilatória da ilegitimidade ativa ou passiva destes, já os terceiros intervenientes, no articulado que apresentem, na sequência da sua citação para a ação, podem suscitar todas as questões, nomeadamente aquelas que deviam ter levado ao indeferimento do incidente, como é o caso da exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para a ação.
Na verdade, em relação a esses terceiros intervenientes, o despacho que defira a intervenção principal provocada destes, não passa de um despacho liminar, em tudo semelhante ao despacho judicial que ordena a citação do réu, o qual não preclude o direito dos intervenientes a suscitarem todas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento do incidente de intervenção, não operando caso julgado formal quanto aos mesmos, e não incorrendo o tribunal em qualquer violação do princípio do esgotamento do poder judicial, quando aprecia essas questões em sede de despacho saneador, como foi o caso, em que, no saneador recorrido, a 1ª Instância conheceu das exceções dilatórias da ilegitimidade passiva das intervenientes seguradoras, concluindo pela procedência de tais exceções e absolvendo-as da instância.
Neste sentido, pondera-se no aresto da Relação de Coimbra de 15/05/2007 Ac. RC. de 15/05/2007, Proc. 898/03.0TBCTB.C1, in base de dados da DGSI., o que se subscreve, que “o despacho de admissão do incidente de intervenção de terceiro jamais transita em julgado, sendo pois, um mero despacho liminar, suscetível sempre de vir a ser objeto de diametral inflexão em momento ulterior – mais precisamente até à peça saneadora –, com fundamento tanto em questões entretanto “ex novo” surgidas, como em questões já então operantes, mas cujo devido alcance, nesse inicial despacho, se não notou”.
Decorre do exposto, que as apeladas e intervenientes principais, “Companhia de Seguros (1), S.A.” e “Companhia de Seguros (2), S.A.”, ao suscitarem, na contestação que apresentaram, na sequência de ter sido deferido o incidente da intervenção principal provocada daquelas e da sua citação para a ação, a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para a presente ação e ao admitir essa defesa e ao dela conhecer, em sede de despacho saneador recorrido, julgando tais exceções dilatórias procedentes e absolvendo as intervenientes da instância, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que são imputados pelos apelantes à decisão recorrida, nomeadamente, não postergou o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, nem sequer violou o caso julgado formal que cobre a decisão proferida em 06 de fevereiro de 2017.
Improcede este fundamento de recurso.

2- Do erro de direito que enferma a decisão recorrida, decorrente das intervenientes deterem um interesse direto em contestar a presente ação.
Advogam os apelantes que, em todo o caso, o despacho saneador sob sindicância, ao julgar procedente as ditas exceções dilatórias da ilegitimidade passiva das intervenientes principais seguradoras para os termos da presente ação, absolvendo-as da instância, padece de erro de direito, dado que estas detêm um interesse direto em contestar a presente ação, encontrando-se, portanto, preenchidos todos os requisitos legais de que depende a intervenção principal provocadas destas do lado passivo, mas antecipe-se desde já, sem qualquer arrimo jurídico.
Com efeito, conforme acima se deixou (cremos) amplamente exposto, o incidente da intervenção principal provocada tem como pressuposto a verificação de uma relação litisconsorcial, isto é, que a relação jurídica material controvertida em discussão na ação pendente tenha vários sujeitos do lado ativo e/ou passivo, e que os terceiros chamados sejam sujeitos ativos ou passivos dessa relação jurídica.
Ora, conforme é bom de ver, as intervenientes seguradoras não são partes da relação jurídico-administrativa em que a autora funda o seu direito indemnizatório contra os apelantes (réus), a qual assenta nos atos médicos, pretensamente violadores das legis artis, perpetrados pelo 2º Réu, quando este exercia a sua atividade de médico, no Hospital (...), integrado no SNS, e cuja gestão competia à 1ª Ré, no âmbito do contrato de parceria público-privada que esta celebrou com o Estado Português.
A relação jurídica que se estabeleceu, por um lado, entre a 1ª Ré e a interveniente “Companhia de Seguros (1)” e, por outro lado, entre o 2º Réu e a interveniente “Companhia de Seguros (2)”, são relações contratuais exclusivamente privadas, emergentes de contrato de seguro que os Réus (apelantes) celebraram com as respetivas seguradoras (as intervenientes), nos termos dos quais estas garantem a satisfação da responsabilidade civil extracontratual em que se venham a constituir perante terceiros, no exercício das suas funções públicas.
Trata-se, portanto, de relações jurídicas que são totalmente distintas daquela em que a Autora funda o seu pretenso direito indemnizatório contra os apelantes (réus), não existindo entre essas relações contratuais e a que está a ser discutida nos autos (a qual se funda no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas) qualquer relação litisconsorcial que permitisse aos apelantes requerer a intervenção principal provocada das intervenientes seguradoras, cuja relação contratual com aquela outra em discussão nos presentes autos é meramente conexa, e portanto, apenas consentia que os mesmos requeressem a intervenção acessória dessas seguradoras, com vista a salvaguardarem o direito de regresso que lhes assiste caso venham a ser condenados a satisfazer a indemnização reclamada nos autos pela Autora, matéria esta que, contudo, como já enunciado, não faz parte do objeto do presente recurso Mário Aroso de Almedina e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., pág. 123, em que escrevem: “Face ao que dispõe o n.º 10 (do art. 10º do CPTA), que efetua uma remissão genérica para a lei processual civil, em matéria de intervenção de terceiros, também não é de excluir a possibilidade de uma intervenção acessória, no caso em que o réu na ação tenha um direito de regresso contra um terceiro (art. 321º do CPC)”, acrescentando, a fls. 124 “…, havendo uma responsabilidade subsidiária, como sucede no caso em que a Administração tenha transferido o risco para uma instituição seguradora, é igualmente admissível que o réu venha requerer a intervenção acessória desta entidade privada para participar no processo como auxiliar da defesa”. .
Destarte, ao julgar a exceção dilatória da ilegitimidade passiva das intervenientes seguradoras procedente e ao absolve-las da instância, o despacho saneador recorrido não padece de nenhum dos erros de direito que lhe são imputados pelos apelantes.
Resulta do exposto, improcederem todos os fundamentos de recurso invocados pelos apelantes, impondo-se julgar a presente apelação totalmente improcedente e confirmar as decisões recorridas.

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Sumariando, nos termos do n.º7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA-REQUISITOS-CASO JULGADO FORMAL.

1- A decisão que admita o incidente da intervenção principal e ordena a citação das intervenientes é uma decisão em tudo semelhante/idêntica ao despacho judicial que ordena a citação do réu para uma determinada ação, quando essa citação se encontra sujeita a despacho judicial liminar, não precludindo o direito dos intervenientes de, na contestação que venham a apresentar, suscitarem todas as questões que, na sua perspetiva, deviam ter levado ao indeferimento do incidente de intervenção, designadamente, a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para a causa.
2- Em relação aos intervenientes principais, o despacho que admite o incidente da intervenção daqueles e ordena a sua citação, jamais transita em julgado, tratando-se de um despacho liminar, suscetível de vir a ser objeto de diametral inflexão no despacho saneador, com fundamento em questões, entretanto, surgidas ex novo, como em questões que já eram operantes aquando da prolação do despacho que admitiu o incidente e que reclamavam que este tivesse sido indeferido.
3- Não incorre em violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, nem sequer do caso julgado formal, o tribunal que tendo admitido a intervenção principal provocadas das seguradoras dos Réus, na sequência da arguição pelas intervenientes, na contestação, da exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para a ação, conhece dessas exceções, julga-as procedentes e absolve as intervenientes da instância.
4- A intervenção principal provocada pressupõe a verificação de uma relação litisconsorcial, isto é, que a relação jurídica material controvertida que está a ser discutida na ação pendente, tenha como titular ativo ou passivo o sujeito cuja intervenção principal é requerida.
5- Não há qualquer relação litisconsorcial entre a relação que está a ser discutida entre demandante e entidades demandadas na ação pendente, em que aquela pretende ser indemnizada pelos danos sofridos, por alegada violação das legis artis pelo 2º Réu, em decorrência de intervenção cirúrgica por este realizada, em hospital integrado no SNS, e explorada pela 1ª Ré, no âmbito de um contrato de parceria público-privada que celebrou com o Estado Português, e a relação estabelecida entre os Réus e as respetivas seguradoras, mas antes esta relação contratual privatística é conexa com a que está a ser discutida na ação, servindo de fundamento a que se requeira a intervenção acessória provocada dessas seguradoras, mas nunca da intervenção principal provocada destas.
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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam as decisões recorridas.
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Custas da apelação pelos apelantes (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

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Porto, 19 de novembro de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre, revendo posição anterior
Isabel Jovita
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i) Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 10ª ed., Almedina, págs. 70 a 73, onde pondera que “O princípio da estabilidade da instância, que veicula a ideia de que citado o réu, a instância, em regra, deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, é excecionado, na sua vertente subjetiva, pela intervenção de terceiros, ou seja de pessoas que não são partes, isto é, por quem ou contra quem não é solicitada em nome próprio alguma providência judicial tendente à tutela de direitos” (…) Na intervenção principal – do lado ativo ou passivo – o terceiro que podia acionar ou ser acionado inicialmente na posição de litisconsorte, associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, com vista à apreciação de uma relação jurídica da sua titularidade, conexa com a formulada pelas primitivas partes na ação, assumindo por essa via o estatuto de parte principal. É espontânea a intervenção que resulte da iniciativa do interveniente, caso em que se configura como ação por ele intentada contra o réu ou em quadro de defesa no confronto do autor da causa principal; é provocada se for da iniciativa de alguma das primitivas partes na ação. (…). Na intervenção acessória, o requerente invoca um interesse ou uma relação material controvertida conexa ou dependente daquela que é discutida na ação entre ele e o autor. O chamamento do terceiro pelo requerente visa que aquele o auxilie, em quadro de atividade subordinada à sua, para obstar ao prejuízo que indiretamente lhe possa advir da decisão proferida no confronto do autor. Não obstante a sua atividade processual se reportar à matéria relativa ao eventual direito de regresso de quem o chamou a intervir, tem a faculdade de contestar a ação”. (…) O escopo da intervenção principal “é essencialmente o de associar novas partes às primitivas, e não o de operar a exclusão destas últimas por via de substituição, com fundamento, por exemplo, na transmissão pelo autor de determinado direito de crédito”.

ii) Ac. RC. de 15/05/2007, Proc. 6600/04.2TBLRA-A.C1, in base de dados da DGSI, em que se pondera: “Os incidentes processuais da intervenção principal e da intervenção acessória são inconciliáveis, em termos de um excluir sempre o outro. Na base da configuração da intervenção acessória provocada está a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexa com a controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor”.

iii) Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 152.

iv) Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 156 a 164.

v) Salvador da Costa, ob. cit., págs. 73, em que escreve que o escopo da intervenção principal espontânea “é essencialmente o de associar novas partes às primitivas, e não o de operar a exclusão últimas por via de substituição”, acrescentando, a fls. 74”: “A intervenção principal provocada consubstancia-se, em regra, no chamamento ao processo, por qualquer das partes, de terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária, sobretudo em situações de litisconsórcio. Não tem, porém, a virtualidade de servir para o réu se fazer substituir na ação pela pessoa que julga ser o sujeito passivo da relação jurídica material invocada pelo autor. Destina-se, pois, essencialmente a chamar à ação terceiros interessados, para se associarem à parte requerente, ou à parte contrária, em quadro de relações de litisconsórcio”.

vi) Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 122 e 123.

vii) Ac. TCAN de 22/06/2006, Proc. n.º 214/04; de 12/01/2006, Proc. 769/05, TCAS de 12/04/2007, Proc. 2344/07, em que se considera que o art. 10º, n.º 8, na versão originária do CPTA, a que corresponde o atual n.º 10, veio tornar admissível no contencioso administrativo, por aplicação subsidiária, as diversas formas de intervenção de terceiros dos arts. 311º e segs. do CPC.

viii) Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 760.

ix) Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 304, onde pondera que o caso formal, externo ou de simples preclusão, “consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário (desde logo ou subsequentemente), não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via. É a simples preclusão dos recursos ordinários (irrecorribilidade; não impugnabilidade). Não obsta, portanto, a que a matéria da decisão seja diversamente apreciada em novo processo, pelo mesmo ou por outro tribunal. (…) Só intervém aqui uma razão de disciplina ou ordem no desenvolvimento do processo. (…). Só este caso julgado (e não também o material) corresponde às decisões que versam apenas sobre a relação processual. Não provendo elas sobre os bens litigados, pensou-se não haver inconveniente de maior na possibilidade de serem desrespeitadas noutro processo”.

x) Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 275, nota 7.

xi) Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 193, em que a propósito da al. a), do n.º 1 do art. 644º do CPC, escreve que: “A apelação autónoma apenas abarca os incidentes processados autonomamente. Não se circunscrevendo esta previsão apenas aos incidentes processados por apenso, como ocorre com a habilitação, tem potencialidades para abarcar outros incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia, designadamente a intervenção de terceiros ou a verificação do valor da causa, implicando trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados”, acrescentando: “É possível distinguir a decisão que ponha termos ao incidente de outra que não admita (liminarmente) o incidente suscitado, sendo que apenas as decisões de rejeição final ou de admissão final do incidente são abarcadas no n.º 1, al. a)”.

xii) Ac. RC. de 15/05/2007, Proc. 898/03.0TBCTB.C1, in base de dados da DGSI.

xiii) Mário Aroso de Almedina e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., pág. 123, em que escrevem: “Face ao que dispõe o n.º 10 (do art. 10º do CPTA), que efetua uma remissão genérica para a lei processual civil, em matéria de intervenção de terceiros, também não é de excluir a possibilidade de uma intervenção acessória, no caso em que o réu na ação tenha um direito de regresso contra um terceiro (art. 321º do CPC)”, acrescentando, a fls. 124 “…, havendo uma responsabilidade subsidiária, como sucede no caso em que a Administração tenha transferido o risco para uma instituição seguradora, é igualmente admissível que o réu venha requerer a intervenção acessória desta entidade privada para participar no processo como auxiliar da defesa”.