Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:
RELATÓRIO
Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, STAL, com sede na Rua ..., ... ..., em representação dos direitos e interesses individuais da sua associada «AA», propôs acção administrativa contra o Município ..., com sede na Praça ..., apartado ...35, ....
Para tanto, requereu o seguinte:
73.º
Deverá o Réu ser condenado a reconhecer a ilicitude da situação laboral em que a sócia do Autor se encontra, designadamente que não tem ocupação efectiva.
74º
Deverá o Réu ser condenado, a proceder à mudança da sócia do Autor, colocando-a em posto de trabalho ao qual corresponda a prestação efectiva de trabalho em condições condignas compatíveis com as suas capacidades, designadamente onde possa, efectivamente, exercer as seguintes funções: assegurar o contacto entre serviços; efectuar a recepção e entrega de expediente e encomendas; anunciar mensagens, transmitir recados, levantar e depositar dinheiro ou valores, prestar informações verbais ou telefónicas, transportar máquinas, artigos de escritório e documentação diversa entre gabinetes; assegurar a vigilância de instalações e acompanhamento dos visitantes aos locais pretendidos; estampilhar correspondência, operar com elevadores de comando manual; vender de senhas para utilização das instalações, providenciar pelas condições de asseio, limpeza e conservação de portarias e verificar as condições de segurança antes de proceder ao seu encerramento.
75º
Deverá o Réu ser condenado a pagar à sócia do Autor uma indemnização de 20.000,00€ (vinte mil euros) pelos danos que a situação em que se encontra já lhe causou.
76º
Deverá ser fixada uma sanção pecuniária compulsória no montante de 100,00€ (cem euros) por cada dia passado sem o cumprimento da prestação de facto supra descrita, 50,00€ para a sócia do Autor e 50,00€ para o Estado, com juros à taxa de 5% ao ano.
Termos em que deverá a presente acção ser julgada procedente, porquanto provada, condenando-se o Réu no pedido, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se JUSTIÇA”.
Por despacho proferido em 20.01.2021, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, no que respeita aos pedidos formulados sob os artigos 74.º e 76.º da petição inicial (cf. fls. 437 do SITAF).
E, por decisão proferida pelo TAF de Aveiro, foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
I) Da matéria de facto que também deveria ter sido fixada
a) Constando da contestação do Réu, aqui Recorrido, concretamente dos artigos 21º e 23º: que o posto de trabalho em causa já tinha sido ocupado durante vários anos até finais de 2003/inícios de 2004, tendo posteriormente ficado sem segurança afecto; quando no artigo 45.º da petição inicial, vinha alegado que, pelo menos nos dois anos anteriores a Abril de 2008, ninguém ali tinha estado a fazer fosse o que fosse, entre os factos provados deveria constar, este, admitido pelo Réu, aqui Recorrido, em concreto: «Que numa fase anterior o posto de trabalho já existia e já tinha sido ocupado por um segurança de empresa contratualizada pelo Município, até finais de 2003 inícios de 2004»;
b) Acresce: que, conforme o que consta dos artigos 47º e 48º da p.i., o Recorrente alegou que nos períodos de ausência discriminados por baixa por doença e férias, a sua associada nunca fora substituída por qualquer outro trabalhador, ficando a cadeira e secretária vazias; ao passo que nos artigos 111º a 114º, da contestação, o Recorrido faz uma precisão dos dias de ausência por férias e baixa por doença, consignando que a sócia do Recorrente não era imprescindível, pelo que, o ponto 62 dos “Factos provados” deveria iniciar-se com a seguinte redacção: «...Nos períodos de baixa médica e de férias, a sócia do A. nunca foi substituída por qualquer outro trabalhador...»;
c) Porquanto, no capítulo da “Motivação da matéria de facto”, o douto aresto releva: terem existido trabalhadores em tempo não determinado ocupando a secretária, que veio a ser da sócia do Recorrente, os quais, além de não terem vínculo com o Recorrido, tinham outras funções, designadamente zelar pela segurança das instalações; que a Divisão de Educação recebia muitas pessoas e a Divisão de Planeamento, mais pontualmente; que tendo saído a Divisão de Educação do edifício deixou de haver 50 pessoas por dia para fazer o registo; que o posto de trabalho não foi ocupado, por causa da reestruturação e redistribuição dos serviços pelos Pelouros, após as eleições de Setembro de 2017, em que se prescindiu da ocupação daquele posto de trabalho; que tal credibiliza parcialmente o depoimento da testemunha «BB», quando disse que não havia controlo de entrada no prédio, pois o posto de trabalho esteve muito tempo por ocupar, por ausência absoluta de trabalhador ou por férias e faltas justificadas da sócia do Recorrente; que a situação da sócia do Recorrente alterou-se em 2015, com a saída da Divisão de Educação daquele edifício e entrada da Divisão de Fiscalização com apenas 7 pessoas.
Neste contexto:
II) Quanto ao mérito
d) Alegadamente com a intenção de respeitar a injunção de reabilitar profissionalmente a sócia do Recorrente, em virtude da sua saúde precária, esta foi colocada no posto de trabalho em causa;
e) Cedo se verificou que isso constituiu um procedimento da entidade empregadora violador ou perturbador da relação jurídica de emprego público, que vinculava a sócia do Recorrente à autarquia recorrida, na medida em que o “posto de trabalho” atribuído à sócia do Recorrente, era irrelevante, ou sem qualquer interesse para a autarquia;
f) Tanto assim que a sócia do Recorrente só é colocada no “posto de trabalho” em apreço após quatro anos de completo abandono do mesmo e, na sequência da saída da associada do Recorrente, em fevereiro de 2017, completamente abandonado continuou;
g) “Posto de Trabalho” de tal modo irrelevante que, nas ausências da sócia do Recorrente não ocorria substituição por qualquer trabalhador;
h) Daqui resultando a permanência da sócia do Recorrente em inactividade, com a frustração de se saber a preencher um “posto de trabalho”, improdutivo e inútil aos objectivos do serviço;
i) João Leal Amado na obra “Contrato de Trabalho; Noções Básicas”, 3ª Edição, Coimbra Almedina, página 216, ilustra a questão dizendo o seguinte: «...Eis um exemplo: o esvaziamento de funções do trabalhador, a sua colocação «na prateleira», pode constituir um dos múltiplos comportamentos capazes de integrar o conceito, juridicamente fluido e impreciso, de assédio ou mobbing. Abarca este conceito, como se disse, um vasto conjunto de comportamentos vexatórios ou humilhantes, habitualmente com carácter repetitivo, susceptíveis de afectar a saúde psíquica da vítima (provocando, ou podendo provocar nesta, ansiedade, perda de auto-estima, depressão, etc.)...»;
j) Ficou provado que a sócia do Recorrente foi remetida a um posto de trabalho que era irrelevante para o serviço, para a mesma propositadamente criado, pois de abandonado que estava assim continuou após a sua aposentação, um posto de trabalho sem produtividade, inútil, que lhe provocava inactividade e, consequentemente, um “posto de trabalho” para onde teria sido remetida por uma questão de reabilitação profissional, por motivos de saúde, redundou em prejuízo para a saúde psíquica da daquela;
k) Saúde que só não continuou a ser prejudicada porquanto em Fevereiro de 2017 a sócia do Recorrente é aposentada por invalidez por Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, sabendo-se que o processo de aposentação por invalidez não acontece de um dia para outro, antes obriga a que o trabalhador revele junto da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações um historial clínico de doença absolutamente incapacitante para todo e qualquer trabalho, e ainda, sendo do domínio geral que as Juntas Médicas da Caixa Geral de Aposentações são bem exigentes, basta ver os variadíssimos relatos junto da comunicação social de situações de indeferimentos dificilmente compreensíveis face às doenças que os trabalhadores/subscritores apresentam;
l) Como denominar um posto de trabalho: com funções de atendimento e encaminhamento de munícipes, que pela natureza dos serviços, nomeadamente de Educação, eram muitos; que esteve durante quatro anos absolutamente inactivo e que, após a saída da sócia do Requerente inerte continuou; que, nas prolongadas ausências da sócia do Requerente também nunca funcionou, como, dizia-se, designá-lo de posto de trabalho? Sobretudo quando em meados de 2015 o serviço de Educação de lá saiu?
m) Ficando a sócia do Recorrente durante vários anos, sujeita àquele posto de trabalho, vendo sucessivamente indeferidos os pedidos para de lá sair, mesmo que para os lugares quer os outros trabalhadores alvos de mobilidade deixaram vagos, assistindo ao ingresso de outros trabalhadores menos qualificados para funções, que pela mesma poderiam ser perfeitamente desempenhadas para mais no serviço de Fiscalização que passou a funcionar no mesmo prédio (cfr. ponto 54 dos “Factos provados);
n) Em suma, o Recorrente logrou provar que a colocação da sua associada no posto de trabalho em causa naquele contexto temporal e espacial, redundou num aviltamento dos seus direitos laborais nomeadamente a exercer as suas funções na íntegra e a prestar trabalho de forma digna, e, consequentemente numa violação contratual ilícita com consequências exigindo mínima reparação;
o) Constatando-se violação contratual o caminho seria, sim, o do reconhecimento desta ilicitude e consignar a justa indemnização por tal facto;
p) Pelo que o douto aresto recorrido fez errada interpretação da lei, nomeadamente das normas dos artigos: 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; 71.º e 72.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LTFP, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/6; 29.º, n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho
Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se o aresto recorrido, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se
JUSTIÇA O Réu juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Atento o exposto supra, não existe qualquer base factual que suporte a violação do direito em que o Recorrente funda a presente ação (nomeadamente os arts. 71º, 72º da LTFP, nem o art. 28º e 29º do Código do Trabalho). Como se disse: o que está em causa não é o facto da sócia do Autor poder, ou não poder, fazer um outro tipo de trabalho, e de ter, ou não ter, qualificações que a habilitariam para o efeito, respeitando-se tais legítimos anseios (e compreendendo-se que possam existir frustrações). Porém, aquilo sobre que há que julgar o Recorrido é se este atribuiu à sócia do A. posto de trabalho compatível com a sua categoria e se esse posto tinha condições adequadas para o efeito. E assim, na ausência de ilicitude na atuação do Recorrido, deve a decisão ser mantida.
Termos em que confirmando a decisão recorrida farão, como é hábito,
Justiça!
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) A trabalhadora «AA» é sócia de pleno direito do A. (cf. documento n.º 1, junto à petição inicial);
2) Em 07.12.1990, a sócia do A. tomou posse de um lugar de cantoneira de limpeza no quadro de pessoal do Município ... (facto admitido por acordo);
3) Em 28.06.2001, a sócia do A., nascida a 01.06.1957, conclui o Ensino Secundário Recorrente do Curso Técnico de Secretariado (cf. fls. 322 e ss. do SITAF);
4) A sócia do A. intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o Réu o incidente de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução de sentença, proferida em 13.02.2003, que anulou o despacho que indeferiu o pedido de reclassificação profissional ao abrigo do disposto no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31.01, porquanto a junta médica da ADSE deliberou em 1997 que a sócia do A. se encontrava incapaz para o exercício das suas funções, mas apta para o desempenho de outras, por padecer de doença de foro ortopédico (cf. documentos n.ºs 1 e 5, juntos à petição inicial).
5) Em 24.10.2006, a sócia do A. tomou posse como auxiliar administrativa, por reclassificação profissional, no cumprimento da sentença judicial acima mencionada (cf. documento n.º 4, junto à petição inicial);
6) Em 18.20.2007, a sócia do A. foi sujeita a avaliação médica, no âmbito da consulta de medicina do trabalho, que a considerou apta com condicionantes (cf. documento n.º 11, junto à contestação);
7) O A. intentou acção administrativa especial contra o Réu Município ..., em representação da sua sócia, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, sob o n.º 1819/06.4BEVIS, com vista à impugnação do despacho do Vereador do Pelouro de Administração e Finanças, proferido em 28.08.2006, que, considerando que a sócia do A. já esteve a exercer funções de auxiliares quando colocada na portaria do estaleiro municipal, controlando a saída e entrada de viaturas e máquinas municipais, incumbiu a sócia do A. da prática do seguinte conteúdo profissional: assegurar o contacto entre os serviços, efectuar a recepção e entrega de expediente, anunciar mensagens, transmitir recados, levantar e depositar dinheiros e valores, prestar informações verbais ou telefónicas, assegurar a vigilância de instalações e acompanhar os visitantes aos locais pretendidos, estampilhar correspondência e proceder à venda de senhas para utilização de instalações (cf. documento n.º 1, junto à contestação);
8) Em 15.02.2008, a sócia do A. era portadora de problema de saúde de foro urológico, pelo que “tem necessidade de recorrer, frequentemente, a instalações sanitárias” (cf. documento n.º 15, junto à petição inicial);
9) Em 26.03.2008, os serviços do Réu elaboraram estudo técnico, comunicado à sócia do A. através do ofício n.º 10808, com data de 07.05.2008, enviado por carta registada sob o n.º RM 315840866 PT, do qual consta o seguinte (por excertos):
“(...)
Posto de trabalho:
Atendimento ao público dos pelouros de Educação e Planeamento.
PARÂMETRO | DESCRIÇÃO | SITUAÇÃO/PROPOSTA |
(...) | (...) | (…) |
Temperatura e
Humidade |  | Não se verifica a conformidade do parâmetro em causa, relativamente às condições de temperatura.
De referir que não existem valores quantitativos de forma a verificar os ptos da a) e b), no entanto parece-nos, que podem existir sistemas artificiais que garantam as condições mínimas de conforto térmico para este posto de trabalho.
Assim sendo, propomos que seja dotado este espaço de um equipamento artificial: aquecedor/ventilador.
Para optimizar e reduzir o desconforto térmico (corrente de ar), aconselhamos a que a porta do fundo, seja mantida fechada, sendo aberta somente quando necessário. Deve existir informação de forma a garantir o acima mencionado. |
Iluminação | | Não se verifica a conformidade do parâmetro em causa relativamente à iluminação natural, uma vez que esta não é suficiente para o desempenho da tarefa em questão.
De referir que não existem valores quantitativos de forma a verificar os valores de iluminação existentes no referido posto de trabalho, no entanto parece-nos, |
 |  | que ao mudar as iluminarias presentes, recorrendo ao uso de umas iluminariais com maior intensidade e se usarmos iluminação focalizada (candeeiro de secretária como forma complementar á iluminação natural, garantimos as condições mínimas de iluminação para este posto de trabalho. |
(...)
Instalações Sanitárias |  | Verifica-se a conformidade do parâmetro em causa.
As instalações sanitárias existentes no edifício, garantem todas as condições de utilização. |
CONCLUSÃO:
De acordo com o acima mencionado, o gabinete de segurança, higiene e saúde no trabalho considera que, este posto de trabalho após realização/verificação das conformidades/propostas referidas neste documento, garante as condições mínimas de segurança, higiene e saúde no trabalho.
(...)”
(cf. documento n.º 5, junto à contestação);
10) Por ofício n.º 08950, com data de 16.04.2008, o Réu comunicou à sócia do A., através de carta registada com aviso de recepção n.º RM320687856PT, o seguinte (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”
(cf. documento n.º 4, junto à contestação);
11) A ocupação do posto de trabalho situado na portaria do prédio não é imprescindível para o Município ... (facto provado por confissão, cf. artigo 9.º da contestação);
12) No tempo que antecedeu a colocação da sócia do A. no “hall” de entrada do prédio, o posto de trabalho da sócia do A. já tinha sido ocupado;
13) No mês de Abril de 2008, a sócia do A. trabalhou 10 dias úteis (cf. fls. 418 do SITAF);
14) Por ofício n.º 1394, com data de 07.05.2008, a ACT solicitou a apresentação pelo Réu da “ficha de aptidão do exame médico da trabalhadora” e esclarecimentos “sobre o posto de trabalho destinado à trabalhadora (no r/c do edifício do Pelouro do Planeamento e Urbanismo: se as condições do mesmo são adequadas à trabalhadora em termos de segurança, higiene e saúde)” (cf. documento n.º 6, junto à contestação);
15) Por ofício n.º 11341, de 13.05.2008, o Réu dirigiu à ACT a seguinte resposta (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 7, junto à contestação);
16) Por ofício n.º 11286, com data de 13.05.2008, a Entidade Demandada comunicou à sócia do A., através de carta registada com aviso de recepção sob o n.º RM319086562PT, que “o local de trabalho situa-se na Portaria de acesso ao edifício onde se encontram as instalações dos Pelouros de Planeamento e Urbanismo (parte Planeamento) e de Educação, Cultura, Desporto, e Juventude (...)” (cf. documento n.º 8, junto à contestação);
17) O “hall” do edifício onde a sócia do A. foi colocada servia de entrada comum às Divisões do Planeamento e da Educação da Câmara Municipal ... e aos moradores do prédio (facto admitido por acordo);
18) O “hall” do edifício era frio, com pouca luz natural, perpassado por correntes de ar e tinha instalações sanitárias (cf. documento n.º 5, junto à contestação);
19) A porta de acesso ao “hall” de entrada avariava permanentemente e era ruidosa;
20) Por diversas vezes os serviços do Réu intervieram para manter e reparar o funcionamento da porta, sem passar por prévia aprovação do condomínio;
21) As reclamações da sócia do A. relacionadas com o seu posto de trabalho eram prontamente analisadas e respondidas (cf. documento n.º 10, junto à contestação);
22) O Réu instalou aquecedores, telefone e espaço para guarda dos pertences no posto de trabalho da sócia do A;
23) A sócia do A. foi colocada no “hall” de entrada para receber o público que se dirigia à Divisão de Planeamento e à Divisão de Educação;
24) Há ocasiões em que os serviços instalados no prédio onde a sócia do A. trabalhava, recebem mais gente, outras em que recebem menos e outras em que não recebem ninguém (facto provado por confissão – cf. artigo 51.º da contestação);
25) A inactividade da sócia do A. era visível aos olhos dos moradores;
26) A sócia do A. recebia o público, contactava as Divisões da Educação e Planeamento através do telefone e registava as visitas de pessoas que se dirigiam à Divisão do Planeamento;
27) Em 29.08.2008, a sócia do A. requereu a junção ao seu processo individual da declaração emitida pelo médico ortopedista, Dr. «CC», com o seguinte teor (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 7, junto à petição inicial);
28) O A. intentou contra o Município ... acção administrativa especial, em representação da sua sócia, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, sob o n.º 931/07.7BEVIS, para impugnar a deliberação da Câmara Municipal ... de 12.04.2007, que puniu a sua associada com a pena de aposentação compulsiva (cf. documento n.º 3, junto à contestação);
29) Consta do Aviso n.º 23996/2008, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 186, de 25.09.2008, e do Aviso n.º 30709/2008, publicado no Diário da República, 2.ª série, (, de 30.12.2008, que o Município ... procedeu à reclassificação de 3 (três) auxiliares administrativos na carreira de assistente administrativo e 1 (um) auxiliar de serviços gerais e 1 (um) fiel de armazém na carreira de assistente administrativo (cf. documentos n.º s 17 e 18, juntos à petição inicial);
30) Consta do Acórdão proferido no Processo n.º 931/07.7BEVIS o seguinte (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 3, junto à contestação);
31) À data da propositura da presente acção, o Vereador «DD» era o Presidente da Câmara Municipal ... (cf. procuração junta aos autos);
32) Em 12.11.2009, a sócia do A. comunicou ao Réu o seguinte (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 6, junto à petição inicial);
33) De Abril de 2008 a Novembro de 2010, a sócia do A. trabalhou 331 dias úteis (cf. fls. 418 do SITAF);
34) De Abril de 2008 a Março de 2009, a sócia do A. esteve de baixa médica durante 317 dias (cf. fls. 418 do SITAF);
35) Em 25.06.2009, a sócia do A. recusou-se a fazer o exame periódico no âmbito da consulta da medicina do trabalho (cf. documento n.º 13, junto à contestação);
36) Em 24.11.2010, o Dr. «EE» emitiu declaração com o seguinte teor (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 8, junto à petição inicial);
37) Por sentença proferida em 29.11.2010, no Processo n.º 1819/06.4BEVIS, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou a acção administrativa especial acima referida parcialmente procedente “condenando-se a Entidade demandada à reconstituição da situação que existiria se o acto que indeferiu o pedido de reabilitação através reclassificação, nunca tivesse existido, implicando a reclassificação da associada do Autor em Auxiliar Administrativa, reportada àquela data” (cf. documento n.º 1, junto à contestação);
38) A colocação no “hall” de entrada do prédio teve repercussões físicas e psíquicas na sócia do A. (cf. documentos n.ºs 8 e 13, junto à petição inicial);
39) A sócia do A. esteve de baixa médica do dia 03.12.2010 a 31.12.2010 (facto admitido por acordo);
40) Em 09.01.2013, no seguimento de uma exposição da sócia do A., os serviços do Réu informaram a Chefe de Divisão dos Recursos Humanos «FF» que o posto de trabalho da sócia do A. garante as condições mínimas de segurança, higiene e saúde no trabalho (cf. documento n.º 10, junto à contestação);
41) Em 16.03.2013, a Câmara Municipal ... aprovou a proposta de mapa de pessoal de serviços municipalizados para o ano de 2014, com o seguinte teor (por excertos):
“(...)
Divisão de Planeamento |
Carreira,
Categoria
ou Cargo | Requisitos Mínimos (escolaridade, formação, experiência) | Descrição da função (saber fazer) | Lugares preenchidos (Necessidades previsionais) | Lugares a preencher (Necessidades previsionais) |
| | | | |
Assistente Operacion al | Escolaridade obrigatória de acordo com a idade; capacidade de organização e método de trabalho; capacidade de relacionamento interpessoal. Experiência não exigida | Assegurar funções de natureza executiva, de carácter manual ou mecânico, enquadradas em diretivas gerais bem definidas e com graus de complexidade variáveis. Executar tarefas de apoio elementares, indispensáveis ao funcionamento dos órgãos e serviços, podendo comportar esforço físico. Responsabilizar se pelos equipamentos sob sua guarda e pela sua correta utilização, procedendo, quando necessário, à manutenção e reparação dos mesmos. |
|
|
|
|
|
(...)
Divisão de Fiscalização de Empreitadas |
Carreira,
Categoria
ou Cargo | Requisitos Mínimos (escolaridade, formação, experiência) | Descrição da função (saber fazer) | Lugares preenchidos (Necessidades previsionais) | Lugares a preencher (Necessidades previsionais) |
|
|
|
|
|
Assistente Operacion al | Escolaridade obrigatória de acordo com a idade, capacidade de organização e método de trabalho, capacidade de relacionamento interpessoal e experiência não exigida | Assegurar funções de natureza executiva, de carácter manual ou mecânico, enquadradas em diretivas gerais bem definidas e com graus de complexidade variáveis. Executar tarefas de apoio elementares, indispensáveis ao funcionamento dos órgãos e serviços, podendo comportar esforço físico. Responsabilidade pelos equipamentos sob sua guarda e pela sua correta utilização, procedendo, quando necessário, à manutenção e reparação dos mesmos. Exercer funções relacionadas com expediente geral do serviço público, trabalhar em diversos procedimentos afectos à correspondência com os empreiteiros e entidades públicas e privadas, exercício de funções informáticas nomeadamente, apoio administrativo, atendimento telefónico e pessoal da Divisão, e efectuar o arquivamento processual dos processos de empreitadas de todo um conjunto de obras neste momento em execução. | |
|
|
|
|
(...)
Divisão de Educação |
Carreira,
Categoria
ou Cargo | Requisitos Mínimos (escolaridade, formação, experiência) | Descrição da função (saber fazer) | Lugares preenchidos (Necessidades previsionais) | Lugares a preencher (Necessidades previsionais) |
|
|
|
|
|
|
|
|
(cf. documento n.º 24, junto à contestação);
42) Em 28.01.2014, a sócia do A. apresentou requerimento dirigido ao Chefe de Divisão do Planeamento com o seguinte teor:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 21, junto à contestação);
43) Por ofício n.º ...31, com data de 18.02.2014, os serviços do Réu comunicaram à sócia do A. o seguinte (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 9, junto à petição inicial);
44) Em 25.02.2014, a sócia do A. foi considerada apta no âmbito da consulta de medicina do trabalho (cf. documento n.º 18, junto à contestação);
45) Em 12.05.2014, a sócia do A. apresentou nos serviços do Réu o seguinte requerimento (por excertos):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento n.º 22, junto à contestação);
46) Por ofício n.º ...01, com data de 08.08.2014, os serviços do Réu comunicaram à sócia do A. o seguinte (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 10, junto à petição inicial);
47) Em 01.09.2014, a sócia do A. apresentou a seguinte resposta, dirigida ao Vereador do Pelouro de Administração e Finanças da Câmara Municipal ... (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento n.º 23, junto à contestação);
48) Por ofício n.º ...77, com data de 02.12.2014, os serviços do Réu comunicaram à sócia do A. o seguinte (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(....)”
(cf. documento n.º 11, junto à petição inicial);
49) A situação profissional da sócia do A. passou a desgastá-la em termos psíquicos (cf. documentos n.ºs 8 e 13, junto à petição inicial);
50) A sócia do A. encontrava-se triste, desmotivada, sentia angústia, pânico quando na iminência do regresso àquele local do trabalho;
51) Em 04.06.2015, a sócia do A. foi considerada apta no âmbito da consulta de medicina do trabalho (cf. documento n.º 19, junto à contestação);
52) Em 23.06.2015, a sócia do A. apresentou requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal com o seguinte teor (por excertos):
“(...)
«AA», trabalhadora do Município ..., assistente operacional, em funções no Departamento ..., vem, respeitosamente, expor e requerer nos termos e com os fundamentos seguintes:
1º
Há vários anos que as funções que superiormente foram determinadas à exponente/requerente, se resumem a permanecer no "hall" de entrada do edifício onde funcionam os serviços de Educação e a unidade orgânica a que pertence, dando informações aos utentes e registando em folha própria a respectiva visita.
2º
As condições físicas do referido espaço são notoriamente precárias, as portas não fecham porque avariam frequentemente, faltando luz muitas vezes.
3º
Além deste facto, a exponente/requerente não tem praticamente nada que fazer, nem o seu trabalho parece ter qualquer importância para a autarquia. Tanto assim, que nunca foi substituída nas suas faltas e impedimentos sejam por férias ou doença.
4º
Acontece que veio ao conhecimento da exponente/requerente que os serviços de Educação vão sair ou já saíram daquele prédio sendo sediados, no seu lugar, os de Fiscalização.
5º
Ora, se já funcionando ali os serviços de Educação o trabalho da exponente/requerente é pouco ou nenhum, sendo substituído pelos serviços de Fiscalização mais desocupação terá pela frente no futuro.
6º
A exponente/requerente está ciente de que a sua afectação àquele local de trabalho, teve lugar na sequência de processo de reabilitação profissional por motivos de saúde.
7º
Mas este facto não pode fazer esfumar ou onibular o direito da exponente/requerente a ter uma ocupação efectiva e em condições dignificantes, como resulta das normas conjugadas dos artigo 58º, nº 1 e 59º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos,
Vem, respeitosamente, requerer a Vª Exª se digne ordenar a mudança para outro serviço compatível com a sua capacidade, que lhe permita uma ocupação laboral efectiva e em condições dignificantes.
(...)”
(cf. documento n.º 25, junto à contestação);
53) Por ofício n.º 08276, com data de 10.07.2015, o Réu comunicou à sócia do A. o seguinte (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 25, junto à contestação);
54) Em data não apurada, em 2015, o Réu celebrou um contrato para preencher a vaga na categoria de assistente operacional, na Divisão de Fiscalização (facto provado por acordo);
55) Em 12.11.2015, a médica fisiatra do Centro Hospitalar ... o ..., E.P.E, elaborou relatório médico, no qual refere que a sócia do A. tem “indicação para se deslocar a um WC sempre que sinta imperiosidade, sendo importante ter um acesso fácil e rápido para realizar a sua micção, dado o elevado risco de perdas urinárias” (cf. documento n.º 16 , junto à petição inicial);
56) A partir de 31 de agosto de 2015, a sócia do A. esteve 73 dias de baixa médica nesse ano (facto admitido por acordo);
57) Em 08.01.2016, o Dr. «EE» emitiu declaração com o seguinte teor (por excertos):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
(cf. documento n.º 13, junto à petição inicial);
58) Em 13.01.2016, a sócia do A. solicitou a sua submissão a avaliação médica pelo serviço de medicina do trabalho por estar a padecer de doença de foro psiquiátrico e obrigada a ausentar-se por mais de 30 dias (cf. documento n.º 20, junto à contestação);
59) Por ofício n.º 01171, com data de 29.01.2016, o Réu comunicou à sócia do A. o indeferimento do requerimento acima mencionado (cf. documento n.º 20, junto à contestação);
60) Em janeiro de 2016, a sócia do A. esteve 30 dias de baixa médica (facto admitido por acordo);
61) Em datas não apuradas, nos meses de fevereiro a dezembro de 2016, a sócia do A. teve vários períodos de baixa (facto admitido por acordo);
62) Nos períodos de baixa médica, a sócia do A. nunca foi substituída por qualquer outro trabalhador;
63) Em 12.04.2016, o A. apresentou a petição inicial da presente acção junto deste Tribunal (cf. fls. 1 do SITAF);
64) Em 24.02.2017, os serviços do Réu recepcionaram ofício enviado pela Caixa Geral de Aposentações, com data de 20.02.2007, do qual consta que a sócia do A. foi considerada absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções (cf. fls. 327 e ss. do SITAF);
65) O quadro psicopatológico da sócia do A. teve início em 1997 (prova testemunhal).
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Quanto à matéria de Facto -
Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/10/2005 no proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPCivil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267, o Acórdão da Relação do Porto de 2003/01/09 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001/03/27, em Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88). Entendimento semelhante posto em causa no Tribunal Constitucional, por ofensa da garantia do duplo grau de jurisdição, foi considerado conforme à Constituição (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”. A este propósito e tal como sustentado pelo Professor Mário Aroso e pelo Conselheiro Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” - em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 743).
“Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Como se consignou, entre outros, nos Acórdãos deste TCAN de 06/05/2010, proc. 00205/07.3BEPNF e de 22/05/2015, proc. 1625/07BEBRG: “Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excecionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida, “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.
Ressalta ainda do sumário do proc. 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do proc. 840/05.4BEVIS, I.“Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal «ad quem».
Assim, das considerações jurisprudenciais e doutrinais exemplificativamente referidas e em função dos elementos disponíveis, não se vislumbra a existência de fundamento para alterar a matéria de facto.
O Tribunal a quo explicou devidamente os alicerces da sua convicção. Em sede de factualidade não provada fez constar:
Em 24.11.2008, 14.02.2012, 02.04.2012, 25.11.2013 e 10.02.2014, a sócia do A. foi convocada, através de notificação dirigida à chefia, para comparecer às consultas de medicina do trabalho e não compareceu;
2) Quando a sócia do A. falta os munícipes acabam por subir aos andares onde ficam as residências particulares dos moradores do prédio;
3) Em data não apurada, no ano de 2015, o Réu celebrou um contrato de emprego-inserção em parceria com o IEFP, para a categoria de assistente operacional, para trabalhar nos serviços de fiscalização;
4) Em 12.11.2014, o Réu Município ... promoveu a mobilidade de 1 (um) assistente operacional para a categoria de assistente técnico.
E, em sede de motivação da factualidade assente e não apurada, consignou que:
Nos presentes autos, a convicção deste Tribunal e o recorte dos factos pertinentes efectuou-se em função da sua relevância jurídica e atentas as diversas soluções plausíveis de direito (cf. artigo 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPTA), com base na alegação das partes e na análise crítica da prova documental oferecida pelas partes e não impugnada (cf. artigos 374.º e 376.º do CC), bem como, sobre a prova documental inclusa no processo individual da sócia do A., cuja veracidade não foi colocada em causa pelas partes (cf. artigos 370.º a 372.º do CC), não havendo indícios que ponham em crise a sua genuinidade, tal como se mencionou em cada ponto do probatório.
O ponto n.º 12) do probatório dá-se por provado por força do testemunho de «GG» que prestou o seu depoimento de forma sincera e mereceu a credibilidade do Tribunal. A testemunha referiu que trabalhou no mesmo posto de trabalho da sócia do A., no encaminhamento das pessoas durante todo o dia, e identificou outro vigilante “«HH»” e, a instância do A., referiu que faz até hoje a abertura das portas daquele prédio às 8h.
A testemunha «II», que prestou o seu depoimento de forma sincera e espontânea, chefe da sócia do A. e que não trabalha mais para o Município ..., mencionou que antes da sócia do A. havia um segurança destacado da equipa de segurança, que esteve sentado na secretária da sócia do A. e que desempenhava as mesmas funções e além de ser segurança. Depois referiu que houve outro segurança, mas que não se recorda “se houve, ou não, algum hiato” até vir a sócia do A.
Os pontos 19), 20) e 21) do probatório deram-se por provados por força do testemunho de «II», que trabalhou desde o ano de 2000 até ao ano de 2018 para o Município ..., sempre no mesmo edifício, na Divisão de Planeamento, sendo que desde o ano de 2013 desempenhou funções de chefia, quer como chefe de gabinete, quer como chefe da Divisão de Planeamento pelo período de 5 anos, o que é corroborado pelos documentos constantes das fls. 332 e ss. do SITAF.
A testemunha prestou o seu depoimento de forma isenta, objectiva e coerente, demonstrando conhecimento directo dos factos que importam para a resolução da causa.
A testemunha referiu que a porta era para estar encostada e tinha uma mola, esclarecendo que havia uma espécie de compromisso com os moradores do prédio, em que a Câmara Municipal tomava conta das entradas e saídas para não incomodar quem lá residia e “instalou-se uma mola de propósito” para “quem vai lá intencionalmente, passa pelo trio da Senhora, e chega ao andar”.
A testemunha referiu que sempre que a porta avariava e a sócia do A. se queixava, e “gastou-se imenso”, que ligava directamente, sem contactar o condomínio, para os serviços consertarem a porta que batia.
Este testemunho foi confirmado pelo depoimento da testemunha «JJ» que prestou o seu depoimento com sinceridade e mereceu a credibilidade do Tribunal, no qual referiu se recordar de contactar directamente com o Chefe da sócia do A., na altura em que era o arquitecto «II», na mesma altura em que a testemunha foi nomeada como Chefe, para ser colocada uma mola na porta, cuja abertura é manual e o fecho é automático.
A testemunha mencionou, ainda, que as queixas com aquele concreto posto de trabalho eram relacionadas com a iluminação (lâmpadas fundidas) e instalação eléctrica que não funcionava, mas que imediatamente era realizada a reparação e que fez “uma extensão eléctrica puxada do andar de cima para fazer essas ligações”.
O ponto 22) do probatório dá-se por provado por força dos testemunhos do arquitecto «II» que, quanto às condições de trabalho e equipamentos existentes no local de trabalho da sócia do A., referiu que esta “tinha sempre o equipamento que lá esteve porque tinham pessoas a exercer as mesmas funções”, tinha telefone porque era fundamental para comunicar, equipamento de aquecimento porque ela se queixava que a temperatura não era a ideal “e providenciamos”, “e era uma das coisas que ela batalhava muito” e uma escalfeta “que chegou a ter muitas estórias” e “era recorrente a escalfeta estragar”, bloco de gavetas, livro de registo, caixote de lixo, secretária e cadeira. Tal testemunho é corroborado pelo documento n.º 9, apesar de algumas imprecisões, e pelo documento n.º 10, juntos à contestação, bem como, em parte, pelo testemunho de «KK», marido da sócia do A.
A testemunha «FF» também prestou o seu depoimento de forma sincera e, por isso, mereceu a credibilidade do Tribunal, referindo que, desde o ano de 2008, como gestora de recursos humanos, acompanhou a colocação da sócia do A. no posto de trabalho, após a reclassificação, que havia sido ocupado por serviços externos.
A testemunha referiu que a Divisão de Educação recebe muitas pessoas e “mais pontualmente” a Divisão de Planeamento, que foi realizado um estudo e que adquiriram um aquecedor, o que é corroborado pelos documentos n.º 9 e 10.
A testemunha esclareceu que a auditoria feita ao posto de trabalho da sócia do A. é uma obrigação da “higiene e segurança”, que por diversas vezes a sócia do A. apresentou queixas por causa da porta e da luz, que no posto de trabalho da sócia do A. havia telefone e corrente eléctrica. Confrontada com o documento n.º 9, a testemunha referiu que a “Folha de Carga” corresponde ao material adquirido, “que não estava lá”, aquando do início de funções da sócia do A. e que a casa de banho era perto em comparação com outros postos de trabalho em que os funcionários têm que se deslocar a outro prédio.
No que diz respeito à porta, a testemunha esclareceu que há uma porta que dá acesso à escadaria e que havia uma porta de acesso à rua, sobre a qual a sócia do A. apresentou várias reclamações pelo facto de estar sempre aberta por causa das pessoas que ali passavam.
A testemunha aludiu que o posto de trabalho não foi ocupado por causa da reestruturação e redistribuição dos serviços pelos Pelouros após as eleições de setembro de 2017, em que se prescindiu da ocupação daquele posto de trabalho que não foi ocupado por mais ninguém até à data.
Os pontos 23) e 26) do probatório, além de resultarem dos requerimentos da sócia do A., dão-se por provados por força do depoimento da testemunha «II» que esclareceu as tarefas que a sócia do A. teria no posto de trabalho, referindo que era “recepcionista”, “porteira, não quero dizer porteira porque presume vigia e segurança”, “era mais do que isso”. Posteriormente, a instâncias do A., concretizou que as funções da A., “que eram sempre as mesmas”, que quando uma pessoa chegava ao edifício, a A. telefonava e encaminhava para o gabinete.
Concretamente, a testemunha referiu que a sócia do A. tinha funções de recepcionista, e que era “importante que as pessoas fossem encaminhadas para os gabinetes certos”, porque quando “não estava lá a Senhora, por causa das ausências que ela tinha”, as pessoas entravam pela porta inesperadamente, bem como por se tratar de um edifício misto. A sócia do A. registava as pessoas e a que horas e, no tempo que tinha a Divisão de Educação instalada no mesmo edifício, “acabava por servir também a Educação”, o que foi corroborado pela testemunha «FF».
Questionado sobre se a sócia do A. cumpria as funções, a testemunha referiu que “aquilo era faseado”. No princípio, as “coisas corriam mais ou menos bem”, criaram um registo de entradas e saídas, que ela não cumpria com todo o rigor e que “do ponto de vista do Município as coisas não eram más, porque iam funcionando”. Posteriormente, “as respostas foram cada vez piores”, porque “a Senhora se ausentava bastante”.
Também referiu a testemunha que deixou de exigir os registos da sócia do A., por ser “motivo de entropia” e que “criava um certo desconforto” e que não exigia da mesma forma e porque, a certo momento, a Divisão de Educação saiu de lá e deixou de haver 50 pessoas por dia para fazer o registo.
O ponto 25) do probatório dá-se por provado por força do mencionado pela testemunha «LL» que prestou o seu depoimento de forma clara e coerente, merecendo a credibilidade do Tribunal, mencionando que frequentou a casa da sogra desde o ano 2003 e que se trata de um prédio antigo e frio durante o inverno, com uma porta frontal e outra lateral. Mais afirmou a testemunha que o posto de trabalho tinha uma cadeira, um telefone e que a sócia do Autor fazia croché e que a viu com o carteiro e, actuamente, não tem lá ninguém, nem a secretária.
A testemunha «BB» referiu que exerceu as funções como Vereador na Câmara Municipal ... entre 2009 a 2013, deslocando-se ao prédio em questão nos autos, próximo do escritório onde desenvolve as suas actividades profissionais como advogado, para obter informações ou consultar documentos no exercício das funções autárquicas.
Todavia, a testemunha afirmou que não havia controlo na entrada do prédio e que a porta estaria sempre aberta, no período de funcionamento (como até hoje) e que não havia telefone, o que levou a não merecer a credibilidade do Tribunal por falta de coerência e coincidência quer com os documentos existentes nos autos e requerimentos subscritos pela sócia do A., quer com o relatado pelas outras testemunhas do próprio A.
Os pontos n.ºs 38), 49), 50) e 65) do probatório resultaram, além dos relatórios médicos constantes dos pontos n.ºs 36 e 57, também do testemunho do marido da sócia do A., «MM», que prestou o seu depoimento de forma sincera, apesar do interesse no desfecho da acção, relatou que a mulher, depois de ser reclassificada na carreira de auxiliar administrativa por decisão do TAF de Viseu, foi colocada no hall de entrada do edifício, também de moradores, onde funcionavam o pelouro do Urbanismo e da Educação sem qualquer ocupação de funções e “sem fazer ali rigorosamente nada”, que se criou um ambiente intimidatório e de forma propositada, que a mulher passou naquele local de trabalho “um inferno”, sem uma casa de banho próxima (apesar de referir, posteriormente, que a distância era um lanço de escada) e que esta sofria de patologias de foro osteo-articular e psiquiátricos.
A testemunha relatou que a mulher foi seguida pelo psiquiatra desde 1997 até “a situação de invalidez”, que a situação “foi degradando-se”, com repercussões na vida do casal, que a mulher dizia que não suportava o trabalho, ao que lhe respondia que tinha que aguentar porque havia os compromissos que assumiram.
Mais referiu a testemunha que a mulher sentia angústia, ansiedade, não dormia, também devido aos problemas urológicos, tinha sentimentos de revolta dentro dela, que a testemunha atribui à falta de valorização do Município ..., que não reconhecia o esforço para ser reabilitada profissionalmente e que todos os problemas psiquiátricos advinham do clima intimidatório e de desconsideração.
No contexto dos factos provados, é crível que a sócia do A., depois de reclassificada profissionalmente e ser alvo de uma pena de aposentação compulsiva, tenha sentimentos de perseguição e angústia no local de trabalho.
Assim como pelo testemunho de «II», filho da sócia do A., que prestou o seu depoimento de forma isenta e mereceu a credibilidade do Tribunal, referiu que viveu com os pais até 2013, quando terminou o curso de Direito, que tem conhecimento que a mãe foi reabilitada funcionalmente na sequência de problemas de saúde de foro ortopédico, na categoria de auxiliar administrativa, e colocada no “local de acesso a um edifício”, porque recorda da mãe ter falado em casa que “levou uma escalfeta de casa”.
Mais referiu a testemunha que, quando se deslocava para estar com a mãe no local de trabalho, não a encontrava em actividade, o que no seu entender prejudicou a saúde da mãe foi a inactividade, causando tristeza, “sabendo que o conteúdo funcional” “dava espaço para muito mais” e que “não se enquadra naquilo que estava a fazer” e a “frustração era tamanha que sempre era tema de conversa” e que sofria de perturbações no sono.
Da análise dos factos não provados
Os factos não provados n.ºs 1 e 2 dão-se por falta de prova no sentido da demonstração dos factos alegados.
O facto não provado n.º 3 dá-se por força da falta de prova documental da celebração do contrato de emprego-inserção em parceria com o IEFP, para a categoria de assistente operacional por parte do Réu.
O facto não provado n.º 4 dá-se por total falta de prova, da qual resulte que se trata de mobilidade interna intercategorias do Município ....
Assim, não se bulirá no probatório pois não se detetou qualquer erro, mormente grosseiro, palmar, ostensivo na avaliação dos factos levada a cabo pelo Tribunal; pelo contrário, deparou-se esta Instância com um Tribunal a quo empenhado na busca da verdade material.
E o que dizer do apontado erro de julgamento de direito?
Apenas que pouco há a acrescentar à fundamentação da sentença recorrida.
Como resulta da análise que dela fizemos, o Tribunal socorreu-se, e bem, da lei e da jurisprudência seguida em casos semelhantes.
Como é sabido, para que ocorra responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos pressupostos constantes do artigo 483º do Código Civil (cfr. neste sentido, por exemplo, o sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.02.2020, processo n.º 313/09.6BECTB), nomeadamente:
a) Facto voluntário, enquanto facto, positivo ou negativo, controlável pela vontade humana;
b) Ilicitude, enquanto violador de um direito de outrem, sejam eles direitos absolutos ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) Culpa, enquanto nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante, enquanto juízo de censurabilidade pessoal por o lesante não ter agido de acordo com o direito, quando podia e devia ter agido de outro modo;
d) a existência de danos;
e) nexo causal entre o facto praticado pelo lesante e os danos, em termos de causalidade adequada.
In casu, concluindo-se que inexiste qualquer conduta ilícita susceptível de ser imputada ao Réu, a pretensão indemnizatória formulada nos autos teria, necessariamente, que improceder.
Em suma,
Propôs o Autor, ora recorrente, a ação com os seguintes pedidos:
a) Condenação do Réu a reconhecer a ilicitude da situação laboral em que sócia do Autor se encontra, designadamente que não tem ocupação efectiva;
b) Condenação do Réu a proceder à mudança da sócia do Autor, colocando-a em posto de trabalho ao qual corresponda a prestação efectiva de trabalho em condições condignas compatíveis com as suas capacidades, designadamente onde possa, efectivamente, exercer as seguintes funções: assegurar o contacto entre serviços; efectuar a recepção e entrega de expediente e encomendas; anunciar mensagens, transmitir recados, levantar e depositar dinheiro ou valores, prestar informações verbais ou telefónicas, transportar máquinas, artigos de escritório e documentação diversa entre gabinetes; assegurar a vigilância de instalações e acompanhamento dos visitantes aos locais pretendidos; estampilhar correspondência, operar com elevadores de comando manual; vender senhas para utilização das instalações, providenciar pelas condições de asseio, limpeza e conservação de portarias e verificar as condições de segurança antes de proceder ao seu encerramento.
c) Condenação do Réu a pagar à sócia do Autor uma indemnização de 20.000,00 € (vinte mil euros) pelos danos que a situação em que se encontra lhe causou;
d) Fixação de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 100,00 € (cem euros) por cada dia de atraso sem o cumprimento da prestação de facto supra descrita, 50,00 € para a sócia do Autor e 50,00 € para o Estado, com juros à taxa de 5% ao ano.
Supervenientemente, por via da situação de aposentação da sócia do Autor, o objeto da ação ficou limitado à al. c) do petitório, ou seja, ao pedido de uma indemnização de 20.000,00 € (vinte mil euros).
Como sentenciado, o Réu Município ... cumpriu na relação jurídica de emprego público o dever secundário de prestação de ocupação efectiva da sócia do A.
Igualmente acertada é a apreciação levada a efeito pelo Tribunal no que tange à alegada falta de condições do local de trabalho, não padecendo de erro algum:
“Da alegada falta de condições do local de trabalho
Como acima ficou dito, importa aferir se o Réu cumpriu com o dever acessório de conduta, imposto pelo princípio da boa fé, de proporcionar boas condições de trabalho ao trabalhador, susceptíveis de configurar violação do direito à integridade física, enquanto direito de personalidade consagrado no artigo 15.º do CT, ex vi artigo 4.º, n.º 1, alínea b), da LGTFP.
Resulta da factualidade provada que a sócia do A. regressou ao trabalho em junho de 2008, após reclassificação profissional determinada por sentença judicial, na sequência do parecer da junta médica da ADSE, que a considerou inapta para o exercício das funções de cantoneira de limpeza, em face dos problemas de foro ortopédico (cf. facto provado n.º 4).
Da factualidade assente nos autos resulta também provado que os serviços do Réu elaboraram um estudo técnico ao posto de trabalho, em 26.03.2008, situado na portaria do edifício, onde trabalhou a sócia do A., ao qual foram apontadas deficiências no parâmetro da temperatura, humidade e iluminação, bem como que a ACT notificou o Réu para apresentar documentos relacionados com a sócia do A., entre outros, a ficha de aptidão do exame médico da trabalhadora, tendo o Réu respondido em 13.05.2008 (cf. factos provados n.ºs 9, 14 e 15)
(...)
Mais resulta provado que o Réu velou pela existência das condições de saúde no posto de trabalho da sócia da A., garantindo a existência de aquecedor, escalfeta, instalação de um sistema de fecho da porta de entrada e da conservação desses equipamentos, que devido à intensa utilização necessitaram, algumas vezes, de reparação ou substituição, bem como que em 09.01.2013 foi realizada nova vistoria na qual concluíram que reunia as condições mínimas de segurança e saúde no trabalho (cf. factos provados n.ºs 19 a 22 e 40).
Resulta também demonstrado nos autos que a sócia do A. esteve de baixa, no mês de dezembro de 2010, logo a seguir à emissão da declaração médica, na qual o psiquiatra refere as queixas relatadas pela trabalhadora no que respeita ao desconforto térmico sentido no local de trabalho.
In casu, encontra-se demostrado pelo Réu que a sócia do A. tinha os equipamentos de aquecimento à sua disposição e que os mesmos funcionaram, bem como que tinha instalações sanitárias a escassos metros do seu posto de trabalho, sendo certo que não resulta da matéria de facto provada que o Réu tivesse conhecimento da doença do foro urológico da sócia do A., tal como aconteceu com o agravamento da doença osteo-articular.
Mas também resulta demonstrado nos autos que a sócia do A. sofreu incómodos gerados pelo abrir e fechar das portas pelos transeuntes, nos meses de inverno, que a levaram a “batalhar muito” pelos equipamentos (cf. facto provado n.º 18).
Ora bem, o Tribunal entende que a situação descrita no articulado do A. sobre a falta de condições de trabalho, relativamente ao frio, portas abertas e correntes de ar são meros incómodos, pois não se encontra demostrado nos autos que os mesmos sejam a causa da depressão prolongada sofrida pela sócia do A. e, pois isso, não merecem a tutela do direito (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.10.2005, Processo n.º 1082/2005, disponível em www.dgsi.pt “Só são indemnizáveis os danos que afectam profundamente os valores ou interesses da personalidade jurídica ou moral - os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações, cuja gravidade e consequências se desconhecem, não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis”).
(...)
Como acima se expôs, não se verificando o preenchimento cumulativo dos pressupostos a responsabilidade civil, o pedido de indemnização formulado pelo A. terá que soçobrar.
Aliás, neste particular (vd. pontos 14 e 15), é de realçar que existiu no caso acção inspectiva da ACT que teve por objecto o posto de trabalho em causa, da qual não resultou, subsequentemente, a notificação do Recorrido de qualquer anomalia, infracção ou desconformidade (cfr. docs. n.ºs. 6 e 7 juntos à contestação).
Desatendem-se, pois, as Conclusões das alegações.
É que, contrariamente ao invocado, o aresto recorrido fez correcta interpretação da lei, nomeadamente dos artigos: 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa
Artigo 59.º
(Direitos dos trabalhadores) |
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) …;
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;
c) …; |
; 71.º e 72.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LTFP, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/6; 29.º, n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique e DN.
Porto, 24/01/2025
Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita |