Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01907/18.4BEBRG-S1 |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 02/21/2025 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO |
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Descritores: | DESPACHO; JUNÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO (PA); |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-: RELATÓRIO Nos presentes autos em que é Autor «AA» e Réu o Município ..., ambos neles melhor identificados, foi proferido o seguinte Despacho pelo TAF de Braga: Da junção do PA aos autos pelo Réu Não obstante o requerimento do Autor, relativamente ao processo administrativo, não encontrar justificação para, apenas, ser efetuado agora, impõe-se esclarecer que, na presente ação, o Autor pretende o reconhecimento de que reúne os pressupostos para a regularização do seu vínculo laboral, situação que não se coaduna com a existência de um processo administrativo nem com o efeito cominatório que decorre da sua não junção aos autos. Na verdade, e como bem ensina Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Almedina, 4.ª edição, p. 628: “[...] Deve entender-se, em todo o caso, que esses poderes de instrução se encontram confinados essencialmente às pretensões emergentes da prática ou omissão de atos administrativos ou de normas. Por três ordens de razões: (a) desde logo, porque só em relação a procedimentos administrativos que culminem com a prática de um ato administrativo ou a emissão de uma norma administrativa (ou com o correspondente indeferimento do requerimento do particular ou a recusa da sua apreciação, ou, no caso das normas, com o incumprimento do dever de regula- mentar) é que se justificará normalmente a elaboração do processo administrativo; (b) depois, porque só em relação a ações relativas a atos administrativos ou a normas é que se encontra dispensado o ónus de impugnação especificada por parte da entidade demandada, o que significa que só nesse caso é que a junção do processo administrativo assume um valor probatório autónomo; (c) e ainda porque só nos processos de impugnação de ato administrativo ou de norma é que cabe ao tribunal apreciar causas de invalidade que não tenham sido alegadas pelo autor, com a consequente necessidade de obter elementos de informação adicionais que constem do processo administrativo. Nas ações que tenham por objeto situações jurídicas que não derivem diretamente da prática ou omissão de atos jurídicos unilaterais de autoridade ou não dependam da intermediação de um ato administrativo, como sucede quando estejam em causa atuações administrativas consubstanciadas em factos materiais, poderá não existir sequer um processo administrativo. E ainda que exista, esse processo não tem o valor probatório que lhe pode ser atribuído nas ações relativas a atos ou a normas [...]” Destarte, o suporte probatório junto pelo Réu, na sua contestação, foi tido, pelo próprio, como suficiente e adequado, cabendo ao Autor, em prazo, reagir quanto ao mesmo, nos moldes legais - o que, aliás, exerceu, em sede de réplica. Nada há, assim, a ordenar, neste domínio. Deste vem interposto recurso pelo Autor. Alegando, formulou as seguintes conclusões: I. No despacho datado de 24-09-2024, e perante a constatação de que o Recorrido não juntou aos autos o Processo Administrativo, decidiu o Tribunal que “Nada há, assim, a ordenar, neste domínio”, não se conformando o Recorrente com semelhante decisão e seus fundamentos, a qual, salvo melhor opinião, está ferida de nulidade e, em qualquer caso, de erro de julgamento Assim, II. O despacho em causa considera (ou aparenta considerar) que: (i) a acção intentada pelo Recorrente “não se coaduna com a existência de um processo administrativo nem com o efeito cominatório que decorre da sua não junção aos autos”; (ii) que o Recorrido juntou aos autos o suporte probatório que “foi tido, pelo próprio, como suficiente adequado” (desconhecendo-se em que momento tal foi assim alegado pelo R.); III. Em concretização do princípio de cooperação processual (artigo 6º, n.º 2 do CPC), do dever de fundamentação das decisões e da tutela jurisdicional efectiva (este últimos constitucionalmente consagrados), determina o artigo 8.º, n.º 3 do CPTA que “as entidades administrativas têm o dever de remeter ao tribunal, em tempo oportuno, o processo administrativo e demais documentos respeitantes à matéria do litígio” e, com a particularidade de, nas acções administrativas, estar especialmente consagrado no artigo 84.º que: “com a contestação, ou dentro do respetivo prazo, a entidade demandada é obrigada a proceder ao envio do processo administrativo, quando exista, assim como de todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que seja detentora.” (sublinhado nosso) IV. Com efeito, “quando os litígios dizem respeito a questões que foram objeto de um procedimento administrativo, os particulares que se dirigem ao tribunal não dispõem da maior parte dos documentos relevantes para a discussão a desenvolver em juízo: ao longo do procedimento, conduzido pela Administração, esta tende a concentrar na sua posse todos os documentos pertinentes, que reúne no processo administrativo (cfr. artigo 1.º, n.º 2, do CPA). Esta circunstância justifica que, no n.º 3, se imponha à Administração o dever de remeter o processo administrativo ao tribunal.” Mário Aroso de Almeida, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (2017, 4.ª Ed.), Almedina (sublinhado nosso). V. Recaindo sobre o Douto Tribunal, louvando-se o disposto no artigo 90.º, n.º 3 do CPTA, ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário. VI. Compulsada a petição inicial do Autor, em requerimento probatório, foi requerida a junção de 32 documentos, mais se requerendo “o processo administrativo do R. relativo à relação contratual com o A., inclusive o contrato de prestação de serviços inicial, e correspondente conta corrente entre o A. e o R. e a empresa constituída pelo A. e o R.”, pelo que não corresponde à verdade que o A. só agora tenha requerido a junção do PA aos autos (mesmo não estando obrigado a fazê-lo). VII. O Tribunal nunca se pronunciou sobre a omissão de cumprimento do dever de junção do processo administrativo por banda do Recorrido, senão no despacho ora em crise. VIII. No pedido formulado na ação dos autos, o Recorrente não só “pretende o reconhecimento de que reúne os pressupostos para a regularização do seu vínculo laboral”, como se lê do Douto Despacho de 24.09.2024 sub judice, como pretende também ver “anulada a deliberação tomada no ponto 2.11, em reunião de 29 de maio de 2018, pela Câmara Municipal ...”, sendo o Réu condenado deliberar incluir o posto de trabalho a tempo completo no procedimento concursal correspondente às funções exercidas pelo A., ao abrigo da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro.” IX. A circunstância de ser impugnada a deliberação da Câmara Municipal ..., de 29 de maio de 2018, que iniciou o Programa de Regularização de Precários, deliberando aprovar o número de postos de trabalho a tempo completo a incluir nos procedimentos concursais corresponde ao número de pessoas abrangidas pelo procedimento (n.º 1 do artigo 4.º da Lei nº 112/2017, de 29 de dezembro), como resulta dos autos, esvazia em absoluto a interpretação, por si só restrita, em que parece assentar o fundamento do Despacho de 24.09.2024. X. É objeto de um dos pedidos da presente ação, a anulação da deliberação tomada pela Câmara Municipal ..., em reunião de 29 de maio de 2018, a qual só pode ter sido precedida de um levantamento exaustivo de todos os vínculos precários ao abrigo Lei nº 112/2017, de 29 de dezembro, e que, por isso mesmo, tem de integrar um procedimento administrativo, enquanto sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública, conforme definido pelo artigo 1.º do CPA. XI. Será desse processo administrativo que constarão os fundamentos e os critérios que presidiram ao reconhecimento da necessidade de regularização de mais de uma dezena de precários, em que não foi incluído, como devia e pugna, o Recorrente, o que demonstra, por si só, a influência determinante na decisão da causa da junção desse mesmo processo administrativo, sendo que é o próprio diploma legal de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários, Lei n.º 112/2017, impõe a óbvia existência de um procedimento e de um processo administrativo de regularização extraordinária de vínculos precários – vide art. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17, 18º da Lei n.º 112/2017. XII. “Se a Ré não tem no seu seio um procedimento administrativo que seja atinente à matéria dos autos, no sentido de o mesmo ter sido iniciado por requerimento da Autora ou por determinação oficiosa do Réu e onde tenha sido, designadamente, proferido um acto administrativo, tal não pode aportar a conclusão de que não tem a Ré qualquer dever no domínio da junção aos autos de um Processo administrativo, assim informando o Tribunal e assim se conformando o mesmo com essa informação e sem que tivesse ouvido a Autora a esse respeito. Como assim dispõe o artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, o procedimento administrativo é atinente à sucessão ordenada de actos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública, sendo que o processo administrativo, por sua vez, é atinente ao conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os actos e formalidades que integram esse procedimento administrativo.” in Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 19/11/2021. XIII. Considerando que, na lide está implícita a discussão da legalidade de sucessivos contratos de prestação de serviços, o requerimento do processo administrativo relativo à relação contratual com o Recorrente, inclusive o contrato de prestação de serviços inicial, e correspondente conta corrente entre o Recorrente e o Recorrido e a empresa constituída pelo Recorrente e o Recorrido, não são dilatórios, e despicientes para o julgamento da causa. XIV. “I- O dever de remeter o processo administrativo ao Tribunal por parte das entidades administrativas é objeto de previsão legal no n.º 1 do art.º 84.º e no n.º 3 do art.º 8 do CPTA e trata-se um dever genérico, que se impõe à Administração não só nos litígios que respeitem a questões que foram objeto de um procedimento administrativo que culminou com a prática do ato que o demandante impugna e que, por isso, sigam a forma da ação administrativa (art.º 37º do CPTA), onde o cumprimento desse dever assume efetivamente particular importância, ao ponto de, nelas, o cumprimento desse dever e as cominações aplicáveis ao respetivo incumprimento se encontrarem concretizadas no art.º 84º do CPTA, como em relação a qualquer tipo de ação (mesmo cautelar), sempre que os elementos se tornem necessários para o apuramento da verdade e tal venha a ser requerido pelo demandante ou, oficiosamente, pelo juiz (art.º 6º do CPC). II- O não de envio do processo administrativo pela entidade demandada traduz a omissão de uma formalidade legal suscetível de produzir nulidade se essa irregularidade influir no exame e/ou na decisão da causa (art.º 195º, n.º 1 do CPC).” in Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 18/09/2020. XV. O Despacho sub iudice que considera não ser de ordenar ao Réu a junção aos Autos do processo administrativo, viola o disposto nos artigos 8.º, n.º 3, 84.º e 90.º, n.º 3, do CPTA, o que constitui nulidade com influência na discussão da causa e que aqui se invoca para todos os efeitos previstos no art. 195º do CPC. XVI. Sem prescindir, a verificar-se que o Recorrido não junta aos autos o processo administrativo, seja porque não quer, seja porque incumpriu o seu dever de elaborar e possuir um processo administrativo (em violação do disposto no art. 64º do CPA), não se vislumbra de que modo tais razões possam constituir justificação aceitável (e não constituem) e, assim, não importem quaisquer sanções para a parte faltosa, in casu, para o Réu (em violação do disposto no art. 84º, n.º 5 e 6 do CPTA), pelo que sempre deveria o Tribunal a quo ter considerado que a omissão de junção do processo administrativo não assenta em justificação aceitável, determinando a aplicação das sanções previstas nos números 5 e 6 do art. 84º do CPTA, o que, não tendo sucedido, (também) fere de nulidade o processado à luz do disposto no art. 195º do CPC, o que se invoca. XVII. Em qualquer caso, e com o devido respeito, não se pode considerar uma justificação aceitável para não cumprir o formalismo legal de junção do Procedimento Administrativo a circunstância de o Recorrido ter entendido que não existia processo administrativo (seja lá o que isso signifique... - vide requerimento do Recorrido de 23-09-2024), pelo que, também por aqui, deve ser revogada a decisão dos autos conquanto a mesma assenta em erro de julgamento, o que se invoca, dando-se por reproduzido, a esse título, tudo quanto se invocou supra a propósito das nulidades com as necessárias adaptações. XVIII. Além de tudo quanto se alegou, o despacho ora em crise viola o disposto no art. 411º do CPC, porque, mesmo entendendo o Tribunal pela desnecessidade de existência de processo administrativo para efeitos do disposto no art. 84º do CPTA (que não se aceita), ainda assim sempre estaria em causa a junção de meio probatório cuja junção foi requerida no articulado de petição inicial e admitida por despacho saneador transitado em julgado (art.º 620º do CPC), sendo que o R. Município não procedeu à mencionada junção, pelo que o despacho sub iudice está ferido da nulidade prevista no art. 195º do CPC por violação, com influência na discussão da causa, disposto no art. 411º do CPC, o que se invoca. LEGISLAÇÃO VIOLADA Com o seu entendimento, o Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos 6º, n.º 2, 195º, 411º, 620º todos do Código de Processo Civil; arts. 1º, n.º 2 e 3 e 64º do Código de Procedimento Administrativo; arts. 8º, 37º, 84º e 90º, n.º 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17, 18º da Lei n.º 112/2017 e os arts. 13º, 20º e 268º da CRP; PEÇAS QUE DEVEM INSTRUIR APELAÇÃO A presente Apelação deve ser instruída com as seguintes peças processuais (art. 645º do CPC) que se descrevem por ordem cronológica: 1. Petição inicial (referência SITAF 005799079, fls 6-22, numeração SITAF) 2. Doc. 30 da Petição Inicial (referência SITAF 005799296, fls 139, numeração SITAF) 3. Citação do Réu (referência SITAF 005799638, fls 316, numeração SITAF) 4. Despacho Saneador de 23.05.2024 (referência 007084736, SITAF) 5. Requerimento de 11.09.2024 do Autor (referência 007138322, fls 421-423, numeração SITAF) 6. Requerimento de 23.09.2024 do Réu (referência 007149755, fls 455-456, numeração SITAF) 7. Despacho datado de 24.09.2024 (referência 007150478, fls 459-460, numeração SITAF) Nestes termos e nos mais de direito que suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o despacho de 24-09-2024 e substituído por outro como requerido. Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA. O Réu juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim: Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente nos termos acima referidos, Para que uma vez mais se faça JUSTIÇA! O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer. Cumpre apreciar e decidir. FUNDAMENTOS |