Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00080/14.1BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/23/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:IMPUGNAÇÃO; MÉTODOS INDIRETOS; FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I) Quando recorra à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a AT deve especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, pois o n.º 4 do artigo 77.º da LGT consagra um especial dever de fundamentação a cargo da AT quando esteja em causa a tributação por métodos indiretos.

II) Assentando a liquidação impugnada num ato emanado no procedimento de revisão, mais propriamente, na decisão do respetivo Diretor de Finanças, é nesse ato final que se deve colher a fundamentação adotada pela AT. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:G., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 20-05-2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G., Lda, contra as liquidações adicionais de IVA n.º 02046254 e 02046259, dos anos de 1998 e 1999, e dos correspondentes juros compensatórios, cuja matéria coletável foi apurada através de métodos indiretos.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
a) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação por falta de fundamentação dos cálculos realizados ao nível da quantificação apurada por métodos indirectos, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA dos anos de 1998 e 1999;
b) A decisão judicial considerou que está devidamente fundamentado o recurso à aplicação de métodos indiretos, contudo, quanto ao critério de quantificação entendeu que a AT não demonstrou com clareza suficiente os cálculos que realizou, isto é, não se encontra fundamentada a quantificação da matéria tributável por aplicação de métodos indiretos, do que discordamos;
c) Em função da análise contabilística/documental efetuada e dos cruzamentos de informação realizados ressalta a evidência de omissão de compras e de vendas, e que inviabilizaram o apuramento do resultado fiscal através do método direto;
d) No que ao critério de quantificação respeita, para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, foi utilizado o critério especificamente previsto no art.° 90° n°. 1, b) da LGT, o qual consiste: "... Taxas médias de rentabilidade de capital investido";
e) Para o efeito, recorreu-se à utilização das taxas de juro pagas pelas Instituições Bancárias para as operações passivas, sendo que através de aplicação das taxas ao capital investido se obtém o resultado líquido numa perspetiva de remuneração mínima desse mesmo capital;
f) Importa apurar a razão de ser da aplicação do referido critério de quantificação e seu enquadramento, destacando-se, desde logo, que a situação fiscal da impugnante nos anos em análise e, genericamente, ao longo da sua evolução, corresponde a constantes prejuízos fiscais ou resultados positivos nulos absorvidos pelos prejuízos de anos anteriores;
g) E, da análise contabilística efetuada e demais testes levados a cabo, bem como das condições do exercício da atividade da impugnante, a inspeção tributária não encontrou justificação para tais resultados, a não ser que resultam das omissões anteriormente descritas;
h) Razão porque a inspeção tributária aplicou o critério de quantificação baseado na taxa média de rentabilidade do capital investido, que considerou adequado à situação em concreto, desde logo porque é um critério previsto especificamente na lei (art.° 90°, n°. 1, b) da LGT), além de que, as empresas têm como escopo a prática de atos de comércio, que visam a obtenção de lucro, sendo essa precisamente a lógica empresarial;
i) Apurou-se uma situação de existência de omissões de compras e de vendas e teve a inspeção algumas limitações e contingências na realização dos testes, pelo que, para quantificar a situação em causa, considerou a inspetora tributária que os sócios da impugnante optaram por investir numa realidade empresarial (no caso, a impugnante), quer quanto à entrada de capital, quer quanto aos suprimentos realizados, com vista à obtenção de uma remuneração;
j) Aplicou a inspeção tributária a taxa de rentabilidade do capital investido, socorrendo-se das taxas de juro das Instituições bancárias, numa perspectiva de remuneração mínima do capital investido na sociedade, o que no fundo corresponde ao retorno (no seu limite mínimo) do capital investido;
k) Pelas razões invocadas, salienta-se que foi utilizado um critério definido na lei, através do qual se apurou o resultado para efeitos de IRC, tendo a sua aplicação origem na impossibilidade de um controlo efetivo da atividade e do volume de omissões de compras e de vendas;
l) E, tendo a Autoridade Tributária provado a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos, recai sobre a impugnante, nos termos dos art.° 74° n°. 3 da LGT e 100°. n°. 3 do CPPT, o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
m) Ora, a impugnante não logrou demonstrar, nestes autos, falta de fundamentação excesso na quantificação ou erro, razão porque não poderia o Meritíssimo Juiz considerar haver falta de fundamentação do critério de quantificação utilizado, porque a impugnante nada demonstrou sobre essa matéria;
n) Em suma, mostram-se verificados os pressupostos para o recurso aos métodos indiretos de tributação, a AT fundamentou o critério de quantificação utilizado, e, em contrapartida, a impugnante não demonstrou o erro ou excesso na quantificação;
o) Contrariando o alegado pela impugnante, não se verifica qualquer falta de fundamentação do recurso aos métodos indiretos, porquanto o contribuinte ficou na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à aplicação do critério de quantificação em concreto, ou seja, foi-lhe dada nota do "itinerário cognoscitivo e valorativo" seguido para a tomada da decisão;
p) Do que se conclui que, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos art.° 74°, n°. 3 da LGT e art.° 100°, n°. 3 do CPPT.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente, por não provado, o vício de errónea quantificação imputado às liquidações impugnadas, com as legais consequências.».

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 231 do suporte físico dos autos, pronunciando-se no sentido da procedência deste recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgado por ter considerado que a AT não fundamentou a quantificação da matéria coletável.


3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. DE FACTO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Compulsados os autos, vista a prova deles constantes, com interesse para a decisão dão-se como provados os seguintes factos:

A) A Impugnante "G., Lda.", iniciou a atividade em 16/01/1992, com a comercialização de peças de vestuário para homem e senhora, vestidos de noiva e algum calçado. A actividade era desenvolvida apenas num único estabelecimento comercial situado na Rua (…). Em 1996 e 1997 procedeu à abertura de mais dois estabelecimentos comerciais: Um situado no centro comercial (…), denominado "R. " onde comercializou até meados do ano de 1999 roupa jovem e outro situado no início da Rua D. denominado "F. ", onde comercializa roupas para casamentos, batizados e cerimónias", vide fls. 4 do Relatório de Inspeção constante de fls. 5 e segs. do PA, aqui se dando por reproduzido para todos os legais efeitos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos. Por outro lado, a factualidade relatada não questionada pela lmpugnante;
B) Consta do já aludido relatório de inspeção que a inspeção foi realizada em cumprimento da Ordem de Serviço n.° 27654 de 15/05/2001, aos exercícios dos anos de 1997, 1998 e 1999, sobre IRC e IVA, iniciou-se no dia 17-05-2001 e findou no dia 08-06-2001, cfr. fls 3, 4 e 17 do relatório;
C) Mais se relatou:
“…
Os resultados declarados através das declarações de rendimentos desde o inicio da actividade foram os seguintes:
“…
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
(1 893 239$) 661 703$ 568 980$ (590 748$) 248 116$ (4 202 897$) (5 878 839$) (2 406 778$)

IV.1) INVENTÁRIOS
O montante das existências finais em cada exercício, declaradas através dos elementos de contabilidade, foi o seguinte:

1997 1998 1999
17.732.261$ 19.743.400$ 22.603.468$

Procedeu-se à conferência de alguns valores constantes nos inventários de 1998 e 1999,tendo o maior controlo incidido sobre os vestidos. Verificou-se que alguns destes artigos estavam mal valorizados. No entanto, essas diferenças eram tanto positivas como negativas, não resultando divergências relevantes no cômputo geral (ANEXO 02).
Procedeu-se igualmente ao controlo das referências dos vestidos. Conforme se pode verificar no ANEXO 03 alguns vestidos estão em existências finais em 1999, mas não existe compra nem se encontram em existências iniciais, como é o caso das referências 273, 2373, 2391, 2409. Nos casos das referêndas3091 e 3095, comprou 2 de cada referência, não estão em existências iniciais e constam em existenciais finais 3 vestidos de cada referência.
IV.2) MARGENS
As margens de lucro bruto sobre o preço de custo declaradas através dos elementos de contabilidade foram: 1997: 70%; 1998: 45%; 1999: 46%:
Com as correcções às compras mencionadas no capítulo III, título 2, as margens dos exercícios de 1997 e 1999 sofrem alteração, com especial relevância no exercício de 1999:

C. E. V. M. C. DECLARADO CORRECÇÃO COMPRAS C. E. V.M. C. CORRIGIDO VENDAS DELCARADAS MLB/pc CORRIGIDA1997 13.616.129$ (44.280$) 13.571.849$ 23.200.941$
70.95%
1999 11.396.677$ (682.374$) 10.714.303$ 16.640.357$
55.3%
MLB/pc CORRIGIDA 70,95% 55,3%

IV.3) VENDAS/CLIENTES/PAGAMENTOS POR MULTIBANCO
O s.p. tinha disponível a opção de pagamento por multibanco nos estabelecimentos "R." e "G.".
O fecho das máquinas não era feito diariamente, mas apenas quando havia movimentos registados e de acordo com as necessidades da empresa. Por esse facto não se pode inferir que o registo da operação electrónica num dia de fecho corresponda a uma operação comercial efectuada nesse mesmo dia, mas é lógico concluir que corresponde a uma transacção efectuada entre essa data de fecho e a imediatamente anterior.
Foram confrontados os talões de venda com os extractos enviados pelo banco referentes a esses pagamentos nos meses de Janeiro, Fevereiro e Abril de 1998, e Janeiro e Fevereiro de 1999 tendo sido detectadas as seguintes irregularidades..
ANO DE 1998

IV.4) VENDAS/CLIENTES/CONTROLO DOS APUROS DE CAIXA COM T. V.
Foi efectuado o confronto entre os talões de venda e os apuros diários para o ano de 1999. É de referir que no mês de Junho falta um livro de talões de venda, tendo o sócio-gerente dito que não o conseguiu localizar, não o tendo entregue até ao fim do exame.
Foram detectadas as seguintes irregularidades:
(…)
Da análise destes dados resulta a convicção de que os apuros são manipulados para a obtenção de determinados resultados.
IV. 5) CONSUMOS DE COMPRAS/VENDAS/EXISTÊNCIAS
O s.p. utiliza para registo diário das vendas, os talões de venda, conforme a opção constante no n.° 2 do artigo 39° do código do IVA.
Para testar a veracidade dos registos contabilísticos, mais especificamente compras e vendas, procedeu-se ao controlo quantitativo de parte dos artigos comercializados, nomeadamente os de maior valor unitário.
Os testes efectuados tiveram origem no exercício de 1999. Os procedimentos utilizados foram os seguintes:
controlo dos artigos por famílias, ou seja, associação de determinados artigos que na venda , poderiam não estar devidamente identificados ( por exemplo: venda de um fraque e registo de um fato; venda de um vestido de noiva e registo de um vestido apenas;); retiraram-se as quantidades e valores de compra e venda desses artigos. Foram controladas cerca de 81% das compras e bastante mais de 55% das vendas pelo facto de nestas não terem sido considerados os valores em que apareciam vários artigos discriminados e apenas o valor global; foram retiradas dos inventários as quantidades e valores desses mesmos artigos;

Concluindo-se que existem divergências entre os consumos e as quantidades vendidas. Outro procedimento adoptado foi fazer o corte de existências no ano corrente de 2001. Para tal, foram retiradas as Existências iniciais de 2001 (ANEXO 05), compras ( ANEXO 06) e vendas até à data de 28/05/2001( ANEXO 07) dos seguintes artigos: Fatos/ fraques/conjuntos; calçado e vestidos diversos; foram efectuadas as contagens fisicas desses mesmos artigos, operação que ocorreu nos dias 25 e 28 de Maio (ANEXO 08). Os resultados obtidos foram os seguintes:
(…)
CONCLUSÕES
Do exposto ao longo deste capítulo conclui-se que:
- os registos de vendas relevados contabilisticamente não têm total correspondência nos documentos de suporte;
- a análise das quantidades levada a cabo para os anos de 1998, 1999 e 2001 revela sempre a mesma tendência: OMISSÃO DE COMPRAS E DE VENDAS. Com efeito, se se valorizar as quantidades omitidas nas compras e nas vendas ao preço médio de compra e preço médio de venda respectivamente, obtém-se os seguintes resultados:
Descrição 1998 1999 2001
OMISSÃO DE COMPRAS 5 093 733$ 3 490 331$ 573 742$
OMISSÃO DE VENDAS 1.382.622$ 890.756$ 936.591$
OBSERVAÇÕES ANEXO ANEXO ANEXO
10 11 12
v CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
V.1) CRITÉRIOS
A avaliação indirecta será efectuada nos temos da alínea b) do Art 87° da LGT, dada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável em virtude da inexistência e insuficiência de elementos de contabilidade - Alínea a) do At. ° 88° da LGT.
Propõe-se que a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, seja efectuada tendo em conta a alínea b) do n.°1 do artigo 90° da LGT.. " ... TAXAS MÉDIAS DE RENTABILIDADE DE CAPITAL INVESTIDO; " Neste caso, propõe-se igualmente que sejam utilizadas as taxas de juro pagas pelas Instituições Bancárias para as operações passivas.
Assim serão tidas em linha de conta, para efeito de determinação dos resultados, as seguintes taxas médias:
ANO TAXA BRUTA
19975,2%
19983,1%
19992,35%
Fonte CCAM
Estas taxas serão aplicadas ao capital investido na empresa nos três anos em análise que, neste caso, será constituído por:
ANO CAPITAL SUPRIMENTOS TOTAL
19985.000.000$29.400.000$34.400.000$
19995.000.000$29.200.000$34.200.000$



Aplicando as taxas ao capital total em cada exercício, obtém-se o Resultado liquido numa perspectiva de remuneração mínima desse capital. Note-se que os suprimentos efectuados à empresa não foram remunerados ao longo dos exercícios em análise.
Esse Resultado líquido contabilistico será corrigido tendo em linha de conta as omissões de compras e vendas descritas no capítulo anterior, de forma a ser obtido o referido resultado.
Ao montante das compras presumidas, será aplicada a Margem de Lucro Bruta s/ preço de custo, declarada pelo s.p. em cada exercício, corrigida das correcções aritméticas referidas no capítulo III. Será esta a margem aplicada de acordo com a amostragem efectuada ao exercício de 2001, em que se obtém uma margem de 61 % na Loja F. e de cerca de 45% nas restantes lojas.
Considerando a época de saldos e eventuais descontos, a MLB/p. c. não andará longe da declarada, motivo pelo qual se aceita.
Por outro lado, nos exercícios de 1998 e 1999 toram testados alguns artigos, pelo confronto entre os preços de compra e os preços constantes nos talões de venda retirando-se conclusões semelhantes.
V.2) CÁLCULOS
Nos pontos seguintes encontram-se os cálculos decorrentes da aplicação dos métodos indirectos, quer para efeitos de IRC, quer para efeitos de IVA.
Para determinar o montante da correcção que nos permite obter o valor do RL. corrigido, foram acrescidos aos custos e proveitos de cada exercício o montante de compras e vendas omitidas, estas últimas obtidas pela aplicação das margens declaradas através dos elementos de contabilidade.
V 2. 1) IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS
1997
capital5.000.000
suprimentos
total
tx juro
rendimento
18.400.000
23.400.000
5,20%
1.216.800
vendas declaradas23.200.941
cevmc declarado/corrigido
compras omitidas
cevmc corrigido
mlb/pc
vendas corrigidas
correcção
13.571.849
8.337.191
21.909.040
1,71
37.453.286
14.252.345
correcção proveitos
correcção custos
correcção
r.l. declarado
r.l. corrigido
14.252.345
8.337.191
5.915.154
-1.689.354
1.216.800

1998
CAPITAL5.000.000
SUPRIMENTOS
TOTAL
TX DE JURO
29.400.000
34.400.000
3,10%
1.066.400,0
vendas declaradas20.008.384
cevmc declarado
compras omitidas
cevmc corrigido
mlb/pc
vendas corrigidas
correcção de proveitos
correcção de custos
correcção
r.l. declarado
r.l. corrigido
13.798.885
17.025.551
30.824.436
1,45
44.695.434
24.687.050
17.025.551
7.661.499
(6.595.099)
1.066.400
1999
capital5.000.000
suprimentos
total
tx juro
rendimento
29.200.000
34.200.000
2,35%
803.700
vendas declaradas16.640.357
cevmc declarado/corrigido tecn
compras omitidas
cevmc /corrigido MI
mlb/pc
vendas corrigidas
correcção

corrrecção proveitos
correcção custos
correcção

r.l. declarado corrigidotecn
r.l. corrgido
10.714.303
5.538.134
16.252.437
1,55
25.241.619
8.601.262

8.601.262
5.538.134
3.063.128

-2.259.428
803.700

V2.2) IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

ANOVOLUME NEGÓCIOSV. NGCS CORRIGIDOCORRECÇÃOIMPOSTO EM FALTA
199723.200.94137.453.28614.252.3452.422.899
199820.008.38444.695.43524.687.0514.196.799
199916.640.35725.241.6198.601.2621.462.215
59 849 682107 390 34047 540 6588 081 913
vide fls. 5 a 16 do relatório e esclarecimentos prestados pela Inspetora, a última testemunha a ser ouvida;
D) As propostas da Inspeção, que não mereceram apreciação pela Impugnante, em sede de direito de audição, converteram-se em definitivas, sendo superiormente ratificadas, cfr. fls 5., 112 a 116 do PA;

E) A Impugnante delas discordando apresentou pedido de revisão no qual as Partes indicaram os respetivos Peritos e teve também intervenção Perito independente e, porque não houve acordo, foi proferida decisão a revogar a fixação para o ano de 1997 e a manter os valores fixados para os exercícios de 1998 e 1999, vide fls 117 a 141 do PA;

F) Consequentemente em 26-02-2002 foram emitidas as liquidações adicionais n.°s 02046254 e 02046259, de IVA dos anos de 1998 e 1999, nos montantes de € 20 933,55 e 7 293,50 e demais liquidações de juros compensatórios, cuja data de pagamento voluntário terminou em 2002-04-30, cfr. docs. de fls. 39 a 47 destes autos e 142 e 143 do PA;

G) A PI que deu origem aos presentes autos foi apresentada em 25 de julho de 2002, vide carimbo aposto a fls. 1 da P1, folha 1 destes autos;

H) As liquidações nestes autos impugnadas foram pagas "em 2012-12-27, nos termos do Decreto-lei n. ° 248-A/2002 de 14-11.", cfr. fls. 144 do PA; .

I) O perito indicado pela Impugnante para a Comissão de Revisão foi notificado para as reuniões da Comissão tendo nelas participado e a decisão que foi tomada foi comunicada Àquela, vide os documentos referidos em E) e mais especificamente os constantes de fls. 128 a 130, 152 e 153 do PA;

J) Algumas vezes, nos estabelecimentos da Impugnante o fato ou conjunto era realizado na loja, por exemplo conjuntos para comunhão, usando:
Calças/Casaco comprados separadamente;
Saia/casaco comprados separadamente;
Vestido/casaco comprados separadamente;
Saia/blusa comprados separadamente;
O que poderia desaparelhar fatos ou conjuntos comprados como tal, cfr docs. de fls.54 a 123 e depoimentos das duas primeiras testemunhas, tendo ambas sido trabalhadoras da Impugnante sendo que a 1ª ainda o era aquando da prestação do depoimento;

K) Mormente nos vestidos de noiva ocorria o pagamento em prestações, com vários talões para o mesmo artigo, documentando a "entrada" e os demais pagamentos, vide docs. de fls. 125 a 131 e depoimento da 2ª e 5ª testemunhas (a 5ª testemunha era à data da inquirição a contabilista da Impugnante);

L) No estabelecimento comercial denominado "F.", por vezes a pedido de noivas abriam durante o fim de semana e em feriados, fatualidade confirmada pelos depoimentos das duas primeiras testemunhas;
M) Nalgumas situações, nos estabelecimentos da Impugnante os clientes ao pagarem um determinado artigo por exemplo de cinco mil escudos (24,94€) euros pediam para, usando o multibanco, se digitasse a quantia de dez mil escudos euros (49,86€) e lhes fosse entregue cinco mil escudos em numerário, cfr depoimento da primeira e quarta testemunhas.

II (…) Fatos não provados
Que alguns clientes ou comerciantes vizinhos usassem o terminal de multibanco dos estabelecimentos comercias da Impugnante como simples terminais de multibanco aí levantando dinheiro sem adquirirem qualquer produto. Esta situação é diversa da descrita no último fato provado e a falta de prova tem os mesmos fundamentos da prova de tal fato, ou seja o depoimento das referidas testemunhas. Uma e outra, empregada da Impugnante e amigo do sócio gerente referiram situações como a descrita no fato provado e excluíram a factualidade agora em causa.
***

Não se provaram outros factos que estejam em contradição com a factualidade provada, ou outros.
***

A convicção do tribunal formou-se com base na apreciação crítica, fazendo também uso das regras de experiência, dos elementos documentais e ainda das testemunhas, uns e outros indicados em cada alínea dos factos provados.».

3.1.2. Uma vez que tal se revela essencial para a boa decisão da causa, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º do CPC e porque os autos reúnem os elementos necessários para o efeito, aditamos ao elenco dos factos provados o seguinte:
N) No âmbito da Comissão de Revisão aludida em E) e em face da inexistência de acordo entre os peritos, o Perito Independente apresentou o “Relatório” de fls. 131 a 133 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual importa destacar o seguinte:
«(…)
2 – Quanto aos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
(…)
b) Exercício de 1998/1999
Apesar de existirem motivos para a aplicação de métodos indirectos, estou em desacordo quanto aos valores considerados no Relatório de Inspecção (ponto V), e não concordo também quanto aos valores admitidos na petição do contribuinte, (…).
Estou em desacordo em primeiro lugar, porque a taxa considerada média de rentabilidade do capital investido, é tudo menos isso, uma vez que foi adoptada as taxa de remuneração dos bancos para os depósitos a prazo, pois uma taxa média de rentabilidade do capital investido é retirada de um cabaz de taxas, que deveria ter em consideração as taxas de remuneração do capital próprio das várias empresas do sector. O que é certo, é que isto não foi feito.
Em segundo lugar, uma vez que a amostra foi tão exaustiva, pois controlou cerca de 81% em 1999 das compras e de aproximadamente de 51% das vendas, estou de acordo com o invocado na petição do contribuinte, pois não, se percebe porque é que as omissões detectadas nos anos de 1998 e 1999 se tornaram tão elásticas no cálculo da matéria tributável.
Existe erro na quantificação da matéria tributável e no volume de negócios no relatório da Fiscalização. Assim em termos lógicos e admitindo que o lucro apresentado no relatório de inspecção para os anos de 1998 e 1999, poderá ser considerado como razoável, já não o é o volume de vendas presumidas nem as de compras, pelo que deverá considerar para omissão de proveitos a diferença entre as vendas e as compras presumidas que é para o ano de 1998 a importância de 7.661.499$00, sendo para o ano de 1999 o valor de 3.063.128$00.
(…).».
O) O Perito da Fazenda Pública, por sua vez, apresentou a “Informação” de fls. 134 a 136 do PA, cujo teor também se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
«(…)
Quanto ao critério utilizado, este parece não estar em consonância com os testes efectuados pelos Serviços de Inspecção, pois quantifica na página 12 do relatório as omissões de compras e vendas detectadas, enquanto que os valores depois apurados na pag. 15 são bastante superiores. No entanto e da leitura e análise de todos os elementos do processo pode-se concluir o seguinte:
1- Os testes foram efectuados com algumas limitações, nomeadamente a falta de referência nos talões dos produtos vendidos, o que originou testes globais. Os testes globais ao impedirem a análise por referências possibilitaram a existência de compras não registadas, compensadas por vendas registadas, assim como omissão de vendas dos produtos adquiridos com factura. Não sendo por isso possível determinar a percentagem efectiva de omissão de vendas.
2- Se o total de vendas e compras omitidas fossem determinadas em função das percentagens da amostra (pág. 12 do relatório), obter-se-ia uma margem de lucro bruto não só inferior à declarada, mas também inferior à do sector (1998, pois apenas para este exercício existem rácios nacionais para este sector de actividade), conforme seguidamente se demonstra:
(…)
Os valores obtidos nos quadros anteriores vêm demonstrar, que a valorização dos testes efectuados e constantes da pág 12 do relatório não poderiam ser projectados para o universo, pois resultariam margens de lucro bruto bastante inferiores, isto é, um incremento das compras não origina um incremento superior nas vendas.
3- Apesar da rendibilidade fiscal declarada ser bastante baixa em 1993, 1994 e 1996 e negativa (prejuízos de montante elevado) em 1992, 1995, 1997, 1998 e 1999, originada pelos custos variáveis, os sócios mantêm na empresa suprimentos de montante bastante elevado.
4- O facto de nos exercícios de 1998, 1999 e 2001 os testes indicarem sempre omissão de compras e vendas, assim como o montante elevado de suprimentos no exercício de 1997, não seria necessária a elaboração de testes neste exercício, aplicando-se o mesmo critério dos exercícios onde os testes foram efectuados.
Deste modo se conclui.
1 – não existe dúvida, quanto à omissão de compras;
2 – Não existem dúvidas, quanto à omissão de vendas;
3 – A valorização da amostra não representa o universo.
Por estes motivos foi utilizado o critério definido na lei, através do qual se apurou o resultado, para efeitos de IRC. A sua aplicação foi originada pela impossibilidade de um controlo efectivo.
Pelo referido deverá ser mantido o proposto pela inspecção tributária.».
P) Em 24.10.2001 o Exm.º Diretor de Finanças de (..) proferiu a Decisão de fls. 137 a 138 do PA, nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da LGT, cujo teor igualmente se dá por reproduzido na sua íntegra, dele importando destacar o seguinte:
«Assim, considerando todos os elementos existentes, relatório da inspecção tributária, posição dos peritos, Decido, por falta de elementos que, nesta fase, os ponham em causa, e nos termos do n.º 6 do artº 92º da LGT, atendendo a posição/defesa dos Peritos da Administração Tributária e Independente:
- Revogar a fixação do exercício de 1997, pela falta de fundamentação no relatório da Inspecção Tributária, que vai de encontro com o parecer do Perito Independente;
- Manter os valores fixados de IRC/IVA dos exercícios de 1998 e 1999, com base no relatório e Informação Complementar do Perito da Administração Fiscal, já que o Perito Independente, objectivamente, não põe em causa o apuramento de tais valores, referindo até a razoabilidade do lucro apurado para estes anos.».

Estabilizada nestes termos a decisão da matéria de facto, avancemos para a apreciação da questão de direito suscitada pela Recorrente.

3.2. De Direito

3.2.1. Como já foi mencionado, cumpre-nos apenas apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na parte em que considerou não fundamentada a quantificação operada pela AT.
Vejamos, antes do mais, o que sobre esta questão consta da sentença objeto deste recurso.
«A Inspeção usou o critério previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 90 da Lei Geral Tributária "As taxas médias de rentabilidade de capital investido" e propôs para o efeito "a utilização das taxas de juros pagas pelas instituições bancárias para as operações passivas". Sobre este critério veja-se a reação do perito independente em sede de Comissão de Revisão defendendo que se "deveria ter em consideração as taxas de remuneração do capital próprio das várias empresas do setor". Diremos que é compreensível esta argumentação pois que de setor para setor as taxas serão diversas. Mas cumpre também dizer que os referidos elementos exigiriam um esforço de compilação e tratamento de dados cuja eficácia final pode e deve ser questionada. Diremos também que o critério apresentado pela AF, considerando os anos em causa e as taxas apresentadas, respetivamente 3,1% e 2,35% favorecem a Impugnante dadas as taxas reduzidas verificadas. Em regra a economia em 1998 e 1999 não apresentava a recessão atual e, as taxas de rentabilidade apresentam-­se superiores às prestadas pelas instituições bancárias caso contrário não existiria investimento ou ele não seria proveitoso.
Mesmo que ultrapassemos a questão do critério outras questões se colocam ao nível da quantificação: a AF fez o cálculo considerando o capital social e os suprimentos realizados. Quanto a estes, se é certo que a Impugnante nada disse de concreto quanto ao seu montante, relembro que do depoimento prestado pela TOC da Impugnante resulta que os suprimentos eram operações contabilísticas, "manobras do caixa" para evitar que o caixa se apresentasse negativo: Os patrões faziam entradas e quando havia dinheiro retiravam-no. Num quadro destes como é que se podem contabilizar os suprimentos? Que remuneração lhe atribuir se o "empréstimo" pode ser apenas por um par de dias?
O mais difícil de compreender, porém, é a efetiva quantificação realizada pela AF, por exemplo as omissões definidas a fls. 12 conjugadas com as referidas a fls. 15 e 16, todas do relatório de inspeção; afigura-se-nos também de difícil compreensão a similitude de valores existente entre os quadros contantes de fls. 15 e 16 - um elaborado com base nas omissões de compras e vendas corrigidas com as margens resultantes da contabilidade e o outro atendendo ao capital, suprimentos e a taxa de juro.
Em vão lemos e relemos o relatório, conjugando-o com os seus anexos; procuramos explicação na contestação ou nos laudos dos peritos em sede de Comissão de Revisão. Na contestação nada se concretizou sobre a quantificação; nos laudos dos peritos, mormente no da FP ainda se realizou um esforço de compreensão mas do que nos apercebemos ele foi inglório e o que resta é que mesmos nos laudos é realçada a incapacidade de compreender os cálculos realizados.
Como atos tributários e atos em matéria tributária, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado, Vol. I, págs. 166 e 167, 63 edição. 2011, Áreas Editora, considera serem "os actos de liquidação de receitas tributárias ... os actos administrativos em questões tributárias, cuja impugnação não seja da competência do STA ou dos tribunais centrais administrativos .... O mesmo sucede com o n.º 2 do artigo 9.º da LGT, em que se refere que todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis nos termos da lei, que parece abranger todos os actos de aplicação de normas tributárias, incluindo os actos de liquidação, que são precisamente o primeiro dos exemplos de actos lesivos arrolados no n.º 2 do seu artigo 95.º.
Refere ainda que, "a expressão actos administrativos relativos a questões fiscais, também já parece ter sido utilizada com o sentido que naquela classificação é dado aos actos em matéria tributária em sentido amplo, que é o do artigo 118.º n.º 3 do CPT, que corresponde, essencialmente, ao n.º 2 do artigo 97.º do CPPT "
Os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos devem ser fundamentados, exigência que resulta do artigo 268.° da CRP, princípio constitucional este densificado nos artigos 124.° e 125.° do CPA (cuja aplicação é transversal aos atas da administração, incluindo a tributária) e no artigo 77.°, n.º 1 e 2 da LGT.
Dispõe o artigo 124.° do CP A o seguinte:
"1. Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior. "
Nos termos artigo 125.0 do mesmo Código, quanto aos requisitos da fundamentação, resulta que:
1 – A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados. "
O teor do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT é muito próximo do vindo de transcrever.
O ato só estará fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato, requisitos que, a serem violados, importam a sua ilegalidade, que será fundamento da sua anulação.
De todo o modo, o destinatário é aferido em função da sua qualidade, corno refere Jorge Lopes de Sousa, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado, Vol. I, págs. 356 e 357, 6a edição, 2011, Áreas Editora, “Com a introdução deste requisito de fundamentação dos actos administrativos, o conceito de "destinatário normal" que vinha sendo usado pela jurisprudência do STA como paradigma de aferição da suficiência da fundamentação deixou de poder ser utilizado, ou pelo menos, tem de ser revisto por forma a abranger a generalidade dos destinatários" ... a adequada impugnação contencioso que se pretende assegurar, que é uma vertente do direito de acesso aos tribunais pressupõe o conhecimento da totalidade da sua fundamentação .... o direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, é reconhecido pelo artigo 20.º n.º 1 da CRP a todos os cidadãos, tanto àqueles que se vinham classificando como "destinatários normais ", como àqueles que sejam, à face do mesmo critério, " destinatários anormais" e ..... sempre suporá uma "certeza jurídica ", a apurar em face da forte probabilidade de o destinatário concreto ter a possibilidade de se aperceber, efectivamente, da fundamentação do acto, mesmo que ele não atinja o nível de entendimento de etério arquétipo de “destinatário normal" imaginado pela jurisprudência ".
" Assim, o que revela para aferir da acessibilidade da fundamentação e sua suficiência não é um «destinatário normal» abstracto imaginário, mas sim o destinatário concreto e a forte probabilidade de esse se aperceber das razões do autor do acto ".
"Por outro lado, na apreciação da acessibilidade da fundamentação, à face da exigência constitucional de que o acesso aos tribunais seja reconhecido a todos os cidadãos, não pode deixar de dar-se relevância à possibilidade de o destinatário provar que, apesar de a fundamentação ser cognoscível pela esmagadora maioria dos cidadãos, no caso concreto não o foi".
O regime da invalidade dos atas administrativos, vem estatuído no artigo 133.º do CPA no que tange à sua nulidade. No nosso direito, a nulidade tem carácter excecional e a anulabilidade é que tem carácter geral, nos termos do artigo 135.º do CPA.
Dispõe o artigo 133.° do CPA que:
"1 - São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2 - São, designadamente, actos nulos:
a) Os actos viciados de usurpação de poder:
b) Os actos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas colectivas referidas no artigo 20 em que o seu autor se integre:
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime:
d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os actos praticados sob coacção:
f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal:
g) As deliberações de órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos:
h) Os actos que ofendam os casos julgados:
i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente."
Quanto à anulabilidade consagra o artigo 135.° do CPA, que "São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação não se preveja outra sanção. "
Da conjugação de ambas as normas, o quadro de correspondências é o seguinte: No âmbito das nulidades, cabem os vícios de forma do ato administrativo que respeitem a carência absoluta de forma legal, deliberações tomadas tum ultuosamente, tomadas sem quórum, sem maioria legalmente exigível, sendo que a todos os outros cabe o regime da anulabilidade.
Quanto aos vícios de violação de lei previstos no artigo 133.° do CPA cabe o regime da nulidade e aos demais o da anulabilidade, cfr. Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, VoI. II, págs. 457 e 458, 2ª edição, 20 11, Almedina.
Perante o vindo de referir, atentos os comandos normativos contidos nos artigos 75.º,81.°, 83.º, 87.°, 88.° e 90.º da LGT, bem assim nos artigos 38.° (atual 39.°) do ClRS e 52.º (atual 59.º) do CIRC, a Administração Tributária não demonstrou com clareza suficiente os cálculos que realizou e que vieram a determinar as liquidações impugnadas
Dito de outra forma não se encontra fundamentada a quantificação da matéria tributável. Concluindo-se que, como nos presentes autos, os atos de liquidação adicional de IVA têm por referência o resultado de uma proposta da inspeção tributária que recorreu a métodos indiciários para cálculo da matéria tributável sem a fundamentação devida, padecem, também aqueles atos do mesmo vício de falta de fundamentação, impondo-se, por isso, determinar a sua anulação, bem assim dos correspondentes juros compensatórios.».
Ao que foi considerado pelo Meritíssimo Juiz a quo, cabe-nos acrescentar que o n.º 4 do artigo 77.º da LGT consagra um especial dever de fundamentação a cargo da AT quando esteja em causa a tributação por métodos indiretos. Lê-se naquele dispositivo que «A decisão da tributação pelos métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objetivos de atividade de base científica, ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.».
Assim, quando recorra à tributação por métodos indiretos, nos casos e com os fundamentos previstos na lei, a AT deve especificar os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação. Compete, pois, à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. Mais lhe cabe o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.
Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
No caso em análise, efetivamente não é possível, em face dos elementos disponíveis nos autos, apreender os cálculos efetuados pela AT para alcançar os resultados a que chegou no que respeita à base de incidência do IVA dos anos de 1998 e 1999.
Como já havia referido o Meritíssimo Juiz a quo, olhando para o quadro de páginas 12 do relatório da inspeção tributária temos que, nos anos de 1998 e 1999, a AT concluiu que as omissões de compras ascendiam, respetivamente, a 5.039.733$ e 3.490.331$, ao passo que as omissões de vendas correspondiam a 1.382.622$ e 890.756$, em cada um dos mencionados anos. Porém, nos quadros de páginas 15 e 16 do relatório inspetivo e para efeitos de quantificação da matéria coletável a AT inscreveu omissões de compras de 17.025.551$ (em 1998) e 5.538.134$ (1999) bem como correções aos proveitos (omissões de vendas) nos montantes de 24.687.050$ e 8.601.262$.
É certo que os resultados líquidos corrigidos nos anos de 1998 e 1999 coincidem com os valores encontrados para os rendimentos que o capital social e provimentos realizados em cada um daqueles anos produziam à taxa de juro aplicada.
Contudo, com relevo para a determinação da base de incidência e cálculo do IVA aqui impugnado, não alcançamos como é que a AT chegou aos valores corrigidos das vendas apurados nos quadros de páginas 15 e 16 do RIT (24.687.050$ e 8.601.262$), dado que estes não correspondem aos montantes das vendas omitidas apurados no quadro de página 12 do RIT (1.382.622$ e 890.756$), nem a AT explicou a razão de ser desta diferença ou indicou a fórmula que aplicou para apurar tais valores.
Sabendo-se que houve reclamação para a Comissão de Revisão, na qual não foi alcançado acordo entre os Peritos da AT, do contribuinte e Independente, olhamos agora para a decisão do Exm.º Diretor de Finanças de … (que, assim, surge como o ato final do procedimento e fundamentador das subsequentes liquidações de IVA) o qual, após breve enunciação das posições assumidas pelos Peritos na reunião da Comissão de Revisão, conclui nos moldes já constantes do ponto P) dos factos provados e que, por não ser despiciendo, aqui reiteramos:
«Assim, considerando todos os elementos existentes, relatório da inspecção tributária, posição dos peritos, Decido, por falta de elementos que, nesta fase, os ponham em causa, e nos termos do n.º 6 do artº 92º da LGT, atendendo a posição/defesa dos Peritos da Administração Tributária e Independente:
- Revogar a fixação do exercício de 1997, pela falta de fundamentação no relatório da Inspecção Tributária, que vai de encontro com o parecer do Perito Independente;
- Manter os valores fixados de IRC/IVA dos exercícios de 1998 e 1999, com base no relatório e Informação Complementar do Perito da Administração Fiscal, já que o Perito Independente, objectivamente, não põe em causa o apuramento de tais valores, referindo até a razoabilidade do lucro apurado para estes anos.».
Atentemos, ainda, nos laudos dos Peritos, designadamente da Fazenda Pública e Independente, para os quais se remete expressamente na decisão acabada de transcrever.
Como resulta do ponto N) dos factos provados, o Perito Independente consignou no seu “Relatório”, para além do mais, que estava de acordo com o invocado na petição do contribuinte pois não «se percebe porque é que as omissões detectadas nos anos de 1998 e 1999 se tornaram tão elásticas no cálculo da matéria colectável.».
E, quanto a este ponto, na “informação” do Perito da Fazenda Pública também é aceite que o critério utilizado «parece não estar em consonância com todos os testes efectuados pelos Serviços de Inspecção», passando então este Perito a justificar que «Se o total de vendas e compras omitidas fossem determinadas em função das percentagens da amostra (pág. 12 do relatório), obter-se-ia uma margem de lucro bruto não só inferior à declarada, mas também inferior à do sector (1998, pois apenas para este exercício existem rácios nacionais para este sector de actividade), conforme seguidamente se demonstra:
(…)
Os valores obtidos nos quadros anteriores vêm demonstrar, que a valorização dos testes efectuados e constantes da pág. 12 do relatório não poderiam ser projectados para o universo, pois resultariam margens de lucro bruto bastante inferiores, isto é, um incremento das compras não origina um incremento superior nas vendas.».
Daqui se extrai que, bem ou mal, a AT esclareceu as razões pelas quais não aplicou os valores das compras e das vendas omitidas apurados no quadro de fls. 12 do RIT. Porém, continuou sem explicar como alcançou os valores dos quadros de fls. 15 e 16, sendo que estes apenas nos permitem saber que a AT, através da aplicação de valores apurados não se sabe como, chegou ao exato montante do rendimento líquido determinado através da aplicação das taxas de juro pagas pelas instituições bancárias para as operações passivas ao montante do capital social e suprimentos realizados nos anos de 1998 e 1999.
Tudo indica, pois, que a AT laborou com base num raciocínio invertido, começando por definir o rendimento líquido da Recorrida em cada um dos referidos anos, só depois apurando (segundo razões ou cálculos que não evidenciou, nem é possível perceber ou controlar) os montantes das compras e vendas omitidas para efeito de determinação do IVA devido.
Tendo presente que a fundamentação é um conceito relativo, variando em função do tipo concreto do ato e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, e que o grau de fundamentação exigível deverá estar diretamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, isto é, com a divergência existente entre a posição da Administração Tributária e a do contribuinte. (cfr., entre outros, nestes precisos termos, o Acórdão do STA, de 19/11/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0407/12), o já assinalado especial dever de fundamentação a cargo da AT sempre que recorra a métodos indiretos não se mostra cumprido no caso em análise porquanto a motivação externada é obscura, não permitindo apreender como foi obtida a base de incidência das liquidações de IVA aqui em crise.
Assim sendo, impõe-se concluir que as liquidações em crise não se encontram fundamentadas, julgando-se improcedente o presente recurso e confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com a presente fundamentação.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente e manter a decisão recorrida, com a presente fundamentação.

Sem custas, tendo em conta a isenção de custas de que beneficiava a AT.

Porto, 23 de janeiro de 2020


Maria do Rosário Pais
Fernanda Esteves
Bárbara Tavares Teles