Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00357/19.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/03/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:TIPICIDADE; ILICITUDE; NULIDADE INSUPRÍVEL: ADMOESTAÇÃO; IEC
Sumário:I. Tem a jurisprudência entendido que as exigências daquele artigo 79.º do RGIT deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício efetivo dos seus direitos de defesa.

II. E pela mesma ordem de razões, se a coima for fixada no limite mínimo abstratamente aplicável ou num valor muito próximo deste limite, de tal modo que não assuma relevo jurídico autónomo, a exigência da alínea c) do mesmo artigo 79.º, n.º 1, - indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima – perde o seu significado essencial: o arguido não tem necessidade de conhecer os elementos que contribuíram para a fixação da coima pois não pode diminuir o seu valor, já que este constitui o limite mínimo abstratamente aplicável, não estando, por isso, prejudicado o exercício efetivo dos seus direitos de defesa.

III. O artigo 51º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), ao autorizar a aplicação de admoestação «quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique», é aplicável às infrações tributárias ex vi artigo 3º, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e não se encontra legalmente excluída a possibilidade da sua aplicação a contraordenações que o RGIT classifica como graves ou a infrações que, por natureza, representam um grave incumprimento de deveres legais e denotam um comportamento censurável, como é o caso de detenção/armazenamento sem ostentar a estampilha e a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto especial.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:F., Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
O Recorrente, Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Mirandela interpôs recurso jurisdicional da sentença que absolveu a arguida da coima aplicada e determinou o arquivamento do processo.

O Recorrente não se conformou tendo interposto recurso formulou as seguintes conclusões:
“(...) Encontrando-se a aguardente apreendida, na quantidade expressiva de 3,5 litros, acondicionada em garrafão, sem rótulo, inquestionavelmente na dependência de apoio ao café explorado pela arguida, sendo que, das declarações espontâneas da própria funcionária ali presente, que tal aguardente se destinava à venda a clientes do estabelecimento, a 45 cêntimos o cálice;


Não tendo sido produzida prova que o infirmasse, outra conclusão em nosso modesto entendimento não se pode extrair, que uma inequívoca e específica intencionalidade da arguida em a disponibilizar a terceiros, sem qualquer propósito de a sujeitar ao controlo da selagem, qualidade e pagamento dos impostos devidos, e assim de o introduzir no consumo.


A ilicitude típica ínsita à contra-ordenação em apreço consuma-se no preciso momento em o agente corporiza e exterioriza a intenção de não submeter o produto ao pagamento dos impostos devidos, bem assim às regras de selagem e rotulagem, como pressuposto nesta parte que existe também em termos de controlo da qualidade e genuinidade do produto.


Conforme se infere das disposições conjugadas do art. 109º e 96º, nº 1, al. a) do RIGT, quem, com intenção de se subtrair ao pagamento dos impostos especiais sobre o álcool, as bebidas alcoólicas, introduzir no consumo produtos tributáveis sem o cumprimento das formalidades legalmente exigíveis, incorre, mesmo a título negligente, na coima de 1.500 € a 165.000 €, sendo que, conforme resulta da alínea b), do nº 1 do art. 9º do CIEC, considera-se como introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto, a detenção fora do regime de suspensão do imposto desses produtos sem que tenha sido cobrado o imposto devido.

Resulta do nº 1 e 2 do art. 1º da Portaria 26/2017, de 13 de Janeiro, que estabelece as regras complementares relativas à designação, apresentação e rotulagem dos produtos do sector vitivinícola previstos no Regulamento (UE) n.º 1308/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Dezembro e no Regulamento n.º 251/2014, do Parlamento e do Conselho, de 26 de Fevereiro, sendo que o regime em apreço é aplicável a todos os produtos vitivinícolas embalados no território nacional.

Assim sendo, em suma, deverá ser, pois, revogada a douta sentença proferida de absolvição da arguida, a qual deverá ser substituída por outra que mantenha a condenação administrativa, assim se nos afigurando que se fará justiça.

O digno Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal acompanhou a interpretação seguida no recurso.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF e atendendo à situação atual de pandemia, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
As conclusões das alegações do recurso definem, o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal de recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração nos termos conjugados dos artºs 412.º, nº.1, do Código do Processo Penal, “ex vi” do artº.3, al. b), do RIGIT, e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo dec-lei n.º 433/82, de 27.10.
Prevê o artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
A questão principal no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao absolver a arguida da coima aplicada.

3. DO JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

Factos provados:
1. A Arguida é uma sociedade por quotas que tem por objecto o comércio a retalho de combustíveis para veículos a motor – Fls. 36;
2. Pelas 9.00H do dia 20/2/2018 a GNR procedeu à fiscalização do estabelecimento da arguida designado de “F., Lda”, sito na Rua (…), e verificou que no anexo ao estabelecimento referido, encontrava-se um garrafão de vidro com capacidade para 5 litros, contendo cerca de 3,5 litros de aguardente branca, no valor presumível de 35,00€ – Fls. 23, 24, 29 a 32/V;
3. O estabelecimento comercial da arguida é um posto de abastecimento de combustível que funciona com um café anexo de apoio – art.º 29.º da PI, e fls. 95 e 96 dos autos (decisão recorrida);
4. Por despacho de 28/6/2019 a AT aplica à arguida uma coima especialmente atenuada no valor de 1500,00€, e custas no valor de 76,50€ de acordo com fls. 95 a 97, que aqui se reproduzem, com o seguinte destaque:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

5. Em cada um dos dias 19/1/2018, 16/2/2018 e 23/2/2018 a Arguida adquiriu à “R., Lda” 1 litro de aguardente para revenda, e em 24/1/2018 comprou à sociedade S., SA, 2 litros de aguardente para revenda no anexo ao seu estabelecimento – Fls. 56 a 62 dos autos.

Não se provou:
a) Que o conteúdo do garrafão de vidro com capacidade para 5 litros, com cerca de 3,5 litros de aguardente branca supra-referido, se destinava ao comércio do anexo ao estabelecimento da Arguida – A AT apenas alega, e prova (também porque a arguida implicitamente aceita o facto), que encontrou esta quantidade de aguardente no anexo ao estabelecimento. Contudo, não alega, nem prova, a localização específica da garrafa e dos garrafões: se, por exemplo, estavam no balcão ou numa das mesas; na estante, junto a outras garrafas; numa arrecadação junto a instalações dos funcionários (se existe), se junto a algum cliente; etc –. (…)”

4. DO JULGAMENTO DE DIREITO
A questão que cumpre dirimir é a de saber se a sentença recorrida fez correto julgamento quando considerou que “não podemos concluir pelo preenchimento do requisito da tipicidade –porque a conduta da arguida não encaixou na abstracção da lei; da ilicitude, porque inexistiu acção, ou omissão, em desconformidade com o direito devido à antijuridicidade do comportamento ou a acção típica não justificada; e, por fim, não podemos concluir que está preenchido o elemento subjectivo da culpabilidade porque o comportamento assumido pela arguida não lhe pode ser censurado, quer no propósito de cometer o facto ilícito — dolo — ou na falta de cuidado devido, que leva a esse cometimento —negligência.”
Como decorre da matéria de facto provada pelas 9.00H do dia 20.02.2018 a GNR procedeu à fiscalização do estabelecimento da arguida designado de F., Lda., e verificou que no anexo ao estabelecimento referido, encontrava-se um garrafão de vidro com capacidade para 5 litros, contendo cerca de 3,5 litros de aguardente branca, no valor presumível de 35,00€.
A Alfêndega do Porto, por decisão de 28.06.2019 aplicou uma coima no valor de 1 500,00 € nos termos do disposto na al. e) do n.º2 do art.º 4.º , n.º1 do art.º 5.º , n.º1 do art.º 8, al. b) do n.º1 do art.º 21.º art.º 66.º e n.º 1 e 2 e 8 do art.º 86 todos do CIEC, incorrendo em contraordenação por introdução irregular no consumo, prevista e punida pelo art.º 109.º n.º1, por referência ao art.º 96.º n.º1 al.a) do RGIT.
Vejamos:
Determina o n.º 2 do art.º 4 do CIEC, relativamente à incidência subjectiva que “São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:
a) (…);
e) A pessoa que detenha os produtos sujeitos a imposto ou qualquer outra pessoa envolvida na sua detenção, em caso de detenção irregular; (…)”
Prevê o art.º 8.º n.º 1 do mesmo diploma que o imposto é exigível em território nacional no momento da introdução no consumo dos produtos referidos no artigo 5.º ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o presente Código.
Por força da alínea a) do art.º 9.º para esses efeitos considera-se introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto a detenção fora do regime de suspensão do imposto desses produtos sem que tenha sido cobrado o imposto devido.
O n.º 1 do art.º 21 do CIEC dispõe que “ A produção, transformação e armazenagem de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, em regime de suspensão do imposto, apenas podem ser efetuadas em entreposto fiscal mediante autorização e sob controlo da estância aduaneira competente.”
Prevê o n.º 1 do art.º 66.º do CIEC relativamente à incidência objetiva que: “1 - O imposto incide sobre a cerveja, os vinhos, outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por álcool.
Dispõem o art.º 86.º que: “ 1 - No momento da introdução no consumo, as bebidas espirituosas acondicionadas para venda ao público devem ter aposta uma estampilha especial, não reutilizável, cujo modelo e procedimentos a observar na requisição, fornecimento e controlo são regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
2 - A estampilha referida no número anterior deve ser colocada de forma indelével na embalagem, em qualquer local visível.
3 – (…)”
8 - É proibida a detenção de bebidas espirituosas acondicionadas para comercialização e venda ao público que não ostentem a estampilha especial a que se refere o presente artigo. (…)
Preceitua a alínea a) do nº 1 do art.º 96.º do RGIT que “Quem, com intenção de se subtrair ao pagamento dos impostos especiais sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes, produtos petrolíferos e energéticos ou tabaco:
a) Introduzir no consumo produtos tributáveis sem o cumprimento das formalidades legalmente exigidas;”
Por sua vez dispõem o n.º 1 do art.º 109.º do RGIT que: “1 - Os factos descritos no artigo 96.º, que não constituam crime em razão do valor da prestação tributária ou da mercadoria objeto da infração, ou, independentemente destes valores, sempre que forem praticados a título de negligência, são puníveis com coima de (euro) 1500 a (euro) 165 000. “
Entende o Recorrente que a ilicitude típica insita à contraordenação consuma-se no preciso momento em que o agente corporiza e exterioriza a intenção de não submeter o produto ao pagamento dos impostos devidos, bem assim às regras de selagem e rotulagem.
Nos termos conjugados da alínea a) do n.º 1 do art.º 96.º e 109.º do RGIT, constitui infração quem, com intenção de se subtrair ao pagamento dos impostos especiais sobre o álcool, as bebidas alcoólicas introduzir no consumo produtos tributáveis sem o cumprimento das formalidades legais exigidas.
Como referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in Regime de Infrações Tributária anotado, edição 4:º 2010, “Por tipicidade entende-se a adequação da conduta ao tipo, ou seja, o enquadramento de um comportamento real à hipótese legal, preenchendo-se tal requisito quando a conduta de alguém se encaixa na abstração plasmada na lei.
O Tipo é a descrição legal de uma infração tributária, ou seja, o molde concebido pelo legislador e que nos oferece os modelos ou padrões de comportamento humano tido em cada momento histórico como merecedores de censura, na medida em que violam valores essenciais da comunidade. O tipo será, o desenho das infrações tributárias, ou melhor a indicação dos elementos que constituem determinado ilícito tributário e que devem ser preenchidos pela conduta do agente. (…)
Por sua vez a ilicitude caracteriza-se pela desconformidade com o direito.
Foi verificado por elementos da GNR que a arguida detinha ou estava armazenados um garrafão com capacidade de 5 litros, contendo cerca de 3,5 litros de aguardente branca, com teor alcoólico de 54,50%, no anexo ao estabelecimento, e sem ostentar as estampilhas fiscais.
Não beneficiando a arguida do regime de suspensão do imposto, logo lhe estava vedado a detenção/armazenamento sem ostentar as estampilhadas especiais e introdução no consumo de produtos sujeitos a IEC.
Nesta conformidade estava verificada a tipicidade e a ilicitude pelo que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao absolver a arguida da coima.

4.2. Aqui chegados importa decidir as demais questões dadas como prejudicadas pela sentença recorrida. Alega a arguida que a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima enferma de nulidade insuprível nos termos do art.º 63.º, n.ºs 1, alínea c), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), por violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 79.º do mesmo diploma.
Alega que na decisão não há nenhuma referência, direta ou indireta, expressa ou por remissão, ao dolo e negligência, não é especificado o grau da culpa em concreto atribuído à sua conduta, não sendo também considerada a situação económica da arguida, no entanto, foi-lhe aplicada uma coima especialmente atenuada.
O disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RIGIT prevê que a decisão de aplicação de coima contém “a coima e sanções acessórias, com a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação:”
Analisada a decisão de fixação de coimas dela consta, “de acordo com o estipulado n.º 3 do art.º 23 do RGIT e tendo em conta a moldura da coima abstratamente aplicável, a contraordenação cometida pela arguida é grave e deverá ….. ser punível a título de negligência.
(…)
Na situação dos autos a conduta da arguida é grave, tendo em consideração que a mesma vende aguardente no seu estabelecimento e que detinha nesse estabelecimento aguardente introduzida irregularmente no consumo, em recipiente atípico, e sem que a mesma tivesse sido alvo de tributação em sede de imposto especial sobre álcool e as bebidas alcoólicas.
A ação da arguida tem que ser enquadrada como negligente pois não devia deter naquele estabelecimento o produto ali encontrado, …”
Neste contexto, entendemos que a decisão administrativa de aplicação de coima não é nula pois dela constam os requisitos mínimos que a lei manda observar e que visam permitir à arguida contra ela reagir no exercício do seu direito de defesa.
Com efeito a alínea c), do n.º 1, do artigo 79.º do RGIT impõe que a decisão que aplica a coima contenha “os elementos que contribuíram para a sua fixação”, sendo que a determinação da medida da coima depende da gravidade do facto, da culpa do agente e da sua situação económica nos termos do artigo 27.º do mesmo diploma.
Com efeito, a lei exige a explicitação destes elementos para que o arguido possa exercer a sua defesa no âmbito da fixação concreta do montante da penalidade, através de um contraditório que vise a diminuição da coima aplicada.
Todavia na decisão de aplicação de coima, a moldura da penalidade imputada à arguida varia entre € 3 000,00 e no máximo de € 165 000.00, tendo-lhe sido aplica a coima de € 1500,00.00 é, um valor, muito inferior ao limite mínimo, previsto para as infrações aplicáveis a pessoas coletivas.
E recorde-se que a jurisprudência tem entendido que as exigências daquele artigo 79.º do RGIT deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício efetivo dos seus direitos de defesa.
E pela mesma ordem de razões, se a coima for fixada no limite mínimo abstratamente aplicável ou num valor muito próximo deste limite, de tal modo que não assuma relevo jurídico autónomo, a exigência da alínea c) do mesmo artigo 79.º, n.º 1, - indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima – perde o seu significado essencial: o arguido não tem necessidade de conhecer os elementos que contribuíram para a fixação da coima pois não pode diminuir o seu valor, já que este constitui o limite mínimo abstratamente aplicável, não estando, por isso, prejudicado o exercício efetivo dos seus direitos de defesa. Cfr. acórdão do STA 01045/06 de 12.12.2006, aliás citado pela arguida).
Assim sendo pese embora se reconheça que a decisão de aplicação de coima não é muito esclarecedora relativamente indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação, dela resulta a ponderação da gravidade da infração que culminou com coima especialmente atenuada pelo que a referida irregularidade não pode ser considerada nulidade insuprível.

4.3. Por fim a arguida alega que a coima apesar de ser especialmente atenuada viola o princípio da proporcionalidade.
Que os valores das coimas previstas são completamente desproporcionais atendendo à quantidade de aguardente apreendida de 3,5 litros e tendo em conta o valor do imposto especial devido por essa quantidade que era de 26,46 €.
Alega que atendendo à reduzida gravidade da infração, à culpa do agente, ao facto de ser primária e às finalidades visadas pela norma, a sanção a proferir deverá ser de admoestação, ex vi no art.º 51.º do RGCOI subsidiariamente aplicável por força da alínea b) do art.º 3 do RGIT.
Vejamos:
O n.º 1 do art.º 51.º do RGCO prevê que “Quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
Quanta à possibilidade de aplicação de uma pena de admoestação tem a jurisprudência do STA, maioritariamente entendido que o n.º 1 do art.º 51.º do RGCO, onde se prevê a admoestação, não restringe a respetiva aplicação às contraordenações leves nem a veda relativamente às contraordenações graves.
Como refere o Acórdão do STA de 02584/15.5BELRS de 19.06.2019, “(…) Trata-se de questão que já por diversas vezes foi colocada a esta Secção do STA, tendo sido apreciada e decidida sem divergências de entendimento – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 10/10/2018, no processo nº 0800/14.4BEVIS 0560/18, e de 24/04/2019, no processo nº 01154/16.0BESNT.
Pelo que nos limitaremos a reiterar o discurso fundamentador desses acórdãos, transcrevendo-o na sua parte essencial.
«Seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal ( vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 13 de Outubro de 2010, no processo n.º 670/10; de 3 de Abril de 2013, no processo n.º 5/13; de 25 de Outubro de 2017, no processo n.º 371/17; de 12 de Julho de 2018, no processo n.º 497/18.), admitimos a possibilidade de aplicação da admoestação em sede de contra-ordenação tributária, que não vem questionada. […].
Ora, o n.º 1 do art. 51.º do RGCO, artigo que prevê a admoestação, não restringe a respectiva aplicação às contra-ordenações leves nem a veda relativamente às contra-ordenações graves; diz, isso sim, que «quando a reduzida gravidade da infracção […] o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação».
[….]
Na verdade, a nosso ver, o facto de uma contra-ordenação ser classificada como grave à luz do critério estabelecido pelo n.º 3 do art. 23.º do RGIT – com o único efeito de possibilitar a aplicação de sanções acessórias – não implica necessariamente que, nos casos em que não é aplicada sanção acessória, fique arredada a possibilidade de ser sancionada com uma admoestação, que essa possibilidade fique «desde logo, legalmente excluída», nas palavras da Recorrente – cfr. conclusão f). Não ignorando que o elemento literal é apenas um (e nem sequer o mais importante) dos factores a considerar quando se pretende extrair o sentido da lei (O elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma (com a função de «eliminar aqueles sentidos que não tenha qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 189), não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à «unidade do sistema», nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.
Na verdade, na interpretação da lei, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico) e que se atente nas demais disposições que regulam a mesma matéria, e as que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins, designadamente a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito temporal de relevância, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretanda (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma (cfr. BAPTISTA MACHADO, Idem, págs. 175 a 192).), também não podemos ignorar que o texto é o ponto de partida e o limite da tarefa hermenêutica (cfr. art. 9.º do Código Civil): ora “reduzida gravidade” é ainda uma gradação do que é grave. Se a intenção do legislador fosse a de que apenas as contra-ordenações leves pudessem ser sancionadas com admoestação, e já não as graves, por certo o teria dito de modo inequívoco no n.º 1 do art. 51.º do RGCO; não o fez, usando terminologia diversa, qual seja a da “reduzida gravidade”.
Por outro lado, se relativamente à dispensa da coima, prevista no art. 32.º do RGIT, o legislador não restringiu a possibilidade às contra-ordenações classificadas como leves nos termos do art. 23.º do mesmo Regime (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4.ª edição, anotação 4 ao art. 32.º, pág. 321, que afirmam: «a não exigência também de diminuta ilicitude permite concluir que o campo de aplicação da norma não se limita às contra-ordenações de reduzida gravidade».), mal se compreenderia que tivesse estabelecido essa restrição relativamente à admoestação, que constitui ainda uma sanção (e não dispensa dela).
Acresce que o critério do art. 23.º do RGIT, exclusivamente determinado em função do montante da coima, não se nos afigura ajustado quando erigido em único critério para medir a antijuricidade do comportamento e, assim, aferir da “gravidade da infracção” prevista no n.º 1 do art. 51.º do RGCO.
Mas, ainda que assim não se entenda – e concedemos que a tese que subscrevemos não é pacífica – não encontramos motivo para divergir da anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal, em que a admoestação foi judicialmente aplicada a contra-ordenações que seriam graves à luz da classificação do art. 23.º do RGIT. Nas situações a que se referem os acórdãos indicados supra, na nota de rodapé com o n.º 3, as contra-ordenações em causa podiam também ser classificadas como graves à luz do critério do art. 23.º do RGIT e, apesar de a questão aí não ter sido objecto de decisão expressa, essa circunstância não constituiu impedimento à aplicação da admoestação. (….)”

No caso em apreço também a infração, por força do art. º 23.º do RGIT, é grave na medida em que Recorrente não estava inscrita como entreposto fiscal, e como tal não beneficiava do regime de suspensão do imposto, logo estava-lhe vedado a detenção/armazenamento sem ostentar a estampilha e a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto especial.
Em síntese, o artigo 51º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), ao autorizar a aplicação de admoestação «quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique», é aplicável às infrações tributárias ex vi artigo 3º, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e não se encontra legalmente excluída a possibilidade da sua aplicação a contraordenações que o RGIT classifica como graves ou a infrações que, por natureza, representam um grave incumprimento de deveres legais e denotam um comportamento censurável, como é o caso de detenção/armazenamento sem ostentar a estampilha e a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto especial.
No entanto e atendendo que está em questão um garrafão contendo cerca de 3,5 litros de aguardente branca, com teor alcoólico de 54,50% com valor comercial aproximado de 35 €, que foi pago o imposto liquidado no valor de € 26,46 e seguindo a jurisprudência maioritária do STA, entendemos que se deve aplicar à arguida a pena de admoestação.
Termos em que se decidi aplicar à arguida a seguinte admoestação: O Tribunal adverte que não estando autorizada como entreposto fiscal, não beneficia do regime de suspensão do imposto, logo não pode produzir, deter ou armazenamento nem introduzir no consumo produtos sujeitos a imposto especial sem previamente ter sido dado cumprimento à legislação em vigor.
Atendendo a que apesar de pago o respetivo imposto, o comportamento é ilícito e constituiu infração grave, pelo que esta não desaparece pelo facto de lhe ter sido aplicada esta admoestação que se mostra, no caso, suficiente para punir a infração cometida.”.
Apesar de ter sido aplicada esta sanção, não se desconhece, e como bem refere o Recorrente, que os cafés proporcionam e fornecem a chamada “aguardente caseira” ou “bagaço” e também a oferecerem como uma espécie de brinde a alguns clientes para os fidelizar ou lhe demonstrar a sua distinção em relação aos outros clientes ou mesmo vender por um preço mais baixo, no entanto tal pratica colide com as regras exigentes dos impostos especiais sobre bebidas alcoólicas, que a arguida não pode desconhecer por inerência da sua atividade.
Pese embora, nesta situação lhe seja aplicada a pena de admoestação, a arguida deve-se abster de tal pratica, pois se for novamente confrontada com situação idêntica, será considerada reincidente e a coima agravada.
Destarte, decidindo-se aplicar à arguida a referida admoestação substituindo assim a coima aplicada impõe-se a retirada daquele produto do espaço comercial, logo após a inutilização dos selos pelo GNR-UAF e demais formalidades relativamente ao fiel depositário.

4.3. E assim, formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. Tem a jurisprudência entendido que as exigências daquele artigo 79.º do RGIT deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício efetivo dos seus direitos de defesa.
II. E pela mesma ordem de razões, se a coima for fixada no limite mínimo abstratamente aplicável ou num valor muito próximo deste limite, de tal modo que não assuma relevo jurídico autónomo, a exigência da alínea c) do mesmo artigo 79.º, n.º 1, - indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima – perde o seu significado essencial: o arguido não tem necessidade de conhecer os elementos que contribuíram para a fixação da coima pois não pode diminuir o seu valor, já que este constitui o limite mínimo abstratamente aplicável, não estando, por isso, prejudicado o exercício efetivo dos seus direitos de defesa.
II. O artigo 51º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), ao autorizar a aplicação de admoestação «quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique», é aplicável às infrações tributárias ex vi artigo 3º, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e não se encontra legalmente excluída a possibilidade da sua aplicação a contraordenações que o RGIT classifica como graves ou a infrações que, por natureza, representam um grave incumprimento de deveres legais e denotam um comportamento censurável, como é o caso de detenção/armazenamento sem ostentar a estampilha e a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto especial.

5. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e aplicar à arguida a pena de admoestação com teor supra citado.
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Custas pelo recorrida/arguida.
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Porto, 3 de dezembro de 2020.


Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes