Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00686/19.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/03/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:AÇÃO PARA RECONHECIMENTO;
DIREITO DE PREFERÊNCIA;
Sumário:
I – O art. 1410.º do Código Civil, sob a epigrafe «Ação de preferência», prescreve o seguinte: «1 - O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção». [sublinhado nosso].

II – A sentença proferida pelo tribunal a quo, que, perante o incumprimento do depósito do preço, limitou-se a extrair as consequências legais, alinhado com a jurisprudência abundante sobre a matéria, aplicando à Recorrente tratamento igual a qualquer outra pessoa colocada na mesma posição, não sem antes lhe ter concedido prazo para fazer a sua demonstração nos autos, não padece de nulidade nem é violadora de quaisquer princípios ou direitos constitucionalmente consagrados.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:


I – RELATÓRIO:
A «[SCom01...], UNIPESSOAL, LDA.», NIPC n.º ...33, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, tendo concluído pela verificação da exceção perentória de caducidade do direito de preferência, por si invocado, absolveu a Entidade Demandada do pedido, nos termos do n.º 3 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
A. A decisão recorrida é nula e, por conseguinte, deverá ser revogada por:
a. Corresponder a uma decisão surpresa, ao decidir pela verificação da excepção de caducidade do direito de acção, o que nunca foi invocado pelas partes e, consequentemente, não foi discutido entre as Partes, em violação do princípio do contraditório e do princípio da cooperação, tendo o Tribunal a quo, com efeito, incorrido em excesso de pronúncia (cf. artigo 3.º, n.º 3, artigo 7.º, artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e do artigo 666.º, n.º 1, todos do CPC);
Acresce referir que:
i. Ao ter proferido uma sentença nula por excesso de pronúncia e ao interpretar o artigo 3.º, n.º 3, do CPC no sentido de que é dispensável o exercício de contraditório quando o Tribunal decida nova questão de direito – causa de pedir - não suscitada pelas partes, o Tribunal a quo violou a garantia constitucional do processo equitativo, conforme previsto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
ii. O Tribunal a quo violou a CEDH, por não garantir um processo equitativo, quando proferiu a decisão-surpresa de que ora se recorre, nos termos previstos no artigo 6.º, n.º 1 da CEDH.
b. decidir sobre objeto diferente do pedido, em violação do princípio do dispositivo, porquanto:
i. o tribunal decidiu dentro de um objecto que criou e delimitou e não de acordo com o peticionado pelas partes, que correspondem a uma ação de preferência. Sendo a sentença recorrida nula com fundamento no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), parte final do CPC.
c. se assim não se entender, por incorrer, simultaneamente, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, em:
i. omissão de pronúncia, por não ter o Tribunal a quo decidido o pedido formulado pelo Autor;
ii. excesso de pronúncia, por ter o Tribunal a quo, sem que tenha sido peticionado ou invocado pela Ré, apreciado e decidido pela verificação da excepção que determina a caducidade do direito de acçao da Autora.
Da inconstitucionalidade
d. A Ré, a quem beneficia a dita excepção, porque imposta na salvaguarda potencial do seu interesse, tendo momento para o fazer, não a invocou, pelo que, estando isso na sua disponibilidade exclusiva, não pode o Tribunal arrogar-se a posição de o fazer.
e. Aliás, a fazê-lo, além da evidente nulidade que vem invocada, o Tribunal, aplicando o artigo 1410.º no sentido que o faz, sempre concretizaria uma aplicação inconstitucional da norma, por violação flagrante do princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP.
f. O igual tratamento perante a Lei obriga a que o Tribunal cumpra a sua função balizada pelos limites que lhe são impostos, não ficando aquém, mas não indo além, sob pena de incorrer em violação da lei e da Constituição.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência, deve
a) A sentença recorrida ser declarada nula e revogada,
b) O presente recurso ser julgado procedente,
fazendo-se assim Justiça.»
*
A Recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou contra alegações, as quais concluiu no seguintes termos:
«(…).
A) Vem interposta a presente ação para reconhecimento de direito ao abrigo do art.º 145.º e ss., do CPPT., pretendendo-se ver reconhecido através dela um putativo direito de preferência sobre a fracção autónoma designada pela letra D, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ..., ..., ..., ... e ..., sob o art.º n.º ....8;
B) acresce-se que a fração está onerada com um contrato de arrendamento, pelo período de dez anos e cujos efeitos se reportam a 01-02-2012;
C) e que, aquando da venda judicial, o arrendatário, já tinha um período de gozo superior a três anos;
D) que a AT., sabia e não podia desconhecer a situação até pelas obrigações fiscais que impendiam sobre o R., e por si cumpridas;
E) e que em nenhum momento a AT., comunicou ao R., a venda do aludido imóvel e, muito menos, lhe comunicou o projeto de venda de forma a possibilitar-lhe o seu direito de preferência;
F) mas, de facto, o alegado contrato de arrendamento com início a 01-05-2013, foi comunicado à AT., em 10-07-2015, data em que também foi liquidado o correspondente imposto de selo, não tendo o executado remetido cópia do mesmo por anexo ao pedido de anulação da venda;
G) à data em que a AT., efetuou o registo da penhora sobre o imóvel, bem como à data posterior em que o Executado registou hipoteca, não se encontrava registado qualquer contrato de arrendamento, nem do mesmo foi dado conhecimento à AT., pela Executada;
H) o contrato de arrendamento celebrado entre a firma “[SCom02...] Ld.ª”, executada nos autos de execução fiscal e a firma [SCom01...] – Unipessoal, Ld.ª, foi outorgado em 01-05-2013;
I) as assinaturas não indicam a qualidade dos intervenientes;
J) à data em que é celebrado o contrato, a firma [SCom01...], LD.ª, aqui Autora e ora Recorrente, não existia nem possuía número de identificação de pessoa coletiva, cf informação dos Serviços da AT.;
K) A firma [SCom01...], apenas se constitui em 15-10-2013, ou seja, cinco meses e meio após a outorga do suposto contrato de arrendamento;
L) à data da penhora e respetivo registo (31-07-2013), não existia qualquer contrato de arrendamento ou de subarrendamento;
Por outro lado,
M) a ação de reconhecimento de direito prevista no art.º 145º do CPPT, pelo seu recorte conceitual e finalidade, não pode ser intentada para fazer valer qualquer direito ou pretensão substantiva na sequência do presente processo, pois que detém um mero carácter de complementaridade com relação aos outros meios contenciosos;
N) E não está evidenciado nos autos, de uma forma fundamentada, a omissão por parte da AT., de qualquer dever de qualquer prestação jurídica suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária;
O) A ação de reconhecimento tem um campo de aplicação restrito, não é o terreno propício à invocação de um direito de preferência;
P) A forma do processo encontra-se subtraída à disponibilidade das partes e o erro na forma do processo constitui exceção dilatória que determina a incompetência relativa do tribunal (art.º 89.º/1 e 4 do CPTA), sendo de conhecimento oficioso, pelo que deve ser conducente à absolvição da instância (art.º 89.º/2 e 3 CPTA);
Q) o papel da Fazenda Nacional em todo este processo traduziu-se a fazer progredir o processo de execução fiscal encaminhando-o para o seu desfecho natural, a venda, e, com isso, colocar sob salvaguarda os princípios da indisponibilidade e da proibição da moratória a que se encontra subordinada;
R) Com o que também fica demonstrado de forma clara que não poderia a presente ação prosseguir contra a AT., nos termos invocados;
S) e é perfeitamente manifesto que se o Recorrente pretendia fazer valer a sua pretensão deveria ter lançado mão da competente ação de preferência;
sem conceder,
T) não pode colher o Recurso assente na teoria baseada no conceito da decisão surpresa, sem atender, ao que parece, àquilo que são os termos da Lei, a saber, o ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do tribunal, matéria que encontra assento no art.º 5.º do Código de Processo Civil;
U) é que se encontra disposto no art.º 5.º/1 e 2 do CPC., que, além dos factos essenciais que cabem ser alegados pelas partes, que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as exceções invocadas, além destes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa (cf. art.º 5.º/2, a), do CPC);
V) também são considerados pelo Juiz os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (ainda cf., art.º 5.º/2, c) do CPC.);
W) o n.º 3, do citado art.º 5.º, do CPC., estabelece que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito;
X) não se opera na Sentença ”a quo” nenhum afastamento do princípio da cooperação (art.º 7.º CPC), o que acontece é que o próprio A., se encontra apartado do dito princípio quando interpõe uma ação onde vem invocado um direito de preferência e não faz menção ao incumprimento com o requisito do depósito do preço cf. art.º 1410.º/1, do CC.;
Y) não procede a invocação do vício da sentença consubstanciado na condenação em objeto diverso do pedido ou o excesso de pronúncia como irremediavelmente decorre do teor da própria Sentença que fundamenta de forma irrefutável a verificação da exceção perentória da caducidade do direito de preferência invocado;
Z) em todo o caso a decisão final não poderia ser outra que não a da absolvição da Ré AT., do pedido por flagrante violação por banda da R., do disposto no art.º 1410.º/1, do CC.;
AA) não se encontrou nos autos prova que o ora R., tivesse procedido ao depósito do preço;
BB) donde resulta cristalino que a Decisão se não afasta em nada do seu objeto, a saber o reconhecimento de um putativo direito de preferência e a verificação da caducidade do mesmo;
CC) não procede a invocação de inconstitucionalidade nem se evidencia qualquer violação da CEDH., sob a forma de apresentação de decisão surpresa, verificado que está não ser o caso desta Decisão;
DD) Pelo que deverá a Sentença “a quo” ser mantida vigente na Ordem Jurídica, pois que não padece de nenhum dos vícios que lhe estão imputados, está radicada nos factos e fundamentada no Direito aplicável.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exªs., é manifesto que a Sentença recorrida, que não padece de nenhum vício dos que lhe vêm imputados, é correta, radicada nos factos e procede a uma justa aplicação do Direito, devendo, por isso, manter-se vigente na Ordem Jurídica e o presente Recurso ser julgado improcedente, tudo com custas a cargo do Recorrente, por indevidamente ter dado causa à ação, assim se fazendo a Sã, Serena e Costumada Justiça.»


O Digno Procurador Geral Adjunto teve vista dos autos.

Com dispensa dos vistos legais [cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre apreciar e decidir o presente recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações – cfr. artigos 608º, nº e, 635º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Procedimento e de processo tributário (CPPT) -, e que se centram em saber se a sentença: (i) é nula por violação dos princípios do contraditório e da cooperação; (ii) é nula por omissão e excesso de pronúncia; (iii) é nula por constituir uma decisão surpresa; (iv) é nula por violação do principio do dispositivo; (v) violou a garantia constitucional do processo equitativo; e (vi) se a aplicação/interpretação levada a cabo do art. 1410.º pelo tribunal é inconstitucional, por violação do principio da igualdade.

*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença recorrida não foi fixada autonomamente a matéria de facto, pelo que se passa a transcrever a sua fundamentação onde se colhe a matéria de facto e de direito relevante para o conhecimento da pretensão recursiva.
«Por Despacho de fls. 806 SITAF, determinou o presente Tribunal que a Unidade Orgânica informasse o presente processo se a Autora havia empreendido algum depósito ao abrigo do presente processo.
A Unidade Orgânica, em 20/09/2023, a fls. 807 SITAF, informou o processo de que nenhum depósito havia sido efectuado à ordem deste processo.
Nessa decorrência, por despacho de fls. 809 SITAF, foi determinada a notificação da Autora para vir informar os presentes autos se havia prestado depósito à ordem do presente processo.
Regularmente notificada do despacho supra referido – cfr. fls. 811 SITAF – a Autora nada veio dizer.
Como manifesto emerge da petição apresentada pela Autora, é pretensão da mesma com a presente acção que lhe seja reconhecido do direito de preferência na aquisição do prédio referente à fracção autónoma “D” do prédio urbano sito nos números ...0 e ...4 da Rua ..., no ..., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º...4/19980305-D, inscrito na respectiva matriz da União de Freguesias ..., ..., ..., ... e ..., sob o artigo n.º ....8, o qual foi objecto de venda judicial no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............211 e apensos.
E conferindo-se o conteúdo da petição inicial constata-se que a Autora sustenta a sua pretensão, e bem assim, configura a presente acção por referência ao estatuído no artigo 1410º do Código Civil. Isto é, por referência aos requisitos da acção de preferência.
Dispõe o referido artigo que:
“1 - O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.
2. O direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial.”.
Da leitura do inciso normativo que supra transcrevemos, especificamente do seu n.º 1, resulta que a acção de preferência está sujeita a dois prazos distintos de caducidade para o seu exercício: 1) que a mesma tem que ser exercida dentro dos seis meses contados da data em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação do prédio; e 2), que o preferente deposite o preço correspondente à alienação nos 15 dias subsequentes à data da propositura da acção.
Ora, encontra-se pacificado na jurisprudência que “a falta de depósito do preço devido nos 15 dias subsequentes à data da propositura da acção, como o exige o art. 1410.º, n.º 1, do Código Civil, determina a caducidade do direito de preferência.” – Acórdão STJ, de 08/09/2016, tirado no processo n.º 1022/12.4TBCNT.C1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Encontrando-se também pacificado na jurisprudência, na esteira do entendimento supra evidenciado, que a falta de depósito do preço dentro dos 15 dias seguintes à propositura da acção de preferência consubstancia, precisamente por determinar a caducidade do direito de preferência em causa, consubstancia excepção peremptória.
“A falta de depósito desse preço nesse prazo ulterior à instauração da acção é causa de caducidade do direito de preferência na aquisição, que se pretende reconhecer e exercer em detrimento do terceiro adquirente – é um prazo de caducidade, de acordo com a regra geral do art. 298º, 2, em conjugação com os arts. 333º, 2, e 303º do CCiv. –, tal como acentuou a sentença proferida em 1.ª instância (absolvição do pedido: art. 576º, 3, CPC) –, o que, vista a tramitação dos autos da presente acção e tal omissão da Autora, determinaria sempre o falecimento do respectivo pedido.” – Acórdão STJ, de 31/05/2023, processo n.º 4354/20.4T8ALM.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
“Não tendo os autores procedido ao necessário depósito, como poderiam e deveriam… incumpriram os autores/apelantes o ónus que sobre eles incidia, o que inexoravelmente acarreta a procedência da arguida excepção peremptória de caducidade, como decidiu – e bem – a 1ª instância.” – Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/10/2014, processo n.º 2/13.7TBNRD.L1-2, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Deste modo, temos que no presente processo estamos diante a verificação de uma excepção peremptória, a qual pode ser oficiosamente suscitada – o que foi nos termos do despacho de fls. 809 SITAF – e conhecida nos termos do n.º 3 do artigo 89º do CPTA, aplicável ex vi artigo 2º, alínea c) do CPPT.
Assim, tendo presente, tal como supra evidenciámos já, que a Autora não procedeu ao depósito do valor do preço do prédio cuja preferência na aquisição aqui pretende ver reconhecida, temos que o direito de preferência alegado pela Autora caducou.
Seguimos o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23/04/2020, tirado no processo n.º 446/19.0T8CHV.G1: “… da questão da caducidade do direito de acção de preferência:

Nos termos do n.º 1 do artigo 1410º do Código Civil “O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção”.
A exigência que o texto faz da obrigatoriedade do depósito no começo da acção, ao invés do que sucedia no Código de 1867 em que só deveria ser realizado antes de efectuada a entrega da coisa preferida, é imposta pela necessidade de garantir, na medida do possível, a utilidade real da acção, forçando o preferente a apresentar de imediato os meios necessários à aquisição que se propõe. E o prazo de 15 dias, embora respeite a um acto que se integra no encadeamento daqueles que constituem o processo- o depósito-, não é de natureza processual, mas sim de natureza substantiva.
“ São constitutivos do direito de preferência consagrado no art.º 1410º, o pedido de reconhecimento desse direito, no prazo de 6 meses, a contar da data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação e o depósito do preço, nos quinze dias seguintes à propositura da acção… o requerimento e o depósito são condições do direito de preferir…respeitam aos próprios interesses materiais ou substantivos, que são da alçada da lei civil e a inobservância de qualquer dos prazos- para requerer o seu exercício ou para efectuar o depósito- fazem-no precludir, são prazos de caducidade” – In Carvalho Fernandes, “ Preferência”, p. 66, ed 2001.
Parece não levantar dúvidas entre a doutrina e jurisprudência qual a consequência da não realização do depósito do preço devido dentro do prazo fixado no art. 1410º, nº1 do CC; essa consequência será, naturalmente, a caducidade do direito de preferir.
Tal como acontece com o decurso do prazo de 6 meses previsto no mesmo art. 1410º, trata-se de um ónus que, a não ser observado pelo preferente, determinará a extinção do seu direito por caducidade – Neste sentido, cfr. Pires de Lima e A. Varela, CC Anotado, Vol. III, p. 373, Oliveira Ascensão, ob cit, p. 168; na jurisprudência, vide AC STJ de 17.07.1980, BMJ 299,p. 331, AC da RP de 07-12-2010 e AC da RG de 24-05-2018.
Ora, tratando-se do prazo para o exercício de um direito, como vimos, é um prazo de caducidade, consoante decorre do nº 2 do artigo 298º do CC.
Sendo prazo de natureza substantiva, rege-se pelas regras de contagem de prazos previstas nos artigos 279º e 296º e ss. do C.Civil.

Assim sendo, desde que o depósito foi realizado extemporaneamente- largos meses depois do termo legalmente previsto- extinguiu-se o direito que os demandantes pretendiam exercitar, ou seja, preferir na compra a que os autos respeitam.
Ou seja, mostra-se verificada a caducidade do direito dos Autores/Recorrentes como decidiu a 1ª Instância, mas com fundamento diferente…” – Acórdão disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Consequentemente, louvando-nos no entendimento sufragado no aresto cujo excerto supra transcrevemos, e tendo presente que na caso sub judice a Autora não procedeu a qualquer depósito à ordem do processo, outra solução não resta que não a de concluir que o direito de preferência aqui invocado pela Autora caducou, o que, irremediavelmente, desagua na verificação, in casu, da excepção peremptória de caducidade do direito de preferência invocado, e, bem assim, absolver a Entidade Demandada do pedido, nos termos do n.º 3 do artigo 89º do CPTA, aplicável ex vi artigo 2º, alínea c) do CPPT.»

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IV – DE DIREITO:
Nesta sede, antes de mais, recuperamos a enunciação das questões que cumprem decidir, assim organizadas: saber se a sentença (i) é nula por violação dos princípios do contraditório e da cooperação; (ii) é nula por omissão e excesso de pronúncia; (iii) é nula por constituir uma decisão surpresa; (iv) é nula por violação do principio do dispositivo; (v) violou a garantia constitucional do processo equitativo; e (vi) se a aplicação/interpretação levada a cabo do art. 1410.º pelo tribunal é inconstitucional, por violação do principio da igualdade.
Cumpre, então, responder às questões suscitadas, com a certeza de que o tribunal, em nenhuma das suas instâncias, no que se refere à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, se encontra vinculado às alegações das partes [art. 5.º, n.º 3 do CPC].
Como momento introdutório, faremos uma incursão teórica sobre os vícios e princípios invocados.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão [1.º segmento da norma] ou de um excesso de pronúncia [2.º segmento da norma].
A referida nulidade reconduz-se a um incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, nº. 2 do CPC, o qual consiste por um lado, em resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que «só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio» [vide, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de setembro de 2012, proc. n.º 0862/12, integralmente disponível em www.dgsi.pt].
Sendo que só há omissão de pronúncia «quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões» (vide, por todos, acórdão do STA de 28 de maio de 2014, proferido no Processo n.º 0514/14, integralmente disponível em www.dgsi.pt].
Prosseguindo.
Invoca também a recorrente que a decisão proferida constitui uma decisão surpresa, afronta o princípio do contraditório, o princípio da cooperação e o princípio do dispositivo.
Vejamos.
Como acima já expusemos, o julgador não se acha limitado pelas alegações das partes no que tange à indagação, interpretação e aplicação de regras de direito.
Assim se enuncia o princípio da oficiosidade do conhecimento e aplicação do direito aos factos trazidos pelas partes – e que se exprime no brocado latino “iura novit curia, – atualmente consagrado no n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil. Continua, pois, a prevalecera máxima “da mihi factum dabo tibi ius” [“dá-me os factos e dou-te o direito”]. Ao abrigo deste princípio, o tribunal pode e deve apreciar as questões submetidas à sua apreciação com base em argumentos ou razões jurídicas distintas daquelas que foram concitadas pelas partes.
Sendo correntemente tido como uma decorrência do princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão [cfr. artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa], tal princípio deve-se também ter como tributário do princípio do dispositivo vigente no processo civil – serão as partes a introduzir na causa os factos e o conhecimento oficioso do direito cingir-se-á sempre ao objeto da causa [Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra, g. 19].
É certo, todavia, que o princípio a que vimos fazendo referência deve ser concatenado com o princípio do contraditório.
A garantia do exercício do direito do contraditório, que se encontra plasmado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, visa, como princípio estruturante de todo o processo civil, evitar as designadas “decisões surpresa”, ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes e, consequentemente, reforçar, desse modo, o seu direito de defesa.
«Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de dezembro extrai-se que, neste enunciado, se consagra a proibição da prolação de decisões surpresa. Por outro lado, tem sido considerado que as decisões surpresa são apenas aquelas que assentam em fundamentos que não foram anteriormente ponderados pelas partes, ou seja, aquelas em que se detete uma total desvinculação da solução adotada pelo tribunal relativamente ao alegado pelas partes. O campo privilegiado de valência desta proibição são as questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado.

Assim, a simples aplicação de uma norma que não foi invocada pelas partes não justificará, por si só, a audição prévia das partes, sendo que a mesma só deverá ter lugar quando o enquadramento legal convocado pelo julgador for absolutamente díspar daquele que as partes preconizaram ser aplicável, não podendo aquelas razoavelmente contar com a sua aplicação ao caso.» [Acórdão do STJ de 15.03.2018, proc. n.º 2057/11.0TVLSB.L1.S2, disponível para consulta em www.dgsi.pt e Lebre de Freitas e Isabel de Almeida, loc. cit].
A violação da garantia do exercício do direito ao contraditório consubstancia uma nulidade de natureza processual.
Sobre o princípio de cooperação, preceitua o art. 7.º do CPC que na condução e intervenção no processo devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio [n.º 1]; E que o juiz pode, em qualquer altura do processo ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência [n.º 2].
Isto posto.
Atento teor da sentença, não existem razões para dela divergir, por bem fundamentada em termos de facto e de direito e de acordo com matéria alegada, no caso, pela autora/recorrente na Petição Inicial, como passaremos a expor.
O art. 1410.º do Código Civil, sob a epigrafe «Ação de preferência», prescreve o seguinte: «1 - O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção». [sublinhado nosso].
Da análise da petição inicial extrai-se que a autora sustenta a sua pretensão relativa ao seu direito de preferência, com o preenchimento dos requisitos (cumulativos) previstos no art. 1410.º, n.º 1 do Código Civil.
Relativamente ao segundo requisito, a autora/recorrente, na petição inicial, na alínea d), com o título – Do preço a depositar que comporta os arts. 32.º a 44.º, discorre nos seguintes termos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Do teor deste extrato da petição inicial resulta de modo indefetível que a autora introduz, para além do mais, a questão do pagamento do preço, conforme previsto no art. 1410.º do Código Civil, mais afirmando que, no prazo legal, iria proceder ao seu depósito.
Assim, não pode colher a afirmação de que a decisão proferida pelo tribunal constitui uma decisão surpresa ou que o tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia, ou, ainda, que violou os princípios do dispositivo ou da garantia do processo equitativo, nos termos do disposto no art. 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Acresce que o tribunal, antes de proferir a decisão sindicada, ordenou a notificação da autora para vir informar os autos se havia prestado depósito do preço, sendo certo que esta nada disse ou fez. Donde, para além de não ter incorrido nos já mencionados vícios, a sentença não foi proferida sem que antes o tribunal garantisse o contraditório e a efetivação do princípio da colaboração, notificando a autora e concedendo-lhe prazo para comprovar o pagamento do preço, conforme se tinha, aliás, proposto a fazer.
Do exposto, resulta que o tribunal, sem mácula que lhe possa ser apontada, daí aderirmos sem quaisquer reservas à fundamentação da sentença, limitou-se as retirar as devidas consequências legais do incumprimento por parte da autora/recorrente do ónus que lhe estava imposto, nos termos do art. 1410.º, n.º 1, segunda parte, do Código Civil [depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação].
Por outro lado, o conhecimento da questão do pagamento do preço (diga-se, também, de caráter oficioso], encontra-se a montante de todas as outras suscitadas na petição inicial e, nessa medida, a pronúncia sobre estas últimas mostra-se prejudicada pela solução dada àquela primeira questão, em conformidade com o disposto no art. 608.º, n.º 2, primeira parte do CPC. Assim, não podia o tribunal a quo, como não pode este tribunal ad quem, pronunciar-se sobre as mesmas.
Do exposto, resulta, pois, que não se verifica, no caso, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Finalmente, e uma vez que a Recorrente invoca que a interpretação que o tribunal recorrido fez do art. 1410.º do Código Civil é violadora do princípio da igualdade consagrado no art.13.º da CRP., importa responder a esta questão.
Estabelece o art. 13.º da Lei Fundamental o seguinte:
«(Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»
É sabido que o princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global. Trata-se, aqui, de um princípio de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente, a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais.
Como de forma exemplar se refere no acórdão do STA de 23.05.2002, proc. n.º 0716/02, disponível para consulta em www.dgsi.pt, «[e]ste princípio, na sua dimensão material ou substancial vincula, desde logo, o legislador ordinário.
Importa, porém, reter que tal princípio não pode ser entendido de forma absoluta, vendo nele um obstáculo ao estabelecimento pelo legislador de disciplinas diferentes quando diversas forem as situações que as normas pretendam regular.
O princípio da igualdade, enquanto limite objectivo da discricionaridade legislativa não impede, por isso, o legislador de proceder a distinções.
De facto, o que está vedado é a adopção de medidas que se traduzam em distinções discriminatórias, sem qualquer fundamento razoável.
No fundo, o que se pretende evitar é o arbítrio legislativo, mediante uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente apoio material e constitucional objectivo, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador.
Vê-se, assim, que o princípio da igualdade não impõe a absoluta uniformidade de regimes jurídicos para todos os cidadãos, independentemente da situação em que se encontrem, desde que se trate de tutelar situações não coincidentes.»
Este princípio encontra-se relacionado com o direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no art. 20.º, n.º 1 da CRP.
Preconiza o invocado art. 20.º, sob a epígrafe – Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva – o seguinte:
«1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.» [destacado da nossa autoria].
Como lapidarmente se afirma no acórdão do STA de 17.10.2002, proc. n.º 0476/02, «[d]e resto, o princípio da igualdade das partes está ínsito no direito de acesso aos tribunais, plasmado, no artigo 20º, nº 1 da CRP
Esta tem sido, aliás, a posição defendida pelo Tribunal Constitucional.
Vidé, os seus Acs. nºs 1185/96, de 20-11-96, in DR, II Série, de 12-2-97, de 2-5-00 - Ac. nº 259/2000, in DR, II Série, de 7-11-00.

De facto, o processo, num Estado de Direito Democrático, tem de ser um processo equitativo e leal e, por isso, as partes hão-de poder exercer os seus direitos em condições de igualdade, podendo, assim, dizer-se que o princípio da igualdade das partes possui dignidade constitucional, por derivar, em última análise, do próprio princípio do Estado de Direito.
O mesmo sucedendo em relação ao princípio da igualdade de armas, que também deve ser incluído na base de um processo equitativo, como se assinala, em especial, no Ac. deste STA, de 16-4-98 - Rec. 436532.
Neste sentido, cfr., ainda, os Acs. do TC, de 8-4-92 - Ac. nº 147/92, in BMJ 416, de 19-3-97, nº 266/97, in BMJ 465, a págs. 228 e seguintes, de 20-12-00 - nº 582/2000, in DR, II Série, de 13-2-01, nº 279/2001 de 26-6-01, in DR, II Série, de 27-9-01e de 10-7-01 - nº 330/2001, in DR, II Série, de 12-10-01
Com efeito, a vinculação das diferentes jurisdições ao princípio da igualdade não significa apenas igualdade de acesso à via judiciária, mas também igualdade dos litigantes perante os Tribunais.
Em suma, podemos dizer que o direito fundamental de acesso ao Direito, exige, para além do mais, o princípio da igualdade de armas, princípio que decorre, em última análise, da própria ideia de Estado de Direito Democrático, que está ligado, claramente, ao “due process of law”, dele sendo incindível.
O próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em especial, em sede de interpretação e aplicação do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tem afirmado reiteradamente que a garantia de um processo equitativo se tornou num princípio fundamental da preeminência do Direito.
Cfr., a título meramente exemplificativo, os Casos “Sundey Times”, in A (Publicação do T.E.D.H. com os Acórdãos do Tribunal e os Relatórios da Comissão) 30, a págs. 34 e “Borgers”, in A, nº 214B, p. 10.»
Antecipadamente, dir-se-á que não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio constitucional, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, de forma a possibilitar, desde logo, à contraparte a possibilidade de defesa e ao Tribunal a sua efetiva compreensão e conhecimento.
Ao invés, não será de conhecer, por omissão de substanciação da causa de pedir, a violação dos identificados princípios constitucionais, se, no caso, a Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade à Lei Fundamental, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador. O que, por si só, compromete, irremediavelmente, o êxito de tal fundamento, porquanto carecido de substrato fáctico que o materialize.
Não obstante, sempre se diga que, in casu, o princípio da igualdade e do direito ao processo equitativo, constitucionalmente consagrados para salvaguarda, no caso, dos direitos da Recorrente, não se encontram de algum modo beliscados (comprimidos ou restringidos), na exata medida em que, o tribunal a quo, perante o incumprimento do depósito do preço, limitou-se a extrair as consequências legais, alinhado com a jurisprudência abundante sobre a matéria, aplicando à Recorrente tratamento igual a qualquer outra pessoa colocada na mesma posição, não sem antes lhe ter concedido prazo para fazer a sua demonstração nos autos.
Nestes termos, e sem necessidade de mais, considerações, improcede o recurso, também, neste segmento.
*
Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I – O art. 1410.º do Código Civil, sob a epigrafe «Ação de preferência», prescreve o seguinte: «1 - O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção». [sublinhado nosso].

II – A sentença proferida pelo tribunal a quo, que, perante o incumprimento do depósito do preço, limitou-se a extrair as consequências legais, alinhado com a jurisprudência abundante sobre a matéria, aplicando à Recorrente tratamento igual a qualquer outra pessoa colocada na mesma posição, não sem antes lhe ter concedido prazo para fazer a sua demonstração nos autos, não padece de nulidade nem é violadora de quaisquer princípios ou direitos constitucionalmente consagrados.


Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida na ordem jurídica.
*
V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Porto, 03 de outubro de 2024


Vítor Salazar Unas
Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais