Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01944/20.9BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/16/2025 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | VITOR SALAZAR UNAS |
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Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO; CÔNJUGE; PENHORA; BEM INDIVISO; |
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Sumário: | I - Numa situação em a dívida exequenda foi constituída pelo executado após a dissolução do casamento com a embargante, por dívida não comunicável, esta assume a qualidade de terceiro para efeitos dos respetivos embargos. II - Uma vez dissolvido o casamento celebrado segundo algum regime de comunhão de bens, passa o respetivo património de mão comum, até à respetiva partilha, à situação de indivisão, detendo cada um dos contitulares uma quota ideal do património globalmente considerado e não uma quota dos bens que compõem esse património. III - O que obriga à penhora do direito a bens indivisos (direito à meação) nos termos previstos no artigo 743.º do CPC e 232.º do CPPT, assim ficando excluída a possibilidade de penhora dos próprios bens acompanhada de citação do ex-cônjuge para requerer a separação de bens. IV - No caso, não tendo sido penhorado o direito que o executado [ex-cônjuge] detém na meação do bem indiviso, mas uma quota parte do bem que, na verdade, ainda não existe juridicamente, a penhora, deste modo, realizada é ilegal, sendo com este fundamento procedentes os embargos de terceiro.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO: «AA», contribuinte fiscal n.º ...18, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedentes os embargos por si deduzidos e, em consequência, manteve a penhora que incidiu sobre quota parte da fração autónoma “BG” descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...82 da freguesia ... do Concelho de ..., pelo Serviço de Finanças ..., no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) com o nº ................010 e apensos, instaurado contra o executado «BB» (ex-marido da embargante), para pagamento de taxas de portagem e coimas e créditos de IMI, no valor global de 26.664,08€. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «(…). 1. A Sentença ora em crise, salvo o devido respeito, dá como provado no ponto 2 o seguinte: “Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 132 sitaf referente aos créditos em execução, mencionados em 1, referentes a taxas de portagem e coimas decorrentes do não pagamento de taxas de portagem relativos a 2012 a 2015, com vencimento entre 2014 e 2017, créditos de IMI, referentes a 2013, com vencimento em 2014.” 2. O prazo de vencimento das taxas de portagem – utilização de infra-estruturas rodoviárias, à data dos factos, a saber, 2013-2015, encontra-se definido no artigo 17.º da portaria 1033-C/2010 de 06 de Outubro. 3. Forçoso será concluir que o tributo – taxa da portagem – se vence no momento da passagem do veículo pelo referido pórtico – podendo o seu condutor / proprietário liquidar tal tributo no prazo de cinco dias úteis 4. Não o fazendo, para além de incorrer em contra-ordenação, deverá ser notificado no prazo previsto no artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30/06. 5. A dívida à concessionaria (vide neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo 00490/18.5BECBR, em 22-102022, in www.dgsi.pt) se vence no momento em que o credor adquire o direito de exigir o pagamento ao devedor, momento que não pode deixar de se referir ao termo final do prazo para o pagamento voluntário, ou seja, 35 dias úteis após a passagem no referido pórtico. 6. Desde a instauração dos presentes autos, a saber 16-04-2014, decorreram já mais de 04 (quatro) anos. 7. Nunca a aqui Embargante nem o seu ex-marido, aqui Executado, foram notificados no âmbito deste processo. 8. Nos termos do artigo 45.º número 1 e 4 da Lei Geral Tributária, decorreu o prazo para a notificação válida do executado. 9. Verificando-se, assim, a caducidade do direito à liquidação. 10. Caducidade que para os devidos e legais efeitos desde já se invoca. 11. Sem prescindir, também não se verifica nos autos qualquer notificação de decisões administrativas de (eventual) aplicação da coima tributária. 12. Ausência que determina a inexigibilidade das dívidas que tenham origem nesses actos. 13. Acresce ainda que se verifica a falta de requisitos essenciais no título executivo, a saber, a alegada falta de notificação do executado «BB». 14. Que não pude ser suprida por prova documental. 15. Constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal nos termos do disposto no artigo 165.º n.º1, alínea b) do CPPT. 16. Tal nulidade é de conhecimento oficioso, conforme art.165º, n.º 4, do Código de Procedimento e Processo Tributário. 17. Fez a Sentença ora em crise errada interpretação e aplicação dos artigos 165.º n.º1, alínea b) do CPPT, 165º, n.º 4 e da alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT. 18. Contrariamente ao alegado pela AT, diversos processos referem-se a períodos tributários (ano de 2015 – meses 06/07/08/09/10/11/12; ano 2016; ano 2017; ano 2018 e ano 2019) – em que o Executado «BB», já não era sequer proprietário do veículo objeto de tais processos – XS-..-.., concretamente a partir de 2015-0601 que deixou de ser proprietário do automóvel. 19. Ora, sobre a alegada prática dos factos objecto dos títulos executivos e tendo em conta a data de instauração do presente processo executivo, decorreram mais de 5 (cinco) anos. 20. Pelo que, e no caso os mesmos são coimas tributárias, nos termos do artigo 30.º-A, n.º 2 do R.G.C.O., tais montantes já se encontram prescritos. 21. Sendo, assim, inexigíveis as dívidas que tenham origem nesses actos. 22. O que constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal nos termos do disposto no artigo 165.º n.º1, alínea b) do CPPT. 23. Tal nulidade é de conhecimento oficioso, conforme art.165º, n.º 4, do Código de Procedimento e Processo Tributário. 24. Fez, assim, a Sentença ora em crise errada interpretação e aplicação dos artigos 165.º n.º1, alínea b) do CPPT, 165º, n.º 4 e da alínea i) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT. Nestes termos e nos mais de direito cujo douto suprimento de V. Exas. Senhores Desembargadores se pede, deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido douto Acórdão que revogue a decisão em crise e julgue totalmente procedentes os embargos da Recorrente.» Os Recorridos não apresentaram contra alegações. O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso, do qual se extrata o seguinte: «(…). Vejamos. E analisado o requerimento recursivo da embargante, o objeto do mesmo, em suma, cingiu-se às seguintes questões: 1) – Prescrição da dívida exequenda; e 2) – Caducidade do direito à liquidação. Passemos a analisar os temas recursivos. Fixemos que o objeto destes autos diz respeito a montantes referentes a taxas de portagem e coimas fixadas por falta de pagamento voluntário de taxas de portagens em processo de contraordenação fiscal, as quais deram origem ao PEF nº ................010 e apensos instaurado coercivamente contra o executado, «BB» (ex-marido da embargante) pela AT, através do SF de ... 2. Consigna-se que as taxas de portagem e as coimas impostas em processo de contraordenação fiscal não foram objeto de impugnação em sede própria, nem o PEF foi objeto de oposição ou reclamação contra ato praticado pelo OEF, por parte do executado «BB» (ex-marido da embargante). Somente, em sede de PEF, a penhora da quota-parte do imóvel penhorado em nome do executado, foi pelo ora recorrente, «AA» objeto deste incidente no PEF, a título de embargos de terceiro (cf. artigos 237º e ss., do CPPT). Portanto, estamos no domínio do incidente de embargos de terceiro suscitado no âmbito do PEF e não no âmbito do processo de contraordenação fiscal, o qual transitou em julgado. Assim, no tocante às questões jurídicas suscitadas nas conclusões das alegações da embargante/recorrente, já discorreu igualmente o Meritíssimo Juiz de Direito a quo na douta sentença recorrida, com proficiência, fazendo uma exegese rigorosa dos preceitos legais, norteada pela mais avalizada jurisprudência dos nossos tribunais superiores. Na verdade, o Meritíssimo Juiz de Direito a quo inventariou e analisou as disposições que convocou para a solução do caso vertente, fazendo-o com cristalina clareza, acerto e proficiência, razão pela qual merece a nossa total adesão. Acresce que, as considerações interpretativas aí vertidas são quanto a nós, inteiramente válidas, pertinentes e resultam da mais sã e fidedigna hermenêutica jurídica, sendo, ademais, as que decorrem dos ensinamentos dos mais insignes autores. Uma vez que as questões suscitadas no presente recurso se encontram analisadas nesta sentença do tribunal a quo, a cuja fundamentação integralmente aderimos por não vislumbrarmos razão válida para dela divergir, temos de concluir, como ali, que a penhora do imóvel supracitado não enferma das ilegalidades que lhe vêm apontadas, devendo o PEF nº ................010 e apensos continuar os seus ulteriores termos até final. Acresce que, em obediência ao princípio da economia processual, com a devida vénia e por uma questão de não ser repetitivo, fazemos nossos os doutos argumentos de facto e de direito insertos na douta sentença recorrida ora posta em crise, os quais se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. (cf. fls. 408 e ss. do SITAF). Ainda assim, sempre se dirá que relativamente à prescrição da dívida exequenda, no que concerne às coimas decorrentes do não pagamento de taxas de portagem importa salientar que, por força da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, que revogou o artigo 16.º-A, o prazo prescricional passou a ser de cinco anos, à luz do disposto artigo 33º do Regime Geral das Infrações Tributárias. E conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.09.2012, Processo nº 0647/12, (Relator: Casimiro Gonçalves), “Transitada a decisão de aplicação de coima, a questão da prescrição do procedimento pela respectiva contra-ordenação deixa de relevar, passando, antes, a relevar a eventual prescrição da sanção (coima), também ela sujeita a prazo de prescrição (5 anos), nos termos do art.º 34º do RGIT”. Assim sendo, uma vez que as coimas em causa se reportam ao período compreendido entre 2012 a 2015, é manifesto que não prescreveram, pois, a execução fiscal foi instaurada em 16.04.2014, facto que interrompeu a prescrição. Já no que concerne à caducidade do direito à liquidação, diga-se ainda, em abono da verdade que, a embargante/recorrente invocou a caducidade da liquidação dos tributos, os quais nunca foram notificados à embargante [nem ao executado (ex-marido)], o que determina a sua inexigibilidade. Desde logo, importa referir que a única notificação que releva para o efeito é a efetuada ao executado, sendo desnecessária a notificação à embargante que não figura como executada. Por outro lado, a alegada inexigibilidade constitui fundamento de oposição tal como reconhecido no articulado da própria embargante/recorrente, e teria de ser arguida pelo executado, no prazo de oposição, ou perante o Órgão de Execução Fiscal, conduta que não foi adotada. Aliás, no caso vertente, estão em causa créditos provenientes de taxas de portagem e coimas decorrentes do não pagamento de taxas de portagem, e como tal, este fundamento teria de ser invocado nos correspondentes processos de contraordenação, que não foram e por isso transitaram em julgado. A este propósito, veja-se o douto despacho judicial do Meritíssimo Juiz de Direito a quo, a fls. 116 do SITAF destes autos: “A presente acção não se destina à discussão judicial da (in)exigibilidade da dívida exequenda, sendo o mecanismo processual apto para o efeito a Oposição à Execução Fiscal, dentro dos fundamentos taxativamente previstos no artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Do mesmo modo, a presente acção não é idónea a aquilatar da (i)legalidade dos actos em que se alicerçam os processos executivos de que emerge. Acresce ainda que, a Embargante não é parte no processo executivo que subjaz, antes se apresenta, atendendo à configuração que a própria concede à presente lide, como um terceiro alheio ao processo executivo que subjaz – posto que nele não figura na qualidade de Executada – alegadamente titular de um direito incompatível com a penhora de imóvel realizada neste domínio.” Logo em face dos argumentos acima aduzidos, a pretensão, nesta parte, da embargante/recorrente tem igualmente de soçobrar.» * Com dispensa dos vistos legais [cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre apreciar e decidir o presente recurso. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações – cfr. artigos 608º, nº e, 635º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Procedimento e de processo tributário (CPPT) -, que se centram em saber se a sentença comporta erro de julgamento relativamente às questões objeto de conhecimento. * III – FUNDAMENTAÇÃO: III.1 – DE FACTO Na sentença recorrida foi fixada a seguinte materialidade: «FACTOS PROVADOS 1. A Autoridade Tributária, em 16/4/2014, instaurou contra «BB», Contribuinte Fiscal nº ...81, o Processo de Execução Fiscal nº ................010 e apensos (o último instaurado em 16/10/2017), que correm termos no Serviço de Finanças ... com vista ao pagamento coercivo de créditos provenientes de taxas de portagem, coimas que emergiram do não pagamento de taxas de portagem, e créditos de IMI, no montante global de € 26.590,84. 2. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 132 sitaf referente aos créditos em execução, mencionados em 1, referentes a taxas de portagem e coimas decorrentes do não pagamento de taxas de portagem relativos a 2012 a 2015, com vencimento entre 2014 e 2017, créditos de IMI, referentes a 2013, com vencimento em 2014. 3. No processo de execução fiscal identificado em 1, em 18/2/2020, foi efectuada a penhora do imóvel designado pela letra “BG” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..82/19..0306 da freguesia ..., concelho ..., registada pela Ap. ...2 de 2020/02/21 para garantia de pagamento de € 26.664,08, conforme certidão de fls. 20/27 do processo físico que se dá por reproduzida. 4. A propriedade do imóvel identificado em 3 foi registada pela Ap. ..3 de 2000/01/12 a favor de «BB» e «CC», conforme certidão de fls. 20/27 do processo físico que se dá por reproduzida. 5. No documento apresentado pelo Exequente junto da Conservatória do Registo Predial ... para registo da penhora mencionada em 3 consta: “Registo da penhora da quota parte detida pelo executado do imóvel à margem identificado, conforme comunicação de penhora, para garantia do pagamento da dívida na quantia de 26.664,08€ proveniente da dívida de BRISA-CONCESSÃO RODOVIÁRIA, S.A. no processo de execução fiscal nº ................010 que a Fazenda Pública move contra «BB», Casado(a) com: «CC» no Regime de: Comunhão de adquiridos”. 6. A penhora mencionada em 3 foi notificada ao Executado «BB» nos termos exarados na documentação de fls. 28/31 que se dá por reproduzida. 7. «BB» e «CC» contraíram casamento em 5/10/1986, que foi dissolvido por divórcio em 30 de Abril de 2008, conforme documento de fls. 10 do processo físico que se dá por reproduzido. 8. Dá-se por reproduzido o “Acordo quanto ao destino da casa de morada de família” constante de fls. 11/12 do processo físico, no qual figuram como outorgantes «BB» e «CC», que ostenta a data de 28 de Março de 2008. 9. Os presentes embargos foram apresentados em 1/10/2020. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa. * A factualidade provada resultou da análise crítica da documentação que se encontra junto aos autos, referida no probatório em relação a cada facto, da matéria de facto alegada e não contestada comprovada documentalmente, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do disposto no artigo 412º Código de Processo Civil, bem como na análise crítica das declarações prestadas por «DD», filho da Embargante, que referiu que após o divórcio foi viver com o pai, e depois voltou a viver com a mãe no imóvel penhorado, em 2016. Declarou não saber se os seus pais partilharam aquele imóvel.» * IV – DE DIREITO: Nos termos já acima enunciados cumpre saber se a sentença suporta um errado julgamento das questões ajuizadas, tendo como seguro que, no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação do direito, o tribunal não está sujeito às alegações das partes [art. 5.º, n.º 3 do CPC.]. Através dos presentes embargos de terceiro pretende a embargante, ora recorrente, que seja declarada ilegal a penhora realizada sobre um imóvel, que constitui património comum, seu e do ex-cônjuge, único executado no processo de execução fiscal, por dívidas constituídas após a dissolução do casamento, por divórcio. Para conhecimento da questão do aventado erro de julgamento, passamos a exteriorizar um excerto da sentença, com fundamentação como se segue: «Prescreve o artigo 237º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro.”. E acrescenta o nº 3 do mesmo normativo que o prazo para dedução de embargos de terceiro é de 30 dias contados desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido vendidos. A Fazenda Pública não colocou em causa a tempestividade dos embargos instaurados em 1/10/2020, sendo que a penhora fiscal foi registada em 21/10/2020. Como determinado pelo artigo 237º, nº 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, acima referido, o prazo para deduzir embargos é de 30 dias contados a partir da data da penhora (acto ofensivo da posse) ou do seu conhecimento pelo Embargante, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido vendidos. Destarte, uma vez que a Fazenda Pública não demonstrou a intempestividade dos embargos têm que se considerar tempestivos pois foram deduzidos dentro do prazo de 30 dias previsto no aludido artigo 237º, nº 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. A Embargante tem a qualidade de terceiro, posto que, Terceiro é todo aquele que não é parte na causa, ou seja, todo aquele que não é exequente nem executado. Ora, a Embargante não é parte no processo de execução fiscal e apensos do quais emergiram os presentes embargos, instaurados contra o seu ex-marido «BB» (facto assente em 1). A penhora fiscal recaiu sobre o imóvel designado pela letra “BG” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..82/19..0306 da freguesia ..., concelho ..., registada pela Ap. ...2 de 2020/02/21. Como decorre da factualidade levada ao probatório em 4 a propriedade do imóvel identificado em 3 foi registada pela Ap. ..3 de 2000/01/12 a favor de «BB» e «CC». Ao contrário do que sucedia com o anterior regime dos embargos de terceiro, vertido na lei civil e no Código de Processo Tributário, com a redacção introduzida no actual artigo 237º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário os embargos de terceiro deixaram de ser exclusivamente um meio de defesa da posse, permitindo agora a defesa de qualquer outro direito incompatível com a diligência de apreensão ordenada, incluído o direito de propriedade ou qualquer outro direito real violado, ou cujo exercício fique perturbado, com a manutenção da penhora ou arresto. Conforme resulta do Acórdão do STA de 5/5/10, Processo nº 1016/09, “os embargos de terceiro são o meio processual adequado para fazer a defesa dos direitos de quem for ofendido – na sua posse ou em qualquer direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial – por um ato de arresto, penhora ou outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens.”. Na verdade os embargos de terceiro proporcionam uma tutela ligada “não apenas à qualificação do embargante como “possuidor”, mas também à averiguação da titularidade de um direito que, ponderada a sua natureza e regime jurídico-material, não possa ser legitimamente atingido pelo ato de apreensão judicial de bens em causa, por ser oponível aos interessados que promoveram ou a quem aproveita a diligência judicialmente ordenada” (Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume I, 2004, p. 325). Daí que a posse não seja o único fundamento que legitima a dedução dos embargos de terceiro, podendo ser defendido, mediante este meio processual, qualquer outro direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou a extensão da penhora ou apreensão de bens. Ora, o direito de propriedade é indubitavelmente passível de ser afectado pelo acto de penhora (Neste sentido alinha o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/11/2010, Processo nº 00047/07, no qual se refere que “[f]ace ao regime quer do CPC quer do CPPT nada impede que, em sede de embargos, se defenda o direito de propriedade ou qualquer outro direito real que seja violado, ou cujo exercício fique perturbado, com a manutenção da penhora ou arresto”). Como é sabido incumbe à Embargante a prova do seu direito de propriedade, ou da posse, que se mostre incompatível com a execução em curso. Ora, a Embargante alegou que, foi casada com o Executado, casamento que foi dissolvido por divórcio, e no âmbito da partilha acordaram que o imóvel ficaria para uso do seu ex-marido até à partilha. Compulsados os autos verifica-se que deles não consta que os proprietários daquele imóvel tivessem formalizado a partilha daquele bem. Assim sendo, aquele imóvel ainda pertence ao Executado e Embargante, pelo que nada obsta à penhora fiscal sendo certo que a mesma incidiu apenas sobre a quota parte pertencente ao Executado conforme resulta claro e cristalino do registo efectuado, levado ao probatório em 5. O artigo 1403º, nº 2, do Código Civil estabelece que “[o]s direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13/12/2018, no Processo nº 03754/11). Esta presunção legal – como prova legal plena ou vinculada que é – só pode ser afastada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela decorre, por força do artigo 347º do Código Civil, pelo que não basta apresentar mera contraprova, isto é, não é suficiente lançar dúvidas sobre os factos, tornando o facto presumido (a contitularidade) duvidoso. Consequentemente, improcede o pedido de redução da penhora pois a mesma incidiu apenas sobre a parte pertencente ao Executado.» Exteriorizada a fundamentação da sentença, não a podemos validar, como passaremos a explicar. A questão, como vimos, que temos de responder é a de saber se, estando provado que a dívida em cobrança coerciva nos autos de execução é da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge e que não houve partilha dos bens comuns do casal, pode o credor tributário penhorar bens desse património comum para satisfazer o pagamento daquela dívida e, na afirmativa, em que termos. Esta questão de direito, não sendo nova, tem vindo a ser solucionada pelo STA de modo que, ultimamente, nos parece pacífico, destacando-se, por todos, o acórdão de 18.11.2020, proc. n.º 0185/16.4BESNT 01352/16, disponível para consulta, com fundamentação por nós acompanhada, desenvolvida nos seguintes termos: «A última questão que temos de enfrentar é a de saber se, estando provado que a dívida em cobrança coerciva nos autos de execução é da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge e que não houve partilha dos bens comuns do casal, pode o credor tributário penhorar bens desse património comum para satisfazer o pagamento daquela dívida. Como muito bem realçou o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, a questão de direito que nos é colocada neste recurso é complexa, não é nova nem pacífica na doutrina e na jurisprudência, e tem vindo a ser colocada com regularidade a este Supremo Tribunal Administrativo que, pelo menos desde 2011, lhe vem dando sempre a mesma resposta. É, pois, tendo por referência essa jurisprudência, que apreciamos e julgamos a questão ora em análise, transcrevendo parcialmente o acórdão de 18-5-2011, proferido no processo n.º 973/09, integralmente disponível em www.dgsi.pt, cuja identidade de facto e de direito (com excepção da inexistência de citação cujo fundamento já afastamos no ponto antecedente), é indiscutível. Escreveu-se nesse acórdão o seguinte: «(…) Trata-se, pois, de dívida da responsabilidade do sujeito que a contraiu, e por ela responde apenas património deste, em harmonia com a regra contida no artigo 601.º do C.Civil quanto à garantia geral do cumprimento das obrigações. Isto é, respondem os bens de que o executado seja proprietário, a fracção de que seja titular em compropriedade e o direito que mantiver em património comum. Diferente seria a situação se a dívida tivesse nascido na vigência da sociedade conjugal, se fosse uma dívida dos cônjuges (independentemente de se tratar de dívida própria de um deles ou de dívida comum a ambos), pois nesse caso podiam ser imediatamente penhorados os bens comuns do casal, por estes integrarem um património autónomo especialmente afectado aos encargos da sociedade conjugal. E, nessa situação, o posterior divórcio não exoneraria esse património comum, devendo o ex-cônjuge adquirir na execução uma posição igual à do cônjuge, o que obrigaria à sua citação para os efeitos previstos nos artigos 220.º e 239º do CPPT. Já no presente caso, não cremos que o ex-cônjuge deva assumir na execução uma posição igual à do cônjuge do executado para os efeitos previstos nos aludidos preceitos do CPPT. Desde logo, porque, após o divórcio, o ex-cônjuge passa a deter, relativamente ao património comum um direito a uma quota ideal do valor do conjunto de bens que o integram, a meio caminho juridicamente entre a comunhão hereditária e a compropriedade, sem se poder completamente reconduzir a nenhuma das duas figuras jurídicas. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 18/11/2008, no Proc. n.º 08A2620, embora em situação diversa da que vimos analisando mas cuja doutrina sufragamos, «na comunhão conjugal existe um património colectivo, ou seja, um património com dois sujeitos que do mesmo são titulares e que globalmente lhes pertence, sendo um dos traços característicos de tal património autónomo o facto de cada um dos seus membros não poder pedir a sua divisão enquanto não cessar a causa determinante da sua constituição. Essa massa patrimonial não se reparte entre os cônjuges como na compropriedade ou comunhão do tipo romano: antes, como na antiga comunhão de tipo germânico, pertence-lhes em bloco e só em bloco. (...). Porém, uma vez dissolvido o vínculo conjugal, «o património comum converte-se em comunhão ou compropriedade do tipo romano, podendo, então, qualquer dos consortes dispor da sua quota ideal ou requerer a divisão da massa patrimonial através da partilha. É uma situação semelhante à sucessão mortis causa, ou seja, a uma herança, e é entendimento pacífico que esta, antes da partilha, constitui uma universitas juris, um património autónomo, com conteúdo próprio. Até à partilha, os direitos dos herdeiros recaem sobre o conjunto da herança; cada herdeiro apenas tem direito a uma parte ideal da herança e não a bens certos e determinados (cfr. acórdão deste STJ de 17.04.1980, in BMJ 296º-298). Como escreveu Rabindranath Capelo de Sousa (Lições de Direito das Sucessões, pág. 185), citado no referido acórdão, “nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a realização da partilha, uma vez que até aí a herança indivisa constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota-parte do património hereditário”. O mesmo é o pensamento do Prof. Pereira Coelho (Direito das Sucessões, 2ª ed., 1966-1967), também aí citado, quando esclarece que “não se trata de uma vulgar compropriedade entendida como participação na propriedade de bens certos e determinados. Pelo contrário, a contitularidade do direito à herança significa tanto como direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si considerada”». O que significa que uma vez dissolvido o casamento celebrado segundo algum regime de comunhão de bens, passa o respectivo património de mão comum, até à respectiva partilha, à situação de indivisão, detendo cada um dos contitulares uma quota ideal do património globalmente considerado e não uma quota dos bens que compõem esse património. O que obriga à penhora do direito a bens indivisos (direito à meação) nos termos previstos no artigo 826.º [atual 743.º] do CPC e 232.º do CPPT, assim ficando excluída a possibilidade de penhora dos próprios bens acompanhada de citação do ex-cônjuge para requerer a separação de bens. Esta solução respeita a regra do regime de comunhão de bens celebrado no casamento e não prejudica os interesses do ex-cônjuge ou de terceiros credores que tenham entrado em relacionamento jurídico-económico com algum dos membros do casal na pendência do matrimónio. Na verdade, tendo a dívida nascido depois do divórcio e por ela não respondendo o património colectivo afecto ao cumprimento dos encargos da sociedade conjugal, isto é, os “bens comuns do casal”, não há que salvaguardar a posição desses credores pela concessão da faculdade legal de penhora imediata dos bens comuns do casal. Assim como não há que acautelar a defesa dos interesses do ex-cônjuge através do mecanismo da citação para requerer a separação de bens, pois que após o divórcio ele pode livremente fazer cessar a indivisão, instaurando processo de inventário para partilha dos bens, ao contrário do que acontecia na pendência do matrimónio (durante o qual não pode alterar o regime matrimonial de bens nem pedir a divisão dos bens comuns, razão por que a lei concede ao cônjuge não responsável pela dívida a faculdade de separar o património comum na pendência de processo executivo, de forma a poupá-lo a qualquer prejuízo). Do exposto decorre que a embargante não pode assumir na execução uma posição igual à do cônjuge, constituindo os embargos de terceiro o meio processual adequado para defesa dos seus direitos relativamente à penhora efectuada. Penhora que não pode incidir sobre os próprios bens que integram a comunhão, mas apenas sobre o direito que o executado detém no património comum». É esta, como deixámos adiantado, a posição que perfilhamos, pelo que, não tendo no caso sido realizada a penhora do direito que o Executado detém sobre o bem comum, há, julgando-se a penhora ilegal, que confirmar também nesta parte a sentença recorrida». [destacados da nossa autoria]. Ora, transpondo a fundamentação para o caso objeto, somos levados a concluir que não tendo sido penhorado o direito que o executado [ex-cônjuge] detém na meação do bem indiviso, mas uma quota parte do bem que, na verdade, ainda não existe juridicamente, a penhora, deste modo, realizada é ilegal, sendo, por isso, procedentes os presentes embargos de terceiro. E, a sentença que assim não decidiu, não se pode manter no ordenamento jurídico. Nesta sequência, fica, ainda, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso. * Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar a sentença. * Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte SUMÁRIO: I - Numa situação em a dívida exequenda foi constituída pelo executado após a dissolução do casamento com a embargante, por dívida não comunicável, esta assume a qualidade de terceiro para efeitos dos respetivos embargos. II - Uma vez dissolvido o casamento celebrado segundo algum regime de comunhão de bens, passa o respetivo património de mão comum, até à respetiva partilha, à situação de indivisão, detendo cada um dos contitulares uma quota ideal do património globalmente considerado e não uma quota dos bens que compõem esse património. III - O que obriga à penhora do direito a bens indivisos (direito à meação) nos termos previstos no artigo 743.º do CPC e 232.º do CPPT, assim ficando excluída a possibilidade de penhora dos próprios bens acompanhada de citação do ex-cônjuge para requerer a separação de bens. IV - No caso, não tendo sido penhorado o direito que o executado [ex-cônjuge] detém na meação do bem indiviso, mas uma quota parte do bem que, na verdade, ainda não existe juridicamente, a penhora, deste modo, realizada é ilegal, sendo com este fundamento procedentes os embargos de terceiro. * V – DECISÃO: Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar a sentença. Custas pelos Recorridos, os quais não incluem taxa de justiça nesta instância por não terem contra alegado. Porto, 16 de janeiro de 2025 Vítor Salazar Unas Cristina Travassos Bento Maria do Rosário Pais |