Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 02273/18.3BEBRG-S1 |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 09/27/2019 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | Frederico Macedo Branco |
| Descritores: | RECURSO EM SEPARADO; INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PROVOCADA ACESSÓRIA; IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO |
| Sumário: | 1 – Do regime dos art.ºs 321.º a 323.º do CPC, resulta que o incidente de intervenção provocada acessória suscitado pelo R, quando tenha direito de regresso relativamente ao chamado, vem legalmente configurado como uma situação que se pretende que prejudique o menos possível a regular tramitação da lide, ficando condicionada a essa perturbação mínima. Correspondentemente, resulta do nº 2 do Artº 322.º do CPC, que a decisão do juiz sobre a relevância do interesse que está na base do chamamento é irrecorrível e que o seu deferimento só deve ocorrer quando “a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo”. Com efeito, a decisão que incida sobre pedido de chamamento é agora irrecorrível, por opção expressa e explicita do legislador, independentemente das razões que a determinaram, como resulta do referido Artº 322.º nº 2 do CPC, no qual se afirma ainda, relativamente à dedução do chamamento que “o juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento...”. 2 – Em qualquer caso, originariamente a admissibilidade da intervenção provocada acessória de terceiro ao lado do réu depende forçosamente da articulação de factos que relevem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objeto da respetiva ação, envolvente do réu e de um terceiro, bem como de factos reveladores de que, perdida a demanda, o réu tem direito de regresso contra o terceiro.* * Sumário elaborado pelo relator |
| Recorrente: | MUNICÍPIO DE V... DO C... |
| Recorrido 1: | A. P. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Não tomar conhecimento do recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O MUNICÍPIO DE V... DO C..., devidamente identificado nos autos, à margem de Ação Administrativa contra si intentada pela A. P. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., no sentido de lhe ser atribuída uma indemnização de €5.126,23, em resultado de acidente de viação ocorrido com uma sua segurada em via do referido município, não se conformando com o despacho proferido no TAF de Braga em 25 de janeiro de 2019 que indeferiu o por si suscitado incidente de intervenção provocada acessória da “F…, Companhia de Seguros, S.A.”, veio interpor Recurso do mesmo, concluindo nas correspondentes Alegações: “I. Salvo o devido respeito, o douto despacho sindicado não reparou minimamente nenhuma das nulidades que foram assacadas ao douto despacho que indeferiu o incidente de intervenção provocada acessória suscitado pelo Município, limitando-se a estabelecer que nenhuma nulidade se verificava. II. Nada na letra ou no espírito da lei traduz o entendimento constante do douto despacho sindicado no sentido de que os três requisitos da intervenção plasmados no art. 322.º/2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA, são cumulativos apenas para o deferimento do chamamento, mas serão já alternativos para o indeferimento do mesmo, afirmação meramente conclusiva e sem qualquer fundamentação de base. III. Tratando-se – como se trata - de requisitos de verificação cumulativa, no douto despacho sindicado continua a omitir-se a apreciação dos requisitos de que depende a decisão sobre o incidente de intervenção provocada acessória suscitado pelo R., no caso, o juízo sobre a existência ou não de perturbação indevida ao normal andamento do processo, o juízo sobre a viabilidade da ação de regresso e o juízo sobre a existência de efetiva dependência das questões a decidir na causa principal, mantendo-se, por isso, a nulidade suscitada, nos termos do arts. 154º/1, 613º/3 e 615.º/1/b) e d) do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA. IV. O douto despacho sindicado mantém a contradição absoluta ou, pelo menos, a manifesta ambiguidade na apreciação e decisão de ambos os chamamentos, o que torna a decisão absolutamente incompreensível, mantendo-se, por isso, a nulidade do douto despacho que indeferiu o incidente de intervenção provocada acessória deduzido pelo Município, nos termos dos arts. 154º/1, 613º/3 e 615.º/1/c) do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA. V. Para além de não reparar as nulidades imputadas ao douto despacho que indeferiu o incidente de intervenção provocada acessória suscitado pelo R., o douto despacho sindicado viola claramente o princípio da igualdade substancial/efetiva das partes, pondo em causa a igualdade de posições e de armas processuais das partes no processo, porquanto privilegia a posição processual da A. e ora recorrida em absoluto detrimento da posição processual do R. ora recorrente, no que ao uso dos meios de defesa diz respeito, no caso quanto ao chamamento por este suscitado, por contraponto ao chamamento suscitado pela A. e desde logo deferido. VI. Quando o douto Tribunal a quo diz expressamente que a celeridade e a simplicidade do processo deve ser aferida no interesse da A. e não do R. para indeferir a intervenção suscitada por este, esquece-se que se está perante princípios norteadores do processo civil/administrativo declarativo que têm que ser aferidos, antes de mais, na ótica do próprio processo, e como tal, devem servir o interesse do processo de se obter uma decisão que ponha definitivamente termo ao litígio, compondo o mesmo de forma justa e em prazo razoável. VII. A celeridade e a simplicidade processuais poderão também ser aferidas na ótica do interesse de ambas as partes na justa composição do litígio em tempo útil, mas jamais poderão ser aferidas exclusivamente no interesse de uma das partes, no caso, da Autora, e não ser também aferidas no interesse da parte contrária, no caso, do Réu, porquanto a igualdade efetiva de ambas as partes no processo, a igualdade de armas processuais e de posições das partes têm que ser asseguradas pelo Tribunal, o que no caso dos autos não sucedeu. VIII. Quando o douto Tribunal recorrido afirma que admite a intervenção principal provocada da União de Freguesias de B… e C…, bem como da I… de Portugal, S.A requerida pela A. porque a intervenção é do interesse da A., e indefere a intervenção provocada acessória da Seguradora do Município requerida pelo R. e ora recorrente, porque “o eventual direito de regresso será algo para o Réu resolver posteriormente”, e que “não contende com a pretensão da Autora nos autos”, está, salvo o devido respeito, a atender apenas e só “ao interesse da Autora”, “à pretensão da Autora” e já não ao interesse do Réu e, mais importante, ao interesse de se obter uma decisão justa no processo. IX. Quando o douto Tribunal a quo afirma que a complexidade e a morosidade do processo com a intervenção da Seguradora decorre do facto de estar mais uma parte no processo, com os seus respetivos articulados e meios de prova e que tal contenderá com o andamento do processo, indeferindo a intervenção suscitada pelo Município, quando precisamente no mesmo despacho, na mesma data, admite a intervenção de duas outras partes no processo, a União de Freguesias de B… e C… e da I… de Portugal, S.A, requerida pela A. “porque é do interesse da Autora”, já não se tem em conta que estarão mais duas partes no processo, com os respetivos articulados e meios de prova e que tal intervenção contenderá com o andamento do processo. X. Está-se perante dois pesos e duas medidas porquanto o argumento da morosidade e complexidade só vale para o ora recorrente, mas já não para a ora recorrida, para a qual apenas vale o argumento da simplicidade e da celeridade, apesar de terem sido os chamamentos deduzidos pela A. aqueles que foram admitidos, mas já não o do R. porquanto “o eventual direito de regresso será algo a resolver por este posteriormente, que nada tem que ver com o interesse da Autora, a pretensão da Autora”. XI. Admitir a intervenção principal das pessoas coletivas supra referidas e não admitir a intervenção da Seguradora para a qual o Município transferiu a sua responsabilidade civil, quando é certo que o atraso que resultaria para o processo do deferimento de todas essas intervenções seria exatamente o mesmo, e quando é certo que a intervenção da Seguradora nos autos se limitaria apenas e só às questões com reflexo na ação de regresso e não quanto a todas as questões relativas à relação material controvertida, relativamente às quais as intervenientes principais se poderão pronunciar em toda a sua plenitude, constitui, salvo o devido respeito, uma desigualdade de tratamento absolutamente intolerável na apreciação e decisão de ambos os chamamentos, que torna a decisão incompreensível e ilegal. XII. Para além de que coloca o Réu e ora recorrente MUNICÍPIO DE V... DO C... numa posição de clara e manifesta desvantagem, uma vez que o chamamento da Seguradora aos autos para auxiliar a defesa do mesmo, proporcionar-lhe-ia uma defesa conjunta e, por isso mesmo, reforçada. XIII. Não estando nos presentes autos a Seguradora para a qual o Município transferiu a sua responsabilidade civil extracontratual geral, se este vier a ser condenado, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, terá que ser o Município a arcar com o pagamento global da indemnização e, posteriormente terá que instaurar no mesmo Tribunal uma ação de regresso contra a sua seguradora para ser ressarcido do valor dessa indemnização, discutindo de novo os factos que constituem a causa de pedir da ação, porquanto aquela eventual condenação não produz efeitos de caso julgado na ação que tenha que intentar contra a Seguradora, incumbindo-lhe ainda o ónus de provar que usou de toda a diligência e meios ao seu alcance para evitar a condenação. XIV. Em tal caso, em vez de um único processo existiriam necessariamente dois processos, com duplicação de taxas, com nova atividade processual, com a discussão pela 2.ª vez de matéria de facto e de direito coincidente e com nova sentença, o que, salvo o devido respeito, atenta seriamente contra os princípios da celeridade processual, da justa composição do litígio em tempo razoável, e bem assim, contra os princípios de agilização processual e gestão processual, ponderação que cabia ao douto Tribunal a quo fazer, e não fez, porquanto se limitou a aferir do cumprimento dos princípios norteadores do processo “pela pretensão e pelo interesse da Autora”, fazendo tábua rasa da posição do Réu e ora recorrente e dos meios de defesa ao dispor deste, esquecendo-se que o objetivo do processo é a obtenção de uma decisão justa que ponha termo ao litígio que divide as partes e sem também ter em conta que a própria A. não se opôs à intervenção suscitada pelo Município. XV. Ora, a salvaguarda do direito do ora recorrente em relação ao pagamento da indemnização que justifica a dedução do incidente de intervenção provocada acessória, nunca pode ser tida como uma atitude processual que se traduza numa indevida (no sentido de grave ou desproporcional) perturbação do normal andamento do processo, sendo que, o Município recorrente limitou-se a usar de forma séria e de boa fé um meio de defesa processual que a lei coloca à sua disposição, com um objetivo legal e lícito, e não dilatório, impertinente ou inútil, que, embora contendendo com o andamento do processo, como é inevitável num qualquer incidente desta natureza, ainda assim, não perturba indevidamente o normal andamento do processo, sendo que, nem o douto Tribunal a quo o diz, motivo pelo qual é incompreensível que os chamamentos requeridos pela A. tenham sido deferidos e o do Réu, não, o que só se entende, na verdade – mas não se aceita -, quando o pressuposto exclusivamente tido em conta foi o da “pretensão da A., o interesse da A.”. XVI. De resto, só assim é que se explica que a Meritíssima Juíza a quo tenha afirmado, sem mais, que o eventual direito de regresso deveria ser resolvido posteriormente pelo R. e que não contendia com a pretensão da Autora, omitindo aquilo que o art. 322.º/2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA exige, e que consiste na apreciação da questão de saber se uma eventual ação de regresso teria possibilidades de êxito ou se, pelo contrário, no entender do Tribunal, estaria votada ao insucesso, apreciação que lhe incumbia fazer, e ainda a formulação de um juízo quanto à efetiva dependência/conexão da ação de regresso das questões a decidir na causa principal. XVII. Salvo o devido respeito, tal como a relação material controvertida foi configurada, a ação de regresso que viesse a ser intentada na sequência da mesma teria, seguramente, todas as possibilidades de êxito em face da transferência que o Réu fez da sua responsabilidade civil extracontratual para a “F… Companhia de Seguros, S.A.” e de o sinistro, em caso de responsabilidade do mesmo (Município), estar claramente coberto pelos riscos seguros pela apólice junta aos autos, pelo que o juízo que teria que ser formulado pelo Tribunal quanto a este requisito legal seria, sempre ressalvado o devido respeito, no sentido da viabilidade da referida ação. XVIII. Existe, de facto, uma ligação/dependência da ação de regresso a intentar em relação à ação principal (presentes autos) e à matéria neles discutida, consubstanciada, desde logo, no facto de a pretensão de regresso do Réu e ora recorrente contra a chamada (sua Seguradora) se apoiar no prejuízo decorrente da perda da presente demanda, quando a responsabilidade civil extracontratual do Município foi transferida para a “F… Companhia de Seguros, S.A.” e quando o sinistro, em caso de condenação do Município, estaria sempre coberto pelos riscos cobertos pela apólice que titulou o contrato de seguro celebrado entre o R. e a chamada em causa. XIX. Salvo o devido respeito, foram violadas as normas dos arts. 4.º, 6.º/1 in fine, 547.º in fine do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA, 2.º/1, 6.º, 7.º-A/1, in fine do CPTA e 13.º e 20.º/4 da CRP; Pedido: Termos em que, e nos do douto suprimento de v. Exªs., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto despacho proferido por violação do princípio da igualdade das partes, substituindo-se por outro que declare nulo o douto despacho que indeferiu o incidente de intervenção acessória deduzido pelo réu município e, fazendo-se nova apreciação dos requisitos de que depende o incidente deduzido pelo ora recorrente, defira a requerida intervenção por se verificarem, claramente, os requisitos de que a mesma depende, tudo com as legais consequências, como é, aliás, de inteira justiça. Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso. Por Despacho de 29 de Maio de 2019 foi admitido o Recurso. O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado em 4 de setembro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * * * Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em não tomar conhecimento do Recurso.Custas pelo Recorrente Porto, 27 de setembro de 2019 Frederico de Frias Macedo Branco Nuno Coutinho Ricardo de Oliveira e Sousa |