Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02273/18.3BEBRG-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/27/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RECURSO EM SEPARADO; INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PROVOCADA ACESSÓRIA; IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO
Sumário:1 – Do regime dos art.ºs 321.º a 323.º do CPC, resulta que o incidente de intervenção provocada acessória suscitado pelo R, quando tenha direito de regresso relativamente ao chamado, vem legalmente configurado como uma situação que se pretende que prejudique o menos possível a regular tramitação da lide, ficando condicionada a essa perturbação mínima.
Correspondentemente, resulta do nº 2 do Artº 322.º do CPC, que a decisão do juiz sobre a relevância do interesse que está na base do chamamento é irrecorrível e que o seu deferimento só deve ocorrer quando “a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo”.
Com efeito, a decisão que incida sobre pedido de chamamento é agora irrecorrível, por opção expressa e explicita do legislador, independentemente das razões que a determinaram, como resulta do referido Artº 322.º nº 2 do CPC, no qual se afirma ainda, relativamente à dedução do chamamento que “o juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento...”.

2 – Em qualquer caso, originariamente a admissibilidade da intervenção provocada acessória de terceiro ao lado do réu depende forçosamente da articulação de factos que relevem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objeto da respetiva ação, envolvente do réu e de um terceiro, bem como de factos reveladores de que, perdida a demanda, o réu tem direito de regresso contra o terceiro.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICÍPIO DE V... DO C...
Recorrido 1:A. P. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Não tomar conhecimento do recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O MUNICÍPIO DE V... DO C..., devidamente identificado nos autos, à margem de Ação Administrativa contra si intentada pela A. P. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., no sentido de lhe ser atribuída uma indemnização de €5.126,23, em resultado de acidente de viação ocorrido com uma sua segurada em via do referido município, não se conformando com o despacho proferido no TAF de Braga em 25 de janeiro de 2019 que indeferiu o por si suscitado incidente de intervenção provocada acessória da “F…, Companhia de Seguros, S.A.”, veio interpor Recurso do mesmo, concluindo nas correspondentes Alegações:
“I. Salvo o devido respeito, o douto despacho sindicado não reparou minimamente nenhuma das nulidades que foram assacadas ao douto despacho que indeferiu o incidente de intervenção provocada acessória suscitado pelo Município, limitando-se a estabelecer que nenhuma nulidade se verificava.
II. Nada na letra ou no espírito da lei traduz o entendimento constante do douto despacho sindicado no sentido de que os três requisitos da intervenção plasmados no art. 322.º/2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA, são cumulativos apenas para o deferimento do chamamento, mas serão já alternativos para o indeferimento do mesmo, afirmação meramente conclusiva e sem qualquer fundamentação de base.
III. Tratando-se – como se trata - de requisitos de verificação cumulativa, no douto despacho sindicado continua a omitir-se a apreciação dos requisitos de que depende a decisão sobre o incidente de intervenção provocada acessória suscitado pelo R., no caso, o juízo sobre a existência ou não de perturbação indevida ao normal andamento do processo, o juízo sobre a viabilidade da ação de regresso e o juízo sobre a existência de efetiva dependência das questões a decidir na causa principal, mantendo-se, por isso, a nulidade suscitada, nos termos do arts. 154º/1, 613º/3 e 615.º/1/b) e d) do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA.
IV. O douto despacho sindicado mantém a contradição absoluta ou, pelo menos, a manifesta ambiguidade na apreciação e decisão de ambos os chamamentos, o que torna a decisão absolutamente incompreensível, mantendo-se, por isso, a nulidade do douto despacho que indeferiu o incidente de intervenção provocada acessória deduzido pelo Município, nos termos dos arts. 154º/1, 613º/3 e 615.º/1/c) do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA.
V. Para além de não reparar as nulidades imputadas ao douto despacho que indeferiu o incidente de intervenção provocada acessória suscitado pelo R., o douto despacho sindicado viola claramente o princípio da igualdade substancial/efetiva das partes, pondo em causa a igualdade de posições e de armas processuais das partes no processo, porquanto privilegia a posição processual da A. e ora recorrida em absoluto detrimento da posição processual do R. ora recorrente, no que ao uso dos meios de defesa diz respeito, no caso quanto ao chamamento por este suscitado, por contraponto ao chamamento suscitado pela A. e desde logo deferido.
VI. Quando o douto Tribunal a quo diz expressamente que a celeridade e a simplicidade do processo deve ser aferida no interesse da A. e não do R. para indeferir a intervenção suscitada por este, esquece-se que se está perante princípios norteadores do processo civil/administrativo declarativo que têm que ser aferidos, antes de mais, na ótica do próprio processo, e como tal, devem servir o interesse do processo de se obter uma decisão que ponha definitivamente termo ao litígio, compondo o mesmo de forma justa e em prazo razoável.
VII. A celeridade e a simplicidade processuais poderão também ser aferidas na ótica do interesse de ambas as partes na justa composição do litígio em tempo útil, mas jamais poderão ser aferidas exclusivamente no interesse de uma das partes, no caso, da Autora, e não ser também aferidas no interesse da parte contrária, no caso, do Réu, porquanto a igualdade efetiva de ambas as partes no processo, a igualdade de armas processuais e de posições das partes têm que ser asseguradas pelo Tribunal, o que no caso dos autos não sucedeu.
VIII. Quando o douto Tribunal recorrido afirma que admite a intervenção principal provocada da União de Freguesias de B… e C…, bem como da I… de Portugal, S.A requerida pela A. porque a intervenção é do interesse da A., e indefere a intervenção provocada acessória da Seguradora do Município requerida pelo R. e ora recorrente, porque “o eventual direito de regresso será algo para o Réu resolver posteriormente”, e que “não contende com a pretensão da Autora nos autos”, está, salvo o devido respeito, a atender apenas e só “ao interesse da Autora”, “à pretensão da Autora” e já não ao interesse do Réu e, mais importante, ao interesse de se obter uma decisão justa no processo.
IX. Quando o douto Tribunal a quo afirma que a complexidade e a morosidade do processo com a intervenção da Seguradora decorre do facto de estar mais uma parte no processo, com os seus respetivos articulados e meios de prova e que tal contenderá com o andamento do processo, indeferindo a intervenção suscitada pelo Município, quando precisamente no mesmo despacho, na mesma data, admite a intervenção de duas outras partes no processo, a União de Freguesias de B… e C… e da I… de Portugal, S.A, requerida pela A. “porque é do interesse da Autora”, já não se tem em conta que estarão mais duas partes no processo, com os respetivos articulados e meios de prova e que tal intervenção contenderá com o andamento do processo.
X. Está-se perante dois pesos e duas medidas porquanto o argumento da morosidade e complexidade só vale para o ora recorrente, mas já não para a ora recorrida, para a qual apenas vale o argumento da simplicidade e da celeridade, apesar de terem sido os chamamentos deduzidos pela A. aqueles que foram admitidos, mas já não o do R. porquanto “o eventual direito de regresso será algo a resolver por este posteriormente, que nada tem que ver com o interesse da Autora, a pretensão da Autora”.
XI. Admitir a intervenção principal das pessoas coletivas supra referidas e não admitir a intervenção da Seguradora para a qual o Município transferiu a sua responsabilidade civil, quando é certo que o atraso que resultaria para o processo do deferimento de todas essas intervenções seria exatamente o mesmo, e quando é certo que a intervenção da Seguradora nos autos se limitaria apenas e só às questões com reflexo na ação de regresso e não quanto a todas as questões relativas à relação material controvertida, relativamente às quais as intervenientes principais se poderão pronunciar em toda a sua plenitude, constitui, salvo o devido respeito, uma desigualdade de tratamento absolutamente intolerável na apreciação e decisão de ambos os chamamentos, que torna a decisão incompreensível e ilegal.
XII. Para além de que coloca o Réu e ora recorrente MUNICÍPIO DE V... DO C... numa posição de clara e manifesta desvantagem, uma vez que o chamamento da Seguradora aos autos para auxiliar a defesa do mesmo, proporcionar-lhe-ia uma defesa conjunta e, por isso mesmo, reforçada.
XIII. Não estando nos presentes autos a Seguradora para a qual o Município transferiu a sua responsabilidade civil extracontratual geral, se este vier a ser condenado, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, terá que ser o Município a arcar com o pagamento global da indemnização e, posteriormente terá que instaurar no mesmo Tribunal uma ação de regresso contra a sua seguradora para ser ressarcido do valor dessa indemnização, discutindo de novo os factos que constituem a causa de pedir da ação, porquanto aquela eventual condenação não produz efeitos de caso julgado na ação que tenha que intentar contra a Seguradora, incumbindo-lhe ainda o ónus de provar que usou de toda a diligência e meios ao seu alcance para evitar a condenação.
XIV. Em tal caso, em vez de um único processo existiriam necessariamente dois processos, com duplicação de taxas, com nova atividade processual, com a discussão pela 2.ª vez de matéria de facto e de direito coincidente e com nova sentença, o que, salvo o devido respeito, atenta seriamente contra os princípios da celeridade processual, da justa composição do litígio em tempo razoável, e bem assim, contra os princípios de agilização processual e gestão processual, ponderação que cabia ao douto Tribunal a quo fazer, e não fez, porquanto se limitou a aferir do cumprimento dos princípios norteadores do processo “pela pretensão e pelo interesse da Autora”, fazendo tábua rasa da posição do Réu e ora recorrente e dos meios de defesa ao dispor deste, esquecendo-se que o objetivo do processo é a obtenção de uma decisão justa que ponha termo ao litígio que divide as partes e sem também ter em conta que a própria A. não se opôs à intervenção suscitada pelo Município.
XV. Ora, a salvaguarda do direito do ora recorrente em relação ao pagamento da indemnização que justifica a dedução do incidente de intervenção provocada acessória, nunca pode ser tida como uma atitude processual que se traduza numa indevida (no sentido de grave ou desproporcional) perturbação do normal andamento do processo, sendo que, o Município recorrente limitou-se a usar de forma séria e de boa fé um meio de defesa processual que a lei coloca à sua disposição, com um objetivo legal e lícito, e não dilatório, impertinente ou inútil, que, embora contendendo com o andamento do processo, como é inevitável num qualquer incidente desta natureza, ainda assim, não perturba indevidamente o normal andamento do processo, sendo que, nem o douto Tribunal a quo o diz, motivo pelo qual é incompreensível que os chamamentos requeridos pela A. tenham sido deferidos e o do Réu, não, o que só se entende, na verdade – mas não se aceita -, quando o pressuposto exclusivamente tido em conta foi o da “pretensão da A., o interesse da A.”.
XVI. De resto, só assim é que se explica que a Meritíssima Juíza a quo tenha afirmado, sem mais, que o eventual direito de regresso deveria ser resolvido posteriormente pelo R. e que não contendia com a pretensão da Autora, omitindo aquilo que o art. 322.º/2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA exige, e que consiste na apreciação da questão de saber se uma eventual ação de regresso teria possibilidades de êxito ou se, pelo contrário, no entender do Tribunal, estaria votada ao insucesso, apreciação que lhe incumbia fazer, e ainda a formulação de um juízo quanto à efetiva dependência/conexão da ação de regresso das questões a decidir na causa principal.
XVII. Salvo o devido respeito, tal como a relação material controvertida foi configurada, a ação de regresso que viesse a ser intentada na sequência da mesma teria, seguramente, todas as possibilidades de êxito em face da transferência que o Réu fez da sua responsabilidade civil extracontratual para a “F… Companhia de Seguros, S.A.” e de o sinistro, em caso de responsabilidade do mesmo (Município), estar claramente coberto pelos riscos seguros pela apólice junta aos autos, pelo que o juízo que teria que ser formulado pelo Tribunal quanto a este requisito legal seria, sempre ressalvado o devido respeito, no sentido da viabilidade da referida ação.
XVIII. Existe, de facto, uma ligação/dependência da ação de regresso a intentar em relação à ação principal (presentes autos) e à matéria neles discutida, consubstanciada, desde logo, no facto de a pretensão de regresso do Réu e ora recorrente contra a chamada (sua Seguradora) se apoiar no prejuízo decorrente da perda da presente demanda, quando a responsabilidade civil extracontratual do Município foi transferida para a “F… Companhia de Seguros, S.A.” e quando o sinistro, em caso de condenação do Município, estaria sempre coberto pelos riscos cobertos pela apólice que titulou o contrato de seguro celebrado entre o R. e a chamada em causa.
XIX. Salvo o devido respeito, foram violadas as normas dos arts. 4.º, 6.º/1 in fine, 547.º in fine do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA, 2.º/1, 6.º, 7.º-A/1, in fine do CPTA e 13.º e 20.º/4 da CRP; Pedido:
Termos em que, e nos do douto suprimento de v. Exªs., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto despacho proferido por violação do princípio da igualdade das partes, substituindo-se por outro que declare nulo o douto despacho que indeferiu o incidente de intervenção acessória deduzido pelo réu município e, fazendo-se nova apreciação dos requisitos de que depende o incidente deduzido pelo ora recorrente, defira a requerida intervenção por se verificarem, claramente, os requisitos de que a mesma depende, tudo com as legais consequências, como é, aliás, de inteira justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso.

Por Despacho de 29 de Maio de 2019 foi admitido o Recurso.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado em 4 de setembro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, decorrentes do indeferimento da requerida Intervenção provocada acessória, sendo que o Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Matéria Factual
No que aqui releva, refere-se no segmento recorrido do Despacho de 25 de janeiro de 2019:
“Do incidente de intervenção acessória provocada da F. – Companhia de Seguros, S.A.
Na sua contestação, o Réu requereu a intervenção a título acessório, da F. Companhia de Seguros, S.A., uma vez que se vier a ser condenado na presente ação terá direito de regresso contra aquela.
A Autora, notificada para emitir pronúncia, não se opôs a tal intervenção.
Apreciando e decidindo.
Resulta do disposto no artigo 321º, n.º 1 do CPC que o réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sendo que a intervenção do chamado se circunscreve à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento (n.º 2).
Do artigo 322º, n.º 2 do CPC decorre que o juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal.
Esta norma, como se retira da exposição de motivos subjacente ao CPC atual, veio no sentido de reforçar os poderes do juiz para rejeitar intervenções injustificadas ou dilatórias, quando tais intervenções perturbem indevidamente o normal andamento do processo.
Ora, verificados os termos em que a presente ação vem proposta, afigura-se que, a admitir-se a intervenção da Companhia de Seguros, o presente processo terá maior complexidade e, consequentemente, morosidade, sendo que a eventualidade de haver lugar a direito de regresso junto de terceiros será questão paralela à presente.
Deste modo, ponderadas as circunstâncias apontadas, mormente os termos em que a pretensão da Autora assenta, indefere-se a requerida intervenção.”

No seguimento de Reclamação do Município, foi proferido Despacho em 28 de fevereiro de 2019, no qual e no que aqui releva, se afirmou:
“Reclamação quanto à decisão que indeferiu a intervenção acessória da Seguradora:
Não obstante a argumentação expendida, atendendo i) a que os requisitos da intervenção (artigo 322º, n.º 2 do C.P.C.) são cumulativos para o deferimento e já não para o indeferimento (sendo que falhando um deles pode ser indeferida a intervenção – como, aliás, se julgou), ii) a que a celeridade e simplicidade do presente processo deve ser aferida no interesse da Autora e não do Réu (o eventual direito de regresso caberá ao Réu resolver posteriormente, sem contender com a pretensão da Autora), sendo que, por isso, se admitiu a intervenção da União de Freguesias e da I. de Portugal (por ser do interesse da Autora) e iii) a complexidade e morosidade do presente processo com a intervenção da Seguradora decorre, obviamente, da circunstância de que vai estar mais uma parte no processo, com os seus respetivos articulados e meios de prova e que tal contenderá com o andamento do processo, mantem-se o indeferimento da intervenção requerida.
Destarte, indefere-se a nulidade invocada, mantendo-se o despacho nos termos já proferidos.”

IV – Direito
Em bom rigor não se vislumbra a verificação da imputadas nulidades ao Despacho Recorrido que inviabilizou a requerida intervenção provocada acessória da “F., Companhia de Seguros, S.A.”, mas a mera divergência de entendimentos quanto à sua procedência, sendo que, em qualquer caso, não está coartada a possibilidade do Município, se e quando for caso disso, poder intentar ação de regresso contra a referida Seguradora, em face do que o seu eventual direito de regresso não se mostra mitigado e muito menos excluído.

Como se expendeu no Acórdão do TCAS nº 826/06.7BELSB-S1, de 04.04.2019 “(...) do regime dos art.ºs 321.º a 323.º do CPC, resulta evidente que o incidente de intervenção provocada acessória pelo R. que tenha direito de regresso vem legalmente configurado como uma situação que se pretende que prejudique o menos possível a regular tramitação da lide, ficando condicionada a essa perturbação mínima."

É pois nesse pressuposto que se estabelece no art.º 322.º, n.º 2, do CPC, que a decisão do juiz sobre a relevância do interesse que está na base do chamamento é irrecorrível e que o seu deferimento só deve ocorrer quando “a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo”.

Por outro lado, sumariou-se no Acórdão igualmente do TCAS nº 01643/06, de 13-01-2011 que “A admissibilidade da intervenção provocada acessória de terceiro ao lado do réu depende forçosamente da articulação de factos que relevem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objeto da respetiva ação, envolvente do réu e de um terceiro, bem como de factos reveladores de que, perdida a demanda, o réu tem direito de regresso contra o terceiro”

Se fosse caso disso e em qualquer caso, a relação de regresso só seria apreciada pelo tribunal para efeitos de admissibilidade do incidente de intervenção acessória, pois que o chamado, nesta sede, nunca seria condenado nem absolvido na ação.

O interveniente apenas fica vinculado, em regra, a aceitar os factos de que derivou a condenação do primitivo réu propriamente dito, isto é, o que implementou o chamamento – cfr. SALVADOR DA COSTA, in Os Incidentes da Instância, 4ª edição, págs. 138 e 144. O chamamento visa, assim, impor-lhe os efeitos do caso julgado, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente ação de indemnização proposta pelo réu contra o chamado se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo (enquanto elemento condicionante ou prejudicial da existência do direito de regresso ou indemnização), ou seja, os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito a indemnização da titularidade do autor.

O auxílio na defesa que o chamado vai prestar ao chamante limita-se à discussão das questões que possam ter repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento, ou seja, a questões respeitantes ao pedido ou à causa de pedir com repercussão na existência e no conteúdo do direito de regresso, como decorre do disposto no art. 323º, n.º 4, do CPC.

Efetivamente, e como se afirmou já, o interveniente acessório não é sujeito da relação material controvertida no processo, pelo que, a proceder a ação, sempre seria o réu, e não o chamado, quem seria condenado.

Ora é perante todas estas circunstâncias que incide a análise a fazer pelo juiz de 1ª instância para formar a sua convicção, devendo ponderar ainda da oportunidade e justificação do chamamento, mormente no que concerne à perturbação da tramitação do processo.

Atenta a letra do Artº 321º do CPC, importa pois ponderar da admissibilidade da intervenção acessória (que substituiu o antigo incidente do chamamento à autoria, inspirado na romana litis denuntiatio) de terceiro ao lado do réu, impondo-se aferir:
a) Da existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objeto da respetiva ação, envolvente do réu e de um terceiro,
b) Dos factos reveladores de que, perdida a demanda, o réu tem direito de regresso contra o terceiro, visando a indemnização pelo prejuízo derivado da perda da ação.

A tudo isto acresce à luz do Artº 322º nº 2 do CPC que importará verificar ainda se “a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo”.
E foi neste pressuposto que legitimamente assentou a decisão judicial de 1ª instância, ao entender que “(...) a admitir-se a intervenção da Companhia de Seguros, o presente processo terá maior complexidade e, consequentemente, morosidade, sendo que a eventualidade de haver lugar a direito de regresso junto de terceiros será questão paralela à presente.”

Isto mesmo resultava já do desenvolvido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-12-2000, P. nº 46485, no qual se afirma que o incidente de intervenção acessória, atualmente regulado nos art.º 321° e segs. do CPC, é uma inovação da Reforma daquele Código de 1995, destinada a colmatar a lacuna decorrente da supressão do incidente de chamamento à autoria.

Concretizando, há desde logo e no entanto, uma questão incontornável e que se prende com a irrecorribilidade da decisão proferida em 1ª instância relativamente à admissibilidade do chamamento no âmbito da intervenção acessória.

Como efeito, refere-se no Artº 322º nº 2 CPC, relativo à dedução do chamamento, o seguinte:
Artigo 322.º (art.º 331.º CPC 1961)
“Dedução do chamamento
1 – (…)
2 - O juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal.”

Era a seguinte a anterior redação do correspondente Artº 331 CPC, no que aqui releva:
“Artigo 331.º
Dedução do chamamento
1 – (…)
2 - O juiz, ouvida a parte contrária, deferirá o chamamento quando, face às razões alegadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua conexão com a causa principal.

Aliás, o Desembargador António Martins, em anotação ao Artigo 322º (CPC 2013 – Comentários e anotações práticas – Almedina 2013), refere sintomaticamente:
“Corresponde ao Artº 331º CPC revogado, com … significativas diferenças: (…) a decisão que defere ou indefere o chamamento é irrecorrível”.

Mostra-se assim que a decisão que incida sobre pedido de chamamento é agora irrecorrível, por opção expressa e explicita do legislador, independentemente das razões que a determinaram.

Assim, resta a este Tribunal admitir essa circunstância, em face do que, não se reconhecendo as suscitadas nulidades, que sempre pressuporiam a diminuição de direitos, no caso, por parte do município, o que se não verifica, importa referir que não merece censura o Despacho Recorrido que não admitiu a requerida intervenção acessória da Seguradora, atento até e acrescidamente, o facto do Recurso ser inadmissível, à luz da nova redação do nº 2 do Artº 322º CPC

Em idêntico sentido se pronunciou já este TCAN nos acórdãos nº 2015/14.2BEBRG-B, de 23-11-2017 e nº 444/15.3BECBR-A, de 06-11-2015.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em não tomar conhecimento do Recurso.

Custas pelo Recorrente

Porto, 27 de setembro de 2019

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa