Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00486/12.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2025
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:NULIDADES EXCESSO DE PRONÚNCIA; CONDENAÇÃO PARA ALÉM DO PEDIDO;
NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; EMPRESA MUNICIPAL;
ISENÇÃO SUBJECTIVA DE IVA
Sumário:
I. O juiz não só não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objeto, isto sob pena de a sentença ficar afetada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda quando condene em quantidade superior ou em objeto diferente do pedido (artigo 615.º, n.º1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil)

II. O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso, no que respeita ao pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é, pois, de grande importância o modo como se mostra formulado, por o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor.

III. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade por falta de fundamentação é necessário que a mesma seja absoluta, não bastando que a mesma incorra num “lapsus calami” susceptível de rectificação ao abrigo do artigo 614º do CPC, quando em sede de subsunção jurídica dos factos em sede da sua identificação recorre a menção alfabética dos factos quando na sua selecção havia utilizado a menção numérica.

IV. As empresas do sector empresarial local são, à luz do direito europeu, organismos de direito público quando actuam na qualidade de autoridade pública (distinguindo-se pelo exercício da sua actividade de operadores económicos privados) e, por isso, beneficiam do regime de não sujeição a IVA do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 02.11.2022, que julgou procedente a impugnação, intentada pela [SCom01...], E.M. e determinou a anulação das liquidações impugnadas, com as demais consequências legais, inconformada veio dela recorrer.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
1) O Tribunal a quo anulou as liquidações impugnadas por considerar que as prestações de serviços promovidas pela CM... não estão sujeitas a IVA como pretende a AT, porque estão excluídas de tributação por a impugnante ter agido na qualidade de entidade pública, como extensão empresarial do Município, como defende a impugnante.
2) O Tribunal considerou que uma das questões que se discute nos autos é saber se os atos impugnados padecem do erro nos pressupostos de facto e de direito quanto às correções aritméticas descritas no ponto III.1.1. e III.1.2 do relatório de inspeção tributária (Falta de liquidação e dedução indevida de IVA).
3) A sentença é nula quando o Juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. (Artº 615º nº 1 alínea d) 2ª parte do CPC)
4) É nula a sentença quando condenar em quantidade superior e em objeto diverso do pedido. (Artº 615º nº 1 alínea e) do CPC)
5) No que respeita ao ano de 2007 as correções efetuadas pela inspeção tributária assentam em dois motivos, i) Falta de liquidação do IVA no período de Dezembro de 2007 no montante de 8.123.05 conforme resulta do ponto III.1.1.1 do relatório, ii) Dedução indevida de IVA relativamente ao período de Dezembro de 2007, no montante de € 1.018.00 conforme resulta do ponto III.1.1.2.
6) Esta última correção, diz respeito à dedução indevida do IVA relativo a despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de receção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e de despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais receções, por violação do artº 21º nº 1 alínea d) do CIVA.
7) Da leitura da p.i. resulta que a impugnante não submeteu esta correção à apreciação do Juiz, pois tal articulado é totalmente omisso quanto a esta correção.
8) Esta questão não foi levantada pela parte, e o Tribunal, não obstante a indicar como uma das questões a resolver, não conheceu desta questão.
9) O Tribunal decidiu dar razão na totalidade à impugnante, sem que se pronunciasse sobre esta correção relativa à dedução indevida do IVA, que também está na origem das liquidações impugnadas.
10) O que implica que a sentença é nula por pronúncia indevida e porque condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, nos termos do artigo 615º nº 1 alínea d) 2ª parte e alínea e) do CPC.
11) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo apoia a sua decisão em factos que não constam do probatório.
12) O Tribunal socorre-se de factos que indica constarem do probatório, com a identificação das letras A), B), C) (…), quando do probatório constam factos indicados com os números 1), 2), 3) (…).
13) A sentença é nula quando não justifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. (artº 615º nº 1 alínea b) do CPC)
14) O Tribunal decidiu dar razão à impugnante, sem citar especificamente os factos que deu como provados e em que se baseia a decisão.
15) A decisão padece de vício de falta de fundamentação, gerador de nulidade da mesma, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto não se consegue alcançar em que medida e quais os pressupostos verificados no caso concreto, atendendo aos factos dados como provados face aos factos citados, em quais é que assenta a decisão.
16) Ainda que assim não se entenda, do que não se prescinde a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação das normas e princípios estabelecidos nos artigos 2º nº 2, 4º nº 2 al. b) do CIVA, o que deverá conduzir à sua revogação.
17) Consta da síntese da matéria de facto efetuada pelo tribunal a quo, página 11 a 12 da sentença recorrida que;
18) A ora impugnante é juridicamente caracterizada como uma empresa municipal, sendo a sua organização, funcionamento e financiamento regidos à data em vigor dos factos, pela Lei nº 53F/2006 de 29 de Dezembro, que aprovou o regime jurídico do setor empresarial local e que, no seu artº 8º, prevê a criação de empresas municipais pelos municípios.
19) Compulsado o contrato de sociedade, constata-se que a empresa tem por objeto social “gestão e exploração da infraestrutura parque de exposições ..., assegurando a continuidade e qualidade da prestação de serviços públicos da mesma e, promovendo através da conjugação de esforços e de interesses dos seus principais agentes, o desenvolvimento económico sustentado do concelho e região ....”
20) Foi celebrado contrato programa entre a Câmara Municipal ... e a [SCom01...] E.M. que foi dado por reproduzido no ponto 2) do probatório, sendo de realçar que na cláusula 2ª, nº 1 al. d) desse contrato resulta que a agora impugnante fica obrigada, além do mais, a reservar, sem quaisquer encargos próprios adicionais e até ao limite anual de 20 dias, as áreas das suas instalações necessárias para a organização de atividades da Câmara Municipal ..., sem fins lucrativos.
21) É facto assente que a impugnante organizou eventos em que obteve receitas, incluindo as provenientes de ocupação de espaços nas instalações do parque de exposições, e organizou eventos em que tal ocupação não gerou proveitos, tendo cedido o espaço gratuitamente.
22) Em acréscimo ao probatório deve também ser dado como provado;
23) A lista dos eventos promovidos pela Câmara Municipal ... e executados pela [SCom01...], conforme o contrato programa encontram-se discriminados no relatório de inspeção, para o ano de 2007, na tabela da página 10 e para o ano de 2008 na tabela da página 17, e que têm por suporte as cópias dos calendários dos eventos relativas aos anos de 2007 e 2008 elaboradas pela [SCom01...] E.M. e que constam dos anexos 5 e 9 do relatório de inspeção.
24) Pois relativamente a esta matéria, não obstante a sentença recorrida remeter para os eventos referidos no artigo 23º da p.i., o que é certo é que este artigo não aponta quaisquer eventos, estes são indicados de forma genérica e imprecisa nos artigos 20º e 22º da p.i., sem que tenham uma total correspondência com os anteriormente indicados pela própria impugnante no decurso do procedimento de inspeção, conforme os anexos 3 e 7 do relatório de inspeção.
25) Efetivamente, como resulta do anexo 3 do relatório foram indicados para o ano de 2007 para além dos apontados nos já referidos artigos 20º e 22º da p.i., os eventos referentes à “exposição filatélica” e “salão automóvel”.
26) E como é evidente no anexo 7 do relatório, para o ano de 2008, foram apontados no referido anexo os eventos “conferência de imprensa Drª «AA»” “Festa da freguesia – Paróquia ...” que não foram indicados nos referidos artigos da p.i.
27) Deve ainda ser dado como provado, porque se nos afigura relevante para a decisão do processo, designadamente para se aferir se os eventos em questão se encontram ou não abrangidos pela cláusula 2ª, nº 1 al. d) do contrato programa, isto é, se são eventos em que a empresa suportou custos, o seguinte facto:
28) - O sujeito passivo foi notificado, na pessoa do técnico oficial de contas, «BB», para apresentar a discriminação dos custos suportados relacionados com os eventos promovidos pela Câmara Municipal ..., nos anos de 2007 e 2008, e em resposta o SP identificou os custos diretos relacionados com os eventos promovidos pela CM..., que não geraram receitas para a [SCom01...], mas relativamente aos quais foi deduzido o imposto suportado.
29) Este facto está suportado no relatório de inspeção, página 13, 2º parágrafo e página 19, 2º parágrafo e anexos 3 e 7 juntos com o relatório de inspeção.
30) Discorda-se da sentença recorrida quando decide que a [SCom01...] não é sujeito passivo de IVA quando exerce a atividade de realização dos eventos postos em causa pela inspeção.
31) Como resulta da fundamentação das liquidações impugnadas, a AT entendeu que as prestações de serviços a título gratuito efetuadas pela empresa [SCom01...], e promovidas pela CM..., e em que a empresa suportou custos com os eventos, são consideradas com vista a fins alheios à mesma, e como tal são prestações de serviços a título oneroso, de acordo com a alínea b) do nº 2 do artº 4º do CIVA, e, portanto, sujeitas a imposto.
32) A AT sustenta-se no facto de a empresa suportar custos com os eventos promovidos pela CM..., o que contraria o disposto na alínea d) do nº 1 da 2ª cláusula do contrato programa que refere que a empresa municipal se obriga a reservar, no seu plano anual de ocupação das instalações, sem quaisquer encargos próprios adicionais, as áreas necessárias a atividades da CM....
33) O Tribunal considera que os eventos em questão se incluem no âmbito dos fins públicos do Município de que a impugnante é extensão empresarial, e não extravasam “os fins próprios”, pelo que estão excluídos de tributação por força do artigo 2º nº 2 do CIVA.
34) Sustentando-se a douta sentença no facto de que se encontram preenchidos os 3 requisitos que resultam da interpretação do artº 2º nº 2 do CIVA, a saber; i) o exercício da atividade por um organismo de direito público; ii) que atue na qualidade de autoridade pública e, iii) que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência significativas.
35) O Tribunal considera que a atividade desenvolvida pela [SCom01...] relativa à realização dos eventos a título gratuito promovidos pela CM... configura-se como operações não sujeitas a IVA porque segundo defende a [SCom01...] é um organismo de direito público e exerceu esta atividade na qualidade de autoridade pública e a atividade desenvolvida não é suscetível de causar distorções de concorrência.
36) A douta sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, pois não fez uma correta apreciação da prova e da aplicação dos artigos 1º nº 1 alínea a) 2º nº 2 e 4º nº 2 alínea b) do CIVA.
37) É convicção da recorrente que a [SCom01...] é sujeito passivo de IVA quando exerceu a atividade de realização de eventos aqui em litígio.
38) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo entende que o Município tem natureza de uma empresa pública, pois trata-se de uma empresa municipal cujo capital é detido pelo Município ... e como tal enquadra-se no conceito de “pessoas coletivas de direito público”, na aceção do artigo 2.º, n.º 2 do CIVA e como tal deu por verificado o 1º requisito.
39) Mais considerou a sentença recorrida que a [SCom01...] atua na qualidade de autoridade pública, pois está sujeita a um regime de direito público, enquadrando-se na Lei nº 53 -F/2006 de 29 de dezembro e presta serviços que pertencem à esfera de competência da Câmara Municipal ..., traduzidos na gestão e exploração do Parque de Exposições ..., promovendo o desenvolvimento económico da região ... e ao abrigo da celebração de um “contrato programa” entre a Câmara Municipal ... e a impugnante, pelo que deu-se uma sub-rogação de poderes públicos para com a empresa municipal, ficando a cargo desta competências que pertenceriam, em primeira linha, à Câmara Municipal .... Pelo que deu por verificado o 2º requisito.
40) O Tribunal considerou ainda que as atividades ao serem desenvolvidas ao abrigo de uma delegação de poderes da Câmara Municipal ... para a empresa municipal [SCom01...], E.M, e atendendo à modalidade do seu exercício e ao específico regime jurídico que a conforma, não poderão, em nenhum caso, ser exercidas pelos particulares com fim lucrativo. Razão pela qual, a impugnante não pode vir a ser confrontada com operadores privados que forneçam prestações em concorrência com as suas prestações públicas. Não se verificando, portanto, qualquer distorção da concorrência para efeitos do previsto no artigo 2.º, n.º 2, do CIVA. Pelo que foi dado por verificado o 3º requisito.
41) Pese embora a [SCom01...] se enquadrar no conceito de pessoa coletiva de direito público, esta não invocou os seus poderes de autoridade para a realização dos eventos promovidos pela CM..., pois de facto não existiu qualquer imposição aos particulares ou ação deliberada contra a vontade destes para a prossecução do interesse público.
42) É certo que resulta do contrato programa celebrado entre a [SCom01...] e a CM... que aquela se obriga a reservar no seu plano anual de ocupação das instalações, sem quaisquer encargos próprios adicionais, as áreas necessárias a atividade da CM..., sem fins lucrativos, em conformidade com o plano constante no Anexo III. (Cfr. cláusula 2º do ponto 1 alínea d) do contrato programa, ponto 2 do probatório)
43) Contudo, os eventos aqui em causa, acarretaram custos para a [SCom01...], custos esses assumidos pela própria, o que contraria o preceituado em tal cláusula que prevê que os eventos se realizem sem quaisquer encargos próprios adicionais, o que nos leva a concluir que a impugnante não atuou ao abrigo do contrato programa, nem de acordo com o que aí estava definido.
44) A que acresce a que os serviços que a impugnante presta relativos a tais eventos são serviços de organização e gestão em tudo semelhantes aos que são faturados a outros clientes de que é exemplo a prestação de serviços à [SCom02...], Companhia de Seguros S.A. ou à [SCom03...], Lda.
45) Não se compreende de que forma é que a promoção de eventos por parte da CM..., e a organização desses eventos por parte da [SCom01...], pode ser considerado que esta atue na qualidade de autoridade pública.
46) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo entende que as atividades ao serem desenvolvidas ao abrigo de uma delegação de poderes da Câmara Municipal ... para a empresa municipal [SCom01...], E.M. implica que esta desenvolve a sua atividade ao abrigo de poderes de autoridade.
47) Contudo, não se demonstra a invocada delegação de poderes.
48) Sendo certo que a mesma não radica no alegado contrato programa, pois como vimos a impugnante imputa custos a cada um dos eventos aqui em litígio, o que os exclui da aplicação da cláusula 2º do ponto 1 alínea d) do contrato programa.
49) Em Portugal, a atividade de exploração de feiras e de exposições de carácter comercial, é levada a cabo por organismos públicos, em situações jurídicas equivalentes e em direta concorrência com operadores privados.
50) Mesmo que estas atividades sejam realizadas no domínio do direito público, com a utilização de prerrogativas de autoridade, não podem beneficiar do regime de não sujeição a IVA estabelecido no nº 2 do artº 2º do CIVA, por tal sujeição ser suscetível de poder dar origem a distorções de concorrência.
51) Entende-se que a atividade relativa à realização dos eventos promovidos pela CM... realizados pela impugnante foi realizada sem esta ter de lançar mão dos seus poderes de autoridade, isto é para realizar os eventos não teve de se impor aos particulares e agir mesmo contra a vontade destes.
52) Considera-se ainda que a [SCom01...] suporta custos, e por isso não atua ao abrigo do contrato programa, pelo que efetua uma operação económica sujeita a IVA, pois uma possível não sujeição ao imposto iria originar distorções de concorrência, conforme artigo 2º nº 2 do CIVA.
53) A que acresce que na opinião da recorrente o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo devida desde logo aferir se as operações em causa são suscetíveis de serem ou não tributadas em IVA, pois só faz sentido a qualificação do sujeito passivo que a presta como sujeito passivo de IVA se verificarem os pressupostos de incidência objetiva.
54) Nos termos do artº 1º nº 1 alínea a) do CIVA, estão sujeitas a IVA as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo nesta qualidade.
55) Para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de IVA deverá naturalmente existir um serviço enquadrável numa atividade económica, deverá existir um consumo.
56) Deve aferir-se casuisticamente se existe ou não uma operação com substância económica que possamos tributar a título de prestação de serviços.
57) Embora a regra geral seja a tributação das prestações de serviços efetuadas a título oneroso, o código assimila operações efetuadas a título gratuito a prestações de serviços efetuadas a título oneroso, encontrando-se nesta situação as prestações de serviços a título gratuito efetuadas pela própria empresa tendo em vista as necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou em geral a fins alheios à mesma. (artº 4º nº 2 alínea b) do CIVA)
58) A [SCom01...] suporta custos com os eventos aqui em causa, deduzindo o IVA, sem a correspondente contrapartida em termos de proveitos.
59) E o facto de a empresa suportar custos com os eventos que são diretamente promovidos pela CM... e dos quais não resulta quaisquer proveitos, contraria o que vem referido no contrato programa na já citada alínea d) do ponto 1 da 2ª cláusula.
60) O Iva suportado com os custos diretos associados a estes eventos é deduzido na integra pelo sujeito passivo, o que só demonstra que a própria impugnante considerou tais operações como sujeitas a IVA.
61) Pois nos termos do artº 20º nº 1 alínea a) do CIVA só pode deduzir-se o IVA que incida sobre prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
62) Caso tivesse atuado como sujeito passivo não sujeito a IVA como defende o Tribunal a quo, nunca teria procedido à dedução do IVA, porque a operação estaria isenta.
63) Face ao exposto, só nos resta concluir que a [SCom01...] prestou serviços gratuitos, no âmbito da sua atividade económica, relativamente aos quais a empresa deduz o imposto relativo aos custos relacionados com esses serviços.
64) E volta-se a recordar, são serviços de organização e gestão, em tudo semelhantes aos que são faturados a outros clientes como anteriormente se referiu.
65) Posto isto, relativamente os eventos aqui em apreço verificam-se os pressupostos da incidência objetiva em IVA.
66) A [SCom01...] atuou no caso concreto como sujeito passivo de IVA, não lhe podendo ser aplicada a delimitação negativa de incidência constante do artº 2º nº 2 do CIVA, uma vez que embora sendo uma entidade de natureza pública, não é dotada de poderes de autoridade para a atividade económica que desenvolveu, e a sua não sujeição a IVA conduz a distorções de concorrência.
67) A douta sentença sob recurso fez uma incorreta apreciação prova, e violou os 1º nº 1 alínea a), 2º nº 2 e 4º nº 2 alínea b) do CIVA.
TERMOS EM QUE, deve declarar-se nula a sentença, ou caso assim não se entenda ordenar-se a sua revogação, como é de
LEI E JUSTIÇA.»
1.2. A Recorrida [SCom01...], E.M.., notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, nas quais defende, em síntese, que a sentença recorrida não enferma das nulidades que lhe vem assacadas e, bem assim no erro de julgamento de facto e de direito, assumindo que a mesma fez uma correta apreciação das questões suscitadas e que não merece reparo.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer (fls. 154 do SITAF):
«Visto.
Aderindo, na integra, à fundamentação da douta sentença recorrida, que está devidamente fundamentada quer de facto quer de direito, entendemos ser a mesma de confirmar.»
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente (AT), estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se o Tribunal a quo enferma de (i) nulidade por excesso de pronúncia e/ou condenação além do pedido ou em objecto diverso do pedido, (ii) de nulidade por vício de falta de fundamentação, (iii) incorreu a sentença em (iii) erro de julgamento de facto, a determinar o aditamento da matéria de facto, (ii) e do erro de julgamento de direito por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação das normas e princípios estabelecidos nos artigos 2º nº 2, 4º nº 2 al. b) do CIVA.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«1. Em 16/12/2004, a impugnante – [SCom01...], E.M, foi constituída por deliberação da Câmara Municipal ... – fls. 4 verso do relatório de inspeção tributária do processo administrativo apenso aos autos.
2. Em data não concretamente determinada, mas posterior a 01/01/2006 e anterior a 31/12/2006 foi celebrado documento intitulado como “Contrato-programa entre a Câmara Municipal ... e a [SCom01...] E.M”, o qual se dá por integralmente reproduzido, destacando-se as seguintes cláusulas – cf. fls. 18 a 22 do processo físico apenso aos autos.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
3. Para os anos 2007 e 2008 também foram celebrados contratos-programa idênticos ao aludido no ponto anterior – pág. 8 a 11 e 17 do Relatório, de fls. 6 a 7vº e 10vº do PA;
4. A impugnante tem por objeto a “Organização de Feiras, Congressos e outros eventos similares” - CAE 82300 e encontra-se fiscalmente enquadrada no regime normal do IVA, de periodicidade trimestral - cf. pág. 5 do relatório de inspeção tributária, a fls. 4vº do processo administrativo apenso aos autos.
5. O objeto principal da impugnante consiste é “(…) a gestão e exploração da infraestrutura Parque de Exposições ..., assegurando a continuidade e qualidade da prestação de serviços públicos da mesma e, promovendo, através da conjugação de esforços e de interesses dos seus principais agentes, o desenvolvimento económico sustentado do concelho e região ...” - cf. artigo 3.º dos “Estatutos da [SCom01...], E.M” de fls. 16 do processo físico e fls. 4 verso do processo administrativo apenso aos autos.
6. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ...18, prorrogada pelo ofício n.º ...05, a Autoridade Tributária, entre 09/03/2011 e 26/10/2011, levou a cabo uma ação de inspeção externa, de âmbito parcial (IVA), abrangendo os exercícios de 2007 e 2008 – cf. pág. 4 do relatório de inspeção tributária e fls. 78 a 85 do processo administrativo apenso aos autos.
7. Pelo ofício n.º ...01, expedido a 27/10/2011 por correio registado, a Autoridade Tributária remeteu à impugnante cópia do projeto de relatório de inspeção tributária e convite para exercer o direito de audição – cf. 88 e 89 do processo administrativo apenso aos autos.
8. A impugnante exerceu o seu direito de audição, tendo sido rececionado na Direção de Finanças ... em 07/11/2011 – cf. fls. 13 do relatório de inspeção tributária e 39 a 43 do processo administrativo apenso aos autos.
9. Em 11/11/2011 a AT elaborou o Relatório final da inspeção, que foi homologado por despacho de 14/11/2011, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte – cf. fls. 1 e seguintes do PA;
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- fls. 4 a 15 do relatório de inspeção tributária que integra o PA;
10. Pelo ofício n.º ...19 de 15/11/2011, expedido a 16/11/2011, por correio registado com aviso de receção assinado em 16/11/2011, foi a impugnante notificada do teor do relatório final de inspeção tributária - cfr. fls. 96 a 99 do processo administrativo;
11. Na sequência, a Autoridade Tributária procedeu à emissão das respetivas liquidações, tendo sido emitidos os seguintes atos de liquidação adicional e respetivos juros compensatórios – cf. fls. 27 a 30 do processo físico.
N.º LiquidaçãoDataPeríodoIVAJuros CompensatóriosData limite pagamento voluntário
...3729/11/2011 2007.12T €9.141,05 0 31/01/2012
...3829/11/2011 2007.12T 0 €1.371,41 31/01/2012
...3929/11/2011 2008.06T €9.358,55 0 31/01/2012
...4029/11/2011 2008.06T 0 €1.217,38 31/01/2012
TOTAL- - €18.499,60 €2.588,79 € 21.088,39

12. A 31/01/2012 a impugnante procedeu ao pagamento do montante global de € 21.088,39, referente às liquidações de IVA e juros compensatórios a que se alude na alínea anterior – cf. extrato da conta bancária, identificado como “doc. n. º7” na petição inicial (artigo 11.º) e fls. 31 do processo físico, facto não controvertido.
13. Em 27/04/2012, por correio eletrónico (e-mail) foi apresentada a petição inicial da presente impugnação judicial – cf. fls. 2 e seguintes do processo físico.
3.2. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
4. Motivação para a decisão da matéria de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art.º 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art.º 76º, nº 1, da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório. »

2.1.2. Aditamento oficioso
Para a apreciação e decisão da questão recorrida entendemos ser relevante aditar matéria de facto atinente ao RIT em complemento da transcrição parcial operada em 9. a qual peca na sua extensão em percetibilidade decorrente da foto montagem.
Assim, o Tribunal ad quem ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC decide aditar oficiosamente a seguinte matéria de facto:
9.a)
III.1. EM SEDE DE IVA
III.1.1. Exercício de 2007
III.1.1.1. Prestações de serviços efectuadas a título gratuito
Uma das fontes de receitas da empresa municipal, conforme já foi referido aquando da descrição da actividade, são as verbas atribuídas pelo Município ... ao abrigo dos contratos-programa celebrados entre as duas entidades.
No dia 5 de Julho de 2007 foi celebrado um contrato-programa onde é referido que a Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, criou a Empresa Municipal [SCom01...] atribuindo-lhe como razão social a "gestão e exploração da infra-estrutura Parque de Exposições ..., assegurando a continuidade e qualidade da prestação de serviços públicos da mesma...". O contrato-programa estipula ainda que o modelo de gestão referido deverá ter como principais objectivos:
- Promover a efectiva utilização e exploração do bem público, assegurando um equilíbrio entre a necessidade de rentabilizar o investimento efectuado e a prestação de serviços de interesse para as populações da região;
Potenciar o desenvolvimento económico do Concelho e da região ..., assente nos sectores económicos mais representativos e desenvolvidos,'
- Rentabilizar económica e financeiramente o investimento público realizado, através de uma gestão profissional e dedicada;
- Aumentar o prestígio e dimensão nacional das Feiras Anuais Tradicionais tendo em linha de conta a sua importância para o Município e Região ....”
Segundo a cláusula primeira, o contrato-programa tem por objecto "estabelecer as condições em que a empresa [SCom01...] se obriga à prestação de um conjunto de serviços públicos no âmbito da função de desenvolvimento regional e local, a qual se configura um investimento de rendibilidade não demonstrada, em virtude do seu carácter não comercial, bem como a impossibilidade que daí resulta para a [SCom01...], de não poder contar com esses períodos de ocupação da infra-estrutura Parque de Exposições ... na sua oferta anual ao mercado, e a respectiva comparticipação financeira a que se obriga a CM..., em consonância com o disposto nos Estatutos da [SCom01...], E. M.”
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
No n.º 1 da cláusula segunda do contrato-programa estão enumeradas as obrigações da [SCom01...] na qualidade de responsável pela execução do seu objecto, das quais se destacam:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
"a) Organizar, gerir e explorar as três Feiras anuais tradicionais do Município ...: ..., ... e ..., respeitando e cumprindo os respectivos regulamentos municipais em vigor e correspondentes compromissos com terceiros, nomeadamente com as Corporações de Bombeiros ... e com a Delegação ... da cruz Vermelha Portuguesa, nos termos protocolados entre estas instituições e a CM...;
b) Ceder as instalações necessárias ao funcionamento do Departamento da Polícia Municipal e Protecção Civil, assegurando a sua manutenção, seguros, electricidade e limpeza;
c) Ceder as instalações necessárias à CM... para organização e realização, pela Divisão de Mercados e Feiras da Autarquia, da Feira dos 28;
d) Reservar, no seu plano anual de ocupação das instalações, sem quaisquer encargos próprios adicionais, as áreas necessárias a actividade da CM..., sem fins lucrativos, em conformidade com o plano constante no Anexo III, válido para o ano de 2007 e que faz parte integrante deste contrato-programa;

h) Assumir os compromissos contratuais, entretanto e à data da criação da empresa, assumidos pela ..., nomeadamente nos contratos vigentes que serão transferidos para a [SCom01...], conforme Anexo IV;

Os compromissos contratuais assumidos a que se refere a alínea h) acima transcrita e que constam do Anexo IV são:
- Contrato de fornecimento de água;
- Contrato de fornecimento de energia eléctrica;
- Contrato de fornecimento de gás;
- Contrato de fornecimento de telecomunicações;
- Contrato de arrendamento da Associação ...;
- Contrato de Serviços de Manutenção;
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Para a execução do contrato-programa, a CM... concedeu à [SCom01...], um subsídio à exploração no montante de €240.000,00, isento de IVA, e dividido da seguinte forma:
a) €150.000,00 respeitantes ao exercício de 2006 e referentes ao índice de ocupação das instalações do Parque de exposições ... promovido pela CM..., ainda não liquidados pela CM...;
b) €90.000,00 respeitantes ao exercício de 2007 e referentes à ocupação a promover pela CM... das instalações do Parque de Exposições ...
A lista de eventos promovidos pela Câmara Municipal ... consta do Anexo III do contrato-programa e encontram-se a seguir discriminados:
MêsOrganizaçãoEvento
FevereiroO ArreioConcurso Hípico
FevereiroISCIAEntrega Diplomas Fim de Curso
MarçoCM... — Divisão DesportoTrial Indoor
MarçoCM... — Protecção CivilLançamento do Project. Clube Protecção Civil
MãoClube ... Automóveis AntigosAutomobilia
MaioAss. Humanitária Bomb. Volunt. ...Comemoração do 125º aniversário
MaioO ArreioConcurso Hípico SP Joana
JunhoAssociação de Atletismo ...Festa do Atletismo
JunhoAssoc. Futebol ...Tomada de Posse
JulhoCM...... CUP’07
SetembroAssoc. Amigos Carochas ...Encontro Nac. Carochas
OutubroUASemana do Caloiro
NovembroAOCA6’ Exposição Aves ...
NovembroCMA Desporto/Manz'sFITNESS
DezembroAssoc. Amigos Carochas ...2.° Salão Automóvel Antigo
DezembroCM...Bienal Inter. De Cerâmica
No Anexo III é mencionado ainda a possibilidade de ocorrerem outras ocupações para além das previstas que deveriam ser previamente discutidas com a [SCom01...], tendo em conta o calendário de ocupação para o ano de 2007.
Os eventos acima elencados, à excepção do concurso hípico ocorrido em Fevereiro e da Bienal Internacional de Cerâmica, não originaram receitas para a [SCom01...]. Relativamente à tomada de posse dos dirigentes da Associação de Futebol ..., uma parte dos custos suportados foi debitada à Associação.
Ao contrário dos eventos acima elencados, as três feiras anuais que a empresa está obrigada a organizar e gerir (..., ... e ...) geram receita para a [SCom01...].
Outra ocupação do Parque de Exposições, promovida pela Câmara Municipal ..., que a [SCom01...] estava obrigada a ceder de acordo com a alínea c) da cláusula segunda do contrato-programa (acima transcrita), diz respeito à realização da Feira dos 28 que ocorre no dia 28 de cada mês, com excepção de Março e Abril em que não se realiza e Novembro e Dezembro, em que também se realiza nos dias 14.
A empresa municipal suporta custos com estes eventos, deduzindo o IVA, sem a correspondente contrapartida em termos de proveitos apesar de alguns desses eventos originarem receitas para os respectivos promotores, como é o caso dos eventos "Automobilia" e "2.º Salão de Automóvel Antigo".
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
O próprio Relatório de Gestão da empresa referente ao exercício de 2007 refere o seguinte:
"Por fim e não menos importante, é de destacar que a actividade económica e financeira da Empresa, durante o exercício de 2007, foi significativamente prejudicada pela realização de eventos solicitados e/ou promovidos pela Câmara Municipal ..., que envolveram de forma sistemática os meios logísticos e humanos da [SCom01...], E.M.. Do total da ocupação promovida pela C. M. ..., e abaixo discriminada, resultaram cerca de 55.247 euros de custos directos, que foram exclusivamente suportados pela Empresa.
Naturalmente, que esta realidade, não pode ser menosprezada, pela sua relevância, e pelo consequente impacto directo nos resultados económicos da Empresa, visto que da sua organização não resultaram quaisquer proveitos.”
O facto da empresa suportar custos com os eventos que são directamente promovidos pela CM... e dos quais não resulta quaisquer proveitos para a empresa municipal, contraria o que vem referido no próprio contrato programa na já citada alínea d) do ponto 1 da cláusula segunda:
d) Reservar, no seu plano anual de ocupação das instalações, sem quaisquer encargos próprios adicionais, as áreas necessárias a actividade da CM..., sem fins lucrativos, em conformidade com o plano constante no Anexo III, válido para o ano de 2007 e que faz parte integrante deste contrato-programa " (sublinhado nosso)
O IVA suportado com os custos directos associados a estes eventos é deduzido na íntegra pelo sujeito passivo.
Decorre do exposto que a [SCom01...] presta serviços gratuitos, no âmbito da sua actividade económica, relativamente aos quais a empresa deduz o imposto relativo aos custos que suporta relacionados com esses serviços. São serviços de organização e gestão, em tudo semelhantes aos que são facturados a outros clientes como, por exemplo:
Fact. 10/2 de 6/12/2007 para a [SCom02...], Compª de Seguros S.A. no valor de €5.072,36 + IVA
Descrição: Aluguer do Pavilhão A
Prestação de serviços de segurança
Prestação de serviços de limpeza
Prestação de serviços — ligações (monofásicas, ...)
Aluguer de stands e divisória
Fact. 10/7 de 14/12/2007 para [SCom03...], Lda. no valor de €5.356,07 + IVA
Descrição: Aluguer do Pavilhão A
Prestação de serviços de limpeza
De acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 4º do Código do IVA, são consideradas prestações de serviços a título oneroso, e portanto sujeitas a imposto, as prestações de serviços a título gratuito efectuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma.
O valor tributável das prestações de serviços efectuadas a título gratuito é, de acordo com a alínea c) do n.º 2 do artigo 16º do Código do IVA, o valor normal do serviço.
Até 31 de Dezembro de 2007, entendia-se por valor normal de um serviço o preço que um destinatário, no estádio de comercialização onde é efectuada a operação e em condições normais de concorrência, teria de pagar a um prestador independente, no tempo e lugar em que é efectuada a operação ou no tempo e lugar mais próximos, para obter o serviço (n.º 4 do artigo 16º do Código do IVA) Redacção em vigor até 31/12/2007.
O articulado da lei tornava difícil, na prática, a determinação do valor normal de um serviço.
A redacção posterior, dada pelo Decreto-Lei n.º 393/2007 de 31 de Dezembro, e que entrou em vigor a 1/1/2008 veio clarificar que na falta de serviço similar, o valor normal não pode ser inferior ao custo suportado pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços (alínea c) do n.º 4 do artigo 16º do Código do IVA).
A redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 393/2007 teve como objectivo a transposição para o direito interno do artigo 75º da directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006 que entrou em vigor em 01/01/2007. O objectivo do disposto no artigo 75º da directiva e transposto para a alínea c) do n.º 4 do artigo 16º do CIVA, era o de tornar mais clara e viável a determinação do "valor normal" de uma prestação de serviços efectuada a título gratuito.
Assim sendo, faz todo o sentido ter em conta o referido entendimento na determinação do valor dos serviços prestados a título gratuito pela [SCom01...] no decurso do exercício de 2007„ não obstante o diploma legal português ter apenas entrado em vigor a 01/01/2008.
Custos directos
No decurso da acção inspectiva, o sujeito passivo foi notificado na pessoa do técnico oficial de contas, «BB», para apresentar a discriminação dos custos suportados relacionados com os eventos solicitados elou promovidos pela Câmara Municipal ..., nos anos de 2007 e 2008, por evento, com indicação do respectivo documento contabilístico. Em resposta ao solicitado, e relativamente áo exercício de 2007, o sujeito passivo identificou os custos directos relacionados com os eventos promovidos pela CM..., que não geraram receita para a [SCom01...], mas relativamente aos quais foi deduzido o imposto suportado e que se juntam ao presente relatório como Anexo 3.
Os eventos organizados pela [SCom01...], em 2007, relativamente aos quais a empresa suportou custos, sem a correspondente obtenção de proveitos, foram:
- "125 anos Bombeiros Voluntários" (de 7 a 14 de Maio)
- "Automobilia" (de 18 a 21 de Maio)
- "Concurso Hípico" de Maio (de 7 a 14 de Maio)
- "Jantar da Associação de Futebol ..." (8 de Junho)
- "Litoral Fashion" (l a 7 de Maio)
- "Salão automóvel antigo" (29 de Novembro a 4 de Dezembro)
- "Semana do Enterro"
O total dos custos directos suportados com a organização destes eventos totalizou a importância de €22.313,64 à qual acresceu IVA que o sujeito passivo deduziu na íntegra.
Custos Comuns
Para além dos custos directos, existem também outros custos suportados pela empresa que também são imputáveis aos referidos eventos de forma indirecta. A título de exemplo referem-se os custos relacionados com o serviço de vigilância, limpeza e com o "curador" das instalações do Parque de Feiras e Exposições que também são "consumidos" durante a organização/gestão desses eventos e relativamente aos quais a empresa também deduz o IVA suportado.
O próprio Relatório de Gestão da empresa faz referência à afectação dos seus meios logísticos e humanos a esses eventos:
"Por fim e não menos importante, é de destacar que a actividade económica e financeira da Empresa, durante o exercício de 2007, foi significativamente prejudicada pela realização de eventos solicitados elou promovidos pela Câmara Municipal ..., que envolveram de forma sistemática os meios logísticos e humanos da [SCom01...], E.M..
Constata-se, por exemplo, que relativamente ao mês de Maio de 2007, o edifício do Parque de Exposições de... esteve afecto, entre os dias 1 e 21, a eventos que não geraram receitas para a empresa ("Litoral Fashion", "125 anos BV", "Automobilia").
Assim sendo, faz todo o sentido considerar parte destes custos para efeitos de determinação do valor tributável dos serviços prestados a título gratuito pela [SCom01...].
Os custos comuns mais relevantes, relativamente aos quais o sujeito passivo deduziu o IVA que suportou, e que se irão considerar como estando afectos, em parte, à prestação de serviços efectuadas a título gratuito são os seguintes:
- Custos relacionados com o "curador" do PEA que é um serviço prestado pela [SCom04...] Unipessoal, Lda.;
- Custos relacionados com a vigilância do Parque;
- Custos de limpeza.
Não se considerarão custos como a água, o gás e o telefone por não serem materialmente relevantes.
Os custos comuns a ter em conta totalizaram a importância de €104.920,21 (valor sem IVA) e encontram-se discriminados no mapa que se junta como Anexo 4.
O critério que nos afigura mais razoável para calcular a percentagem dos custos comuns, acima referidos, que deverão ser imputados aos eventos que não geraram receita é o critério da ocupação do espaço, em dias, apurado com base no calendário de eventos que integra o Relatório e Contas de 2007 e cuja cópia se junta como Anexo 5.
Para além dos eventos já referidos, relativamente aos quais foram suportados custos directos, considerar-se-ão também os seguintes eventos públicos ocorridos no pavilhão e que também não geraram receita:
- "AOCA Pássaros" (9 a 19 de Novembro)
- "Fitness 2007" (20 a 27 de Novembro)
Os dias em que o Parque de Exposições ... esteve afecto a eventos que não geraram receita, em 2007, foram de 57, conforme a seguir se discrimina, por mês:
Assim, a percentagem de custos comuns a imputar aos eventos que não geraram receita é de 15,6% (57/365 dias), ou seja, 616.367,55 (€104.920,21 x 15,6%).
Cálculo do imposto em falta
O custo total suportado na organização dos eventos que não geraram receita, dado pelo soma dos custos directos com a parte dos custos comuns que lhes é imputável, é de €38.681,19 (€22.313,64 + €16.367,55). É este o valor que se considera para efeitos de liquidação do imposto relacionado com as prestações de serviço efectuadas a título gratuito pelo sujeito passivo, por aplicação do disposto na alínea c) do n.º 4 do artigo 16º do CIVA.
A taxa do IVA a aplicar é a taxa normal, em vigor na data de ocorrência dos factos e que era de 21% (artigo 18, n.º 1, alínea c) do CIVA).
O IVA em falta decorrente da tributação das prestações de serviços efectuadaé pelo sujeito passivo a título gratuito é de €8.123,05 (€38.681,19 x 21%). Este valor será imputado ao período de Dezembro de 2007, uma vez que daí não resulta prejuízo para o sujeito passivo e tendo em conta que o valor não é significativo, comparado com o volume de negócios declarado pelo sujeito passivo (mais de um milhão de euros).
Na prática, e no presente caso, a consideração dos custos suportados pelo sujeito passivo na execução das prestações de serviços que efectua a título gratuito como sendo o valor desses serviços sobre o qual deve ser liquidado IVA corresponde à regularização do IVA que foi deduzido.
III.1.1.2. Dedução indevida de imposto referente a despesas de alojamento, alimentação e bebidas
De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do Código do IVA, o direito à dedução do imposto está excluído relativamente a "despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções "
A exclusão do direito à dedução não se verifica relativamente às despesas mencionadas no parágrafo anterior, "quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio, mas por conta de um terceiro, desde que u este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso”, conforme deriva da alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo.
Da análise efectuada aos registos contabilísticos e respectivos documentos de suporte, constatou-se que no decurso do exercício de 2007, foi deduzido o IVA relativo a despesas de alojamento, alimentação e bebidas que não foram debitadas a terceiros. As despesas referem-se a colaboradores da empresa e a pessoas alheias à mesma. As despesas encontram-se discriminadas no mapa que se junta como Anexo 6. O total do IVA indevidamente deduzido foi de €1.018,00. Dado o valor em causa, a correcção será efectuada na declaração periódica de Dezembro de 2007.
III.1.1.3. Resumo das correcções
O total das correcções, em sede de IVA, relativamente ao exercício de 2007, decorrentes dos factos relatados nos pontos III.1.1.1. e III.1.1.2. consta da tabela seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
III.1.2. Exercicio de 2008
III.1.2.1. Prestações de serviços efectuadas a titulo gratuito
O enquadramento da actividade da empresa em 2008 é em tudo semelhante ao que se verificou em 2007.
Também foi celebrado um contrato programa entre as duas entidades ([SCom01...] e CM...) em que a CM... delega na [SCom01...] os poderes necessários à prestação de um conjunto de serviços públicos no âmbito da função de desenvolvimento regional e local. As obrigações assumidas pela empresa municipal no âmbito do referido contrato-programa são em tudo semelhantes às que foram referidas relativamente ao exercício de 2007. A verba atribuída pela CM... em 2008 foi de €70.000,00 e é referente "à ocupação a promover pela CM... nas instalações do Parque de Exposições ..., no decorrer deste exercício, conforme Anexo III …” Extraído do contrato programa referente a 2008
(...)»

2.2. De direito
Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que a [SCom01...], E.M., deduziu contra actos de liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2007 e 2008, no entendimento de que as prestações de serviços promovidas pela Câmara Municipal ... não estão sujeitas a IVA contrariamente ao pugnado pela AT, tendo a impugnante agido na qualidade de entidade pública, como extensão empresarial do Município, os serviços em referência estão excluídas de tributação, bem como, no que toca ao pedido formulado de juros indemnizatórios.
Em sede de impugnação judicial, a impugnante defendera (em sede de petição inicial, pois que notificada para apresentar alegações ao abrigo do artigo 120º do CPPT, limitou-se a reiterar a posição assumida naquele articulado) que a conclusão da AT de que certas prestações de serviços da impugnante, efectuadas a título gratuito nos anos de 2007 e 2008 e que, alegadamente, visaram “fins alheios” à mesma, deriva de uma apreciação superficial e que não encontra apoio na realidade dos factos. Para tanto, alega que a cedência das instalações do Parque de Exposições, gratuitamente, a pedido ou por imposição do Município, a certas iniciativas apoiadas por essa entidade pública não extravasa os fins estatutários da empresa municipal, a qual constitui uma extensão empresarial do Município que detém o controlo do seu capital (cf. neste sentido artigo 13.º, 15º, 19.º, 23.º da petição inicial). Concomitantemente, refere que o cálculo efectuado pela AT para determinação dos “custos comuns” parte de pressupostos errados, não sendo legítimo imputá-los aos eventos referidos (cf. artigos 25.º a 28.º da petição inicial).
Deste modo, reputando de ilegais os actos impugnados, pugnou pela sua anulação, com as legais consequências, peticionando a restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios.
O Tribunal a quo, deu razão à recorrida, no tocante aos vícios que imputara aos actos de liquidação do imposto, de juros compensatórios e, mais reconheceu, o direito aos juros indemnizatórios.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 281º do CPPT.
In casu, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação, enferma de (i) nulidade por excesso de pronúncia e/ou condenação além do pedido ou em objecto diverso do pedido, (ii) de nulidade por vício de falta de fundamentação, incorreu a sentença em (iii) erro de julgamento de facto, a determinar o aditamento à matéria de facto, (ii) e do erro de julgamento de direito por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação das normas e princípios estabelecidos nos artigos 2º nº 2, 4º nº 2 al. b) do CIVA.
2.2.1. Nulidade por excesso de pronúncia e/ou condenação além do pedido ou em objecto diverso do pedido
A Recorrente (AT) dissente do julgado alegando, entre o mais, que a sentença ora em apreciação conferiu à impugnante um pedido de tutela jurisdicional para além do peticionado, ou seja, que com a prolação da sentença, ora posta em crise, condenou a AT para além do pedido que era exclusivo das correcções aritméticas operadas em sede de falta de liquidação de IVA do ano de 2007 e 2008, abrangendo ao anular as liquidações de IVA a correcção igualmente aritmética assente em dedução indevida de IVA, exclusiva do ano de 2007, extravasando assim o pedido formulado pela autora. Constatação esta que a recorrente enquadra enquanto vício de nulidade da sentença recorrida, conforme o disposto no artigo 615, nº.1, al. d), 2ª parte e e), do CPC, ao ter aquela emitido decisão anulatória em objecto diverso do peticionado pela Empresa Municipal impugnante, ou, em todo o caso, por ter incorrido em excesso de pronúncia (cfr. conclusões 1) a 10) das alegações de recurso).
Em suma, com base em tal argumentação a recorrente pretende concretizar uma nulidade da decisão recorrida, devido a condenação para além do pedido e excesso de pronúncia, ao delimitar as questões a resolver em sede das correcções da falta de liquidação de IVA e dedução indevida do IVA e determinou anulação das liquidações impugnadas, quando na sua apreciação se cingiu à questão da ilegalidade das liquidações decorrentes da falta de liquidação de IVA em conformidade com o sustentado em sede de petição.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artigo 615º, nº.1, al. e), do CPC, ex vi do artigo 281º, do CPPT, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, assim infringindo o brocardo latino ne eat iudex ultra petita partium. Esta nulidade da sentença resulta da violação da regra consagrada no artigo 609º, nº.1, do mesmo diploma, sendo relativa aos limites da condenação, tudo tendo por pano de fundo o pedido formulado pelas partes e que circunscreve o thema decidendum [cf. artigo 3º, nº.1, do CPC; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.691; José Lebre de Freitas e Outro, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág.735 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.58; Jorge Lopes de Sousa, Código de Processo e Procedimento Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.367 e seg.].
Por outro lado, deve relembrar-se que a petição inicial, à semelhança de outros articulados, reveste a natureza de acto jurídico, sendo interpretada, por força do disposto no artigo 295º, do Código Civil, em conformidade com as regras atinentes à interpretação da declaração negocial, para tanto devendo chamar-se à colação o regime de interpretação do negócio jurídico previsto no artigo 236º e seg. do citado diploma [cf. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1989, pág.444 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1982, pág.222 e seg.; acórdãos do STJ, de 20.02.2001, proc.01A048 e, de 25.03.2004, proc.04B107; acórdão do STA, de 13.10.2010, in rec. 0241/10, de 09.12.2021, in rec.1954/16.0BEPRT, de 22.06.2022, in rec.364/20.0BELRS].
Por sua vez o citado artigo 615º, nº.1, al. d), do CPC, ex vi do artigo 281º, do CPPT, alude à nulidade da sentença por excesso de pronúncia. O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de ultra petita, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, questões e, por outro, razões ou argumentos para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das questões) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das razões ou argumentos invocados para concluir sobre as questões (cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de ultra petita), como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125º, nº.1, do CPPT, no último segmento da norma.
No caso sub judice, manifestamente não ocorre nem excesso de pronúncia nem condenação para além do peticionado, pelo que, carece de razão a Recorrente.
Vejamos.
In casu, no articulado inicial (cf. petição inicial junta a fls. 1 a 29 do processo SITAF), a Empresa Municipal impugnante e ora recorrida identifica claramente como objecto do processo as liquidações de IVA relativas ao ano de 2007 e 2008, mais juntando, como documentos nº.3 a 6, cópias das demonstrações de liquidação de IVA adicional e dos respectivos juros compensatórios, identificando assim os actos impugnados e, aludindo a acção inspectiva expressamente refere que no âmbito da mesma ocorreram correcções, de natureza meramente aritmética, que resultam de uma alegada falta de liquidação e dedução indevida de IVA (vide artigos 8. a 11. da petição), no entanto prosseguindo nos seus fundamentos de impugnação limita-se a infirmar o erro da AT subjacente à conclusão de que certas prestações de serviços da impugnante, efectuadas a título gratuito nos anos de 2007 e 2008, visaram “fins alheios” à mesma, que não encontra apoio na realidade dos factos (vide artigos 13. a 28. da petição) e, em sede de direito, cinge a seu enquadramento e alegação a alínea b) do n.º 1 2 do artigo 4º do CIVA e da sua errada subsunção aos factos (vide artigos 29. a 32. da petição). Em suma, a recorrida expressamente delimita o mesmo quanto a errada qualificação e quantificação das correcções operadas aos anos de 2007 e 2008 atinentes a falta de liquidação de IVA, ou seja, apesar de aludir à correcção operada no ano de 2007 em sede de dedução indevida de IVA, a saber relativo a despesas de alojamento, alimentação e bebidas que não foram debitadas a terceiras, por as mesmas referirem a colaboradores da empresa e a pessoas alheias à mesma, com suporte na alínea d) do n.º1 do artigo 21º do CIVA, em momento algum tece ou esgrime um qualquer facto, considerando o erro alusivo àquela dedução de IVA considerada indevida pela AT.
Em sede de contestação, a Fazenda Pública igualmente identifica como objecto do processo as liquidações adicionais de IVA e respectivas liquidações de juros compensatórios, enquanto decorrentes de correcções assentes no infringido quanto ao disposto no artigo 4º, n.º2 alínea b) do CIVA, centrando exclusivamente a sua análise aos eventos realizados que são consideradas prestações de serviço a título oneroso, e portanto sujeitas a imposto, e de que por via da presente impugnação judicial a Empresa Municipal vem insurgir-se contra a mesma.
Por sua vez, na sentença objecto do presente recurso o Tribunal a quo, após identificar as mencionadas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios no relatório, ali identificou as questões a tratar, nos seguintes termos: “Atento o exposto, cumpre ao Tribunal apreciar e decidir as seguintes questões: a) Do erro nos pressupostos de facto e de direito quanto às correções aritméticas descritas no ponto III.1.1 e III.1.2. do relatório de inspeção tributária (falta de liquidação e dedução indevida de IVA); E, procedendo essa questão, b) Do direito a juros indemnizatórios. “.
Cumpre desde logo, concretizar com recurso ao vertido para a factualidade assente, mais concretamente do RIT, que no mesmo o ponto II.1.1.1 corresponde ao exercício de 2007 às correcções operadas “Prestações de serviços efectuadas a título gratuito” (falta de liquidação de IVA), e o ponto III.1.2 às correcções “Dedução indevida de imposto referente a despesas de alojamento, alimentação e bebidas” (dedução indevida).
E, desde logo uma primeira constatação, foi olvidada naquela identificação das questões pelo Tribunal a quo, o exercício de 2008 e a correcção ali descrita sob o ponto III.1.2.1, igualmente respeitante a “Prestações de serviços efectuadas a título gratuito” (falta de liquidação de IVA), estas sim objecto da acção a par da correcção com o mesmo teor do exercício de 2007.
Mas, olvidemos aquela menção do objecto, que como vimos com pouca precisão, e atentemos ao seu discurso fundamentador, ou seja, ao julgamento de direito. A decisão recorrida ao longo das 12 páginas de fundamentação apenas e exclusivamente se limitou na sua apreciação à legalidade da “falta de liquidação de IVA”, aos factos inerentes às correcções de “Prestações de serviços efectuadas a título gratuito” e sua subsunção jurídica. Isto é, em momento algum houve excesso de pronúncia, pois que as correcções meramente aritméticas operadas no âmbito do mesmo RIT em sede de IVA relativo ao período de 2007, atinentes à dedução indevida de IVA não foram alvo de qualquer apreciação, como se impunha face ao objecto nos exactos termos em que o mesmo foi concebido pelas partes, e a breve alusão pelo Tribunal a quo ao incluir o mesmo enquanto questão não releva.
Temos então, que da circunstância de no segmento decisório se determinar anulação das liquidações, com todas as consequências legais, sem mais, consubstancia uma evidente falta de precisão, como se depreende claramente de todo o teor da petição inicial, da causa de pedir na mesma estruturada e da fundamentação de direito que antecede aquele decisório. Por outras palavras, o que poderá estar em causa é a interpretação a retirar daquele segmento decisório, sendo manifesto que a decisão tem que ser considerada como um todo e, como tal anulação terá que ser considerada como limitada à parte impugnada, qual seja na exacta medida em que as liquidações adicionais de IVA foram determinadas com recurso a correcções aritméticas operadas de acordo com a alínea b) do n.º2 do artigo 4º do CIVA, da falta de liquidação de IVA, infringido o disposto no n.º1 do artigo 27º do CIVA extensível aos juros compensatórios respectivos, ou seja, ressalvada daquela anulação os valores decorrente da correção meramente aritmética por dedução indevida de IVA, infringido o disposto na alínea d) do n.º1 do artigo 21º do CIVA..
Somos de concluir que perante a interpretação do segmento decisório que se impõem e sendo o único paginável com os articulados e a fundamentação da sentença, não padece a sentença recorrida das nulidades que lhe são imputadas.
Rematando, mais se diga, que a manter-se o julgado em 1ª instância, cumpre a final a este Tribunal ad quem densificar e concretizar o segmento decisório de modo a obviar qualquer errada acepção do seu sentido, o que se fará oportunamente na parte dispositiva deste acórdão.
2.2.2. Nulidade por vício de falta de fundamentação
Cumpre ainda, antes de mais, determinar se a decisão posta em crise padece da assacada nulidade consubstanciada na falta de fundamentação, enunciando os preceitos normativos relevantes.
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125º, nº 1, do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário), norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário [cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, pág.357 e seg.; ac. STA, de 24.022011, rec.871/10; acórdão do STA, de 13.10.2010, in rec. n.º 218/10; acórdãos do TCA Sul, de 28.05.2013 e 15.05.2014, in proc. n.º 6406/13 e proc. n.º 7508/14].
A exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e bem assim, para que o tribunal, superior exerça sobre elas a censura que se impuser. Dito de forma diversa, a fundamentação, para além de visar convencer os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo julgador, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para, assim, as poderem impugnar perante o tribunal superior, e este, poder apreciar essas razões no momento do julgamento.
O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada, sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente, e que se apresentem relevantes para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação critica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cf. artigo 123º, n.º 2, do CPPT.
Nos termos do artigo 125º do CPPT "Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”
Por sua vez, dispõe o artigo 123º, n.º 2 do CPPT que na sentença "[o] juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões", sendo que a não especificação dos fundamentos de facto de direito constitui nulidade da sentença nos termos do disposto no n.º 1 do citado artigo 125º do CPPT e 615º n. º1 al. b) do CPC.
Ora, tal nulidade abrange quer a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123º, n.º 2 do CPPT, quer a falta do exame crítico das provas, previsto no artigo 607º, n. º4 do CPC.
Volvemos a arguição da recorrente, esgrime a mesma que “O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo apoia a sua decisão em factos que não constam do probatório” concretizando que “O Tribunal socorre-se de factos que indica constarem do probatório, com a identificação das letras A), B), C) (…), quando do probatório constam factos indicados com os números 1), 2), 3) (…)”
Urge, desde logo, ter presente que o assim constatado, não se reconduz a nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1 alínea b) do CPC.
Estamos manifestamente perante uma divergência entre o método de identificação dos factos descritos no probatório, por recurso a ordem numérica, e o método de identificação dos mesmos factos usado ao longo da fundamentação de direito (cf. ponto 5 da sentença recorrida) por referência à ordem alfabética. Sendo que a utilização de métodos distintos não comprometeu a ordem dos factos, sendo perceptível a um destinatário comum que quando o julgador alude a A), B) e C) o faz por referência a 1), 2) e 3).
No entanto essa dualidade, contrariamente ao alegado pela recorrente, não compromete a percepção e alcance do julgamento quer de facto, quer de direito, o qual foi totalmente alcançado pelos seus destinatários, sendo disso manifesto as peças apresentadas pelas partes em sede de recurso, nomeadamente a recorrente, que em sede de alegações demonstra ter ficado plenamente elucidada sobre as razões que validaram o julgamento que impugna.
Em suma, estamos perante um “lapsus calami”, originando um erro material da sentença que ao abrigo do preceituado no artigo 607.º do CPC, que não tendo sido alvo de rectificação pelo juiz, aqui se determina. Pelo que, onde se lê “A), B) e C)” na sentença se deve ler “1), 2) e 3)”.
Pelo exposto, improcede enquanto nulidade o esgrimido nas conclusões 12) a 15) das alegações de recurso.

2.2.3. Erro de julgamento de facto, a determinar o aditamento da matéria de facto
A recorrente questiona a matéria de facto fixada na sentença como se colhe dos itens 22) a 29) das conclusões da alegação de recurso, invocando que deve ser acrescido ao probatório e ser dado como provado que:
a) A lista dos eventos promovidos pela Câmara Municipal ... e executados pela [SCom01...], conforme o contrato programa encontram-se discriminados no relatório de inspeção, para o ano de 2007, na tabela da página 10 e para o ano de 2008 na tabela da página 17, e que têm por suporte as cópias dos calendários dos eventos relativas aos anos de 2007 e 2008 elaboradas pela [SCom01...] E.M. e que constam dos anexos 5 e 9 do relatório de inspeção.
b) O sujeito passivo foi notificado, na pessoa do técnico oficial de contas, «BB», para apresentar a discriminação dos custos suportados relacionados com os eventos promovidos pela Câmara Municipal ..., nos anos de 2007 e 2008, e em resposta o SP identificou os custos diretos relacionados com os eventos promovidos pela CM..., que não geraram receitas para a [SCom01...], mas relativamente aos quais foi deduzido o imposto suportado.
Vejamos.
O n.º 1 do artigo 662. ° do Código de Processo Civil (CPC), determina que “A Relação” (leia-se TCA) deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:
“1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.
Precisa-se, ainda que sem relevo para os autos em que os meios probatório são exclusivamente documentais, que quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce àquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).
Resulta da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios.
Mais se diga, que analisada a sentença recorrida, verificamos que o Meritíssimo Juiz a quo reconduziu ao probatório toda a factualidade que considerou relevante, dando-a como provada, decidindo quanto aos “factos não provados”, que “Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.
Daqui se extraí que considerou o Tribunal a quo como não provados os restantes factos alegados na petição inicial, na contestação e/ou que resultaram da instrução dos autos por considerar que os mesmos não eram relevantes para a decisão da causa, razão pela qual se dirá, desde logo, que a considerar-se que os mesmos não foram contemplados no probatório será pela relevância para a boa decisão da causa que se impõe a este Tribunal ad quem apreciar da pretensão da Recorrente.
Concretizemos.
O Tribunal ad quem deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução da causa, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados [neste sentido, ainda que considerando o anterior regime processual civil mas com inteira valia à luz do regime processual vigente, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298].
O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a impugnação da matéria de facto teleologicamente (e funcionalmente) ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que faz circunscrever a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação que o recorrente pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir.
Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito [Critério que se reporta às soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1. Devem considerar-se como tais as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis - A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418.], não deverá o Tribunal de recurso sequer conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos impugnados não forem relevantes para qualquer das soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que, mesmo com a substituição pretendida, a solução e enquadramento jurídico do objecto da lide permaneçam inalterados (por, mesmo com a modificação ou aditamento pretendido, a factualidade continuar a ser insuficiente e/ou inidónea para produzir o efeito jurídico pretendido pela parte) [neste sentido jurisprudência do STJ, Acórdãos de 19.05.2021 e de 14.07.2021, proferido no âmbito dos processo n.ºs 1429718.3T8VLG e n.º 65/18.9T8EPS, respectivamente].
Mais se diga, que a actividade de acrescer factos está vedada perante factos meramente conclusivos ou percepções ou ilacções de intenções que de todo não relevam para a sorte dos autos, a par dos aludidos factos concretos juridicamente inócuo ou insuficiente para alcançar uma decisão diferente da anteriormente alcançada.
Tecidas tais considerações doutrinais e jurisprudenciais, atentemos desde logo ao pedido de aditamento identificado em a), e argumentação desenvolvida para lograr o seu acrescento, de que relativamente aquela matéria remeteu a sentença recorrida para os eventos referidos no artigo 23º e que os mesmos não correspondem a todos os eventos referidos pelo sujeito passivo em sede de inspecção.
Temos que, perscrutada a sentença efectivamente alude-se na página 13, em sede de delimitação da questão, a uma síntese da posição da AT e a uma síntese da posição da impugnante de que “Os eventos em causa são os referidos no artigo 23 da p.i.: concurso hípico de 2007, Litoral fashion de 2007, semana do enterro 2007, 125 anos dos Bombeiros ..., Tomada de Posse dos Órgãos Sociais da Associação de Futebol ..., Festival der Sushi e Sashimi em 2008 e Litoral fashion de 2008.”. A fundamentação constante da sentença é um encadeamento lógico que não pode ser dissociado da sua contextualização e das afirmações que se lhe antecedem, pois que a exposição das posições das partes, inicia com uma afirmação fulcral de que “Também não se discute que a agora impugnante organizou eventos em que obteve receitas, incluindo as provenientes de ocupação de espaços nas instalações do Parque de Exposições, e organizou eventos em que tal ocupação não gerou proveitos, tendo cedido o espaço gratuitamente, conforme consta do Relatório de inspeção e artigo 22 da p.i.”, por isso quando muito seria legitimo questionar se a listagem constante dos anexos 3 e 7 (referidos no RIT) com total correspondência ao artigo 22º da petição, deveriam ter sidos levados ao probatório enquanto facto autónomo.
Cremos que não, pelo que nada cumpre, pois, aditar.
Quanto à pretensão da Recorrente expressa em b) a mesma dá-se por prejudicada atento o aditamento oficioso determinado da transcrição do RIT em complemento do item 9. da matéria de facto dada por provada, o pretendido ali se encontra expresso, pelo que é manifesta a sua inutilidade.
Cumpre ainda referir, que a matéria factual inserta em b) releva para o eventual conhecimento do erro de quantificação, cujo conhecimento foi dado por prejudicado pelo Tribunal a quo, mas que sempre cumprirá a este Tribunal ad quem conhecer, em caso de procedência do recurso.
Improcedendo parcialmente as conclusões do recurso que sustentam o erro de julgamento da matéria de facto.
2.2.4. Erro de julgamento de direito por incorreta interpretação e aplicação das normas e princípios estabelecidos nos artigos 2º nº 2, 4º nº 2 al. b) do CIVA
No que se refere às liquidações de imposto, foi a seguinte a fundamentação exarada na sentença recorrida:
«A ora impugnante é juridicamente caracterizada como uma empresa municipal, sendo a sua organização, funcionamento e financiamento regido, à data em vigor dos factos, pela Lei n.º 53-F/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o regime jurídico do setor empresarial local e que, no seu artigo 8º, prevê a criação de empresas municipais pelos Municípios. Por sua vez, o artigo 3º define empresas municipais como sendo as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais os municípios possam exercer, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto ou do direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou de fiscalização, bem como as sociedades nas quais estas empresas possam exercer, de forma direta ou indireta, uma influência dominante nos acima referidos e, ainda, as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo VII da referida Lei.
Compulsado o contrato de sociedade, constata-se que a empresa tem como objeto social “(…) a gestão e exploração da infraestrutura Parque de Exposições ..., assegurando a continuidade e qualidade da prestação de serviços públicos da mesma e, promovendo, através da conjugação de esforços e de interesses dos seus principais agentes, o desenvolvimento económico sustentado do concelho e região ....” [cf. ponto 2. dos factos provados].
Na senda do que vem sendo afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores, em razão da natureza e função da impugnante e tendo por referência os respetivos estatutos [cf. ponto 5. dos factos provados], será de concluir que a empresa municipal se caracteriza como uma entidade de direito público, acometida de tarefas de sub-rogação de outra entidade de direito público, no caso, a Câmara Municipal ..., no uso de poderes de “jus imperium” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.11.2019, processo n.º 0431/10.8BEVIS, disponível em www.dgsi.pt.
Isto posto, a criação da “[SCom01...]” pela Câmara Municipal ... originou uma devolução de poderes do respetivo município para a empresa municipal – cf. neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.11.2019, processo n.º 0431/10.8BEVIS, disponível em www.dgsi.pt.
Com a celebração do denominado “contrato-programa”, a Administração Pública desenvolve uma atividade que visa satisfazer e realização dos interesses que a lei põe a seu cargo e está, consequentemente, sujeita a normas de direito público.
Não se discute que da cláusula segunda, nº 1, al. d), do contrato-programa resulta que a agora impugnante fica obrigada, além do mais, a reservar, sem quaisquer encargos próprios adicionais e até ao limite anual de 20 dias, as áreas das suas instalações necessárias para organização de atividades da Câmara Municipal ..., sem fins lucrativos (facto 2. de 3.1 supra).
No Relatório, a AT considera que “O facto de a empresa suportar custos com os eventos que são diretamente promovidos pela CM... e dos quais não resulta quaisquer proveitos para a empresa municipal, contraria o que vem referido no próprio contrato-programa na já citada alínea d) do ponto 1 da cláusula segunda” (pág. 11 do Relatório, a fls. 7vº do PA), inferindo-se que a AT interpreta essa norma no sentido de que o segmento que diz “sem quaisquer encargos próprios adicionais” implica a desaplicação da mesma à concreta situação sob análise porque, para a organização desses eventos, a impugnante suportou custos aos quais foi adicionado IVA que deduziu. Pelo que, nessa tese, a impugnante deveria ter liquidado IVA, sobre esses serviços gratuitos, tal como liquidou nos serviços semelhantes prestados onerosamente a entidades como a [SCom02...], SA e a [SCom03...], Lda.
A impugnante alega que tal cedência gratuita das instalações do Parque de Exposições para iniciativas apoiadas pela Câmara Municipal ... constituiu o mero cumprimento da referida obrigação decorrente do contrato-programa e da determinação daquela entidade pública, dado que a empresa municipal constitui uma extensão empresarial do Município, que é dona do espaço e dona do capital da impugnante; pelo que tal cedência gratuita se insere nos fins próprios da [SCom01...] na medida em que isso visa promover, através da conjugação de esforços e interesses dos seus principais agentes, o desenvolvimento económico sustentado do concelho e região .... (artigos 14 a 19 da p.i.).
Os eventos em causa são os referidos no artigo 23 da p.i.: concurso hípico de 2007, Litoral fashion de 2007, semana do enterro 2007, 125 anos dos Bombeiros ..., Tomada de Posse dos Órgãos Sociais da Associação de Futebol ..., Festival der Sushi e Sashimi em 2008 e Litoral fashion de 2008.
Portanto, a questão que se coloca é a de saber se esses eventos extravasam “os fins próprios” da impugnante e, portanto, se estão sujeitos a IVA, ou se se incluem no âmbito dos fins públicos do Município de que a impugnante é extensão empresarial e, portanto, estão excluídos de tributação por força do artigo 2º, nº 2, do CIVA.
Verifica-se que o concurso hípico e a tomada de posse da Associação de Futebol ... são eventos promovidos pela Câmara Municipal ... e previsto no anexo III referido na alínea d) do nº 1, da cláusula segunda do contrato-programa celebrado em 5/7/2007, válido para o ano 2007, sendo certo que o mesmo anexo prevê a possibilidade de ocorrerem outras ocupações do espaço, para além das expressamente previstas conforme consta a pág. 10/11 do relatório, de fls. 7 do PA.
A AT verificou que à exceção do concurso hípico e da Bienal internacional de Cerâmica, os eventos referidos no quadro de pág. 10 do Relatório não geraram receitas para a impugnante, tendo sido debitados uma parte dos custos referentes ao evento da tomada de posse à Associação de Futebol ..., e que, ao contrário, as três feiras anuais que a impugnante está obrigada a organizar (..., ... e ...) todas geraram receita para a [SCom01...].
Ora, o Tribunal entende que os eventos em causa não se enquadram ou deixam de enquadrar no âmbito dos fins estatutários da impugnante pelo facto de gerarem ou não gerarem receitas. Senão, veja-se o caso das três feiras acima referidas que, apesar de serem de organização obrigatória para promoção do interesse público local e regional, geraram receitas e veja-se o caso do evento relativo ao concurso hípico, que também é de organização obrigatória, e não gerou receitas, o mesmo sucedendo com a organização dos eventos de comemoração dos “125 anos dos Bombeiros ...” ou “Litoral fashion”, com claro interesse público local e regional.
Por isso, o que importa é averiguar, casuisticamente, se algum dos eventos concretamente considerados extravasa os referidos fins estatutários da impugnante, ou seja, se algum deles é substancialmente estranho a tais fins.
No caso, a AT não faz tal apreciação, limitando-se a referir todos os eventos implicaram a existência de custos, que estes geraram IVA suportado a montante e que a Impugnante deduziu esse IVA, sem que tivesse liquidado IVA referentes ás prestações de serviços gratuitas.
Por isso, a questão a decidir passa a ser a de saber se tais prestações de serviços gratuitas estão sujeitas a imposto, como pretende a AT, ou se estão excluídas de tributação por a impugnante ter agido na qualidade de entidade pública, como “extensão empresarial do Município”, como defende a impugnante.
Na resposta ao direito de audição, quanto ao projeto de Relatório de inspeção, a AT respondeu a essa questão alegando que “Os municípios beneficiam da regra de não sujeição de IVA constante do nº 2 ao artigo 2º do Código do IVA por serem pessoas coletivas de direito público que realizam operações no exercício dos seus poderes de autoridade, enquanto as empresas municipais não” (pág. 24 do relatório final, de fls. 14 do PA).
Ou seja, a questão a decidir centra-se se na interpretação do artigo 2.º, n.º 2, do CIVA, que dispõe: “2. O Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência.” (sublinhado nosso).
Da análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), resulta o entendimento jurisprudencial reiterado de que por via da aplicação do artigo 13.º, nº 1, 1º parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE (correspondente ao artigo 2.º, n.º 2 do CIVA), se encontra excluída de sujeição a IVA a atividade desenvolvida por organismos de direito público quando exercida na qualidade de autoridade pública (cf. Acórdãos do TJUE, C-202/90, de 12/09/2001, C-276/97, de 21/05/2008, C-456/07, de12/06/2008, disponíveis em curia.eu).
Pelo que, de forma a apreciar e decidir se, apesar da impugnante desenvolver uma atividade económica que se encontra, em princípio, sujeita a tributação em IVA, se deverão ter como verificados os requisitos do artigo 13.º, n.º 1, 1.º parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE, segundo o qual, “(…) os organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas (…)”, o que pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos que resultam da interpretação do artigo 2.º, n.º 2 do CIVA, em consonância com a jurisprudência europeia supracitada.
São estes:
i) o exercício da atividade por um organismo de direito público;
ii) que atue na qualidade de autoridade pública e,
iii) que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência significativas
Cumpre analisar.
(i) O exercício da atividade por um organismo de direito público,
A jurisprudência europeia, a par do que já vinha sendo reiterado pelo Supremo Tribunal Administrativo, é perentória em afirmar que as empresas municipais, que se regem por estatutos e pelo regime jurídico do setor empresarial do Estado, sendo o direito privado aplicável meramente secundário em relação ao direito público que pressupõem, se enquadram no conceito de “pessoas coletivas de direito público”, considerando este conceito como equivalente ao de “organismo de direito público” na aceção do artigo 2.º, n.º 2 do CIVA – cf. Caso Saudaçor C-174/14, de 29/11/2015, disponível em curia.eu e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07/11/2012, processo n.º 025/15, disponível em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, Pedro () Gonçalves, “Entidades Privadas com Poderes Públicos, O Exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas”, Almedina/2008, pág. 397 e 433, segundo o qual « (…) pode falar-se de “Administração Pública em sentido formal” nos casos em que a entidade privada se encontra sob a influência dominante de entidades públicas».
Não há dúvida de que a impugnante é uma empresa municipal cujo capital é detido pelo Município ....
Pelo que, revestindo a impugnante a natureza de empresa pública, em consonância com a argumentação supra e sem necessidade de mais delongas, dá-se como verificado o primeiro requisito.
(ii) Que atue na qualidade de autoridade pública,
O segundo requisito estriba-se na necessidade de serem excluídas da sujeição a IVA as atividades exercidas por um organismo de direito público que atue na “qualidade de autoridade pública”.
Nos dizeres da jurisprudência europeia, constituem tais atividades as exercidas pelos referidos organismos no âmbito do regime jurídico que lhes é próprio, no caso dos autos - a Lei n.º 53-F/2006.
O TJUE especificou igualmente que não é pertinente o objeto ou o fim da atividade e que o facto de o exercício de uma atividade como a que está em causa no processo principal implicar a utilização de prerrogativas de autoridade pública permite determinar que essa atividade está sujeita a um regime de direito público (cf. neste sentido, Acórdão C446/98, n.ºs 17, 19 e 22, disponível em curia.eu).
Assim sendo, a qualidade de autoridade pública, afere-se pelas atividades exercidas pelos organismos de direito público na qualidade de autoridades públicas, estreitamente relacionadas com a utilização de prerrogativas de poder público (cf. Acórdão C-288/07 n. 31.º, disponível em curia.eu).
Isto posto, o critério que permite distinguir as atividades realizadas por organismos públicos na qualidade de sujeitos de direito público ou de sujeitos de direito privado é o regime jurídico aplicável com base no direito nacional. Daí que se entenda que os organismos de direito público agem na qualidade de autoridades públicas quando exercem competências no âmbito do regime jurídico que lhes é específico (no caso dos autos, a Lei n.º 53-F/2006) e, ao contrário, não atuam nessa condição se intervêm como os operadores económicos privados (cf. neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30/09/2020, processo n.º 137/19.2BCLSB, disponível em www.dgsi.pt).
Pedro Gonçalves define “o poder público administrativo de autoridade como o poder abstracto – estabelecido por uma norma de direito público – conferido a um sujeito para, por acto unilateral praticado no desempenho da função administrativa, editar regar jurídicas, provocar a produção de efeitos com representação imediata na esfera jurídica de terceiros, produzir declarações às quais a ordem jurídica reconhece uma força especial ou ainda empregar meios de coacção sobre pessoas ou coisas” – in “Entidades Privadas com Poderes Públicos, O Exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas”, Almedina/2008, pág. 608.
No caso dos autos, em conformidade com os seus Estatutos, a impugnante tem como objeto “a gestão e exploração da infraestrutura Parque de Exposições ..., assegurando a continuidade e qualidade da prestação de serviços públicos da mesma e, promovendo, através da conjugação de esforços e de interesses dos seus principais agentes, o desenvolvimento económico sustentado do concelho e região ...”. O exercício desta atividade é regulamentado, pela, entretanto revogada, Lei n.º 53-F/2006, de 29 de dezembro, definida como um regime jurídico de direito público específico para a criação e desenvolvimento de empresas municipais, razão pela qual, desde logo se vislumbra que, a impugnante não atua ou intervém investida como um operador económico privado.
Paralelamente, a impugnante presta serviços que pertencem à esfera de competência da Câmara Municipal ..., traduzidos na gestão e exploração do Parque de Exposições ..., promovendo o desenvolvimento económico da região ... [cf. ponto 5. dos factos provados]. Todavia, ao abrigo da celebração de um “contrato programa” (previsto no artigo 9º, nº 2, da Lei 53-F/2006, de 29 de dezembro) entre a Câmara Municipal ... e a impugnante [cf. ponto 2. dos factos provados] deu-se uma sub-rogação de poderes públicos para com a empresa municipal, ficando a cargo desta competências que pertenceriam, em primeira linha, à Câmara Municipal ... (cf. neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.11.2019, processo n.º 0431/10.8BEVIS, disponível em www.dgsi.pt).
Razão pela qual, encontrando-se a impugnante sujeita a um regime jurídico de direito público - Lei n.º 53-F/2006, de 29 de dezembro – e, simultaneamente, exercendo a gestão e exploração de espaços públicos, aliada à promoção e desenvolvimento económico da região ..., facilmente se percebe que a impugnante atua na qualidade de autoridade pública.
Acompanha-se integral e respeitosamente a jurisprudência manifestada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/09/2020, processo n.º 0586/17, disponível em www.dgsi.pt, segundo a qual “As empresas do sector empresarial local são, à luz do direito europeu, organismos de direito público quando actuam na qualidade de autoridade pública (distinguindo-se pelo exercício da sua actividade de operadores económicos privados) (…)”.
Ademais, resulta da jurisprudência firmada do TJUE, já supracitada, que a não incidência em matéria de IVA é de arredar, a título subjetivo, quando haja delegação de poderes de autoridade, o que, por sua vez, encontra viabilidade, no que concerne à prestação de serviços púbicos, no preceituado no artigo 3.º dos seus estatutos e em consonância com o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 53-F/2006.
Assim sendo, tem-se por verificado o segundo requisito cumulativo.
(iii) Que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência significativas,
Cumpre agora analisar se, a atividade desenvolvida pela [SCom01...], E.M, é de molde a provocar distorção nas regras da concorrência.
A jurisprudência europeia, tem vindo a debruçar-se sobre este conceito de “distorção das regras de concorrência”, quando interpretadas no contexto da não sujeição a IVA, por organismos de direito público que atuam enquanto autoridades públicas. A este respeito, já se pronunciou o TJUE no sentido de que tais atuações devem ser avaliadas por referência à atividade em causa, enquanto tal, e não a um mercado em particular, tendo por referência não só a concorrência atual mas também a concorrência potencial, desde que a possibilidade de um operador privado entrar no mercado seja real (cf. Acórdão C-79/09, §91, disponível em curia.eu).
Pelo que, à luz da jurisprudência europeia, a fim de determinar se existirá distorção das regras da concorrência, carecem de análise determinados requisitos, a saber: (i) Se as atividades prosseguidas pelas impugnante, em virtude das prerrogativas de autoridade pública de que se encontra investida, em virtude da sua constituição ao abrigo da Lei n.º 53-F/2006, constituem ou não, um instrumento necessário ao desenvolvimento dessas atividades; (ii) Saber se estas atividades, atendendo à modalidade do seu exercício e ao específico regime jurídico que as conforma, podem, ou não, ser exercidas pelos particulares com fim lucrativo; E ainda se, (iii) A impugnante é, ou pode vir a ser confrontada com operadores privados que forneçam prestações em concorrência com as suas prestações públicas;
De acordo com a resposta ao reenvio prejudicial realizado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05/04/2017, processo n.º 1060/13, disponível em www.dgsi.pt, sobre a questão de saber se uma entidade do setor empresarial público, quando atua ao abrigo de um “contrato-programa”, deverá ou não considerar-se abrangida pela isenção o artigo 2.º, n.º 2 do CIVA, veio o TJUE confirmar que a prestação de serviços a autoridades públicas, de acordo com o definido em “contratos-programa”, constitui uma atividade económica.
Ora, é esta a exata situação dos autos agora em discussão, o Município ..., “delegou”, através do “contrato-programa” aqui em apreço, a realização de um serviço de interesse geral, que consistia na “gestão e exploração da infraestrutura Parque de Exposições ..., assegurando a continuidade e qualidade da prestação de serviços públicos da mesma e, promovendo, através da conjugação de esforços e de interesses dos seus principais agentes, o desenvolvimento económico sustentado do concelho e região ...”.
Para tal, não assume relevância se na vigência da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de dezembro, as entidades do setor empresarial local podiam ou não exercer também atividades económicas em concorrência com os privados; é apenas relevante que a atividade, em concreto desenvolvida ao abrigo do “contrato-programa” não originasse prestação de serviços em regime de concorrência, correspondendo meramente à gestão e execução de serviços de interesse geral, em nome do município e que na vigência da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de dezembro, correspondia à atividade de uma empresa encarregada da promoção do desenvolvimento local – cf. artigo 21º do referido diploma.
Razão pela qual, se torna facilmente percetível que as prerrogativas de autoridade pública de que a [SCom01...], E.M dispõe, em virtude da sua constituição ao abrigo da Lei n. º53-F/2006, caracterizam-se como um instrumento necessário ao desenvolvimento dessas atividades, mormente da gestão e exploração da infraestrutura e promoção do desenvolvimento económico sustentado do concelho e região ....
Ora, por estas atividades serem desenvolvidas ao abrigo de uma delegação de poderes da Câmara Municipal ... para a empresa municipal [SCom01...], E.M, ao abrigo da Lei n.º 53-ºF/2006 e atendendo à modalidade do seu exercício e ao específico regime jurídico que a conforma, não poderão, em nenhum caso, ser exercidas pelos particulares com fim lucrativo.
Razão pela qual, a impugnante não pode vir a ser confrontada com operadores privados que forneçam prestações em concorrência com as suas prestações públicas. Não se verificando, portanto, qualquer distorção da concorrência para efeitos do previsto no artigo 2.º, n.º 2, do CIVA.
Assim, reitera-se a orientação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em 27/11/2019, processo n.º 01481/17, disponível em www.dgsi.pt, no qual, de forma lapidar, se decidiu: “A autoridade tributária absorveu no seu seio das orientações recentes do TJUE nesta matéria -oficio circulado nº 30159/2014 de 18-06-2014, da AT AGT-IVA -, embora já ao abrigo da Lei 50/2012 de 31/8 que entretanto revogou a Lei 53-F/2006 de 29 de Dezembro, aí se mostrando inequívoco que as actividades exercidas na qualidade de autoridades públicas pelas Empresas Municipais, redundarão na aplicação do nº 2 do artigo 2º do CIVA (sublinhado nosso).
No referido oficio-circulado nº 30159/2014, a AT considera que “Os municípios participantes podem delegar poderes nas empresas locais, devendo a gestão destas articular-se com os objetivos prosseguidos pelas entidades públicas participantes no seu capital social, visando a satisfação das necessidades de interesse geral ou a promoção do desenvolvimento local e regional, cabendo ao órgão executivo da entidade pública participante definir as orientações estratégicas daquelas empresas.
(…)
As empresas locais são pessoas coletivas de direito privado, regendo-se, na definição do seu regime jurídico, pelas disposições do RJAELPL, pela lei comercial, pelos respetivos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do setor empresarial do Estado.
Embora estejam, pela sua natureza, sujeitas a princípios de gestão privada, tal não impede, contudo, que se configurem também como entidades públicas, se atendermos a critérios delimitadores do conceito, como a titularidade, o regime jurídico aplicável, o objeto e os fins prosseguidos.
Estas empresas, criadas e extintas por deliberação dos municípios, são detidas integral ou maioritariamente por um município que sobre elas exerce poderes de tutela, prosseguindo obrigatoriamente funções inseridas nas atribuições daqueles municípios e estando sujeitas às suas orientações estratégicas. São, ainda, orientadas pela prossecução do interesse público, exercendo poderes que lhes são delegados pelos municípios.
(…)
Enquanto entidades públicas, as empresas locais podem, quando atuem com prerrogativas de autoridade, beneficiar do regime de não sujeição a IVA constante do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA).
Com efeito, de acordo com os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (T JUE), (1- Cf., entre outros, acórdãos de 17.10.1989, proferido no processo Com une di Carpa neto Piacentino e o., processos apensos 231/87 e 129/88, nº 12, de 25.07.1991, Ayuntamento de Sevilla, C-202/90. nº 18 e de 14.12.2000, Fazenda Pública/Câmara Municipal do Porto, C-446/98, nº 15.) estando em causa o exercício de atividades por parte de um organismo público e, sendo esse exercício efetuado na qualidade de autoridade pública, estas entidades podem beneficiar do regime de não sujeição previsto no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA. Na determinação da condição de autoridade pública, relevam as modalidades de exercício das atividades em causa, pelo que se consideram atividades exercidas "na qualidade de autoridades públicas" aquelas que os organismos públicos realizem no âmbito do regime jurídico que lhes é próprio, ou seja, as que implicam a utilização de prerrogativas de autoridade pública excluindo-se, assim, as que são exercidas nas mesmas condições jurídicas que os operadores económicos privados”.
E assim sendo, sem necessidade de maiores considerações, conclui este Tribunal pela procedência, nesta parte, da presente impugnação judicial.» (fim de transcrição /destacados nossa autoria).
Como se viu, a recorrente advoga que a sentença errou no julgamento da questão da delimitação da incidência objectiva e subjectiva do IVA, tendo em conta que, na sua óptica, a recorrida é sujeito passivo de IVA em virtude de não se enquadrar no conceito de “pessoa coletiva de direito público” constante do art.º 2º, nº 2, do CIVA e no conceito de “organismo de direito público”, quando exerceu a atividade de realização de eventos aqui em litígio.
Atentemos à fundamentação constante do RIT, subjacente às correcções dos anos de 2007 e 2008 em análise, porquanto é essa e apenas essa que importa apreciar. Discorre daquele que “(...) Decorre do exposto que a [SCom01...] presta serviços gratuitos no âmbito da sua actividade económica relativamente aos quais a empresa deduz o imposto relativo aos custos que suporta relacionados com esses serviços. São serviços de organização e gestão, em tudo semelhantes aos que são facturados a outros clientes. (...) As prestações de serviço a título gratuito efectuadas pela própria empresa com vista ás necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma são consideradas prestações de serviços a título oneroso, de acordo com alinea b) do n. º2 do artigo 4º do Código do IVA, e portanto sujeitas a imposto”.
A vexatio questio, tal e qual a considerou o Tribunal a quo, passa pela aplicação casuística e interpretação do artigo 2º, nº 2, do CIVA, segundo o qual «O Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência», que corresponde ao artigo 13º, nº 1, 1º parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE, segundo o qual «Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas actividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.».
E, sobre a mesma, a fundamentação supratranscrita, com apoio na jurisprudência emanada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pelo Supremo Tribunal Administrativo, releva um interpretação e aplicação casuística prolixa e assertiva a não nos merecer qualquer reparo.
Quanto ao mais alegado, mormente a questão da dedução do IVA correspondente aos custos com a realização dos eventos que a recorrente distende em sede de recurso, mormente para avocar da verificação da incidência objectiva do IVA não liquidado, outra deveria ter sido a posição da AT, pois perante a posição de não sujeição de IVA dos eventos nos termos sufragados, estamos perante operações tributadas que não conferem direito à dedução, aferindo da sua dedução indevida das despesas inerentes aos eventos em causa fora do âmbito de uma actividade económica, ou seja, foram efectuadas no âmbito de poderes de autoridade.
Termos em que improcedem as conclusões recursórias.
2.3. Conclusões
I. O juiz não só não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objeto, isto sob pena de a sentença ficar afetada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda quando condene em quantidade superior ou em objeto diferente do pedido (artigo 615.º, n.º1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil)
II. O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso, no que respeita ao pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é, pois, de grande importância o modo como se mostra formulado, por o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor.
III. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade por falta de fundamentação é necessário que a mesma seja absoluta, não bastando que a mesma incorra num “lapsus calami” susceptível de rectificação ao abrigo do artigo 614º do CPC, quando em sede de subsunção jurídica dos factos em sede da sua identificação recorre a menção alfabética dos factos quando na sua selecção havia utilizado a menção numérica.
IV. As empresas do sector empresarial local são, à luz do direito europeu, organismos de direito público quando actuam na qualidade de autoridade pública (distinguindo-se pelo exercício da sua actividade de operadores económicos privados) e, por isso, beneficiam do regime de não sujeição a IVA do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA.

3.DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, manter a decisão recorrida de anulação das liquidações de IVA impugnadas na exacta medida em que as mesmas decorrem das correções operadas em sede de falta de liquidação de IVA (Pontos III.1.1.1. e III.1.2.1 “Prestações de serviços efectuadas a título gratuito” exercício de 2007 e 2008) com todas as legais consequências ali determinadas.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 30 de abril de 2025

Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Rui Esteves
(1.º Adjunto)
José António Coelho
(2.º Adjunto)