Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00582/22.6BEAVR |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 03/27/2025 |
| Tribunal: | TAF de Aveiro |
| Relator: | VITOR SALAZAR UNAS |
| Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO; ELEMENTO OBJETIVO; DEDUÇÃO INDEVIDA; CRÉDITO DE IMPOSTO; |
| Sumário: | I – Nos termos do artigo 2.° do RGIT, constitui infração tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. II – Não se subsume na previsão da norma punitiva gizada no art. 114.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, as situações de dedução indevida de IVA que não impliquem entrega de imposto, como sejam, por exemplo, as situações em que após as correções do imposto indevidamente deduzido, o sujeito passivo ainda mantenha crédito de imposto, já que nestas situações, o erário público não foi afetado.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte: I – Relatório: A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, nos termos da qual foi julgado procedente o presente Recurso de Contraordenação, apresentado pelo MUNICÍPIO ..., contra a decisão de fixação de coima única no valor de € 4.650,87, proferida pela Chefe do Serviço de Finanças ..., no procedimento por contraordenação n.º .......................290, por falta de entrega de imposto exigível conjuntamente com a respetiva declaração periódica do mês 2016-12, em infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, ambos do Código do IVA, conduta prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «(…). I. É objecto do presente recurso a sentença proferida em 18/07/2024, que julgou totalmente procedente o recurso judicial e, em consequência, absolveu o Arguido da prática das contraordenações que lhe vêm imputadas, por o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter concluído pela não verificação do elemento objetivo do tipo do ilícito - que é a falta de entrega da prestação tributária ao credor, porque entendeu que as correções efectuadas ao imposto por dedução indevida do IVA, não tiveram como resultado aritmético, a entrega de imposto, mas apenas a diminuição do crédito de imposto a reportar para os períodos seguintes (cfr. pontos 1, 2, 3 e 5 do probatório). II. A nosso ver, e ressalvado o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração do consignado no acervo probatório e subsequente errónea interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º ambos do CIVA e do artigo 114.º, n.ºs 2 e 5 alínea a) do RGIT. III. Sobre os sujeitos passivos de IVA recai obrigação de enviar mensalmente uma declaração relativa às operações efetuadas no exercício da sua atividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respetivo cálculo. IV. A mencionada obrigação declarativa, deve ser cumprida no prazo indicado nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 41.º do CIVA, aplicando como critério diferenciador o volume de negócios do sujeito passivo. V. Para além desta obrigação declarativa, de acordo com o disposto no artigo 27.º, n.º 1 do CIVA, o sujeito passivo de IVA tem a obrigação de entregar o montante de imposto exigível e apurado na respectiva declaração periódica, nos locais de cobrança legalmente autorizados e nos prazos previstos no artigo 41.º do CIVA, podendo, no caso de apurar imposto a seu favor, solicitar o reembolso, conforme previa o artigo 22.º do CIVA. VI. Por outro lado, a norma punitiva do artigo 114.º do RGIT sob a epígrafe “Falta de entrega da prestação tributária”, estatui na parte aqui relevante, o seguinte: “1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido. 2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido. (…).” 5 - Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em fatura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou retificação sem observância dos termos legais; (…).” VII. Conforme resulta da matéria de facto provada, o Arguido submeteu a declaração periódica de IVA, respeitante ao período de 2019/12, apurando um crédito de imposto no montante de € 372.973,59. VIII. Na sequência do pedido de reembolso da totalidade deste crédito de imposto por parte do Arguido, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... desencadearam uma ação de inspeção tributária ao Arguido, ao abrigo das ordens de serviço n.º ...29, ...47, ...21 e ...22, de que resultou correções em sede de IVA, reportadas ao período de 2016/12, no montante de € 14.093,55; ao período de 2017/12, no montante de € 14.082,82; ao período de 2018/12, no montante de € 4.873,27 e ao período de 2019/12, no valor de € 7.487,97, perfazendo a importância total de € 40.473,61. IX. Os referidos montantes apurados na Inspecção, a título de dedução indevida do IVA enquanto prestações tributárias deveriam ter sido entregues juntamente com as declarações periódicas dos períodos em causa, dentro do prazo legal previsto para o efeito, o que não aconteceu. X. Assim sendo, somos de entendimento, salvo o devido respeito, que o Arguido não cumpriu com o disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, ambos do CIVA, preenchendo a sua conduta todos os elementos constitutivos da contra-ordenação prevista no artigo 114.º, n.ºs 2 e 5 alínea a) do RGIT, pois na sua previsão, subsumem-se as situações de dedução indevida de IVA, originárias de imposto em falta, independentemente da situação tributária em que o contribuinte se encontre, designadamente, a de crédito de imposto. XI. A lei não faz depender a punição da conduta [falta de entrega da prestação tributária ao credor], no caso da dedução indevida do IVA, do facto de a conta corrente de IVA do sujeito passivo ter crédito ou não de imposto, não sendo esta um elemento objectivo constitutivo do tipo legal de tal contra-ordenação. XII. A conduta ali sancionada, é conduta de que resulta a falta de cumprimento da obrigação legal de entrega do valor do IVA apurado na declaração periódica respectiva e que era devido se tivesse efetuado a dedução nos termos legais. XIII. O legislador faz expressa menção à “entrega” do tributo, sendo que, essa entrega pode ser uma entrega que ocorre por força da lei. XIV. Por outro lado, “prestação tributária” para os efeitos do RGIT é o tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal nos termos do disposto no artigo 11.º, alínea a), do mesmo diploma legal, constituindo prestação em falta para este efeito a que deveria ter sido correctamente apurada e entregue, juntamente com a respectiva declaração periódica de IVA pelo sujeito passivo, no prazo legalmente fixado para o efeito, independentemente de a sua conta corrente de IVA ter crédito ou não de imposto. XV. A infração prevista nos n.ºs 2 e 5, alínea a) do artigo 114.º do RGIT, salvo melhor entendimento, considera-se praticada aquando da dedução indevida de IVA, originária de imposto em falta, independentemente da situação de crédito de imposto do sujeito passivo. XVI. Nesta conformidade, contrariamente ao entendimento firmado pelo Tribunal a quo, e sempre ressalvado o devido respeito por opinião contrária, concluímos pela verificação do elemento objetivo do tipo do ilícito tipificado nos n.ºs 2 e 5, alínea a) do artigo 114.º do RGIT [falta de entrega da prestação tributária]. XVII. Atento o exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e o recurso judicial interposto das decisões impugnadas, ser julgado improcedente, com todas as legais consequências. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as, mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença de que se recorre e o recurso judicial interposto das decisões impugnadas nos referidos processos de contraordenação, ser julgado improcedente, como se nos afigura mais conforme com o que consideramos ser a melhor realização do Direito e Justiça.» Não obstante a notificação para o efeito, não foi apresentada resposta ao recurso. O Digno Procurador Geral Adjunto junto deste TCAN emitiu parece nos seguintes termos: «(…) Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, no Regime Geral das Infrações Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos pelo recorrente MUNICÍPIO ... – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroativa da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro.» * Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas do art.º 419.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do art.º 3.º do RGIT e n.º 4 do art.º 74.º do RGCO, sendo o processo submetido à conferência para julgamento. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAr No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGCO) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma. Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões (cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGCO), exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. Assim, a este tribunal cabe aquilatar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter absolvido o arguido da prática das contraordenações que lhe foram imputadas. No presente caso, o Digno Procurador Geral Adjunto trouxe, com pertinência, à colação as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26.02, que entrou em vigor a 01.01.2022, dando nova redação, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infrações Tributárias e aditando o artigo 28.º-A ao mesmo diploma, regime que, em teoria, se mostrará mais favorável ao arguido. Todavia, tendo em consideração os concretos eventos contraordenacionais imputados ao arguido e as concretas questões recursivas, impõe-se, antes de mais, conhecer do objeto do recurso e, no caso de o mesmo se mostrar provido, aferir, então, da aplicação ao caso objeto das mencionadas alterações. * III – FUNDAMENTAÇÃO: III.1 – MATÉRIA DE FACTO No despacho decisório prolatado em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: «Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considero provados os seguintes factos: 1) No dia 10/02/2020, o Recorrente/Arguido submeteu a declaração periódica de IVA respeitante ao período de 2019-12, apurando um crédito de imposto no montante de € 372.973,99, solicitando o reembolso no mesmo montante – (cfr. fls. 11 a 29 do documento do SITAF n.º 005073037). 2) No seguimento do pedido de reembolso de IVA a que se alude no ponto anterior, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... desencadearam uma ação de inspeção tributária ao Recorrente/Arguido, ao abrigo das ordens de serviço n.º ...29, ...47, ...21 e ...22, tendo resultado correções em sede de IVA e reportadas aos períodos de 2016-12 (€ 14.093,55), 2017-12 (€ 14.082,82), 2018-12 (€ 4.873,27) e 2019-12 (€ 7.487,97), perfazendo o total de € 40.473,58 – (cfr. teor do auto de notícia de fls. 4 e 5 do documento do SITAF n.º 005073032, conjugado com a informação prestada pela Divisão de Justiça Tributária – Contencioso, da Direção de Finanças ..., constante do documento do SITAF n.º 005073054). 3) Em conformidade com as correções a que se alude no ponto anterior, o Recorrente/Arguido apresentou em 7/08/2020, as declarações periódicas de IVA dos períodos de 2016-12, 2017-12, 2018-12 e 2019-12, de onde resultou, em cada uma das declarações, excesso de imposto a reportar para os períodos seguintes, e, na última declaração reportada ao período de 2019-12, resultou o apuramento de um crédito de imposto no montante de € 365.486,02, solicitando o reembolso no mesmo montante – (cfr. declarações constantes do documento do SITAF n.º 005073038 e fls. 1 a 20 do documento do SITAF n.º 005073042). 4) No dia 7/08/2020, no âmbito da ação de inspeção tributária a que se alude no ponto 2 do probatório, foram elaborados 4 autos de notícia para cada período, dando origem à instauração dos processos de contraordenação n.º .......................290, ..........................304, .........................312 e ..........................320 – (cfr. fls. 1 a 6 do documento do SITAF n.º 005073032; cfr. fls. 6 a 10 do SITAF, processo n.º 583/22.4BEAVR; cfr. fls. 6 a 10 do SITAF, processo n.º 584/22.2BEAVR; cfr. fls. 6 a 10 do SITAF, processo n.º 585/22.0BEAVR). 5) No dia 7/09/2020, foi pago ao Recorrente/Arguido, o montante de € 332.499,98 a título de reembolso de IVA – (fls. 22 do documento do SITAF n.º 005073038). 6) Em 16/05/2022, pela Chefe do Serviço de Finanças ..., foi proferida a decisão administrativa de fixação da coima no processo de contraordenação n.º .......................290, onde foi aplicada a coima no montante de € 4.650,87, acrescido das custas processuais no montante de € 76,50, pela falta de entrega de imposto exigível conjuntamente com a respetiva declaração periódica do mês 2016-12, em infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, ambos do Código do IVA, conduta prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT - (cfr. decisão constante do documento do SITAF n.º 005073053 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida). 7) Em 16/05/2022, pela Chefe do Serviço de Finanças ..., foi proferida a decisão administrativa de fixação da coima no processo de contraordenação n.º ..........................304, onde foi aplicada a coima no montante de € 4.626,20, acrescido das custas processuais no montante de € 76,50, pela falta de entrega de imposto exigível conjuntamente com a respetiva declaração periódica do mês 2017-12, em infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, ambos do Código do IVA, conduta prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT - (cfr. decisão constante do documento do SITAF n.º 005073151, processo n.º 583/22.4BEAVR, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida). 8) Em 16/05/2022, pela Chefe do Serviço de Finanças ..., foi proferida a decisão administrativa de fixação da coima no processo de contraordenação n.º .........................312, onde foi aplicada a coima no montante de € 1.688,59, acrescido das custas processuais no montante de € 76,50, pela falta de entrega de imposto exigível conjuntamente com a respetiva declaração periódica do mês 2018-12, em infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, ambos do Código do IVA, conduta prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT - (cfr. decisão constante do documento do SITAF n.º 005073187, processo n.º 584/22.2BEAVR, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida). 9) Em 16/05/2022, pela Chefe do Serviço de Finanças ..., foi proferida a decisão administrativa de fixação da coima no processo de contraordenação n.º ..........................320, onde foi aplicada a coima no montante de € 2.476,65, acrescido das custas processuais no montante de € 76,50, pela falta de entrega de imposto exigível conjuntamente com a respetiva declaração periódica do mês 2019-12, em infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, ambos do Código do IVA, conduta prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT - (cfr. decisão constante do documento do SITAF n.º 005073275, processo n.º 585/22.0BEAVR, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida). ** Factos não provados Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir. ** Motivação da decisão de facto A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, designadamente os autos de notícia e decisões administrativas proferidas nos processos de contraordenação n.º .......................290, ..........................304, .........................312 e ..........................320, constantes dos presentes autos e dos processos apensados n.º 583/22.4BEAVR, 584/22.2BEAVR e 585/22.0BEAVR, que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.» * III.2 – DE DIREITO: A Recorrente veio insurgir-se contra o despacho decisório do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgando procedente a impugnação absolveu o MUNICÍPIO ... da prática das contraordenações que lhe foram imputadas, por falta de entrega de imposto (prestação tributária de IVA), exigível conjuntamente com a respetiva declaração, em infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, ambos do Código do IVA, conduta prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 2, do RGIT, com respeito pelos limites impostos pelo artigo 26.º do mesmo diploma legal. Alega a Recorrente, para o efeito e em suma, que a lei não faz depender a punição da conduta do facto de a conta corrente ter crédito ou não de imposto. Vejamos. A sentença recorrida, para concluir pela absolvição do Município, desenvolveu o seguinte discurso fundamentador: «[…]. Conforme resulta do teor das decisões aqui impugnadas, o Recorrente foi condenado em 4 processos de contraordenação, por se ter apurado em sede de inspeção tributária que tinha havido falta de entrega de imposto exigível conjuntamente com as respetivas declarações periódicas (2016-12, 2017-12, 2018-12 e 2019-12), em infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, ambos do Código do IVA, condutas previstas e punidas pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT (embora dos autos de notícia e da descrição sumária dos factos também conste o n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, a verdade é que na parte da decisão que elenca e identifica as “normas infringidas e punitivas”, só aparece o artigo 114.º, n.º 2 do RGIT). Ora, sob a epígrafe “Obrigações em geral”, o artigo 29.º do Código do IVA estabelecia, à data dos factos, que para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos devem “Enviar mensalmente uma declaração relativa às operações efetuadas no exercício da sua atividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respetivo cálculo” [n.º 1, al. c)]. A declaração a que acima se alude, “deve ser enviada por transmissão eletrónica de dados até ao dia 10 do 2.º mês seguinte àquele a que respeitam as operações, no caso de sujeitos passivos com um volume de negócios igual ou superior a (euro) 650 000 no ano civil anterior, ou até ao dia 15 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações, no caso de sujeitos passivos com um volume de negócios inferior a (euro) 650 000 no ano civil anterior.” (cfr. artigo 41.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código do IVA). O valor apurado na declaração periódica de IVA é entregue ao Estado, pelo sujeito passivo, nos locais de cobrança legalmente autorizados e nos prazos previstos no artigo 41.º do Código do IVA (cfr. artigo 27.º, n.º 1, al. b) do Código do IVA), podendo o sujeito passivo, no caso de apurar imposto a seu favor, solicitar o reembolso, conforme prevê o artigo 22.º do Código do IVA. Por sua vez, sob a epígrafe “Falta de entrega da prestação tributária”, o artigo 114.º do RGIT, estabelece, para o que ora interessa, o seguinte: “1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido. 2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido. (…) 5 - Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em fatura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou retificação sem observância dos termos legais; (…).” E o n.º 4 do artigo 26.º do RGIT refere que “os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contraordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicados a uma pessoa coletiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada.”, estabelecendo, ainda, o artigo 24.º, n.º 1 do RGIT que, “Salvo disposição expressa da lei em contrário, as contraordenações tributárias são sempre puníveis a título de negligência.” Tendo presente o quadro normativo de referência acabado de transcrever, importa desde já referir que a conduta que vem tipificada no n.º 1 do artigo 114.º do RGIT, consiste “na não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei (…)”, sendo que o n.º 2 limita-se a qualificar a gravidade da conduta. No caso dos autos, foram feitas correções ao imposto por dedução indevida de IVA, correções aceites pelo Recorrente e prontamente corrigidas através da entrega das declarações respetivas (declarações dos períodos de 2016-12, 2017-12, 2018-12 e 2019-12), cujos efeitos traduziram-se na diminuição do crédito de imposto a reportar para os períodos seguintes, e, na última declaração, a correspondente redução do reembolso solicitado. No caso particular do IVA, como se refere no acórdão do TCA do Sul de 14/02/2019, proferido no processo n.º 873/15.2BELRS (consultável em www.dgsi.pt), “no âmbito do IVA os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram (…), mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram.” Ou seja, no caso do IVA, só se enquadra no ilícito tipificado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT, a dedução indevida de imposto que tenha reflexo na entrega da prestação tributária (p.e., por força da dedução indevida, na declaração corretiva, o sujeito passivo apura imposto a entregar ao Estado), não se subsumindo na previsão da norma as situações de dedução indevida de IVA que não impliquem entrega de imposto, como sejam, por exemplo, as situações em que após as correções do imposto indevidamente deduzido, o sujeito passivo ainda mantenha crédito de imposto, já que nestas situações, o erário público não foi afetado. É precisamente a situação dos autos, em que foram efetuadas correções ao imposto deduzido, mas tais correções não tiveram como resultado aritmético, a entrega de imposto, mas apenas a diminuição do crédito de imposto a reportar para o período seguinte. E relativamente à declaração periódica de 2019-12, onde foi solicitado o reembolso do imposto, o valor inicialmente pedido foi de € 372.973,99, e o valor pago a final foi de € 332.499,98, valor este que corresponde à diferença entre o valor pedido inicialmente e as correções efetuadas de € 40.473,58 (cfr. pontos 1, 2, 3 e 5 do probatório), daqui resultando que não foi apurado em qualquer período, imposto a entregar ao Estado, nem foi indevidamente pago qualquer reembolso. Acresce referir que a situação dos autos também não se enquadra no n.º 5 do artigo 114.º do RGIT (na descrição sumária dos factos constantes das decisões impugnadas, é referido esta norma, embora, como já acima dissemos, tal norma não conste das normas punitivas), pois, como se sumariou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo n.º 0595/16.7BELRS (consultável em www.dgsi.pt), cuja posição se adere sem reservas, “Não constitui dedução sem observância dos termos legais, para os efeitos do disposto no artigo 114.º, n.º 5, do Regime Geral das Infrações Tributárias, a menção indevida de imposto a deduzir nas declarações periódicas, quando da mesma não resulte a falta do cumprimento da obrigação material de pagar ou entregar o tributo nem o pagamento indevido de reembolsos do IVA.” Destarte, face à fundamentação supra expendida, conclui-se pela não verificação do elemento objetivo do tipo do ilícito - que é a falta de entrega da prestação tributária ao credor -, motivo pelo qual procedem as alegações do Recorrente, com a consequente anulação das decisões impugnadas e objeto dos presentes autos, a absolvição do Arguido/Recorrente das contraordenações em que vem acusado e o arquivamento dos autos, o que se decidirá no segmento dispositivo a final.» Exteriorizada a fundamentação da sentença, da mesma resulta que o tribunal a quo, com proficiência, fez uma exegese rigorosa dos preceitos legais, norteado pela mais avalizada jurisprudência dos nossos tribunais superiores quanto à matéria em causa, bem como uma irrepreensível subsunção dos factos ao direito. Razão pela qual, aqui, a validamos e sancionamos. E, nesta confluência, não pode proceder o recurso, designadamente por o preenchimento do elemento objetivo do tipo contraordenacional – “falta de entrega da prestação” – não se mostrar preenchido, no caso como o presente, em que foram efetuadas correções ao imposto deduzido que não tiveram como resultado material a entrega de imposto, mas apenas a diminuição do crédito de imposto. Considerando que no instrumento recursivo a Recorrente alega que os factos imputados subsumem-se no tipo sancionatório da alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, que se encontram verificados, não deixaremos de emitir pronúncia sobre esta concreta questão. Relembramos que prescreve este preceito legal o seguinte: «5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais.» Sem cuidarmos, por ora, de averiguar se a conduta do arguido se integra no tipo de ilícito, o que se constata é que não foi essa a norma punitiva que se fez constar nas decisões de aplicação da coima, mas sim a norma do n.º 2 do art. 114.º que remete na sua previsão para o antecedente n.º 1. Na realidade, a menção à alínea a), do n.º 5, do art. 114.º do RGIT, aparece apenas referido na parte final do segmento das decisões destinado à “Descrição Sumária dos Factos”, sendo certo que, logo a seguir, se conclui “Conforme despacho proferido em 16.05.2022, os quais se dão como provados”. E o despacho aludido, prévio a cada uma das decisões impugnadas, baseou-se no parecer e informação que o antecederam, imputando ao arguido somente a prática do ilícito previsto no art. 114.º, n.º 2 do RGIT, em consonância com a norma punitiva indicada nas decisões de fixação da coima. Como se refere no acórdão do TCAS de 14.02.2019, citado na sentença, «se a ATA entendia, como agora propugna em sede recursiva, que os factos descritos preenchiam o tipo de ilícito da alínea a) do n.º 5 do art.º114.º do RGIT, então deveria ter mencionado de forma expressa na decisão de fixação da coima essa norma, o que não fez.» Concluindo que «o juízo de adequação do facto à norma formulado pelo tribunal apenas poderia ser feito, como foi, por referência à norma indicada do n.º 1 e 2 do art.º114.º do RGIT e não merece qualquer censura, pois que o facto descrito não é subsumível naqueles preceitos, pelas razões que a sentença explica e que se prendem com a não verificação do elemento objectivo do tipo que é a falta de entrega da prestação tributária ao credor, o que a própria Recorrente parece admitir.» Nesta linha de fundamentação, o juízo de adequação dos factos à norma só pode ser formulado pelo tribunal por referência à norma punitiva indicada nas decisões de fixação da coima, pelo que não tendo sido indicada como norma punitiva o n.º 5 do art. 114.º, do RGIT nas decisões recorridas, não pode vir agora a Recorrente pretender proceder a um novo enquadramento dos factos praticados pelo arguido. No entanto, sem prejudicar a conclusão extraída e com o objetivo de pacificação das partes, diremos com a sentença «que a situação dos autos também não se enquadra no n.º 5 do artigo 114.º do RGIT (na descrição sumária dos factos constantes das decisões impugnadas, é referido esta norma, embora, como já acima dissemos, tal norma não conste das normas punitivas), pois, como se sumariou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo n.º 0595/16.7BELRS (consultável em www.dgsi.pt), cuja posição se adere sem reservas, “Não constitui dedução sem observância dos termos legais, para os efeitos do disposto no artigo 114.º, n.º 5, do Regime Geral das Infrações Tributárias, a menção indevida de imposto a deduzir nas declarações periódicas, quando da mesma não resulte a falta do cumprimento da obrigação material.» Em complemento dizemos que o mencionado acórdão do STA espelha judiciosa fundamentação, na qual no revemos, nos seguintes termos: «(…). Por isso, a questão de direito que vem colocada é apenas a de saber se a dedução indevida de imposto constitui infração prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do Regime Geral das Infrações Tributárias, mesmo quando da mesma não tenha resultado a falta de entrega de prestação tributária. (…). Ora, a essa questão respondemos que a ação ou conduta ali sancionada é conduta de que resulte a falta do cumprimento da obrigação material de pagar ou entregar o tributo e não a irregularidade cometida nas declarações periódicas. E por duas razões essenciais: Em primeiro lugar, porque a coima é fixada em função da «prestação em falta» - ver o n.º 1 daquele artigo 114.º. Ora, sendo a «prestação tributária» para os efeitos do Regime Geral das Infrações Tributárias o tributo a cobrar [ver o artigo 11.º, alínea a), do Regime Geral das Infrações Tributárias], não pode constituir prestação em falta para este efeito a que é devida pelo sujeito passivo no quadro da relação fiscal formal (isto é, a que se traduza na falta do cumprimento de obrigações acessórias nos termos da lei), mas a que lhe é devida por força da relação fiscal material (isto é, a que se traduz na falta do cumprimento da obrigação material de pagar ou entregar o tributo). Em segundo lugar, porque as inexatidões relativas à situação tributária do sujeito passivo, praticadas nas declarações periódicas, integram outro tipo de ilícito, previsto e punido pelo artigo 119.º do Regime Geral das Infrações Tributárias. Assim quando o legislador alude, na alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, à «dedução (…) sem observância dos termos legais» tem em vista a falta de entrega do imposto que seria devido se o operador tivesse efetuado a dedução nos termos legais. Da questão de saber se a infração que seja integrada, simultaneamente, pela falta de entrega de prestação tributária e pela menção indevida de imposto a deduzir na declaração periódica gera um concurso real ou aparente de infrações não importa tratar aqui, por estar assente que não houve falta de entrega de prestação tributária. Da questão de saber se por falta de entrega de imposto devido também se entende o reembolso indevido de imposto e em que circunstâncias, também não importa tratar aqui. Além do mais, por não resultar dos autos que tal tenha sucedido.» Replicando para o caso concreto estas considerações, dizemos, ainda que estivesse em causa a imputação ao arguido da conduta prevista na alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, a ilação sempre seria a mesma, ou seja, a da sua absolvição. Ora, nos termos do artigo 2.° do RGIT, constitui infração tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. Não se encontrando preenchido um dos elementos objetivos do ilícito contraordenacional, como supra deixamos dito, previsto no art. 114.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, só resta concluir pela absolvição do arguido, tal como corretamente ajuizou o tribunal a quo. Nesta conformidade, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nesta sede recursiva. * Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar total provimento ao presente recurso e, nessa conformidade, manter a sentença na ordem jurídica. * Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte SUMÁRIO: I – Nos termos do artigo 2.° do RGIT, constitui infração tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. II – Não se subsume na previsão da norma punitiva gizada no art. 114.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, as situações de dedução indevida de IVA que não impliquem entrega de imposto, como sejam, por exemplo, as situações em que após as correções do imposto indevidamente deduzido, o sujeito passivo ainda mantenha crédito de imposto, já que nestas situações, o erário público não foi afetado. * IV – DECISÃO: Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar total provimento ao presente recurso e, nessa conformidade, manter a sentença. Sem custas. Notifique. Porto, 27 de março de 2025 Vítor Salazar Unas Maria do Rosário Pais Ana Patrocínio |