Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01656/13.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/03/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR/SANÇÃO DE SUSPENSÃO POR DOIS MESES/DISCRICIONARIEDADE/NÃO VERIFICAÇÃO DE ERRO GROSSEIRO
Recorrente:C.
Recorrido 1:Direção Nacional da Ordem dos Psicólogos
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
C., NIF (…), residente na Rua (…), propôs ação administrativa especial contra a Direção Nacional da Ordem dos Psicólogos e contra o Conselho Jurisdicional da Ordem dos Psicólogos Portugueses, ambos com sede na Travessa (…), visando a impugnação da deliberação de aplicação da sanção de suspensão por dois meses, datada de 09.02.2013.
Formulou o seguinte pedido:

“TERMOS EM QUE DEVERÁ A PRESENTE AÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE POR PROVADA, E EM CONSEQUÊNCIA:
SER DECLARADA NULA OU ANULÂVEL A DECISÃO DOS RÉUS DE APLICAÇÃO DA SANÇÃO DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO,
SEREM OS RÉUS CONDENADOS A PRATICAR TODOS OS ATOS DE PUBLICAÇÃO DA NULIDADE OU ANULAÇÃO DA SANÇÃO DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO,
SEREM OS RÉUS CONDENADOS A PAGAR À AUTORA UMA INDEMNIZAÇÃO POR TODOS OS DANOS NÃO PATRIMONIAIS DESCRITOS PELA CONDUTA ILÍCITA E CULPOSA DOS RÉUS E CUJO VALOR NÃO DEVERÁ SER INFERIOR A VINTE E CINCO MIL EUROS, A QUE ACRESCERÁ JUROS DE MORA, À TAXA LEGAL EM VIGOR, DESDE A DATA DA CITAÇÃO ATÉ INTEGRAL RESSARCIMENTO.”.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
A) O TRIBUNAL A QUO PROFERIU SENTENÇA IMPROCEDENTE, NO ÂMBITO DE UMA AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, DE IMPUGNAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO.
B) O ATO IMPUGNADO, DECORRE DE UMA SANÇÃO DISCIPLINAR APLICADA PELA ORDEM DOS PSICÓLOGOS PORTUGUESES, À RECORRENTE, DE SUSPENSÃO DE 2 MESES.
C) A RECORRENTE NÃO SE CONFORMANDO, COM A

IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO

ADMINISTRATIVA ESPECIAL, DELA VEM INTERPOR RECURSO.

D) O TRIBUNAL A QUO”, NÃO RECONHECEU A EXISTÊNCIA DE ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS, ERRO GROSSEIRO”, E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA, NA QUALIFICAÇÃO DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR.
E) O TRIBUNAL A QUO CONSIDEROU QUE A EXISTÊNCIA DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR ASSENTAVA EM 4 FACTOS DADOS COMO PROVADOS.
F) UMA DECISÃO DE UM PROCEDIMENTO DISCIPLINAR, DEVE CONTER COM TODA A PRECISÃO A INFRAÇÃO QUE SE CONSIDERA COMETIDA, AS DISPOSIÇÕES ONDE ESTÃO CONTIDAS E PREVISTAS O TIPO DE INFRAÇÃO, E A SANÇÃO QUE SE APLICA.
G) A ENTIDADE RECORRIDA, DETERMINA QUE EXISTE INFRAÇÃO DISCIPLINAR, POR VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE ATUAR COM INDEPENDÊNCIA E ISENÇÃO PROFISSIONAL; DEVER DE DEFENDER E FAZER DEFENDER O SIGILO PROFISSIONAL; DEVER DE

CONTRIBUIR PARA A BOA REPUTAÇÃO DA ORDEM E PROCURAR ALARGAR O SEU ÂMBITO DE INFLUÊNCIA; E O DEVER DE COLOCAR A SUA CAPACIDADE AO SERVIÇO DO INTERESSE PÚBLICO.
H) DESCONHECE-SE POR CADA DEVER VIOLADO, QUAL A SANÇÃO DISCIPLINAR A APLICAR, PELO QUE SE TEM DE CONSIDERAR, NOS AUTOS DE QUE SE RECORRE, QUE A SANÇÃO

DISCIPLINAR, RESULTA, DA EXISTÊNCIA DE 5 PILARES DEONTOLÓGICOS CUMULATIVOS, QUE RESULTAM NA APLICAÇÃO DE UMA SANÇÃO DISCIPLINAR.
I) O TRIBUNAL A QUO DÁ COMO FACTO PROVADO QUE A RECORRENTE NÃO PERMITIU

QUE A TRABALHADORA E PSICÓLOGA, DRA A. GOZASSE DIAS DE FÉRIAS, DE FORMA A FREQUENTAR O CURSO DE FORMAÇÃO NA ENTIDADE RECORRIDA.
J) ANDOU MAL, O TRIBUNAL A QUO”, POIS TAL FACTO, QUE SE ENUNCIA: NÃO PERMITIU

QUE A TRABALHADORA E PSICÓLOGA, DRA A. GOZASSE DIAS DE FÉRIAS, DE FORMA A FREQUENTAR O CURSO DE FORMAÇÃO, NÃO INTEGRA A
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA OU ADMINISTRATIVA DA ENTIDADE RECORRIDA.
K) O DIREITO A FÉRIAS, ESTÁ CONSAGRADO NO CÓDIGO DO TRABALHO.

L) O CÓDIGO DO TRABALHO, DETERMINA QUE O PERÍODO DE FÉRIAS É MARCADO POR ACORDO ENTRE O EMPREGADOR E TRABALHADOR. NA FALTA DE ACORDO, O EMPREGADOR MARCA AS FÉRIAS, ENTRE O PERÍODO DE 1 DE MAIO E 31 DE OUTUBRO.
M) A RECORRENTE, NÃO PODERIA AUTORIZAR O GOZO DE FÉRIAS, POIS É IMPERATIVO, QUE O EMPREGADOR, APENAS PODE DETERMINAR QUE O GOZO DE FÉRIAS DOS TRABALHADORES SE FAÇA ENTRE 1 DE MAIO E 31 DE OUTUBRO.
N) A RECORRENTE, NO ÂMBITO DA LIMITAÇÃO LEGAL, DO CÓDIGO DO TRABALHO, APENAS PODERIA VIOLAR O DIREITO DE FÉRIAS, COM ALGUM GRAU DE CULPA, SE DETERMINASSE O GOZO DE FÉRIAS FORA DO PERÍODO DE 1 DE MAIO A 31 DE OUTUBRO.
O) A RECORRENTE DENTRO DAS SUAS LIMITAÇÕES LEGAIS AUTORIZOU A

TRABALHADORA/PSICÓLOGA A GOZAR AS FÉRIAS EM JULHO DE 2011.

P) NA DATA DE 23 DE MARÇO DE 2011, A RECORRENTE, NÃO TINHA QUALQUER LEGITIMIDADE, PARA AUTORIZAR, O GOZO DE FÉRIAS, POIS ESTAVA FORA DO SEU BLOCO LEGAL DE ATUAÇÃO LABORAL, SOB PENA DE INCORRER EM CONTRAORDENAÇÃO LABORAL.
Q) EM CAUSA ESTÃO OS PRINCÍPIOS QUE REGEM O BLOCO DE LEGALIDADE DE ATUAÇÃO DA ENTIDADE DEMANDADA, E QUE FORAM VIOLADOS, PERMITINDO A INTERVENÇÃO DO TRIBUNAL A QUO”.
R) EM SEDE DE PETIÇÃO INICIAL, CONSTA A TRANSCRIÇÃO DA

TRABALHADORA/PSICÓLOGA A RECONHECER QUE LHE FOI PERMITIDO O GOZO DE FÉRIAS EM JULHO OU AGOSTO. CONFIRME-SE AS SEGUINTES TRANSCRIÇÕES: QUESTÃO: “A ENTIDADE OFERECEU-LHE A POSSIBILIDADE DE FAZER ESSE CURSO MAIS
TARDE?” PARTICIPANTE: “SIM EM AGOSTO…JULHO - DECLARAÇÕES DA SUPOSTA PARTICIPANTE AO MINUTO 45 E 59 SEGUNDOS.
S) A RECORRENTE, É ACUSADA DE UM FACTO, QUE NUNCA PODERIA SER INTEGRADOR DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR, POIS TRATA-SE DE UMA ATUAÇÃO, QUE NÃO DEPENDE DA VONTADE, DA INTENÇÃO DA RECORRENTE, MAS SIM, DO CUMPRIMENTO DE UMA NORMA DO CÓDIGO DO TRABALHO.
T) NESTE SENTIDO, SE PRONUNCIOU O STJ, QUANTO A UMA SITUAÇÃO EM QUE O


TRABALHADOR, REQUER O GOZO DE FÉRIAS, NÃO TENDO A ENTIDADE EMPREGADORA ANUÍDO AO PEDIDO: I - DECORRE DO DISPOSTO NO ARTº 217º DO CÓDIGO DO TRABALHO QUE O PERÍODO DE FÉRIAS É MARCADO POR ACORDO ENTRE EMPREGADOR
E TRABALHADOR E QUE, NA FALTA DE ACORDO, CABE AO EMPREGADOR MARCAR AS FÉRIAS E ELABORAR O RESPECTIVO MAPA, OUVINDO PARA O EFEITO A COMISSÃO DE
TRABALHADORES. II - DO REFERIDO NORMATIVO LEGAL NÃO SE EXTRAI QUE, HAVENDO SOLICITAÇÃO DO GOZO DE FÉRIAS NUM DADO PERÍODO POR PARTE DO TRABALHADOR,
O SILÊNCIO DO EMPREGADOR POSSA VALER COMO ACORDO ÀQUELA SOLICITAÇÃO. III - AINDA QUE SE VERIFIQUE UMA ACTUAÇÃO DO EMPREGADOR OBSTATIVA DO DESFRUTE DO DIREITO A FÉRIAS POR PARTE DO TRABALHADOR, NÃO ASSISTE A ESTE O DIREITO A NÃO COMPARECER AO SERVIÇO, COM O DESIDERATO DE PROCEDER AO GOZO DE FÉRIAS
ILEGALMENTE NÃO PERMITIDO POR AQUELA ENTIDADE, FUNDANDO-SE ESSA NÃO

COMPARÊNCIA NO EXERCÍCIO DE UM LEGÍTIMO EXERCÍCIO DO SEU DIREITO A FÉRIAS (…)

U) A ENTIDADE RECORRIDA, AO ACUSAR A RECORRENTE DO FACTO DE NÃO TER SIDO AUTORIZADO O GOZO DE FÉRIAS”, DETERMINA QUE A RECORRENTE VIOLOU O DEVER DEONTOLÓGICO DE CONTRIBUIR PARA A BOA REPUTAÇÃO DA ORDEM E PROCURAR ALARGAR O SEU ÂMBITO DE INFLUÊNCIA, MAS EM BOA VERDADE A RECORRENTE NÃO

VIOLOU QUALQUER DEVER DEONTOLÓGICO, POIS FOI A ENTIDADE RECORRIDA QUE COM

A SUA ATUAÇÃO VIOLOU O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA, PROCURANDO IMPOR À

RECORRENTE, A OBRIGAÇÃO DE NÃO CUMPRIR O NORMATIVO DO CÓDIGO DO TRABALHO, E CONSEQUENTEMENTE INDUZIR A QUE ESTA INCORRESSE EM VIOLAÇÃO CONTRAORDENACIONAL.
V) O PRINCÍPIO DA JUSTIÇA, PREVISTO NO ARTIGO 8º DO CPA, DETERMINA QUE SE DEVEM REJEITAR AS SOLUÇÕES MANIFESTAMENTE DESRAZOÁVEIS E INCOMPATÍVEIS COM A IDEIA DE DIREITO.
W) CONSIDERANDO O CONCEITO DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR, CONSTANTE DO ARTIGO 69º

DO ESTATUTO DA ORDEM DOS PSICÓLOGOS, SEMPRE SE DIRÁ, QUE QUANTO A ESTE FACTO, DADO COMO PROVADO, NÃO SE ENCONTRAM OS REQUISITOS QUE CONSTITUEM A INFRAÇÃO DISCIPLINAR.
X) NÃO EXISTE QUALQUER CONDUTA, CULPOSA E ILÍCITA, POIS QUE A RECORRENTE SUGERIU O GOZO DE FÉRIAS EM JULHO, DENTRO DO PERÍODO, QUE É PERMITIDO À

ENTIDADE EMPREGADORA DETERMINAR O GOZO DE FÉRIAS. A RECORRENTE, NÃO ATUA COM CULPA, AO INDICAR O MÊS DE JULHO, MAS SIM, FORNECE A ALTERNATIVA LEGAL À TRABALHADORA. A RECORRENTE NÃO PRATICA QUALQUER ILÍCITO, POIS A SUA ATUAÇÃO, ESTÁ A COBERTO DO ARTIGO 241º DO CÓDIGO DO TRABALHO.
Y) DE FACTO, TAL CONDUTA, CONSIDERADA COMO VIOLADORA DE DEVERES DEONTOLÓGICOS, NÃO CONSTITUÍ, FACTO INTEGRADOR DE PROCEDIMENTO DISCIPLINAR, MAS APENAS UM FACTO DECORRENTE, DA RELAÇÃO LABORAL.
Z) O TRIBUNAL A QUO DEVERIA INTERVIR, SINDICANDO QUE TAL FACTO, NÃO PODERIA SER CONSIDERADO, COMO VIOLADOR DE UM DEVER DEONTOLÓGICO. IMPUNHA-SE A EXATIDÃO DO FACTO, COMO SENDO O CUMPRIMENTO DE UM IMPERATIVO LABORAL, E A SUA SUBMISSÃO AO CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE, JUSTIÇA E IGUALDADE.
AA) A NÍVEL DE DIREITO, FOI VIOLADO O ARTIGO 241º Nº 1,2, 3 E 10 DO CÓDIGO DO

TRABALHO, E OS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE, RAZOABILIDADE E JUSTIÇA, PREVISTOS NOS ARTIGOS 6º E 8º DO CPA.
BB) A ENTIDADE RECORRIDA, APLICOU UMA SANÇÃO DISCIPLINAR, BASEANDO-SE NUM FACTO, QUE NÃO CONSTITUÍA UMA VIOLAÇÃO DO CÓDIGO DEONTOLÓGICO DA ORDEM DOS PSICÓLOGOS PORTUGUESES, MAS SIM O CUMPRIMENTO NAS NORMAS LABORAIS.

QUALIFICAR COMO ILÍCITA A CONDUTA DA RECORRENTE, QUE PERMITIU O GOZO DE FÉRIAS EM JULHO, FOI PROCURAR AFASTAR O CUMPRIMENTO DE UMA NORMA LEGAL DO CÓDIGO DO TRABALHO, QUE EXTENSIVAMENTE, A SER CONSIDERADO, PODERIA RESULTAR NA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS TRABALHADORES.
CC) O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE, FOI VIOLADO PELA ENTIDADE RECORRIDA, QUE NÃO CUIDOU DE ANALISAR COM OBJETIVIDADE OS FACTOS, QUE CONDUZIRAM AO SEU CONTEXTO DECISÓRIO, SOBREVALORIZANDO OS DEVERES DEONTOLÓGICOS, FACE AO DIREITO LABORAL, E CORRELATIVO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
DD) A SENTENÇA DE QUE SE RECORRE, INCORREU EM ERRO, POIS FUNDAMENTOU A INEXISTÊNCIA DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR, EM 4 FACTOS, SENDO QUE O FACTO

DESCRITO EM II) EM 28.03.2011, A AUTORA NÃO PERMITIU QUE A DRA. A. GOZASSE DIAS DE FÉRIAS DE FORMA A FREQUENTAR O CURSO DE FORMAÇÃO NA
ENTIDADE DEMANDADA; NÃO CONSTITUI UM FACTO ADMISSÍVEL, PARA EFEITOS DISCIPLINARES, NEM CONSAGRA UMA VIOLAÇÃO DE QUALQUER CÓDIGO DEONTOLÓGICO.
EE) ESTE FACTO TEM E DEVE SER RETIRADO DOS FACTOS QUE SUSTENTAM A EXISTÊNCIA DE UMA INFRAÇÃO DISCIPLINAR.
FF) LIMITADA A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA, DEVERIA O TRIBUNAL A QUO CONTROLAR A QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS, RECONHECENDO O ERRO MANIFESTO DA

ENTIDADE RECORRIDA, NA QUALIFICAÇÃO DO FACTO DA NÃO AUTORIZAÇÃO DO GOZO DE FÉRIAS”, COMO TENDO SIDO UM FACTO DESAJUSTADO AO CONCEITO DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR, PORQUE VIOLADORES DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE, DA PROPORCIONALIDADE E JUSTIÇA.
GG) O TRIBUNAL A QUO NÃO VERIFICOU QUE EXISTIA UM FACTO, EXCLUÍDO DA

DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA DA ENTIDADE RECORRIDA.

HH) A INFRAÇÃO DISCIPLINAR CONSIDERADA DE FORMA UNITÁRIA, E A RESPETIVA SANÇÃO DISCIPLINAR APLICADA DE FORMA UNITÁRIA, ENFERMA DE ANULABILIDADE, POIS UM DOS FACTOS INTEGRADORES DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR, NÃO SE PODERÁ QUALIFICAR

COMO UMA CONDUTA, CULPOSA E ILÍCITA PARA EFEITOS DISCIPLINARES, O QUE DETERMINARÁ QUE A INFRAÇÃO DISCIPLINAR E RESPETIVA SANÇÃO DISCIPLINAR, NÃO
PODEM SER APLICADAS, PORQUE AFETADAS PELO VÍCIO DE ANULABILIDADE.

NESTES TERMOS, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE

RECURSO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS, FAZENDO-SE ASSIM, JUSTIÇA!

A Entidade Demandada juntou contra-alegações, concluindo:

A) A Recorrente vem apresentar recurso da Sentença do TAF de Braga que, em 13 de maio de 2021, julgou improcedente a ação interposta pela Autora, absolvendo a Entidade Demandada, do pedido, mantendo assim a sanção disciplinar, de suspensão de 2 meses, aplicada à Recorrente.
B) O recurso apresentado centra-se única e exclusivamente na circunstância de na Sentença ter sido dado como provado que a infração disciplinar assenta no seguinte facto: “em 28.03.2011, a Autora não permitiu que a Dra. A. gozasse dias de férias de forma a frequentar o curso de formação na Entidade Demandada”.
C) Deste modo, formou-se caso julgado relativamente às questões que a Recorrente não abordou no seu recurso, nomeadamente, ficou assente que (i) entre 03.04.2010 e 19.05.2010, e no âmbito de diretivas internas segundo as quais os processos com proposta de alta deviam passar por si, instou a Dra. C. a alterar relatórios de avaliação psicológica no sentido de omitirem referências positivas das crianças para que estas obtivessem ou mantivessem o acesso ao subsídio de educação especial;
D) Que (ii) em abril de 2011, permitiu que na empresa da qual era sócia, gerente e diretora técnica fossem retirados à Dra. A. 55 utentes menores sem qualquer transição terapêutica entre aquela e o psicólogo que lhe sucedeu, sem salvaguardar o sigilo das informações recolhidas pela Dra. A. no âmbito do acompanhamento psicológico;
E) Que (iii) pelo menos até junho de 2011, estava instituído nas entidades de que era sócia, gerente e diretora técnica, que os psicólogos não podiam dar consultas superiores a 45 minutos, e depois 30 minutos, independentemente das necessidades das crianças acompanhadas.
F) Ora, é evidente que a infração imputada pela Recorrida se ancora neste quadro geral, de alguém que, consistente e frequentemente violou os seus deveres deontológicos, sempre num sentido que não se coaduna com os interesses
G) Não deixando de sublinhar-se que a Recorrente não vem sindicar esses comportamentos em sede de recurso, procurando antes um outro ângulo de análise que lhe parece mais favorável.
H) Invocando que existe uma violação do princípio da justiça, consagrado no artigo 8.º do CPA, uma vez que, ao abrigo do referido princípio deve-se “rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis e incompatíveis com a ideia do Direito”, uma vez que, entende a Recorrente que à luz do artigo 241.º do Código do Trabalho, existe o direito de a Entidade Empregadora determinar o período de férias do trabalhador.
I) Pelo que o facto referido e que motivou a infração disciplinar não cabe na discricionariedade técnica da Recorrida.
J) No entanto, aquando da infração disciplinar ficou expressamente assente que o facto de “em 28.03.2011, a Autora não permitiu que a Dra. A. gozasse dias de férias de forma a frequentar o curso de formação na Entidade Demandada”, consubstanciava uma violação do dever de contribuir para a boa reputação da Ordem e procurar alagar o seu âmbito de influência.
K) A infração disciplinar da Recorrente não se relaciona com o direito a férias nos termos do Código do Trabalho, mas sim com o facto de ter impedido a Dra. A. de frequentar o curso de formação para estagiários.
L) Num quadro em que toda a sua atuação – recordem-se os factos referidos nas conclusões C) a E) – foi pautada pelo prejuízo da profissão, dos utentes e da boa prática da ciência psicológica.
M) Um dos direitos do psicólogo estagiário é participar nos cursos de formação de psicólogos estagiários organizados pela Ordem, tal como previsto na alínea g) do n.º 3 do artigo 21.º do Regulamento n.º 76-A/2017, de 3 de fevereiro, que aprova o Regulamento de Estágios da Ordem dos Psicólogos Portugueses e na alínea f) do n.º 2 do artigo 56.º dos Estatutos da Ordem dos Psicólogos.
N) Pelo que é evidente que a Recorrente ao impedir a Dra. A. a frequentar o curso de formação, violou os deveres deontológicos previstos, especificamente, a violar o dever de contribuir para a boa reputação da Ordem e procurar alagar o seu âmbito de influência.
O) A referência ao direito a férias e a sua discussão à luz do Código do Trabalho é um mero subterfúgio para fugir da questão essencial: a Recorrente não permitiu à Dra. A. a frequência de um curso que lhe permitiria progredir profissionalmente, desconsiderando os interesses daquela.
P) Termos em que bem andou a Sentença recorrida ao julgar improcedente a ação em causa e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada do pedido, mantendo assim a sanção disciplinar, de suspensão de 2 meses, que foi aplicada à Recorrente.


NESTES TERMOS:

E nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente improcedente, por não provado e, consequentemente, manter-se a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga com todas as legais consequências.
O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. A Autora é Psicóloga, portadora da cédula profissional n.º 251 e está inscrita na Ordem dos Psicólogos Portugueses, desde 09.02.2010.
Facto não controvertido.

2. A sociedade comercial denominada “A L., Lda”, NIPC (…), tem como objeto social “Actividades de educação e formação, nomeadamente de . Organização e promoção de actividades recreativas, pedagógicas, de investigação, de seminários, colóquios, workshops entre outras actividades de índole educativa e formativa. Aluguer, compra e venda de materiais e equipamentos diversos. Arrendamentos diversos, nomeadamente de espaços para ”.
cfr. Certidão do Registo Comercial junta a fls. 102 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. A sociedade “C., Lda”, NIPC (…), tem como objeto social “Intervenção clínica e terapêutica, nomeadamente terapia da fala, terapia ocupacional, psicologia e outras terapias. e outras formações. Orientação escolar e profissional, consultadoria, apoio comunitário e investigação”.
- cfr. Certidão do Registo Comercial junta a fls. 105 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4. Em 28.03.2011, a Autora enviou um e-mail a A., no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

Idealmente e porque esta autorização implicaria a autorização dos restantes colegas o curso deveria ser efectuado em Julho.
(…)”.

cfr. e-mail junto a fls. 23 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. Em 03.05.2011, a Entidade Demandada recebeu um e-mail, enviado por A., no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

Encontro-me a contrato de trabalho com termo certo com a instituição A L. Lda (…).
Apesar do contrato ser com esta entidade, a função de psicóloga foi, desde o início do contrato exercida na entidade C.Lda (…), pertencente aos mesmos sócios gerentes.
(…).

No momento em que, por motivos de foro psiquiátrico, tive que apresentar o certificado de incapacidade temporário para o trabalho (com duração entre 6 e 18 de abril), a entidade tomou a liberdade de mudar os meus utentes e colocá-los em apoio junto de outras colaboradoras (psicólogas) da empresa.
No dia 19 de abril, quando regressei ao trabalho após o término da “baixa médica”, fui informada, pelas assistentes administrativas da entidade, que já não tinha utentes e já não tinha gabinete e que, portanto, teria de me deslocar à L. (…).
Resumidamente, a entidade tomou a liberdade de me retirar 55 utentes, sem que fosse feita a transição terapêutica, sendo que têm informado os pais das crianças e adolescentes que ainda me encontro de baixa e que não sabem quando volto.
Tendo em conta que, a sócia-gerente é psicóloga e esta é uma situação de quebra do código de ética pela qual guiamos a nossa actividade, gostaria de saber como devo proceder (…).
(…)”.

cfr. e-mail junto a fls. 1 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


6. Em 18.05.2011, a Entidade Demandada elaborou um ofício, dirigido à Autora, com o assunto: “Processo de averiguações – Notificação, Processo n.º 23”, no qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…).

(…), informa-o que, em 12 de Maio, foi instaurado processo de averiguações, na sequência de participação, com vista a apurar uma eventual infracção disciplinar (…).
(…), vimos pelo presente notificá-lo da possibilidade de dizer o que se lhe oferecer acerca dos factos constantes da participação, que ora se junta em anexo.
(…)”.
cfr. ofício junto a fls. 5/6 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7. Na sequência do ofício referido no ponto anterior, a Autora elaborou um requerimento, dirigido à Entidade Demandada, nos termos constantes de fls. 11/16 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8. Em 06.06.2011, a Autora renunciou às funções de gerência na sociedade referida em

2.

Cfr. consulta in publicacoes.mj.pt/DetalhePublicacao.aspx.

9. Em 06.06.2011, a Autora renunciou às funções de gerência na sociedade referida em

3.

Cfr. consulta in publicacoes.mj.pt/DetalhePublicacao.aspx.

10. Em 27.06.2011, a Entidade Demandada elaborou um ofício, dirigido à Autora, com o assunto: “Processo Disciplinar - Notificação Processo n.º 23”, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

Na sequência do recebimento da participação acima referenciada, relativamente a uma eventual infracção disciplinar por parte de C., somos a informar a Exma., Colega de que o Conselho Jurisdicional da Ordem dos Psicólogos Portugueses deliberou em 25 de junho de 2011 instaurar processo disciplinar, o qual correrá termos sob o n.°23. Atenta a matéria em apreço, afigura-se útil que a Exma. Colega seja ouvida acerca dos factos que poderão sustentar ou infirmar a existência de uma infracção disciplinar e para que possa prestar os esclarecimentos que entender convenientes.
Em função do exposto, e nos termos da alínea b) do artigo 40.º do Estatuto da Ordem dos

Psicólogos Portugueses, aprovado pela Lei n.º 57/2008, de 4 de setembro, convoca-se o Exma. Colega para comparecer nas instalações da Ordem dos Psicólogos Portugueses, situadas na Travessa da Trindade, n.º 16 - 3°D, em Lisboa, no dia 16 de junho de 2011, pelas 11h00m, para ser ouvida sobre os factos constantes da participação.
(…).
informamos ainda que a presente fase do processo disciplinar tem carácter secreto, pelo que a divulgação de qualquer matéria ou de qualquer acto praticado no âmbito do mesmo poderá implicar responsabilidade disciplinar.
(…)”.

cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial e cfr. fls. 42/43 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11. Em 05.07.2011, na sequência do ofício referido no ponto anterior, deu entrada nos serviços da Entidade Demandada, um requerimento elaborado pela Autora, nos termos constantes de fls. 46/47 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12. A Autora apresentou os documentos constantes de fls. 72/97 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13. Dão-se por reproduzidos os documentos constantes de fls. 117/125 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

14. Em 29.02.2012, a Entidade Demandada elaborou um documento designado “PROCESSO DISCIPLINAR N.º 23 ACUSAÇÃO”, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

(…), deduzo acusação contra C., (…), articulando os seguintes factos:

1.

A Visada, Dra. C., Psicóloga com a Cédula n.º 251, está inscrita na OPP desde 9 de Fevereiro de 2010.
2.

Até 6 de Junho de 2011, a Visada era Sócia-Gerente das Empresas C.- , Lda., e de L. - , Lda., entre outras.
3.

A C.- , Lda.

tem como âmbito de ação “Actividades de Saúde Humana e Apoio Social”.


4.

A L. - , Lda. tem como objecto social “Actividades de educação e formação, nomeadamente de . Organização e promoção de atividades recreativas, pedagógicas, de investigação, de seminários, colóquios, workshops entre outras atividades de índole educativa e formativa. Aluguer, compra e venda de materiais e equipamentos diversos. Arrendamentos diversos, nomeadamente de espaços para ".
5.

A Visada, além de Sócia-Gerente das referidas entidades até 6 de Junho de 2011, era também diretora técnica das entidades ou, pelo menos, responsável técnica pelos serviços de Psicologia prestados a terceiros, dando instruções concretas aos demais Psicólogos das entidades sobre a forma de desempenho das suas funções.
6.

A Visada, enquanto Sócia-Gerente da C.- , Lda., e de L. - , Lda, retirou unilateralmente cerca de 55 utentes que a Dra. A., colaboradora da entidade e aqui queixosa, acompanhava em consulta, após uma baixa médica de 6 a 18 de Abril de 2011.
7.

Os referidos utentes foram passados a outro Psicólogo sem o conhecimento da Participante, Dra. A., logo sem que tivesse sido feita a transição terapêutica.
8.

Para o efeito, a entidade gerida pela Visada acedeu aos registos e ficheiros dos pacientes da Dra. A., sem o consentimento desta última.
9.

Para além dos Relatórios guardados em rede, a entidade acedeu a um histórico informático no seu ambiente de trabalho, através de uma password, onde se encontrava a informação dos utentes em acompanhamento.
10.

A Participante Dra. A. faltou ao trabalho para frequentar o curso de formação para estagiários da OPP que lhe permitia integrar a Ordem como membro efetivo, por não lhe ter sido autorizada a utilização de dias de férias.
11.

Com efeito, depois da solicitação da Dra. A. em 23 de Março de 2011, alertando para a necessidade de realizar tal curso, em 28 de Março de 2011, a Visada sugeriu que a Dra. A. apenas frequentasse o referido curso em Julho.
12.

Regressada da baixa em 19 de Abril de 2011, a Dra. A. foi informada pela Dra.

M. (colaboradora da entidade) da sua passagem para outra função.


13.

Nas entidades de que a Visada era Sócia-Gerente e responsável técnica, as atribuições dos psicólogos incluem funções que passam pela recolha de assinaturas junto dos encarregados de Educação dos menores/utentes, para procurações aos técnicos e às entidades, no que se refere às consultas prestadas, bem como confissões de dívida e os RP 5020, RP 5020 A e RP 5039.
14.

Nas entidades geridas pela Visada, os psicólogos contratados fazem angariação de clientes junto de instituições, lares, infantários e escolas de crianças, com o objectivo de obter para as crianças subsídios de educação especial.
15.

No ano de 2010 e até 2 de junho de 2011, a psicóloga Dra. C. (…), trabalhou na L. Lda, e na C.com um horário das 15.00 h às 20.00h, atendendo 45 crianças por semana com o conhecimento e supervisão da Visada.
16.

Enquanto Sócia-Gerente e responsável pela psicologia na C.(…) e na L. (…), a Visada corrigia relatórios dos psicólogos, nomeadamente da Dra.

C., dando-lhes inclusivamente indicações por escrito (…).

17.

Em 06 de Abril de 2010, a Visada escreveu um e-mail escreveu um e-mail à Dra. C., sugerindo que retirasse algumas afirmações positivas dos relatórios (…).
18.

Em 19 de Maio de 2010, novamente por e-mail, a Visada sugeriu à Dra. C. retirar do relatório de uma criança, J., afirmações indicadoras de resultados obtidos peia criança e que se situavam no nível médio de desempenho, sublinhando que “OS RESULTADOS NORMATIVOS NUNCA DEVEM CONSTAR NOS RELATÓRIOS PARA A EQUIPA, APENAS OS DEFICITÁRIOS E QUE SERÃO AL VO DE INTERVENÇÃO”).
19.

As Psicólogas Dra. A. e Dra. C. iniciaram a realização de consultas a crianças referindo não terem tido qualquer acompanhamento de casos.
20.

Ambas as Psicólogas reportavam à Visada e ao outro Gerente, Dr. J., marido da Visada que não é psicólogo.
21.

As consultas dadas pelas Psicólogas Dra. A. e Dra. C., entre outras, são comparticipadas pela Segurança Social.
22.

As consultas, de acordo com instruções emanadas das empresas só podiam durar, no máximo, 30/45 minutos, independentemente das necessidades das crianças acompanhadas.
23.

A Visada não permitiu que a Dra. A. pudesse usufruir dos dias de férias necessários para a frequência da Formação da Ordem que lhe permitiria passar de membro estagiário a membro efetivo da OPP.
24.

Embora na sua resposta, a Visada alegue que não exerce a gerência de facto desde Outubro de 2008, apenas renunciou ao cargo de Gerente nas empresas L., Lda. e C.. Lda. em 6 de junho de 2011.
25.

Conforme registo de atos societários, consultável em (…) a Visada foi gerente das empresas C.- , Lda., e de L. - , Lda., até 6 de Junho de 2011 (data em que respondeu ao Conselho Jurisdicional sobre a participação da Dra. A.).
26.

Pelo que à data dos factos acima aduzidos, apesar de remeter todas as questões para o outro Gerente, Dr. J., a Visada era também sócia- Gerente das empresas e assumia a responsabilidade técnica pelo trabalho de Psicologia que era prestado por essas empresas.
27.

A Visada reconheceu, de qualquer modo, que sempre que lhe é solicitado e é necessário, assina como Responsável Técnica.
28.

Afirmou que nas empresas não existe um Coordenador Técnico, pelo que cada Psicólogo trabalha de modo autónomo e independente.
29.

Não obstante, e conforme e-mails acima citados, a Visada dava instruções precisas aos Psicólogos sobre a forma e conteúdo dos seus relatórios de avaliação das crianças com alegadas dificuldades.
30.

Apesar de argumentar não ter qualquer envolvimento no que se refere à forma de prestação dos serviços de Psicologia nas entidades, a verdade é que o desempenho das funções de Psicologia e o respectivo modo de operação não só eram do seu conhecimento, como eram da sua autoria ou alvo da sua orientação.
(…)”.

- cfr. “acusação” junta a fls. 126/135 do PA e cujo teor se dá por reproduzido.

15. Em 07.03.2012, a Entidade Demandada recebeu um requerimento, elaborado pela Autora, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
C., Psicóloga com a Cédula n.º 251, uma vez notificada da Acusação no âmbito do Processo Disciplinar n.º 23, vem ao abrigo do artigo 48° do Regulamento n.º 447/2011 requerer:
Certidão das fotocópias de todo o Processo que corre termos contra a Visada, onde deve constar todos os actos de instrução praticados pelo Instrutor, bem como os CD ROM, que necessariamente fazem parte do processo e de onde constem todos e quaisquer depoimentos gravados, em sede de prova testemunhal.
Mais se requer a suspensão imediata do prazo de defesa durante o período de cinco dias, previsto no artigo 48° n.º 2 do referido Diploma Legal, por se encontrar preenchido o referido pressuposto legal ou até à data em que o Visado seja notificado do levantamento das fotocópias requeridas.
(…)”.

cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial e cfr. requerimento junto a fls. 147/148 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16. Na sequência do requerimento mencionado em 15., a Entidade Demandada dirigiu um ofício à Autora, nos termos constantes do documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

17. Em 21.03.2012, deu entrada nos serviços da Entidade Demandada, um requerimento elaborado pela Autora, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE DEFESA POR ESPECIAL COMPLEXIDADE, NOS TERMOS E COM OS SEGUINTES FUNDAMENTOS:
(...)”.

cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial, cfr. A/R junto a fls. 76 do processo físico e cfr. fls.

477/478 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


18. Em 17.04.2012, no âmbito do processo disciplinar n.º 23, deu entrada nos serviços da Entidade Demandada, a “Defesa” da Autora, nos termos constantes de fls.
486/527 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

19. Em 21.05.2012, a Entidade Demandada enviou um fax dirigido à Mandatária da Autora, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

Para a audição das testemunhas arroladas, aquando da defesa de C. (…) foi designado o dia 30.05.2012 (…).
(…), a apresentação das testemunhas indicadas na defesa, cabe ao visado (…)”.

cfr. fax junto a fls. 537 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

20. Em 29.05.2012, a Entidade Demandada enviou um fax dirigido à Mandatária da Autora, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

Considerando o impedimento de V. EXª (…) foi designado para audição das testemunhas (…) o dia 22 de Junho de 2012 (…).
(…)”.

cfr. fax junto a fls. 544 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21. Em 03.08.2012, a Entidade Demandada elaborou um documento designado “PROCESSO DISCIPLINAR N.º 23”, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
PARTICIPANTE: A.

VISADO: C. (Cédula Profissional n.s 2S1)

RELATOR: A.

I. Âmbito do processo

A Dra. A.(doravante “Dra. A.” ou “Participante”), Psicóloga com a Cédula Profissional n.º 11338, apresentou junto da Ordem dos Psicólogos Portugueses (doravante “OPP”) um pedido de esclarecimento relativo ao facto de, durante uma baixa médica na Empresa em que trabalha(va) como Psicóloga, lhe terem sido retirados unilateralmente 55 utentes que seguia sem que de tal tivesse sido previamente informada, sem que se informasse os utentes (menores) e os pais e sem que se tivesse feito a transição terapêutica. (…).
II. Posição da Psicóloga Visada

Após verificação que a sócia e gerente Psicóloga referida na participação é a Dra. C., membro efectivo da OPP, foi a mesma notificada pelo Conselho Jurisdicional. [doravante "CJ") para prestar esclarecimentos sobre os factos constantes da participação em questão.
Em resposta enviada no dia 6 de junho de 2011, a Visada refere, resumidamente, o seguinte:

a). Na participação em causa constam vários factos contrários à verdade e apenas se trata de uma questão laboral;
b) A Ordem imiscuiu-se em temas que extravasam as suas competências;

c) Demite-se de qualquer responsabilidade relativa a alegadas afirmações de colaboradores da L. e da C., porque, a terem sido feitas não o foram pela própria;
d). Refere diversos temas de índole laboral, afirmando que esta queixa se deve a ressentimentos laborais decorrentes de faltas não autorizadas, nomeadamente com fraude de baixa, para que a participante frequentasse o Curso de Formação da Ordem, sem mostrar qualquer preocupação com os utentes que seguia;
e) Sobre a passagem automática dos utentes e o acesso aos dados digitalizados dos mesmos, refere o seguinte:
i) O Gerente da C. terá informado a participante de que teria diligenciado para proceder à transição dos utentes que esta seguia para outros Psicólogos; ii). Esta transição foi efectuada com expressa autorização dos encarregados de educação* Em conclusão, afirma não ter praticado qualquer infracção disciplinar pelo que requer o arquivamento do processo.
III – Diligências instrutórias

No âmbito do processo disciplinar, a Relatora e o CJ procederam às seguintes diligências:

a) Audição da Participante Dra. A. em 16 de julho de 2011;

b) Audição da Visada Dra. C. em 3 de Outubro de

2011;

c) Audição da participante Dra. A. em 19 de Novembro de 2011;

d) Audição da Testemunha Dra. C. em 16 de Dezembro de 2011;

e) Consulta Online do registo comercial das empresas C.- , Lda., e de L. - Formação
Profissional, Lda.;

f) Pedidos de passagem de certidão à Direcção Regional de Educação do Norte e ao Instituto da Segurança Social sobre contratos que tivessem sido celebrados entre estabelecimentos de ensino e as empresas L. - , Lda. e ou C.- , Lda. no âmbito de acompanhamento psicológico;
Além das diligências referidas, a Relatora juntou ao processo documentação entregue pela Visada quando da sua audição em 3 de Outubro de 2011, pela Participante Dra. A. e pela Testemunha Dra. C..
(…).

VI. Matéria de facto (…).
No que se refere à 1.º testemunha da Visada, o Dr. J., a sua independência e isenção não podem garantir-se tratando-se do cônjuge da Visada, além de ser sócio e / ou ter interesse económico nas mesmas empresas aqui em causa.
(…).

B) Das infracções cometidas pela Visada

Analisadas as questões prévias relativas a pretensos vícios do processo disciplinar, e concluindo-se pela sua não verificação, importa por fim analisar se os factos dados como provados consubstanciam ilícitos disciplinares, isto é, se constituem violação de normas do Estatuto da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
A Visada, enquanto Psicóloga inscrita na Ordem, tem obrigação de respeitar os deveres que resultam do respectivo Estatuto (aprovado pela Lei n.º 57/2008, de 4 de Setembro) e do Código Deontológico (aprovado pelo Regulamento n.º 258/2011, publicado na 2.ª série do Diário da República em 20 de Abril de 2011).
Estando provado que a Visada era sócia, gerente e responsável técnica da C.(deixando-se de parte a L. atendendo a que se mostrou que é uma empresa vocacionada para , não exercendo actividade na área da Psicologia), tem obrigação de adequar os procedimentos internos àqueles deveres - ou, pelo menos, tinha obrigação de o fazer até 6 de Junho de 2011, data em que cessou as suas funções de gerente. Ora, essa adequação não só foi omitida, como resulta do processo que a Visada instou duas Psicólogas a violar tais deveres e princípios decorrentes do Estatuto.
De acordo com o n.º 1 do artigo 69.º do Estatuto da OPP, “considera-se infracção disciplinar toda a acção ou omissão que consista em violação dolosa ou culposa, por qualquer membro da Ordem, dos deveres consignados no Estatuto, no código deontológico ou nos regulamentos”. De acordo com os factos dados como provados, a Visada praticou 4 (quatro) infracções disciplinares (sequência cronológica):
a). Entre pelo menos 3 de Abril e 19 de Maio de 2010, e no âmbito de directivas internas segundo as quais os processos com proposta de alta deviam passar por si, instou a Dra., C. a alterar relatórios de avaliação psicológica no sentido de omitirem referências positivas das crianças para que estas obtivessem ou mantivessem o acesso ao subsídio de educação especial;
b). Em 28 de Março de 2011, não permitiu que a Dra. A. gozasse dias de férias de forma a frequentar o curso de formação da Ordem dos Psicólogos Portugueses e, assim, ascendesse à categoria de membro efectivo;
c) Em Abril de 2011, permitiu que na empresa da qual era sócia, gerente e directora técnica fossem retirados à Dra. A. 55 utentes menores sem qualquer transição terapêutica entre aquela e o Psicólogo que lhe sucedeu, sem salvaguardar o sigilo das informações recolhidas pela Dra. A. no âmbito do acompanhamento psicológico;
d) Pelo menos até Junho de 2011, estava instituído na entidade de que era sócia, gerente e directora técnica que os psicólogos não podiam dar consultas superiores a 45 minutos, e depois 30 minutos, independentemente das necessidades das crianças acompanhadas. Ao praticar estes factos, a Visada violou objetivamente princípios constantes do Estatuto da OPP, a saber:
a) 0 dever de actuar com independência e isenção profissional (alínea a) do artigo 75.9 do

Estatuto da OPP);

b) O dever de defender e fazer defender o sigilo Profissional (artigo 79.2 do Estatuto da

OPP);

c) O dever de contribuir para a boa reputação da Ordem e procurar alargar o seu âmbito de influência (alínea d) do artigo 65.º do Estatuto da OPP);
d) 0 dever de colocar a sua capacidade ao serviço do interesse público (alínea c) do artigo

75.º do Estatuto da OPP);

e) 0 dever de se empenhar no estabelecimento de uma dinâmica de cooperação social com o objetivo de melhorar o bem-estar individual e colectivo (alínea d) do artigo 75.º do Estatuto da OPP).
O dever de actuar com independência e isenção profissional foi violado pela Visada, porque enquanto sócia, gerente e responsável técnica instruiu a Dra. A. e a Dra. C. a retirarem dos relatórios de avaliação psicológica dados positivos relacionados com resultados médicos em provas e outras informações de evolução terapêutica, de modo a que os relatórios revelassem apenas os défices das crianças. Acresce que estavam estabelecidas normas internas que previam que quaisquer processos com proposta de alta fossem submetidos à Visada.
Por outro lado, violou este dever porque os objectivos das empresas por si geridas previam a permanência dos utentes durante todo o ano escolar pelo que os relatórios das Psicólogas não podiam explicitar aspectos positivos relativos às crianças, pois tal acarretaria uma possível alta de consultas com consequente perda de receitas financeiras da C.. Conforme referido pela Participante, as crianças eram acompanhadas ao longo de todo o ano lectivo, não tendo “alta” mesmo que a meio daquele se verificassem evoluções positivas.
Por fim, porque aceitou assinar documentos internos da empresa que violam as boas práticas da Psicologia, nomeadamente através da alteração dos relatórios e da emissão de directrizes para os fazer, dando indicações para se retirar todo o aspecto positivo a referir dos utentes. O dever de defender e fazer defender o sigilo profissional foi violado pela Visada porque permitiu retirar 55 utentes a uma Psicóloga, de modo unilateral, sem promover a respectiva transição terapêutica e porque permitiu que pessoas alheias ao processo terapêutico tivessem acesso aos registos clínicos e relatórios da Psicóloga Dra. A.. Relativamente à transição terapêutica, tratando-se de uma indisponibilidade da Participante de 6 a 18 de Abril, é muito discutível a necessidade de retirada dos processos e logo da totalidade dos processos (no caso, 55).
Com efeito, no caso em apreço não houve preocupação em planificar o reencaminhamento específico dós utentes que facilitasse adequada transição.
Embora tal disposição não conste expressamente do Código Deontológico (nenhum Código especifica ou operacionaliza todas as situações, cenários e respostas) deveria ter existido uma análise conjunta da retirada dos processos com a psicóloga anteriormente responsável pelos referidos processos - a aqui participante - e com os utentes (ou seus responsáveis ou encarregados de educação).
A falta por baixa médica meramente transitória (13 dias) não tem o mesmo significado que morte, doença mental ou doença física prolongada do psicólogo, razões que poderiam motivar a retirada dos processos sem qualquer análise ou discussão.
A violação deste dever, no entanto, é atenuada pelo facto de não se ter provado que a Visada teve qualquer acção concreta na retirada dos processos à participante. No entanto, sendo sócia, gerente e directora técnica da C., ao mesmo tempo que é membro efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses, exigia-se o estabelecimento de regras internas que precavessem este tipo de situações, de forma a minorar o impacto que uma transição sempre acarreta para o utente.
O dever de colocar a sua capacidade ao serviço do interesse público foi violado pela Visada porque ao promover a permanência em consulta de crianças que não necessitam se preocupou somente com a facturação da empresa de que era sócia, gerente e directora técnica, obtendo benefício financeiro e sujeitando crianças consideradas como "necessitadas de acompanhamento" a consultas que podiam não necessitar. Colocando-se até a possibilidade de o Estado - que comparticipava as referidas consultas via Segurança Social - ter sido lesado financeiramente.
O dever de contribuir para a boa reputação da Ordem e procurar alargar o seu âmbito de influência foi violado pela Visada porque colocou entraves à frequência pela Dra. A. do curso de formação para estagiários, instando a mesma ao adiamento por pelo menos 3 meses, o que evitaria a regularização da situação de uma Psicóloga sua colaboradora, não colaborando activamente para que uma colaboradora aperfeiçoasse a sua formação e prática profissionais, impedindo assim que a Ordem alargasse a sua influência. Nem se diga que tal impedimento foi colocado a todos os Psicólogos que se encontravam na mesma situação da participante, dado que a Dra. L.- testemunha arrolada pela Visada - declarou nos autos que realizou o curso de formação da OPP no final de Novembro, início de Dezembro, o que demonstra que o gozo de dias de férias não foi permitido por razões alheias ao acompanhamento das crianças.
O dever de se empenhar no estabelecimento de uma dinâmica de cooperação social com o objectivo de melhorar o bem-estar individual e colectivo foi violado pela Visada porque atentou contra o bem-estar individual dos Psicólogos que trabalham na C., dado que lhes era solicitado que fizessem angariação comercial nas instituições, que fizessem alterações e omissões nos relatórios dos utentes, retirando-lhes assim autonomia e independência, com a consequente inadequação do trabalho de psicologia. O ambiente criado em volta do trabalho de Psicologia - como demonstram os documentos junto aos autos e as declarações da Participante e da Testemunha C. - não permitia que os profissionais actuassem de acordo com o interesse dos utentes, mas sim numa perspectiva de rentabilização financeira do seu trabalho.
Por outro lado, violou este dever porque os Psicólogos assinaram os relatórios modificados e eram eles quem tinha de solicitar aos pais das crianças as assinaturas das procurações e declarações de dívida a favor da empresa, expondo-os a situações com as quais não concordavam, mas a que, por pressão hierárquica, tiveram de assentir.
A Visada não demonstrou qualquer auto-crítica sobre o seu procedimento; pelo contrário, negou sempre o seu envolvimento nas empresas apesar das provas da sua intervenção e de ser sócia, gerente e directora-técnica durante o período em causa*
Com tal conduta, a Visada praticou, em acumulação, as quatro infracções disciplinares referidas acima referidas, violando cinco deveres constantes do Estatuto da OPP. Não existem quaisquer circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar, atento o previsto no artigo 9.º do Regulamento Disciplinar. Não existem quaisquer circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, atento o previsto no artigo 10.º do Regulamento Disciplinar.
Todavia, existem circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar, atento o previsto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento Disciplinar, pois houve vontade da Visada de cometer as infracções, assim como é inegável a premeditação. Nestes termos, pela prática de tais infracções, fica a Visada sujeita à pena de suspensão prevista na alínea c) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 72.º do Estatuto da OPP e na alínea c) do
n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento Disciplinar.

VIII. Decisão

Pela prática de quatro infracções disciplinares, por violação de cinco deveres constantes do Estatuto da OPP, atenta a gravidade das infracções e as circunstâncias agravantes, decide-se suspender a Visada pelo período de 2 (dois) meses, de acordo com o previsto na alínea
c) do n.º 1 do artigo 72.º do Estatuto e na alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento Disciplinar.
(…).

Submetido a julgamento do Conselho Jurisdicional em reunião extraordinária de 1 de Setembro de 2012.
(…)”.

– cfr. documento n.º 10 junto com a petição inicial e cfr. deliberação final junta a fls. 564/598 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22. Em 17.09.2012, a Autora interpôs recurso gracioso da decisão referida no ponto anterior.
- cfr. requerimento junto a fls. 634 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

23. Em 18.10.2012, no âmbito do recurso referido em 22., deu entrada nos serviços da Entidade Demandada as “ALEGAÇÕES” da Autora, nos termos constantes de fls.
642/677 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

24. Em 09.02.2013, a Entidade Demandada elaborou um documento designado “RECURSO PLENÁRIO (PROCESSO DISCIPLINAR N.º 23)”, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:

“(…).


PRELIMINAR

O presente recurso vem interposto da deliberação tomada pelo Conselho Jurisdicional em 1 de Setembro de 2012, nos termos da qual “Pela prática de quatro infracções disciplinares, por violação de cinco deveres constantes do Estatuto da OPP, atenta a gravidade das infracções e as circunstâncias agravantes, decide-se suspender a Visada (C.) pelo período de 2 (dois) meses, de acordo com o previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Estatuto e na alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento Disciplinar”.
(…).

A atuação da Recorrente afeta gravemente a dignidade e o prestígio da profissão, quer quanto ao número de infrações cometidas, quer pela sua natureza altamente atentatória do bom nome dos psicólogos.
Acrescente-se ainda que os membros integrantes do Plenário, analisado o processo, não só consideram que o recurso improcede, como entendem que a pena de suspensão de 2 meses aplicada na primeira decisão deveria ser objeto de agravamento para o máximo legalmente previsto - 6 meses. No entanto, considerando o disposto no n.º 6 do artigo 56.º do Regulamento Disciplinar, está vedado o agravamento da pena quando o recorrente seja o visado.
Nestes termos, pela prática de tais infrações, mantém-se a decisão recorrida, pelo fica a Recorrente sujeita à pena de suspensão prevista na alínea c) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 72.º do Estatuto da OPP e na alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento Disciplinar.
IV. Decisão

Em face do exposto, os membros do Plenário acordam julgar o recurso da Dra. C. totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a deliberação do Conselho Jurisdicional da OPP de 1 de Setembro de 2012.
Em consequência, pela prática de quatro infrações disciplinares, por violação de cinco deveres constantes do Estatuto da OPP, decide-se suspender a Visada pelo período de 2 dois) meses, de acordo com o previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Estatuto e na alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento Disciplinar.
Nos termos do artigo 57.º do Regulamento Disciplinar, notifique-se a decisão à Recorrente, com a menção de que da presente deliberação cabe recurso para os tribunais administrativos nos termos gerais de direito, bem como do dever de entregar de imediato a cédula profissional.
Mais se ordena a publicação da aplicação da pena em edital na sede nacional da OPP, na Delegação Regional do Norte, e na página eletrónica da Ordem, tudo nos termos do artigo
13.º do Regulamento Disciplinar.

(…)”.

cfr. documento n.º 14 junto com a petição inicial e cfr. deliberação proferida no recurso junta a fls.

729/763, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

25. Em 17.06.2013, a Entidade Demandada elaborou um documento denominado “CERTIDÃO NEGATIVA”, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

(..), certifica que o documento referente à Acta onde consta a Deliberação sobre a data designada para a decisão do Recurso, não existe.
(…)”.

cfr. documento n.º 17 junto com a petição inicial e cfr. certidão junta a fls. 819 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

26. Em 17.06.2013, a Entidade Demandada elaborou um documento denominado “CERTIDÃO NEGATIVA”, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

(…), certifica que o documento referente à Acta onde consta a Deliberação sobre a data de constituição do Plenário, não existe.
(…)”.

cfr. documento n.º 18 junto com a petição inicial e cfr. certidão junta a fls. 818 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

27. Em 19.06.2013, a Entidade Demandada elaborou um documento designado “EDITAL”, no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“(…).

T., Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, em cumprimento do disposto no artigo 11.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Psicólogos Portugueses, aprovado pelo Regulamento n.º 447/2011 na 2.ª Série do Diário da República de 22 de Julho de 2011;
Faz saber publicamente que, por Acórdão de 9 de Fevereiro de 2013, do Plenário constituído por membros da Direção e do Conselho Jurisdicional, que confirmou a deliberação do Conselho Jurisdicional de 1 de Setembro de 2012, foi aplicada à Senhora Dra. C., Psicóloga inscrita pela Direção Regional do Norte, portadora da Cédula Profissional n.º 251, a pena disciplinar de suspensão pelo período de 2 meses, por violação do disposto na alínea d) do artigo 65.°, nas alíneas a), d) e c) do artigo 75.º e no artigo 79.º, todos do Estatuto da Ordem dos Psicólogos Portugueses, aprovado pela Lei n.º 57/2008, de 4 de Setembro.
A decisão tornou-se definitiva em 29 de Maio de 2013, que foi o dia seguinte àquele em que a visada se considera notificada do Acórdão do Plenário de 9 de Fevereiro de 2012.
Para constar se passou o presente edital que vai ser afixado de harmonia com as disposições regulamentares aplicáveis.
(…)”.

cfr. documento n.º 20 junto com a petição inicial e cfr. edital junto a fls. 823 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
Consoante já se adiantou nas questões a decidir, atendendo à relação material controvertida tal como é configurada pela Autora, importa apreciar e decidir se a decisão impugnada padece dos vícios que lhe são assacados.
Vejamos.

IV. Inexistência de infração disciplinar:

Sustenta a Autora que não existiu a prática de qualquer infração disciplinar, pois não violou qualquer dever deontológico, não resultando da acusação qualquer atuação concreta da Autora, donde se possa concluir tal violação, porquanto:
(i) a Autora não dava instruções a outros psicólogos, mas sim colaborava com eles, na promoção do melhor apoio a conceder;
(ii) não existiu a retirada de utentes a um psicólogo, mas tão só uma transição atempada entre profissionais da mesma profissão, no sentido de se evitar a quebra da continuidade terapêutica;
(iii) os registos dos utentes estão sujeitos ao consentimento informado e aos limites da confidencialidade e privacidade, pelo que todo e qualquer terceiro que tenha acesso a informação confidencial está sujeito ao sigilo profissional;
(iv) a recolha de documentos e assinaturas junto dos utentes está ao abrigo do cumprimento do dever dos psicólogos de auxiliarem as organizações em que estão integradas a cumprir as suas finalidades;
(v) o trabalho em equipa permite o acesso dos vários profissionais aos dados dos utentes que se mostrem necessários;
(vi) os psicólogos que considerem que está ultrapassada a sua competência técnica devem socorrer-se do apoio de outros colegas.
De tal entendimento diverge a Entidade Demandada, porquanto a Autora, enquanto psicóloga inscrita na respetiva Ordem, tem obrigação de respeitar os deveres que resultam do respetivo Estatuto e do Código Deontológico e, tendo-se provado que a Autora era sócia, gerente e responsável técnica da entidade C., Lda., tinha obrigação de adequar os procedimentos internos àqueles deveres, ou, pelo menos, tinha obrigação de o fazer até 06.06.2011, data em que cessou as suas funções de gerente, resultando dos autos disciplinares que essa adequação não só foi omitida, como instou duas psicólogas a violar tais deveres e princípios decorrentes do Estatuto.
Vejamos.

O poder disciplinar (faculdade de o superior punir o subalterno, mediante a aplicação de sanções previstas na lei em consequência das infrações à disciplina da função pública cometidas) representa um pilar fundamental sobre que repousa a organização de qualquer instituição.
A disciplina constitui uma exigência de harmonia e adequado funcionamento de um grupo ou organização, sendo essencial para manter a ordem e para alcançar os fins propostos.
O ordenado funcionamento da organização é o bem jurídico protegido pela disciplina.

Conforme Ana Neves preconiza in “Relação Jurídica de Emprego Público”, 1999, pp. 301302, o fundamento do poder e direito disciplinar resultará “da junção do justificativo da disciplina (...), qual seja a garantia da prestação laboral em certa forma e da não perturbação do funcionamento dos serviços e organismos administrativos (-), com o intuito, relativamente ao Direito, de condicionamento do exercício do poder disciplinar como forma de protecção do trabalhador (-) e com o facto de ser uma manifestação do poder sancionatório público”.
O direito disciplinar integra-se no direito sancionatório, aplicando-se-lhe, não obstante a autonomia de ambos e com as adaptações resultantes do seu objeto específico, os princípios que regem o direito penal (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, anotada”, 3ª Edição, p. 195; cfr. Teresa Pizarro Beleza, inDireito Penal”, vol. I, 2.ª edição, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1998, p. 61).
Isto posto, importa convocar o quadro jurídico aplicável aos presentes autos.


O artigo 2.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Psicólogos Portugueses, n.º

447/2011, aplicável à data dos factos, sob a epígrafe “Infracção disciplinar”, preceitua que:

«Considera -se infracção disciplinar toda a acção ou omissão que consista na violação dolosa ou culposa, por qualquer membro da Ordem, dos deveres consignados no Estatuto, no Código Deontológico e nos respectivos Regulamentos.».

Por sua vez, postula o n.º 1, do artigo 69.º do Estatuto da Ordem dos Psicólogos (doravante EOP), aprovado pela Lei n.º 57/2008, de 4 de setembro, em vigor à data dos factos, sob a epígrafe “Infracção disciplinar”, que: «Considera-se infracção disciplinar toda a acção ou omissão que consista em violação dolosa ou culposa, por qualquer membro da Ordem, dos deveres consignados no Estatuto, no código deontológico ou nos regulamentos».
Por seu turno, pode ler-se no artigo 75.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Princípios gerais”, o seguinte:
«No exercício da sua actividade profissional, devem ser respeitados pelo psicólogo os seguintes

princípios gerais:

a) Actuar com independência e isenção profissional;

b) Prestigiar e dignificar a profissão;

c) Colocar a sua capacidade ao serviço do interesse público;

d) Empenhar-se no estabelecimento de uma dinâmica de cooperação social com o objectivo de

melhorar o bem-estar individual e colectivo;

e) Defender e fazer defender o sigilo profissional;

f) Exigir aos seus membros e colaboradores o respeito pela confidencialidade;

g) Utilizar os instrumentos científicos adequados ao rigor exigido na prática da sua profissão;

h) Conhecer e agir com respeito pelos preceitos legais e regulamentares;

i) Respeitar as normas de incompatibilidade que decorram da lei.»

Feito este recorte jurídico, importa, agora, sublinhar que em processo disciplinar, tal como sucede no processo penal, a punição tem que assentar em factos que permitam um juízo de certeza sobre a prática da infração pelo arguido, vigorando em caso contrário o princípio da presunção da inocência do arguido e do princípio “in dubio pro reo”.
Mas se o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar, o certo é que a administração goza de larga margem de valoração das provas, apenas incumbindo ao controlo judicial, em matéria probatória, os casos de erro manifesto de apreciação e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva - cfr - Ac. do STA de
03.11.2016, proferido no proc. n.º 0548/16.

É nesta perspetiva, aliás, que se deve interpretar o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos administrados consagrada no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, que prevê entre o mais «a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma», haverá que coadunar-se com o artigo 3.º do CPTA, segundo o qual «No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela
Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.»
Se é certo que este preceito concede um alargamento da competência dos tribunais administrativos comparativamente com o regime antecedente igualmente é exato que os poderes de plena jurisdição agora facultados não afastam as limitações inerentes à salvaguarda da referida área de discricionariedade da Administração.
Com efeito, “Os actos praticados no exercício de um poder discricionário só são contenciosamente sindicáveis nos seus aspectos vinculados – a competência, a forma, as formalidades de procedimento, o dever de fundamentação, o fim do acto, a exactidão dos pressupostos de facto, a utilização de critério racional e razoável e os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
(…) Claro que esta discricionariedade técnica sempre se terá que se conciliar com princípios estruturantes de um Estado de Direito e que se entrecruzam no acto, como sejam os da legalidade, da boa fé, do respeito por direitos, liberdades e garantias individuais e, por isso, tem de se admitir o controlo da qualificação jurídica dos factos no caso de erro manifesto de apreciação ou da adopção de critérios ostensivamente desajustados, nomeadamente por intervenção dos princípios correctores (constitucionais) da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.” - cfr. Ac. do STJ, de 16-12-2014, proferido no proc. n.º 57/14.7YFLSB.
Aqui chegados, importa referir que do cotejo do citado artigo 69.º do sobredito Estatuto e do artigo 2.º do Regulamento, infração disciplinar será a conduta externa, culposa, ilícita, traduzida na violação de deveres gerais ou especiais previstos na lei e inerentes às funções que executa e para as quais está habilitado, sendo para tal necessária a verificação cumulativa dos seus três pressupostos, quais sejam, um comportamento, culposo e ilícito, pelo que, a falta de um deles afasta, de imediato, a existência de qualquer infração disciplinar, inviabilizando, consequentemente, o exercício do poder disciplinar.
Com efeito, infringir disciplinarmente é desrespeitar um dever geral ou especial decorrente da função exercida.
Densificando.

A conduta consubstancia-se num comportamento humano e voluntário.

A ilicitude significa a contrariedade do facto à lei, ou a inobservância de deveres gerais ou especiais inerentes à função exercida.
No que respeita ao nexo de imputação, para que exista culpabilidade na adoção de um comportamento é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou negligência.
Podendo definir-se o dolo, de uma forma sintética, como o conhecimento e vontade de praticar o facto (cfr. artigo 14.º Código Penal).
Com efeito, na sua estrutura, o dolo conhece dois elementos essenciais: (i) o elemento intelectual ou cognoscitivo, que consiste basicamente no conhecimento dos elementos e circunstâncias do tipo legal da infração; (ii) e o elemento emocional ou volitivo, que corresponde ao direcionamento da vontade para a realização do facto ilícito.
Deste último elemento brotam três diferentes tipos de dolo: (i) direto, quando o agente teve intenção de praticar o facto, ou seja, quis o resultado da sua conduta; (ii) necessário, quando o agente, mesmo prevendo outro fim, prevê o facto ilícito como consequência inevitável da sua conduta; e (iii) eventual, quando o agente se conforma com a hipotética realização do facto ilícito em decorrência da sua conduta.
Já a negligência consiste sempre num atuar do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz (cfr. artigo 15.º do Código Penal).
A negligência consiste, portanto, na omissão pelo agente, de um dever de cuidado.

Dito de outro modo, a negligência define-se, portanto, como a inobservância do dever objetivo de cuidado imposto por lei e, traduz-se num comportamento (por omissão).
Revertendo o ante exposto ao caso concreto, entendemos, contrariamente ao defendido pela Autora, que dos elementos de prova produzidos no processo disciplinar, relacionados e conexionados entre si, permitem inferir a existência de quatro infrações disciplinares (cfr. pontos 4., 5., 8., 9., 12., 13. 21. e 24. do probatório), decorrente da violação do dever de atuar com independência e isenção profissional; do dever de defender e fazer defender o sigilo profissional; do dever de colocar a sua capacidade ao serviço do interesse público; do dever de contribuir para a boa reputação da Entidade Demandada e do dever de se empenhar no estabelecimento de uma dinâmica de cooperação social com o objetivo de melhorar o bem-estar individual e coletivo, todos previstos no citado artigo 75.º do EOP.
Na verdade, resultou provado que:

(i) entre 03.04.2010 e 19.05.2010, e no âmbito de diretivas internas segundo as quais os processos com proposta de alta deviam passar por si, instou a Dra. C. a alterar relatórios de avaliação psicológica no sentido de omitirem referências positivas das crianças para que estas obtivessem ou mantivessem o acesso ao subsídio de educação especial;
(ii) em 28.03.2011, a Autora não permitiu que a Dra. A. gozasse dias de férias de forma a frequentar o curso de formação na Entidade Demandada;
(iii) em abril de 2011, permitiu que na empresa da qual era sócia, gerente e diretora técnica fossem retirados à Dra. A. 55 utentes menores sem qualquer transição terapêutica entre aquela e o psicólogo que lhe sucedeu, sem salvaguardar o sigilo das informações recolhidas pela Dra. A. no âmbito do acompanhamento psicológico;
(iv) pelo menos até junho de 2011, estava instituído nas entidades de que era sócia, gerente e diretora técnica, que os psicólogos não podiam dar consultas superiores a 45 minutos, e depois 30 minutos, independentemente das necessidades das crianças acompanhadas (cfr. pontos 4., 5., 8., 9., 12., 13. 21. e 24. do probatório).
Por conseguinte, impera concluir que a Autora cometeu as infrações disciplinares de que foi acusada.
Termos em que improcede o alegado pela Autora quanto à alegada inexistência de infrações disciplinares.

IV.2. Desproporcionalidade da medida da pena aplicada:

Sustenta a Autora que a aplicação da pena de suspensão é excessiva pois não existem factos indiciadores de uma infração disciplinar grave, não tendo sido devidamente ponderadas, nem tidas em consideração as circunstâncias atenuantes, nomeadamente o exercício da psicologia por mais de 12 anos com exemplar comportamento e zelo.
Por seu turno, a Entidade Demandada advoga que havendo concurso de infrações, todas elas com gravidade assinalável é manifesto que não existe desproporcionalidade entre os factos e a pena aplicada, defendendo, ainda, que não foram tidas em conta circunstâncias atenuantes, porquanto o exercício profissional durante mais de 5 anos, sem cometimento de qualquer infração disciplinar, só será valorizado quando decorrerem 5 anos de inscrição na Ordem por parte dos arguidos, o que à data dos factos não se verificava.
Apreciemos.
Antes de mais, importa mencionar que, quando a Autora alega que a pena disciplinar é manifestamente excessiva está a alegar que a decisão sancionatória é inválida por violação do princípio da proporcionalidade.
Saliente-se, a este respeito, que o controlo jurisdicional da atuação da administração por via dos princípios apenas opera nos espaços de autodeterminação, ou seja, nas situações em que é conferida à administração uma margem de livre decisão.
Pelo que, torna-se inoperante a invocação da violação dos princípios que regem a atividade administrativa, no âmbito das atuações predominantemente vinculadas.
Por outro lado, importa sublinhar que é ao órgão com competência disciplinar (no caso em concreto, a competência para instaurar, instruir e julgar processos disciplinares em primeira instância pertence ao Conselho Jurisdicional, oficiosamente ou na sequência da apresentação de participação pela Direção, pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, do Regulamento disciplinar e 68.º do EOP) que cabe a decisão de punir disciplinarmente, dentro do espaço que lhe é conferido pelos normativos legais aplicáveis, pelos quais se haverá de reger.
Ademais, na determinação da medida da pena disciplinar a aplicar, a Entidade Demandada encontra-se limitada pelas vinculações previstas no EOP, designadamente no que respeita à classificação de penas disciplinares (cfr. artigo 72.º) e às regras de graduação previstas no artigo 73.º do mesmo diploma legal.
E, ainda às regras previstas no regulamento disciplinar, acima referenciado, mais concretamente, o disposto nos artigos 6.º, 10.º e 11.º, determinando o referido artigo 10.º, sob a epígrafe “Circunstâncias atenuantes”, o seguinte:
«São circunstâncias atenuantes da infração disciplinar, para além de outras que possam resultar da apreciação dos fatores de graduação das penas:
a) O exercício profissional durante mais de 5 anos sem o cometimento de qualquer infração

disciplinar e com exemplar comportamento e zelo;

b) A reparação espontânea do mal causado;

c) A confissão espontânea da infração;

d) A provocação;

e) O cumprimento de um dever, nos casos em que o mesmo não possa dirimir a responsabilidade

disciplinar do visado.».

Ora, àquelas vinculações especiais acrescem as gerais, decorrentes do bloco de legalidade, em particular as previstas no disposto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, ou seja, a Entidade Demandada deve atuar de acordo com os princípios gerais da atividade administrativa, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
Aqui chegados, devemos frisar que estando em causa uma decisão disciplinar punitiva não cabe aos Tribunais Administrativos substituírem-se ao órgão administrativo decisor quanto ao ajuizamento da pena disciplinar que, no seu entender, considerem mais adequada, operando o Tribunal um controlo negativo, verificando designadamente se aqueles princípios se encontram violados, não se podendo substituir a decisão disciplinar da Administração pela decisão disciplinar que o juiz considere proporcional, sob pena de se violar o princípio da separação de poderes (cfr. artigo 111.º da CRP).
É abundante e uniforme a jurisprudência do STA a propósito da insuscetibilidade do Tribunal interferir na medida da pena aplicada.
Veja-se sucessiva e exemplificativamente:

Muito embora seja certo caber dentro dos poderes judiciais analisar se os factos que justificaram a punição tiveram lugar e se eles constituem a infração disciplinar que a determinou já lhe escapa, salvo em casos de erro manifesto e grosseiro, a competência para apreciar se a medida concreta da pena foi bem doseada por esta ser uma tarefa da Administração inserida dentro dos seus poderes discricionários” - cfr. Ac. do STA de 29.03.2007, proferido no proc. n.º 412/05; no mesmo sentido, Acs. do STA de 07.02.2002, proferido no proc. n.º 48.149; de 15.12.2004, proferido no proc. n.º 797/04.
Ao exercer os seus poderes disciplinares em sede de graduação da culpa e de determinação da medida concreta da pena, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de “justiça administrativa”, movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis. […] A relação jurídica de emprego público está naturalmente imbuída de elementos de referência juspublicista (ligados à salvaguarda da ordem interna dos serviços públicos e aos fins prosseguidos pela pessoa coletiva de direito público), que podem justificar determinados aspetos específicos da regulação disciplinar, como é, justamente, o de aceitar, em sede de determinação da medida da pena, a existência de uma margem de liberdade de decisão, numa área designada de “justiça administrativa”, apenas sindicável nas situações referidas.
Essa margem de liberdade administrativa, reconhecida na conformação da atividade disciplinar da Administração, não afronta a garantia constitucional da tutela jurisdicional efetiva (art. 20º da CRP).” – cfr. Ac. do STA de 29.03.2007, proferido no proc. n.º 0412/05.
Cabe apenas ao Tribunal analisar da existência material dos factos e averiguar se eles constituem infrações disciplinares, não lhe sendo permitido apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, por esse ser um múnus da Administração inserido na chamada discricionariedade técnica ou administrativa.” – cfr. Ac. do STA de 17.11.2016, proferido no proc. n.º 0131/13.
É pois claro que a jurisprudência a este respeito é uniforme no entendimento de que ao Tribunal cabe apenas analisar da existência material dos factos e averiguar se eles constituem infrações disciplinares, não lhe sendo permitido apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de violação do bloco de legalidade que rege a atividade da Administração (artigo 266.º, n.º 2 da CRP), por esse ser um múnus da Administração inserido na chamada discricionariedade técnica ou administrativa.
De facto, “Muito embora seja certo caber dentro dos poderes judiciais analisar se os factos que justificaram a punição tiveram lugar e se eles constituem a infração disciplinar que a determinou já lhe escapa, salvo em casos de erro manifesto e grosseiro, a competência para apreciar se a medida concreta da pena foi bem doseada por esta ser uma tarefa da Administração inserida dentro dos seus poderes discricionários.
Por ser assim a sindicância judicial incidente sobre o exercício dos poderes disciplinares da Administração não abarca a possibilidade do Tribunal se lhe substituir e ser ele próprio a fixar a pena” – cfr. Ac. do STA de 12.03.2015, proferido no proc. n.º 0245/14.
Tem constituído jurisprudência constante do STA que é possível ao tribunal analisar da existência material dos factos imputados ao arguido e averiguar se os mesmos constituem infrações disciplinares mas já não lhe cabe apreciar a medida concreta da pena, salvo se for invocado, nomeadamente, desvio de poder, erro sobre os pressupostos, “erro grosseiro e manifesto”, violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, porquanto é uma tarefa da Administração que se insere na chamada “discricionariedade técnica ou administrativa” – cfr. Ac. do STA de 03.11.2016, proferido no proc. n.º 0548/16.
É assim incontornável que a administração, na determinação concreta da medida da pena, goza de certa margem de liberdade, movendo-se a coberto de sindicância judicial, salvo se, nesse labor utilizou critérios de graduação inadmissíveis ou atingiu resultado grosseiro ou manifestamente inadequado.
Aqui chegados, importa proceder à análise do princípio da proporcionalidade, em causa na presente demanda, para se aferir se a pena de suspensão por dois meses aplicada à Autora violou o referido princípio.
O princípio da proporcionalidade, com assento constitucional, nomeadamente nos artigos 18.º e 266.º, n.º 2 da CRP, sendo que em concretização daquele comando constitucional o legislador ordinário veio dispor no artigo 5.º, n.º 2, do CPA, aplicável à data dos factos, que a atuação da atividade administrativa deve adotar comportamentos adequados aos fins prosseguidos, constitui padrão de aferição da atuação/decisão em termos da sua ponderação, da sua calculabilidade e mensurabilidade, da racionalidade de fins prosseguidos e de meios empregues – cfr. Ac. do STA, de 11.01.2018, proferido no proc. n.º 0219/17.
O mesmo enquanto princípio geral de limitação do poder público, desdobra-se em três vertentes, a saber: a de adequação (a medida deve ser ajustada/idónea para alcançar o fim visado), necessidade (deve ser, de entre as idóneas, a que em concreto, lese em menor medida os interesses e direitos dos particulares) e equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito (que os benefícios obtidos sejam superiores aos prejuízos resultantes da sua adoção).
Ora, compulsada deliberação final, constata-se que a análise levada a cabo à defesa apresentada foi extensa e aprofundada, equacionando-se todas as circunstâncias invocadas e decorrentes da prova produzida, concluindo-se que tudo foi cabalmente apreciado (ponto 24. do probatório)
Por outro lado, é verdade que na medida da pena aplicada não foram tidas em conta circunstâncias atenuantes. Contudo, não o foram, porque no caso em concreto, inexistiam, tal como resulta da factualidade assente.
Na verdade, pode ler-se na deliberação de 03.08.2012 que “Não existem quaisquer circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar, atento o previsto no artigo 9.º do Regulamento Disciplinar. Não existem quaisquer circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, atento o previsto no artigo 10.º do Regulamento Disciplinar.” – cfr. ponto 21. do probatório.
E na deliberação sindicada que “Não existem quaisquer circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, atento o previsto no artigo 10.º do Regulamento Disciplinar. O exercício profissional durante mais de 5 anos sem cometimento de qualquer infração disciplinar só operará quando decorrerem 5 anos de inscrição na OPP por parte da Recorrente – o que, na presente data, não se verifica” – cfr. ponto 24. do probatório.
Deste modo, compulsada toda a factualidade assente, não se vislumbram razões para dele discordar, não se considerando a pena de suspensão de dois meses desproporcional, sendo, ao invés, adequada e idónea ao caso concreto, pois que não foi acautelado os direitos de terceiros que se encontravam em situação de debilidade social e etária.
Por conseguinte, improcede a alegada desproporcionalidade da pena aplicada.

IV.3. Violação do direito de defesa:

Sustenta a Autora que foi violado o seu direito de defesa porquanto:

(i) a principal testemunha da defesa, nomeadamente o Dr. J., não foi ouvida nos autos disciplinares;
(ii) nunca foi notificada de qualquer diligência de prova e

(iii) a acusação não concretizou devidamente os factos que lhe eram imputados.

A este respeito, defende a Entidade Demandada que a Autora teve acesso a todo o processo e pôde – como fez – apresentar a sua defesa, documentos e prova testemunhal e, relativamente à não audição da testemunha J., advoga que consta do processo disciplinar uma notificação para a sua comparência na sede da Ordem de forma a prestar declarações, sendo que na data e hora efetivamente marcadas, a testemunha não compareceu. Contudo, refere, que a citada testemunha foi ouvida pela Relatora antes de ser proferida a deliberação final, em sede de defesa da Autora.
A outro passo, sustenta que nos artigos 1 a 30 da acusação são articulados factos, sem quaisquer considerações disciplinares ou deontológicas.
Apreciemos.

O direito de defesa em processos sancionatórios, designadamente em processo disciplinar é constitucionalmente garantido.
Com efeito, nos termos dos artigos 32.º, n.º 10 e 269.º, n.º 3, ambos da CRP, são assegurados aos interessados os direitos de audiência e defesa.
O direito de defesa constitui um direito fundamental de natureza análoga aos “direitos, liberdades e garantias”, a que por via do artigo 17.º da Lei fundamental, se aplica, pois, o respetivo regime.
Saliente-se que o direito de defesa não se pode assumir como o cumprimento de uma mera formalidade, apenas para garantir o cumprimento do que a lei determina.
Bem pelo contrário, terá de ser garantido o direito de defesa efetivo, nomeadamente considerando o alegado pelo interessado e os meios de prova requeridos, tomando decisão expressa sobre a sua realização ou não e, neste caso, explicando as razões da recusa.
Mas também implica que o interessado tenha a possibilidade de se pronunciar sobre todos os meios de prova que são utilizados para lhe imputar a infração disciplinar. Ou seja, se a entidade administrativa desenvolver certas diligências, após o direito de defesa ser exercido, que possam ter influência na decisão, terá sempre de permitir ao interessado que sobre eles se pronuncie antes da decisão ser tomada.
Na fase da defesa, o interessado tem a possibilidade de apreciar, valorar, discutir, contestar o material probatório carreado para o processo e suscitar novas diligências probatórias (documentais, testemunhais, etc.).
Quanto à acusação, importa observar os requisitos de forma e de conteúdo vertidos no artigo 36.º do Regulamento Disciplinar, mais concretamente, o seu n.º 3, que determina o seguinte:
«A acusação deve revestir a forma articulada e individualizar os factos imputados, juntamente com as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos foram praticados, as normas infringidas,
as circunstâncias atenuantes e agravantes e as penas aplicáveis.».

Com efeito, a acusação terá de conter a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como, as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infração, considerando as circunstâncias atenuantes e agravantes, acrescentando a referência aos preceitos legais respetivos e às sanções disciplinares aplicáveis.
A acusação tem de proceder a uma apresentação individualizada e circunstanciada da factualidade, com a sua respetiva subsunção normativa (apontando aos preceitos violados a sua consequência sancionatória).
Para que o interessado exerça efetivamente o seu direito de defesa deverá conhecer de forma clara e circunstanciada os factos que integram a acusação do cometimento da infração disciplinar.
Ora, do ponto de vista dos factos provados, adianta-se, desde já, que não assiste razão à Autora.
Em primeiro lugar, e no que respeita à testemunha J., resulta do probatório que o mesmo foi ouvido em momento prévio à prolação da deliberação final (cfr. pontos 21. e 24. do probatório).
No que respeita à acusação, resulta do ponto 14. da factualidade assente que a mesma concretizou devidamente os factos que foram imputados à Autora, como se pode ler nos pontos 1 a 30 da citada acusação.
Por último, temos para nós, atenta a factualidade assente, conforme resulta dos pontos 6., 7., 10., 11., 14., 15., 16. e 17., que a Autora foi notificada das diligências probatórias necessárias para assegurar a sua defesa. Aliás, tanto assim é, que a Autora, na sua petição inicial, não indica quais foram as diligencias probatórias que deveria ter sido notificada e não foi bastando-se com uma alegação genérica.

Ademais, postula o artigo 17.º do Regulamento Disciplinar, sob a epígrafe

Características do processo”, que «O processo é de investigação sumária, não depende de formalidades especiais e deve ser conduzido de modo a levar rapidamente ao apuramento da verdade material, dispensando -se o que for inútil, impertinente ou dilatório, sem prejuízo de o visado produzir a prova
necessária à sua defesa, nos termos do presente Regulamento.».

Por seu turno, determina o artigo 18.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, sob a epígrafe “Natureza secreta do processo”, que o conteúdo do processo é secreto até à acusação.
Ademais, resulta do probatório, que a instrutora do processo disciplinar ouviu inúmeras testemunhas e pesando cada depoimento valorou-o em conformidade (cfr. pontos 21. e 24. do probatório).
No processo disciplinar vigora a livre apreciação da prova por parte do instrutor, tendo em consideração que “A prova dos factos integradores de infracção disciplinar é determinada, face aos elementos existentes no processo, pela convicção do julgador, estando, consequentemente, sujeita ao principio da livre apreciação da prova, isto é, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, o que significa que o valor dos meios de prova não está legalmente préestabelecido devendo ser apreciados de acordo com a experiência comum, com distanciamento, a ponderação e a capacidade critica, na liberdade para a objectividade” - cfr Ac. do TCA Sul de
24.05.2007, proferido no proc. n.º 06477/02.

Assim sendo, e tudo ponderado, não vislumbra este Tribunal em que medida foi violado o direito de defesa da Autora.
Termos em que improcede a alegada nulidade da deliberação sindicada decorrente da violação do direito de defesa.


IV.4. Violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da legalidade e da proporcionalidade:

Defende a Autora que a decisão sindicada viola os princípios da: (i) imparcialidade pois apenas se considerou as diligências instrutórias da acusação e banalizando e descredibilizando as da defesa; (ii) legalidade decorrente da violação dos princípios do Código Deontológico; (iii) justiça decorrente da inadequação entre os factos dados como provados e as provas existentes; (iv) da proporcionalidade decorrente da concretização de violações disciplinares com base em factos falsos, não provados e não afetos à responsabilidade profissional da Autora; e (v) igualdade.
Por seu turno, a Entidade Demandada pronunciou-se apenas quanto à alegada violação do principio da imparcialidade, advogando que apreciação da prova efetuada pela relatora é perfeitamente legal e isenta de crítica, acrescentando, ainda, que que não basta à Autora invocar o desrespeito por aquele princípio, devendo alegar e demonstrar em concreto que motivos levariam a relatora a tal posição de imparcialidade.
Apreciando.

Consoante já se disse, aquando da análise do princípio da proporcionalidade, no âmbito da medida da pena disciplinar, o controlo jurisdicional da atuação da administração por via dos princípios, apenas opera nos espaços de autodeterminação, ou seja, nas situações em que é conferida à administração uma margem de livre decisão, como sucede no caso dos autos.
Pelo que, torna-se inoperante a invocação da violação dos princípios que regem a atividade administrativa, no âmbito das atuações predominantemente vinculadas.
Isto posto, e começando pelo princípio da legalidade, diremos que este princípio significa basicamente que a administração não pode agir livremente, antes terá que se pautar com obediência ou vinculadamente quer aos parâmetros legais (Constituição, lei ordinária, leis comunitárias, regulamentos, etc.) que estabeleçam o respetivo espaço de intervenção e decisão, quer aos princípios gerais de direito (cfr. artigo 3.º do CPA, aplicável à data dos factos).
Deste modo, o silêncio da lei equivale a uma proibição de agir, não sendo consentido à administração (e diferentemente do que sucede com os particulares) intervir livremente à margem de qualquer prévio enquadramento legal habilitante ou legitimante (ou seja, não lhe é consentido fazer tudo aquilo que a lei não proíbe).
O princípio da igualdade está previsto nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da CRP, estando previsto, igualmente, no artigo 5.º, n.º 1 do CPA, com a redação à data dos factos.
Este princípio estabelece que nas relações jurídicas administrativas a administração pública deve tratar de forma idêntica os particulares, ou seja, não pode privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de sua ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual, conforme enunciado no citado artigo 5.º, n.º 1, do CPA.
Tendo em conta o dito anteriormente, este princípio proíbe assim práticas discriminatórias, tendo a administração o dever de proibir a discriminação, ou seja, perante duas situações iguais não deve tratar nenhuma delas diferenciadamente, e deve também evitar com que alguém trate de forma desigual o que deve ser igual.
A igualdade não é, no entanto, sempre absoluta, devendo-se aceitar um tratamento desigual para situações que sejam diferentes, ou seja, as chamadas discriminações positivas das quais um exemplo que pode ser dado é a proteção dos mais desfavorecidos.
Ou como se escreve no Ac. do STA de 23.05.2002, proferido no proc. n.º 0716/02, cujo sumário se transcreve:
I - O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global.
- Trata-se, aqui, de um princípio de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais.
- Temos, assim, que tal princípio não pode ser entendido como um obstáculo ao estabelecimento pelo legislador de disciplinas diferentes, quando diversas forem as situações que as normas pretendam regular.
- No fundo, o que se pretende evitar é o arbítrio legislativo, mediante uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente apoio material e constitucional objectivo, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo do limite externo de conformação da iniciativa do Legislador.”.
Passando agora ao princípio da justiça, consagrado no artigo 6.º do CPA, com redação à data dos factos, diremos que consubstancia o princípio de princípios, densificável através de vários outros subprincípios (como o da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade, da participação dos particulares ou da boa-fé), pois estamos perante um princípio demasiado vago, nada operacional e destituído de aplicação direta a casos concretos.
Devemos referir que este princípio significa que a administração deve procurar alcançar o ideal da equidade do caso concreto, agindo de modo a que a cada qual se lhe dê o que lhe é devido.
Saliente-se que o princípio da justiça não se confunde com o vetor da legalidade estrita, antes o transcende, tendo bastante a ver com um certo número de ideais tais como a imposição da verdade material, a moral, a ética, a correção de procedimentos e a decência.
No que se refere ao princípio da imparcialidade, o artigo 266.º, n.º 2 da CRP determina que os órgão e agentes administrativos devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito por vários princípios, entre os quais o da imparcialidade.
O princípio da imparcialidade consta também do elenco dos princípios gerais da atividade administrativa, prevendo-se no artigo 6.º do CPA, aplicável à data dos factos, que: “No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.”.
As garantias da imparcialidade estão contidas nos artigos 44.º e seguintes do CPA, com a redação à data dos factos.
Com efeito, o princípio da imparcialidade postula que a administração dispense um tratamento equitativo a todos que com ela lidam, desdobrando-se nas garantias de imparcialidade no procedimento e na própria decisão, campo em que se lhe impõe o dever de ponderar todos os interesses públicos secundários e interesses privados legítimos.
Este princípio comporta uma vertente objetiva e uma vertente subjetiva.

Na garantia da imparcialidade objetiva, sobreleva a compreensão externa sobre a aparência de correção da atuação da administração.
Assim, esta garantia, que, mais do “ser”, releva do “parecer”, apenas pode ser afetada, não pela impressão subjetiva do destinatário da atuação quanto ao risco de algum prejuízo ou preconceito existente contra si, mas, antes, por motivos relevantes, que, pelo lado também de um homem médio, objetivamente, possa ser encarado com desconfiança, por poder ser visto, externamente, como suscetível de afetar, na aparência, a garantia da boa atuação da administração.
Já a dimensão negativa do princípio comporta os casos de impedimento (taxativamente previstos no artigo 44.º, n.º 1, do CPA, em que a lei impõe a substituição do órgão ou agente competente por outro) e as situações de suspeição (cfr. artigo 48.º, nº 1, do mesmo diploma), que são exemplificativas da cláusula geral referida no corpo do artigo – quando ocorra circunstância pela qual se possa razoavelmente suspeitar da isenção ou da retidão da conduta do titular do órgão ou agente –, em que a substituição do órgão ou agente não é automática, podendo, todavia, ocorrer se o mesmo pedir escusa (dispensa) de participar no procedimento ou o particular opuser uma suspeição desse agente, pedindo a sua substituição por outro – cfr. Ac. do STJ de 21.03.2013, proferido no proc. n.º 19/13.1YFLSB.
Ademais, refere o Ac. do TCA Norte de 16.11.2006, proferido no proc. n.º 00545/05.6BECBR, cuja fundamentação acompanhamos, que a violação do princípio da imparcialidade “não está dependente da prova de concretas actuações parciais, verificando-se sempre que um determinado procedimento faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade”, já que “essencialmente, o que se visa evitar é a prática de certas condutas da Administração que possam ser tidas como susceptíveis de afectar a imagem pública de imparcialidade”.
Quanto ao princípio da proporcionalidade, limitamo-nos a remeter, por questões de economia processual, para os considerandos tecidos aquando da análise deste princípio, no âmbito da medida da pena disciplinar.
Aqui chegados, resulta da leitura da petição inicial que a Autora alega, de forma genérica e conclusiva, a violação dos referidos princípios, não densificando a violação com factos concretos do procedimento disciplinar.
Situação que impede o julgador, de apreender as razões que possam subjazer à alegada violação.
Na verdade, o poder/dever de investigação do Tribunal está limitado aos factos alegados pelas partes ou que, oficiosamente, seja lícito ao juiz conhecer.
Por outras palavras, não podemos esquecer que a lide e o objeto do processo se individualizam não só pelo pedido, como pela causa de pedir, uma vez que no nosso direito processual se acolheu a chamada teoria da substanciação, segundo a qual, não basta que o autor formule uma pretensão, devendo, igualmente, delimitá-la por uma concreta “causa petendi” (cfr.
art. 78.º, n.º 2, al. g) do CPTA).

Pelo que não se vê em que medida estes princípios foram violados.

Improcede, assim, este fundamento de ataque à deliberação sindicada.
IV.5. Do vício de forma por falta de fundamentação:

Defende a Autora que a decisão sindicada padece de ausência de fundamentação decorrente da falta de demonstração cabal dos factos imputados na acusação.
No lado diametralmente oposto, advoga a Entidade Demandada que a Autora percebeu perfeitamente que factos lhe foram imputados, que infrações disciplinares a Entidade Demandada entendeu que cometeu, que violações do Código Deontológico lhe são apontadas, assim como o porquê de ter sido determinado a pena de suspensão.
Vejamos.

Primeiro que tudo, importa notar que, do conspecto da petição inicial, depreende-se que, quanto ao alegado vício de forma em razão da falta de fundamentação, a Autora referese à falta de fundamentação formal, ainda que de forma vaga.
Na verdade, uma coisa é saber se a administração deu a conhecer os motivos que a motivaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação para prolatar a deliberação de suspensão sindicada, questão esta que se situa no âmbito da validade formal do ato.
Situação diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos em que a administração se apoiou correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, Vieira de Andrade, in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, p. 231 explica que a diferença está “em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.
Isto posto, importa aferir se a deliberação sindicada padece de falta de fundamentação formal.
No que concerne à fundamentação, esta é uma exigência dos atos administrativos em geral, sendo uma exigência constitucional (cfr. artigo 268.º da CRP) e legal (cfr. artigos 123.º, 124.º e 125.º do CPA, com redação à data dos factos).
O artigo 268.º, n.º 3 da CRP determina que os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, e que estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei.
A exigência da fundamentação dos atos administrativos configura-se como princípio fundamental da administração do Estado de Direito, permitindo a realização dos seguintes objetivos: “(…) uma função de pacificação traduzida na idoneidade para convencer o administrado da “justeza” do ato; uma função de defesa do administrado, ao possibilitar-lhe o recurso aos meios contenciosos e graciosos; uma função de autocontrole, por facilitar a “autofiscalização da Administração pelos próprios intervenientes no processo ou pelos seus superiores hierárquicos”; uma função de clarificação e de prova, porquanto “fixa em termos claros qual o significado que os órgãos administrativos atribuíram às provas e argumentação jurídica desenvolvida, qual a marcha do raciocínio e opções que se precipitaram no acto”; uma função democrática, por dar a conhecer aos administrados as razões da sua atuação concreta; uma função de incentivo à boa administração, pois que a “obrigação de motivar obriga as autoridades administrativas a examinar atentamente o bem fundado das decisões que pensam vir a tomar”, uma função de bom controle da Administração, na medida em que “o conhecimento dos motivos das decisões habilitam os terceiros a melhor ajuizar da necessidade de interpor recurso administrativo ou contencioso dos actos que os afectam”, (cfr., entre muitos, José Carlos Vieira de Andrade, in “O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos”, 1991, pp. 65 e ss.).
Ora, o artigo 123.º, do CPA, aplicável à data dos factos, sob a epígrafe “Menções obrigatórias”, postula que:
«1- Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem sempre constar do

ato:

a) A indicação da autoridade que o praticou e a menção da delegação ou subdelegação de

poderes, quando exista;

b) A identificação adequada do destinatário ou destinatários;

c) A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes;

d) A fundamentação, quando exigível;

e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto;

f) A data em que é praticado;

g) A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial de que emane.

2 - Todas as menções exigidas pelo número anterior devem ser enunciadas de forma clara, precisa e completa, de modo a poderem determinar-se inequivocamente o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo.».

Por sua vez, o artigo 124.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Dever de fundamentação”, preceitua que:
«1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos

administrativos que, total ou parcialmente:

a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente

protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

b) Decidam reclamação ou recurso;

c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer,

informação ou proposta oficial;

d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos

semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;

e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.

2 - Salvo disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.».
E o artigo 125.º, sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação”, prescreve que:

«1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.».
Na esteira da nossa jurisprudência está fundamentado suficientemente o ato que deixa o interessado perfeitamente esclarecido das razões determinantes da decisão proferida e pode variar conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto (cfr. Acs. do STA de 23.03.2000, proferido no proc. n.º 045079 e de 18.12.2002, proferido no proc. n.º 048366).
Na verdade, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do ato administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele ato, um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido – Ac. do TCAN de 21.12.2018, proferido no proc. n.º 00463/16.2BEVIS.
A fundamentação deve ser clara, suficiente, congruente e contextualizada.
É clara a fundamentação de um ato se as razões nele expressas permitem que um destinatário normal compreenda qual foi o iter cogniscitivo e valorativo da decisão, sendo inteligível e sem meros conceitos vagos;
É suficiente quando tais razões são aptas e bastantes para permitir que um destinatário médio reconstitua o referido iter cogniscitivo e valorativo da decisão, dito de outro modo, que contenha todos os elementos essenciais;
É congruente quando a decisão surge como a conclusão lógica e necessária de tais razões, ou seja, numa relação de adequação e proporcionalidade; e
É contextual quando se integra no próprio ato e dela é contemporânea, estando abrangidos também neste conceito de fundamentação a menção dos preceitos legais aplicáveis.

Nesta esteira, vide, a título ilustrativo, o Ac. do TCAS de 06.06.2019, proferido no proc.

n.º 2788/17.0BELSB, onde, entre o demais, se sumariou:

I - Fundamentar uma decisão de administração pública é, sob pena de ilegalidade, justificá-la quanto aos seus aspetos legalmente vinculados e, ainda, motivá-la ou explicá-la quanto aos seus aspetos não vinculados estritamente pela lei, tudo de modo a que os pressupostos de facto e de direito e os raciocínios explicativos das opções ou valorações feitas possam ser compreendidos e questionados racionalmente. (…)”.
E bem assim, entre outros, o Ac. do TCAN de 07.12.2018, proferido no proc. n.º 01435/15.0BEBRG, onde, entre o demais, se sumariou que:
I- A fundamentação do ato administrativo, no que toca à clareza e suficiência, deve ter como padrão um destinatário normal, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos;
II - O grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do ato e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado; (…)
Assim sendo, o que se pretende é que o destinatário do ato consiga descortinar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade decisora, de forma a, querendo, poder escrutinar judicialmente o seu conteúdo.
Com efeito, o interessado deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram ao ato que afeta a sua esfera jurídica, ou seja, tem que perceber o caminho percorrido pelo autor da tomada da decisão, pois só assim pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo, uma vez que somente por esta via fica munido dos elementos essenciais para poder atacar o ato, dado que só sabendo quais os factos concretos considerados pelo seu autor é que pode contrariar os mesmos, bem como só sabendo as normas legais invocadas pode analisar se são essas ou outras as aplicáveis à situação sub judice.
Ora, cotejando a factualidade assente, mais concretamente, os pontos 21. e 24. do probatório, temos para nós que consta do ato punitivo os motivos/razões aptos a permitir à Autora, enquanto destinatário normal, reconstituir o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decisora para decidir como decidiu, independentemente de a Autora não concordar com os ditos motivos, situação que já se prende a fundamentação substancial, consoante já se cuidou de referir.
De facto, colhe-se da leitura da petição inicial, que a Autora acabou por compreender sob o ponto de vista dos factos e do direito, os motivos que conduziram a Entidade Demandada a atuar como atuou, os factos em que se apoiou, conforme se alcança da defesa por si tida contra o ato punitivo, evidenciando que bem sabe o que está em causa, os normativos aplicados, tendo compreendido a razão e o iter percorrido pela Entidade Demandada.
Aqui volvidos, e sem necessidade de alongadas considerações, improcede o aventado vício de forma em razão da falta de fundamentação imputado à deliberação impugnada.

IV.6. Inexistência da ata com a deliberação sobre a data de constituição do plenário e, bem assim, da data designada para a decisão de recurso:

Sustenta a Autora que inexiste ata com a deliberação sobre a data de constituição do plenário, bem como, a ata onde consta a deliberação da data designada para a decisão de recurso, configurando tal situação uma nulidade que afeta diretamente a deliberação sindicada.
Por sua vez, defende a Entidade Demandada que não se vislumbra em que medida é que tal facto é uma violação grave, dado que existem atas da Direção e do Conselho Jurisdicional, que determinam que membros de cada órgão deverão constituir o mesmo, existindo, também, uma ata da reunião plenária constituída pelos membros legitimamente indicados e ainda, uma deliberação subscrita pelos mesmos, em que está fundamentada factual e deontologicamente a deliberação tomada.
Vejamos.

Postula o artigo 27.º, do CPA, com redação à data dos factos, sob a epígrafe “Ata da reunião”, o seguinte:
«1 - De cada reunião será lavrada ata, que conterá um resumo de tudo o que nela tiver ocorrido, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas e a forma e o resultado das respetivas votações.
2 - As atas são lavradas pelo secretário e postas à aprovação de todos os membros no final da respetiva reunião ou no início da seguinte, sendo assinadas, após a aprovação, pelo presidente e pelo secretário.
3 - Nos casos em que o órgão assim o delibere, a ata será aprovada, em minuta, logo na reunião a

que disser respeito.

4 - As deliberações dos órgãos colegiais só podem adquirir eficácia depois de aprovadas as respetivas atas ou depois de assinadas as minutas, nos termos do número anterior.».
Lida a factualidade assente, mais concretamente, os pontos 25. e 26. do probatório resulta que efetivamente não existem as atas atinente à deliberação sobre a data de constituição do plenário e, bem assim, da data designada para a decisão de recurso.
Contudo, não vislumbra este Tribunal qualquer obrigação legal que imponha à Entidade Demandada a feitura das referidas atas.
Na verdade, não resulta do citado preceito legal essa obrigação.

Ademais, tal como sustenta a Entidade Demandada, a data de agendamento do plenário resultará, naturalmente, do encontro de agendas dos respetivos membros, devendo ser formalizado, isso sim, a sua designação e uma ata que relate o que ocorreu na reunião (cfr. citado artigo 27.º do CPA).
Termos em que improcede a alegada nulidade da deliberação sindicada decorrente da inexistência da ata com a deliberação sobre a data de constituição do plenário e, bem assim, da data designada para a decisão de recurso.

IV.7. Irregularidade do Edital:

Alega a Autora que através do edital de 19.06.2013, foi publicado eletronicamente a pena disciplinar aplicada, sendo aí referido que a publicação da pena disciplinar é feita de acordo com o artigo 11.º do Regulamento Disciplinar, e não de acordo com o artigo 13.º do referido Regulamento, sendo tal erro uma irregularidade grave e que se agrava porque depois de cumprida a sanção disciplinar, mantém-se a publicação do edital.
Por seu turno, a Entidade Demandada advoga que se trata de um lapso de escrita sem qualquer impacto na decisão sindicada, referindo ainda, que a própria Autora descortinou esse lapso, pelo que, nem sequer se trata de algo que tenha causado qualquer prejuízo.

Analisando.

A este propósito, dispõe o artigo 13.º, do Regulamento Disciplinar, sob a epígrafe “Publicidade das penas”, que:
«1 - As decisões de aplicação de penas de expulsão ou de suspensão são sempre publicitadas, sendo dada publicidade às restantes decisões condenatórias ou absolutórias quando tal seja determinado pelas decisões que as apliquem, que devem indicar a forma da sua publicitação.
2 - A publicidade das decisões de aplicação de expulsão ou de suspensão é feita por editais afixados na sede nacional da Ordem e na sede da delegação regional onde o infrator tenha o seu domicílio profissional, e através da divulgação na página eletrónica da Ordem, com referência aos preceitos infringidos.
3 - Porém, pode ser decidida a publicitação por meios adicionais, designadamente pela divulgação em publicações periódicas, editadas ou não pela Ordem.».
Já o artigo 11.º do sobredito Regulamento, refere-se às circunstâncias agravantes da infração disciplinar.
Sobrevoando a factualidade assente, podemos ler no edital que procedeu à publicidade da infração disciplinar aplicada à Autora, o seguinte teor: “Telmo Mourinho Baptista, Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, em cumprimento do disposto no artigo 11.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Psicólogos Portugueses, aprovado pelo Regulamento n.º 447/2011 na 2.ª Série do Diário da República de 22 de Julho de 2011” – cfr. ponto 27. do probatório.
Na verdade, assiste razão à Autora quando alega que a publicação da pena disciplinar foi feita de acordo com o artigo 11.º do Regulamento Disciplinar (referente às circunstâncias agravantes) e não de acordo com o artigo 13.º do referido Regulamento.
Porém, já não tem razão quando advoga que tal erro consubstancia uma irregularidade grave que vícia a deliberação sindicada, pois que, sendo o edital posterior ao encerramento do processo disciplinar qualquer irregularidade que o mesmo possa padecer, não tem impacto quanto à decisão sindicada, mas apenas quanto ao anúncio.
Por outras palavras, a verificar-se uma irregularidade do edital, como sucede no caso sub judice, a mesma não pode projetar quaisquer efeitos invalidantes sobre a decisão disciplinar.

Por conseguinte, improcede, também, nesta parte a presente espécie processual.

IV.8. Pedido de indemnização civil:

Sustenta a Autora que a atuação ilegal da Entidade Demandada lhe causou danos graves de natureza patrimonial e não patrimonial porquanto o processo disciplinar foi de conhecimento público, tendo a pena de suspensão de 2 meses sido publicada em edital, provocando-lhe uma grande dor e profundo desgosto, pois a sua competência foi colocada em causa, por ser uma profissional já conhecida na cidade em que vive e onde pratica a sua profissão, repercutindo-se esse desgosto nas suas relações familiares.
No lado diametralmente oposto, advoga a Entidade Demandada que não foram alegados quaisquer factos concretos ou uma ligação minimamente consistente entre o procedimento disciplinar e os pretensos danos da Autora.
Apreciando.

Fundando a Autora a obrigação de indemnizar na prática de um ato administrativo ilegal (esta é, pelo menos, a configuração da relação material controvertida), estamos in casu perante o instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, em virtude do exercício da função administrativa, sendo aplicável o regime aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro (doravante RRCEE).
Diploma que, de resto, confere corpo e sentido à disposição que ressalta do artigo 22.º da CRP, que consagra o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, por danos causados no exercício das suas funções.
Porém, quer no referente aos pressupostos da responsabilidade civil aquiliana do Estado e demais Entidades Públicas, fonte da obrigação de indemnização, quer quanto ao conteúdo dessa obrigação, aquela Lei manteve por referência o regime geral da responsabilidade civil, nomeadamente o estatuído nos artigos 483.º e 562.º a 572.º, do CC.
Assim, para se poder efetivar a responsabilidade do Estado e demais Entidades Públicas por ato ilícito, praticados pelos seus órgãos ou agentes, exige-se a verificação cumulativa de cinco pressupostos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – cfr. artigo 7.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Lei n.º 67/2007 de 31 de dezembro.
Por seu turno, em termos de ónus de alegação e prova, por aplicação do artigo 487.º, n.º 1, do CC, é à Autora e lesada que compete, por regra, não só a prova da culpa do autor da lesão, mas também o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado – cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC.
Ou seja, à Autora e lesada compete expor na sua petição inicial, a causa de pedir, o ato ou facto concreto (simples ou complexo) donde emerge o direito que invoca e se propõe fazer valer em juízo – teoria da substanciação (cfr. artigos 78.º, n. º1, al. f), do CPTA e 552.º, n.º 1, al. a), do
CPC aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA).

No que se refere à causa de pedir, as ações de responsabilidade civil são, em regra, complexas, isto é, não se circunscrevem ao facto gerador dos danos, antes assentam em vários factos que entrecruzados fundamentam a pretensão do autor/lesado.
Note-se, ainda, que não é todo e qualquer facto que constitui a causa de pedir, mas apenas o, ou os factos principais e decisivos, uma vez que, os factos instrumentais apenas tendem a demonstrar a realidade da causa petendi.
Quanto ao primeiro pressuposto para a efetivação da responsabilidade - o facto - deve ser um comportamento ou uma conduta voluntária do agente – porque objetivamente controlável ou dominável pela sua vontade - praticado no exercício das suas funções e por causa delas.

Pode ser um facto positivo – uma ação – ou um facto um facto negativo – uma omissão.

O facto pode traduzir-se, também, num ato jurídico ou num ato ou conduta material – cfr. artigo 7.º, n.º 1, da RRCEE.
No que concerne à ilicitude, é a que advém da violação, por aquele facto, de disposições ou princípios, constitucionais, legais ou regulamentares, ou de regras de ordem técnica, ou de deveres objetivos de cuidado, que se destinam a proteger interesses alheios e de que resulte a ofensa de direitos e interesses legalmente protegidos - cfr. artigo 7.º, n.ºs 1, 3, 4 e 9.º da RRCEE.
Para que o facto seja ilícito não basta, portanto, a conduta, mas é ainda necessário que a mesma produza um dado resultado.
Ou seja, para efeitos de integração dos pressupostos de responsabilidade civil, não basta que haja uma mera violação de uma disposição legal – uma ilicitude de conduta – mas a lei exige, ainda, que aquela violação se traduza numa ofensa de uma disposição legal que se destina a proteger interesses alheios, designadamente, exige-se que resultem violados direitos ou interesses juridicamente protegidos dos administrados, ou disposições legais destinadas a assegurar posições jurídico-subjetivas dos cidadãos – exige-se, assim, também, uma ilicitude de resultado (cfr. o artigo 9.º da RRCEE).
É entendimento da jurisprudência do STA que a ilicitude é tendencialmente coincidente com a ilegalidade do ato, mas tal não significa que essa coincidência ocorra em todas as
situações (cfr. entre outros, os Acs. do STA de 27.01.2010, proferido no proc. n.º 0513/09, de 14.02.2008, proferido no proc. n.º 0749/07, de 05.12.2007, proferido no proc. n.º 01214/05).
Esta mesma jurisprudência era já a seguida no âmbito dos (antigos) artigos 2.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de dezembro de 1967.
Quanto ao pressuposto culpa, reporta-se ao nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente.
Conforme artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, da RRCEE, a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
Ainda nos termos dos mencionados preceitos, sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.
Os artigos 9.º, n.º 2 e 7.º, n.ºs 3 e 4, da RRCEE, na esteira do que foi sendo desenvolvido pela jurisprudência e já vinha determinado no anterior Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de dezembro de 1967, admite, também, a chamada “culpa do serviço”.
Trata-se de uma figura que dispensa culpa subjetiva, personalizada na pessoa de um concreto funcionário ou agente, e que remete para uma culpa anónima ou coletiva, que resultará do deficiente funcionamento generalizado do serviço, de um “funcionamento anormal do serviço”.
Já o padrão a partir do qual deve ser apreciada a culpa, é reportado a uma culpa abstrata, aferida pelo modelo do “homem médio”, pela diligência de um bonus pater famílias, em face das circunstâncias de cada caso, que é indicada no artigo 487.º, n.º 2, do CC.
O dano será a lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do terceiro, ora Autor.
No que respeita aos danos, a RRCEE, não estabelece um verdadeiro regime, limitandose o artigo 3.º a fixar o princípio geral, remetendo a restante regulamentação para o CC, podendo aí ler-se o seguinte:
«1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve

reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja, excessivamente onerosa.
3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.»

Como explicava Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, volume I, 10.ª Edição, Almedina, 2000, p. 598. “o dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea.”. O dano, por sua vez, pode ser patrimonial ou não patrimonial.
No caso do primeiro, estamos perante prejuízos que são suscetíveis de avaliação pecuniária e que, portanto, podem ser reparados, direta ou indiretamente.
No segundo caso, o dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual; o dano não patrimonial é o dano insuscetível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo.
Por último, resta saber se esses danos podem ser relacionados com o facto; ou seja, falta ainda aferir o preenchimento do requisito nexo de causalidade.
Constitui entendimento pacífico que vigora no nosso ordenamento jurídico a chamada teoria da causalidade adequada, que decorre do artigo 563.º do CC, no qual se pode ler que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Neste sentido, já no acórdão do STA de 04.05.1995, proferido no processo n.º 37433A, ficou escrito que “segundo a teoria da causalidade adequada, é necessário que o acto tenha sido condição dos danos (prováveis), intervindo depois um juízo de adequação, de acordo com a formulação negativa de Enneccerus-Lehman”.
Em sentido semelhante, vide o Ac. do TCA Norte de 25.01.2013, proferido no processo n.º 00462/07.5BEVIS.
Portanto, e em termos sumários, o nexo de causalidade entre o facto e o dano depende de apreciar se, em primeiro lugar, aquele é condição adequada à ocorrência deste (nexo de adequação) e, depois, se foi a sua efetiva causa (nexo naturalístico).
Enquanto a primeira questão é, no essencial, jurídica, a segunda é sobretudo de facto, consistindo na prova da causa naturalística (direta ou indireta) do dano.
Isto posto, e revertendo o ante exposto para o caso dos autos, temos que o facto corresponde à deliberação datada de 09.02.2013, que aplicou à Autora a sanção disciplinar de suspensão por 2 meses (cfr. pontos 21. e 24. do probatório).
Quanto ao pressuposto da ilicitude, e consoante já se disse aquando da análise do pedido anulatório, e que agora nos limitamos a remeter por questões de economia processual, a atuação da Entidade Demandada não padece de qualquer ilegalidade, e, por consequência, nenhuma ilicitude se poderá apontar à sua conduta.
Por conseguinte, sendo cumulativos os requisitos legais inerentes à responsabilidade civil, e concluindo pela ausência do segundo pressuposto (ilicitude), forçosamente será de concluir pela improcedência do pedido indemnizatório, sem necessidade de analisar os demais pressupostos.
Claudica, pois, o pedido indemnizatório.

Por conseguinte, a presente ação administrativa especial terá que improceder in totum.

X

Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, vejamos:
A Autora, e ora Recorrente, vem apresentar recurso desta sentença que, julgando improcedente a ação, absolveu a Entidade Demandada, do pedido, mantendo assim a sanção disciplinar de suspensão de 2 meses.
Na óptica da Recorrente na sentença “existiu erro sobre os pressupostos, “erro grosseiro”, e violação do princípio da justiça, ao admitir a constituição da existência de uma infração disciplinar” quando o Tribunal julgou conforme ao direito uma sanção por a Recorrente não ter permitido a uma terceira pessoa o gozo de férias.
Avança-se, já, que carece de razão.

É que a Recorrente omite ostensivamente nas suas alegações que não está em causa uma questão de direito laboral como a forma de exercício do direito às férias por parte dos trabalhadores e a resposta que é expectável da parte dos empregadores.
A Recorrente tenta configurar a questão num tema de direito laboral, quando está (apenas) em causa a forma como, na sua qualidade de Psicóloga, sujeita aos deveres do Código Deontológico, impediu a participante do processo disciplinar que deu origem ao ato impugnado de frequentar o curso de formação que lhe permitiria, posteriormente, tornar-se membro efetivo. A questão é deontológica na medida em que a Recorrente usou da sua posição hierárquica e do ascendente que tinha para impedir um membro estagiário da Recorrida de frequentar o curso de formação.

É nesse plano, e apenas nesse, que a questão tem de ser discutida, e não ao abrigo do direito a férias como, habilmente, a Recorrente pretende.

De todo o modo, bem andou a sentença ao julgar improcedente a ação e, consequentemente, absolver a Entidade Demandada, tendo feito um julgamento adequado dos factos que lhe foram apresentados, não merecendo qualquer censura deste Tribunal ad quem.

Do suposto erro da sentença -

Conforme já antecipado, o recurso apresentado centra-se única e exclusivamente na circunstância de no aresto recorrido ter sido dado como provado que a infração disciplinar assenta, entre outros, no seguinte facto: “em 28.03.2011, a Autora não permitiu que a Dra. A. gozasse dias de férias de forma a frequentar o curso de formação na Entidade Demandada”.

Como alegado, a Recorrente deixou que se formasse caso julgado quanto a tudo o mais que é apontado na sentença, nomeadamente todas as outras infrações disciplinares - cada uma delas a justificar, individualmente a aplicação de sanção.
Falamos, por exemplo, de ter transitado em julgado que (i) entre 03.04.2010 e 19.05.2010, e no âmbito de diretivas internas segundo as quais os processos com proposta de alta deviam passar por si, instou a Dra. C. a alterar relatórios de avaliação psicológica no sentido de omitirem referências positivas das crianças para que estas obtivessem ou mantivessem o acesso ao subsídio de educação especial; que (ii) em abril de 2011, permitiu que na empresa da qual era sócia, gerente e diretora técnica fossem retirados à Dra. A. 55 utentes menores sem qualquer transição terapêutica entre aquela e o psicólogo que lhe sucedeu, sem salvaguardar o sigilo das informações recolhidas pela Dra. A. no âmbito do acompanhamento psicológico; que (iii) pelo menos até junho de 2011, estava instituído nas entidades de que era sócia, gerente e diretora técnica, que os psicólogos não podiam dar consultas superiores a 45 minutos, e depois 30 minutos, independentemente das necessidades das crianças acompanhadas.

A Recorrente abriu mão da contestação dessas graves infrações, tentando

reverter a decisão através de uma técnica de defesa que não pode ser acolhida.

É que todo o recurso se baseia na indignação da mesma quanto à comprovada impossibilidade de deixar a Dra. A. frequentar o curso de formação, não alegando qualquer outro vício quanto aos demais factos que constituem a infração disciplinar.

Ora, os argumentos da Recorrente focam-se no pressuposto de, à luz do artigo 241.º do Código do Trabalho, a Entidade Empregadora ter o direito de determinar o período de férias do trabalhador.

Mais, invoca que, com base no princípio da justiça, consagrado no artigo 8.º do CPA, dever-se-ia “rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis e incompatíveis com a ideia do Direito”, uma vez que na sua perspetiva a infração disciplinar é inexistente, pois o Tribunal a quo não verificou que existe um facto, excluído da discricionariedade técnica da Entidade Recorrida.

Repete-se que a infração disciplinar não tem apenas por base o facto de “em 28.03.2011, a Autora não permitir que a Dra. A. gozasse dias de férias de forma a frequentar o curso de formação na Entidade Demandada.
A infração disciplinar teve por base 4 factos, que foram dados como provados, sendo que o probatório não foi posto em causa.
Acresce que, como referido na sentença o princípio da justiça “consubstancia o princípio de princípios, densificável através de vários outros subprincípios (como o da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade, da participação dos particulares ou da boa-fé), pois estamos perante um princípio demasiado vago, nada operacional e destituído de aplicação direta a casos concretos”.
Ora, apesar de a Recorrente invocar o princípio da justiça para defender que a sentença errou quando julgou improcedente a ação, não explica em que termos é que a mesma violou o referido princípio da justiça.

Considera-se, assim, que é manifestamente insuficiente a alegação genérica de que a conduta da Entidade Demandada viola o mais elementar princípio, dada a omissão de substanciação fáctico-jurídica subjacente a esse putativo vício.

Com efeito, a Autora não aduz quaisquer razões de facto e de direito em que se concretiza a referida causa de invalidade; por isso, a pretensão da Recorrente está votada ao insucesso, por falta da exigível substanciação essencial da causa de pedir (cfr., em termos similares, entre outros, o Acórdão do STA, de 29-04-2003, proc. nº 00211/03 e Acórdão deste TCAN, de 01-03-2019, proc. nº 02570/14.7BEBRG).

Mais, entende a Recorrente que estamos perante uma questão laboral e que ao abrigo do artigo 241.º do Código do Trabalho é permitido à Entidade Empregadora determinar os dias de férias do trabalhador, pelo que, na sua perspetiva, não existe uma violação dos deveres deontológicos.
No entanto, aquando da infração disciplinar ficou expressamente assente que o facto de “em 28.03.2011, a Autora não permitiu que a Dra. A. gozasse dias de férias de forma a frequentar o curso de formação na Entidade Demandada”, consubstanciava uma violação do dever de contribuir para a boa reputação da Ordem e procurar alagar o seu âmbito de influência.
Dado que a aqui Recorrente “colocou entraves à frequência pela Dra. A. do curso de formação para estagiários, instando a mesma ao adiamento por pelo menos 3 meses, o que evitaria a regularização da situação de uma Psicóloga sua colaboradora, não colaborando activamente para que uma colaboradora aperfeiçoasse a sua formação e prática profissionais, impedindo assim que a Ordem alargasse a sua influência.

Nem se diga que tal impedimento foi colocado a todos os Psicólogos que se encontravam na mesma situação da participante, dado que a Dra. L.- testemunha arrolada pela Visada - declarou nos autos que realizou o curso de formação da OPP no final de novembro, início de dezembro, o que demonstra que o gozo de dias de férias não foi permitido por razões alheias ao acompanhamento das crianças”.
Face o exposto, é manifesto que a infração disciplinar da Recorrente nada tem a ver com uma questão de direito laboral, mas sim com o facto de ter impedido a Dra. A. de frequentar o curso de formação para estagiários, prejudicando claramente a reputação da Ordem, dado que impediu que a Dra. A. aperfeiçoasse a sua prática e formação.

Mais uma vez, em nada tem a ver com o facto de a Dra. A. não ter gozado os seus dias de férias, mas sim, com o facto de não lhe ter sido permitido frequentar o curso de formação para estágio.

É, pois, a forma como a Recorrente entendeu exercer os seus deveres deontológicos que está em causa e não uma questão de direito laboral.

Ademais, é evidente que a Recorrente tinha, na altura, conhecimento que o pedido de férias tinha como pressuposto o curso de formação de estágio, tanto o é, que informou a Dra. A. que podia realizar o curso mais tarde, nos meses de julho e/ou agosto, no que demonstra que a própria Recorrente reconduziu na altura a questão para um patamar de cumprimento ou não dos deveres da Dra. A. como estagiária, nunca argumentando com a forma como enquanto gerente da empresa teria de tratar a questão.

Ou a Recorrente está confundida ou pretende confundir a discussão em causa, lançando-a para um patamar inadequado - indicando que é a Entidade Empregadora que pode determinar os dias de férias dos trabalhadores, ao abrigo do artigo 241.º do Código do Trabalho, sabendo bem que o que estava em causa era a realização do curso de formação do estágio e o seu respetivo impedimento

Sucede ainda que esta atitude da Recorrente, que foi disciplinarmente sancionada, surge no contexto específico da sua prática desconforme, a qual, relembre-se, foi também sancionada por exigir alterações aos relatórios de avaliação, permitir transições terapêuticas sem salvaguardar sigilo ou o impedimento de que as consultas durassem mais do que 45 ou 30 minutos, fossem quais fossem os temas a tratar.

Tudo isso foi provado na sentença e, reitera-se, transitou em julgado.

Para além disso, como não pode deixar de saber a Recorrente, um dos direitos do psicólogo estagiário é participar nos cursos de formação de psicólogos estagiários organizados pela Ordem, tal como previsto na alínea g) do n.º 3 do artigo 21.º do Regulamento n.º 76-A/2017, de 3 de fevereiro, que aprova o Regulamento de Estágios da Ordem dos Psicólogos Portugueses e na alínea f) do n.º 2 do artigo 56.º dos Estatutos da Ordem dos Psicólogos.

Por sua vez, o orientador tem como deveres, zelar pelo cumprimento do projeto de estágio profissional e garantir o rigor profissional, ético e deontológico, tanto ao nível da formação concedida ao estagiário como da exigência que lhe é imposta, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 57.º dos Estatutos da Ordem dos Psicólogos; pelo que, é evidente que a Recorrente ao impedir a Dra. A. de frequentar o curso de formação, está a violar os deveres deontológicos previstos, especificamente, a violar o dever de contribuir para a boa reputação da Ordem e procurar alagar o seu âmbito de influência.

Nestas circunstâncias, não se pode atender a argumentação desenvolvida pela Recorrente, qual seja a de que a infração disciplinar padece de anulabilidade.

Por outro lado, no procedimento disciplinar, ao contrário do que pretende invocar a Recorrente, a infração cometida foi transmitida com precisão - sendo que assenta nos 4 factos supra referidos-, foram também mencionadas as disposições deontológicas violadas e o tipo de infração e sanção a aplicar.
Não se compreende como é que a Recorrente defende que não pode a infração ter por base o facto em causa, ao abrigo do artigo 241.º do Código do Trabalho, quando o que está em causa - e ficou claro na infração disciplinar - foi o facto de a Recorrente impedir a Dr. A. de frequentar o curso de formação e nunca a perspetiva laboral.
Em suma:
-A “função de controlo judicial limita-se (...) a detetar se a apreciação das provas tem uma base racional, se o valor das provas produzidas foi pesado com justo critério lógico, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto de apreciação. É através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se a valoração das provas está racionalmente justificada e se ela é capaz de gerar uma convicção de verdade sobre a prática dos ilícitos disciplinares imputados ao recorrente” (cfr. os Acórdãos deste TCAN de 27/01/2011 no proc. 00827/07.2BEPRT e de 23/06/2017 no proc. 00051/12.2BECBR);
-Como tem sido abundantemente sentenciado em casos similares, a Administração goza de poder discricionário na determinação da medida das penas disciplinares, que só é sindicável nos casos de erro grosseiro.
A sindicância judicial relativa ao exercício dos poderes disciplinares da Administração só poderá ter lugar quando os critérios de graduação utilizados ou o resultado a que se chegou tiverem sido grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis ou tiverem sido violados os princípios constitucionais ligados ao exercício de atividade administrativa, designadamente o da proporcionalidade e da justiça - Acórdão deste TCAN, de 23/09/2016, proc. 00747/15.7BECBR;
-O Tribunal não pode substituir-se à Administração na concretização da medida da sanção disciplinar, o que não impede que lhe seja possível sindicar a legalidade da decisão punitiva, na medida em que esta ofenda critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que saia dos limites normativos correspondentes.
Não compete ao tribunal pronunciar-se sobre a justiça e oportunidade da punição, por competir em exclusivo, à Administração decidir da conveniência em punir ou não punir e medida da pena - Acórdão do STA de 24/9/1991, proc. 27551;
-Assim sendo, é bom de ver que, no caso em apreço, a sanção obedeceu aos critérios definidos nas normas disciplinares, não tendo a graduação da sanção disciplinar saído dos limites fixados na lei ou respectiva regulamentação, tendo a mesma sido fixada de acordo com os poderes discricionários, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova que lhe assiste;
-Concluindo, bem andou o Tribunal a quo quando julgou improcedente a ação em causa e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada do pedido.
DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique e DN.
Porto, 03/12/2021

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Nuno Coutinho