Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02601/08.0BELSB-A |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 07/12/2023 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Helena Ribeiro |
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Descritores: | MATÉRIA DE FACTO; EXECUÇÃO DE SENTENÇA; VÍCIO DE FORMA; ATO RENOVÁVEL; |
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Sumário: | 1- A ampliação da matéria de facto apenas se justifica se estiver em causa matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a decisão da causa, e essa faculdade, não está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que o tribunal de recurso se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes. Mas, ao julgador impõe-se que apenas escolha os factos que considera relevantes para a boa decisão da causa, e não que fixe todo e qualquer facto. 2- Proferida uma sentença por um tribunal administrativo e uma vez transitada em julgado, impende sobre a Administração um dever de carácter jurídico, que a vincula à execução das decisões jurisdicionais, no respeito pelo caso julgado formado por essa decisão. 3- As consequências da anulação dos atos administrativos serão diferentes conforme o restabelecimento da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado reclame uma pronúncia administrativa sem impacto no conteúdo decisório do caso concreto, que é mantido com a prática do novo ato ou se, diferentemente, as consequências da anulação impuserem a prática de uma nova decisão administrativa que não coincida com o ato anulado. 4-Estando em causa um ato anulado por vício de forma, é possível à Administração a repetição do procedimento administrativo, expurgando o ato administrativo do vício cometido, pelo que, caso o novo ato “reinstale a substância dispositiva do anterior “ com a observância da formalidade que tinha sido preterida, este novo ato não tem eficácia retroativa, uma vez que a situação atual hipotética, ou seja, a situação do momento, é a mesma que existiria com o ato ilegal se o mesmo não tivesse sido declarado nulo. (Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil). |
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Meio Processual: | Outros despachos |
Decisão: | Negar provimento ao recurso . |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Considerando que a questão a decidir se revela de evidente simplicidade, ao abrigo do disposto nos artigos 652.º, n.º1, al. c) e 656.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA passo a proferir: DECISÃO SUMÁRIA I. RELATÓRIO 1.1.«AA», moveu a presente ação de execução de sentença de anulação de ato administrativo, contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, ambos melhor identificados nos autos, formulando, para tanto, a final da sua petição executiva o seguinte pedido: “Termos em que, nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª mui doutamente suprirá, deverá a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente: (i) ser declarado nulo o Despacho do Comandante Geral da GNR, de 03.09.2021; (ii) ser a GNR condenada no pagamento, no prazo de 10 dias úteis, da quantia de € 91.487,53 (…), acrescidos dos valores dos juros de mora até efetivo e integral pagamento e; (iii) ser o Comandante Geral da GNR condenado ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 10% do salário mínimo nacional por cada dia de atraso no seu cumprimento.” Para tanto, alega, em síntese que na sequência do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22/01/2021, proferido no âmbito da ação que correu termos no TAF do Porto sob o processo nº 2601/08.0BELSB, que negou provimento ao recurso e declarou nulo o ato administrativo objeto do recurso contencioso de anulação, a Guarda Nacional Republicana, através do Comando da Administração dos Recursos Internos, notificou-o para se pronunciar, em sede de audiência prévia, do teor do despacho do Comandante Geral da GNR de 14/05/2008, que determinou a sua eliminação do CFG 2006/2007; Em resposta, pugnou pela extinção do procedimento e, consequentemente, pela cabal execução do caso julgado; Na sequência da sua pronúncia, a Guarda Nacional Republicana, através do documento nº ...08-DRH, determinou que “seja o ex-soldado provisório (2070572) «AA» dispensado do serviço da Guarda Nacional Republicana, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º do Estatuto dos Militares da GNR, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de jul”; O referido documento, que serve de base fática e de direito ao Despacho do Comandante Geral da GNR, de 03/09/2021, foi notificado pessoalmente ao Exequente em 17/09/2021, determinando, assim, a sua eliminação do CFG 2006/2007; Nada mais foi executado em cumprimento do julgado anulatório; Entre os anos de 2008 e 2021, auferiu o rendimento global de € 117.883,31, mas enquanto militar da GNR na categoria de guarda: (i) em 2008, estaria na 1ª posição remuneratória, nível 7, a que correspondia a remuneração base de € 789,54 e suplemento das forças e serviços de segurança de € 188,95, num total mensal de € 978,49, situação que manteria no ano de 2009; (ii) entre os anos de 2010 a 2014 estaria na 2ª posição remuneratória, nível 8, a que correspondia a remuneração base de € 837,60 e suplemento das forças e serviços de segurança de € 198,56, num total mensal de € 1.036,16; (iii) nos anos de 2015 a 2019 estaria na 3ª posição remuneratória, nível 9, a que correspondia a remuneração base de € 892,53 e suplemento das forças e serviços de segurança de € 209,55, num total mensal de € 1.102,08; (iv) nos anos de 2020 e 2021 estaria na 4ª posição remuneratória, nível 10, a que correspondia a remuneração base de € 943,89 e suplemento das forças e serviços de segurança de € 209,55, num total mensal de € 1.153,44; Mais alega que, estando-se perante um ato administrativo declarado nulo, o mesmo apenas pode ser objeto de reforma e conversão (cfr. artigo 164º, nº 2 do CPA), não podendo a GNR, atendendo à natureza do vício de que padece, proceder à sanação por retificação; Competia à GNR reconstituir a situação que existiria se o ato declarado nulo não tivesse sido praticado, uma vez que o ato superveniente se consubstancia numa recusa disfarçada de executar a sentença, visando dar uma cobertura formal à situação existente, caso em que a questão suscitada se apresenta ainda como de inexecução ilegítima do julgado anulatório; O novo ato administrativo, embora mantenha o conteúdo decisório do ato anulado, não pode ser dotado de eficácia retroativa; Está vedada à GNR a possibilidade de atribuição de efeitos retroativos ao ato de dispensa da guarda praticado em execução do julgado anulatório, definidor de novo da situação jurídica do Exequente e que não colhe sustentação e integração do quadro normativo aplicável; A entidade pública está constituída no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, considerando-se, então, o Exequente dispensado do serviço da GNR a partir da data da prática do novo ato administrativo e, concomitantemente, na obrigação de proceder ao pagamento das quantias remuneratórias que teria auferido entre a prática do ato declarado nulo e a prática do novo ato; Assim, deve o despacho do Comandante Geral da GNR de 03/09/2021 ser declarado nulo, e, consequentemente, deve a GNR praticar todos os atos jurídicos e materiais necessários à reconstituição plena do status quo ante do Exequente, traduzindo-se esta na obrigação de proceder ao pagamento das quantias que lhe são devidas, ou seja, o montante global de € 91.487,53, pelos vencimentos que deixou de auferir em virtude da prática do ato punitivo ilegal. 1.2. Citada, a Entidade Executada apresentou oposição, pugnando pela improcedência da execução, alegando, para tanto e em síntese que, a decisão proferida em 14/05/2008 é nula porque não foi assegurado o direito de audiência prévia do aqui Exequente sobre a sua eliminação do Curso de Formação de Praças 2006/2007; Deste modo, a Administração apenas poderá praticar novo ato administrativo, desde que assegure o direito de audiência prévia do interessado; Para o efeito, o Exequente foi notificado do despacho do Comandante-Geral de 14/05/2008 nos termos dos artigos 121º, nº 1, e 122º, do CPA, para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias úteis, direito que exerceu; Por despacho de 03/09/2021, o Comandante Geral da GNR decidiu a eliminação do Exequente, o qual lhe foi notificado em 12/12/2021; Quanto ao pedido de € 91.487,53, respeitante à diferença entre o rendimento que auferiu e o rendimento que auferiria entre 14/05/2008 e 03/09/2021, o despacho foi declarado nulo por preterição do direito de audição prévia, tendo sido praticado novo ato, onde foi assegurada a audiência prévia, com o mesmo conteúdo decisório, não se podendo ficcionar que o Exequente tenha sido aprovado no Curso de Formação de Praças e tenha ingressado na Guarda; Mantendo-se a situação de facto – porque não se pode escamotear – que subjaz à eliminação do Exequente do Curso de Formação de Praças 2006/2007, a situação hipotética que existiria atualmente se o ato declarado nulo não tivesse sido praticado é exatamente igual à que existe; O Exequente não pode pedir uma indemnização pela diferença entre o rendimento que auferiu e o rendimento que auferiria na Guarda porque continuaria a ser eliminado do Curso de Formação de Praças, por ter recorrido a falsas declarações na formalização da sua candidatura; Conclui que não é devido qualquer montante ao Exequente, e, in extremis, o pagamento do montante peticionado pelo Exequente poderia configurar um enriquecimento sem causa e indevido. 1.4.Em 22/02/2023, o TAF do Porto proferiu despacho saneador-sentença, e julgou a presente ação improcedente, sendo do seguinte teor o respetivo segmento decisório: « VI. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos: a) Julga-se procedente a oposição à execução e, em consequência, improcedente e extinta a ação executiva; b) Fixa-se, à causa, o valor de € 91.487,53; c) Condena-se o Exequente no pagamento das custas processuais. * Registe e notifique.» 1.5. Inconformado com o saneador-sentença proferido o Exequente interpôs o presente recurso de apelação que termina com a apresentação das seguintes CONCLUSÕES: «1) O Exequente, aqui Recorrente, não se conformando com o teor da douta Sentença proferida nos autos à margem identificados, na medida em que julgou “procedente a oposição à execução e, em consequência, improcedente e extinta a ação executiva”, vem dela interpor recurso, uma vez que tal decisão, salvo o devido respeito, faz um errado julgamento da matéria de facto (por insuficiência na fixação de factos provados) e da aplicação do direito ao caso sub judice. 2) Com efeito, considera o Recorrente, que da prova carreada para aos autos da ação executiva, resulta, efectivamente, uma insuficiência na fixação da matéria de facto dada como provada, o que tem consequências ao nível da decisão do mérito da causa. Assim, uma vez que a omissão da decisão da matéria de facto é relevante para a boa decisão da causa, segundo as possíveis soluções jurídicas da mesma, tal implicará, necessariamente, a sua ampliação. 3) Com efeito, e uma vez que no caso dos presentes autos existem elementos capazes de permitir tal ampliação, devem os Venerandos Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte, salvo melhor opinião, proceder a tal modificação, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC. 4) O Recorrente, no requerimento executivo apresentado, suscita duas questões quanto à legalidade do ato que procedeu à execução da sentença anulatória: a primeira, dizia respeito à circunstância de um ato administrativo declarado nulo não poder ser objeto de retificação, nos termos do artigo 164.º, n.º 2 do CPA e, a segunda, no facto de que caso a Administração possa proceder, de novo, à modelação da esfera jurídica do autor, jamais o novo ato administrativo poderá ser dotado de eficácia retroativa, nos termos do artigo 172.º, n.º 2 do CPA. 5) O Recorrente, partindo do pressuposto da possibilidade e legalidade do re - exercício do poder administrativo em sede de execução de julgado anulatório, alegou que os efeitos jurídicos do novo acto administrativo nunca poderiam ser dotados de eficácia retroactiva, isto porque, quando a anulação incida sobre actos desfavoráveis, ou seja, actos que envolvam a aplicação de sanções ou a restrição de direitos, muito embora o novo acto mantenha o conteúdo decisório do acto anulado, às consequências extraídas da anulação somente poderá ser atribuída eficácia para o futuro, por força do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 172.º do CPA e na primeira parte do n.º 2 do artigo 173.º do CPTA. 6) Conjugada e conjuntamente, partindo da premissa de que o Recorrente, enquanto soldado da Guarda Nacional Republicana – já que nos termos do artigo 233.º, n.º 1 do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, “o ingresso na categoria de guardas faz-se no posto de guarda, no dia seguinte à conclusão, com aproveitamento, do respetivo curso de formação (…)” – carecia de ser reintegrado nas funções/cargo que exerceria por força da retroatividade/vigência imposta em termos de reposição do vínculo, veio peticionar a condenação da GNR a pagar-lhe a quantia de € 91.487,53 (noventa e um mil, quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta três cêntimos) pelos vencimentos que deixou de auferir em virtude da prática do ato punitivo ilegal. 7) E para o efeito, alegou e provou os necessários factos essenciais, muito embora a sentença recorrida os tenha considerado sem relevo para a causa. E, se bem entendemos, a razão para tal erro de apreciação situa-se, desde logo, ao nível do âmbito objetivo da ação executiva. 8) É aqui, e salvo o devido respeito, que a sentença começa por padecer, desde logo, de erro de apreciação, face à errada perceção da natureza da ação executiva. 9) É que, ao contrário daquilo que defende o Tribunal a quo, o Recorrente não está impedido de fazer valer no processo executivo pretensões complementares. Ou seja, e como é sabido, o CPTA permite cumular em processo de impugnação de atos administrativos pedidos como o pedido de condenação à adoção dos atos e operações necessárias para reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado e, bem assim, de dar cumprimento aos deveres que não foram cumpridos com fundamento nesse ato. Mas, a cumulação não é obrigatória, podendo o autor optar por não o fazer. O que significa, portanto, que o artigo 176.º do CPTA permite ao exequente fazer valer pretensões que não tenham sido cumuladas no processo impugnatório, trazendo, assim, para o processo executivo, a apreciação de pretensões que, embora já pudessem ter sido apreciadas no processo declarativo, não o foram, transformando-se, então, a ação executiva, em primeira linha, num processo declarativo, dirigido a condenar a Administração a extrair as consequências da declaração de nulidade do ato administrativo. 10) Do mesmo modo, entende a jurisprudência que “ao apresentar “novas” demandas em sede executiva, o Exequente não violou os limites da execução. 11) Logo, quando a sentença recorrida chama à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22.05.2014, processo n.º 10460, entendemos, com o devido respeito, e que é muito, que o faz erradamente, uma vez que tal jurisprudência não reflete a atualidade da questão. 12) Como vimos, tal entendimento carece de fundamentação legal, na medida em que o CPTA, embora permita, logo no âmbito do processo de impugnação do ato administrativo ilegal, de se proceder à cumulação das pretensões, entendeu dever ressalvar que o não exercício da faculdade de cumular pedidos no processo de impugnação não preclude a possibilidade de as mesmas pretensões serem acionadas no âmbito do processo de execução da sentença de anulação. 13) Assim, desvelado o equívoco de que padece a sentença recorrida, naturalmente que o objeto da ação executiva é bem mais amplo do que aquele que foi delimitado pelo Tribunal a quo, devendo-se, por conseguinte, fixar os factos alegados e provados pelo Exequente e que permitem, numa correta subsunção jurídica, julgar procedente a presente ação executiva. 14) Por outro lado, e desferindo um outro erro à sentença recorrida, em lado algum o TCAN disse que ao autor apenas lhe caberia o direito à simples audição. Se é verdade que decidiu julgar improcedente o erro sobre os pressupostos de facto, isto não quer dizer que o Autor não possa ou não venha a poder aceder ao posto de guarda. Também a este respeito, a sentença parte de pressupostos errados, afunilando, consequentemente, as questões centrais a apreciar. É que, dificilmente se poderá rejeitar a ideia de que o sentido da decisão administrativa tomada a final é afetado pelo curso do procedimento e pelos trâmites observados, pela informação recolhida e aportada ao procedimento e pelo órgão que a adotou, sendo certo que a interligação indelével entre aquele sentido e estes últimos aspetos se adensa à medida que se avança em direção ao âmago da margem de livre decisão. 15) Entende o Recorrente que a prova levada ao probatório é manifestamente insuficiência, contendendo, por consequência, com o sentido da decisão a proferir. Assim, além dos factos dados como provados na sentença do Tribunal a quo, devem, igualmente, ser levados ao segmento da matéria de facto dada como provada, os factos alegados pelo Exequente. 16) Portanto, no âmbito da reapreciação da decisão recorrida e, naturalmente, dentro dos limites objetivo e subjetivo do recurso, devem V. Exs.ª agir oficiosamente, mediante a aplicação das regras vinculativas extraídas do direito probatório material, modificando a decisão da matéria de facto advinda da 1.ª instância, segundo o artigo 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC. No fundo, a oficiosidade desta atuação é decorrência da regra geral sobre a aplicação do direito, ou seja, das normas de direito probatório material, na medida em que interferem no resultado do recurso que foi interposto, isto é, e como veremos, terá implicações significativas ao nível da solução material do caso concreto. 17) Com efeito, no escrupuloso cumprimento do julgado anulatório, entendeu o Recorrente pedir à Entidade Executada o cumprimento estrito da legalidade, consubstanciada na prática de atos jurídicos e materiais necessários à reconstituição da situação que existiria antes da prática do ato declarado nulo, o que passaria, necessariamente, pelo pagamento dos vencimentos que o autor deixou de auferir desde a data da sua nomeação – ato administrativo estritamente vinculado, por força do artigo 233.º, n.º 1 do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana – até à data da prática do ato administrativo executório. 18) Como evidenciámos no requerimento executivo, e que aqui reiteramos, a tarefa reconstitutiva da Administração levaria subjacente a colocação do autor na situação em que, numa linha temporal na qual a GNR, ao invés do ato declarado nulo, houvesse atuado de acordo com o princípio da juridicidade à luz do quadro factual e jurídico na altura existente, imediatamente haveria sucedido àquele, criando-se, por conseguinte, os eventos que lhe estariam associados. 19) A ser assim, a obrigação de reconstituição emergente da declaração de nulidade do acto, impõe a prática de todos os atos e operações necessários à plena reintegração da situação do exequente do statu quo ante, repondo a conformidade da sua situação de facto e de direito pelo período intercorrente, no caso, mormente, o período temporal que mediou entre 14.05.2008 e 03.09.2021, extraindo as devidas consequências da decisão judicial anulatória e, ainda, da impossibilidade do novo ato punitivo não poder gozar da eficácia temporal pretendida pelo ente executado. 20) No caso dos presentes autos, resulta provado que “o aqui autor, ingressou, como soldado provisório, no curso de Formação de Praças 2006/2007 da Guarda Nacional Republicana, tendo aí obtido aproveitamento e concluído, com sucesso, a sua instrução e formação, pelo que foi notificado, conjuntamente com os restantes soldados provisórios, da lista de ordenação final do Curso de Formação de Praças 2006/2007 da Guarda Nacional Republicana, no qual o autor ficou graduado no 85.º lugar” – cfr. factos 1), 2) e 3) da ampliação da matéria de facto provada. 21) Com efeito, dos factos assim provados, resulta que o autor, enquanto soldado da Guarda Nacional Republicana – isto porque, nos termos do artigo 233.º, n.º 1 do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, “o ingresso na categoria de guardas faz-se no posto de guarda, no dia seguinte à conclusão, com aproveitamento, do respetivo curso de formação – e em decorrência da anulação contenciosa da decisão de dispensa do serviço da guarda, carece de ser reintegrado nas funções/cargo que exerceria por força da retroatividade ou vigência imposta em termos de reposição do vínculo. 22) Uma vez que o autor terminou, brilhantemente, o Curso de Formação de Guardas de 2006/2007, ficando graduado no 85.º lugar, deveria o mesmo ser provido, por imposição legal, na categoria de guarda, no dia 15.05.2008, nos termos do artigo 233.º, n.º 1 do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana. 23) Contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, entendemos que a Administração está obrigada a atuar em toda a sua atividade com observância do princípio da legalidade, consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e concretizado no artigo 3.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo. 24) Com efeito, uma vez que a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e pela lei, e nos exatos termos em que elas o permitem, resulta que o Autor integraria, deste modo, os quadros da Guarda, pelo que andou mal o Tribunal a quo, quando refere, precisamente, o contrário. 25) Reiterando, sendo um ato estritamente vinculado, imponha-se dar como provado o ingresso do autor nos quadros da Guarda, retirando daí as devidas consequências, que mais não é do que a escrupulosa reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, isto é, a “correção da linha temporal” implicaria um reajustar dos parâmetros delineados, pelo que ao abrigo da mencionada tarefa, imponha-se à GNR a reconstituição natural da posição do autor, quer à luz da situação em que se encontrava antes da prática do ato invalidado, quer da situação em que deveria ter sido colocado pela prática do ato devido na altura, à luz do quadro factual e jurídico existente. 26) Como demonstrámos, a sentença recorrida padece de erro na apreciação dos factos, já que desconsidera uma realidade fática quando, na verdade, a correta apreciação dos termos da questão, nos conduzem a outra, diametralmente oposta. Concomitantemente, a sentença decide, incorretamente, a pretensão do Autor, devendo, pelos motivos expostos, ser revogada. 27) Assistiria e assiste ao Recorrente, por força da sua qualidade de guarda, “o direito à perceção dos benefícios que teria auferido entre o momento em que se começaram a produzir os efeitos do ato anulado e o momento em que sobreveio o evento que, independentemente do ato anulado, sempre teria posto termo à relação de emprego, inscrevendo-se nos deveres de reconstituição tudo o que não exige uma valoração discricionária em relação ao serviço que não se prestou», nomeadamente, «um aumento de vencimento que deva periodicamente acontecer, (…), uma passagem de escalão ou de categoria, quando isso não envolva um qualquer juízo sobre a atividade que não se prestou e que não se pode mais prestar”. 28) No caso, importa não desconsiderar que no período de tempo que decorreu entre o ato proferido pelo Comandante-Geral da GNR, em 14.05.2008, por via do qual o Recorrente foi dispensado e o momento em que aquela decisão foi declarada nula, o Recorrente esteve, por força da situação gerada pela prática do ato ilegal, impedido do exercício das suas funções de militar da Guarda e, nessa medida, não auferiu da GNR qualquer remuneração, não havendo, por conseguinte, qualquer dúvida em como essa situação é imputável aquela Entidade Administrativa. 29) Não fora a indevida dispensa do Recorrente e o mesmo não teria sido colocada na situação em que permaneceu até à presente data. Portanto, e ao invés daquilo que defende a sentença recorrida, a imputabilidade da responsabilidade de tal situação deverá recair, exclusivamente, sobre a Administração. 30) Ora, a responsabilidade pela ilegal dispensa do Recorrente, decorrente quer da recusa da prática de ato administrativo vinculado – a nomeação – quer do vício de forma por preterição da audiência prévia é, exclusivamente, imputável à GNR, na medida que foi a mesma que decidiu dispensar o autor sem cumprir todas aquelas formalidades essenciais e obrigatórias que se impunham no âmbito da tramitação do respetivo procedimento administrativo, donde resulta ser sua obrigação suportar todos os encargos resultantes do indevido afastamento, que como é percetível, jamais poderá ser imputado ao aqui Recorrente. 31) A sentença recorrida padece, ainda, de erro sobre a matéria de direito, por violação do artigo 173.º, n.º 2 do CPTA. 32) Estando em causa a execução de julgado anulatório relativo a decisão que envolve a aplicação de sanções ou a restrição de direitos, a Entidade Executada, à luz do disposto no referido artigo 173.º, n.º 2 do CPTA, não poderia proferir o ato administrativo exequendo dotado de eficácia retroativa. 33) Para o que agora nos interessa, os atos impositivos são geralmente caracterizados por “determinarem a alguém que adote uma certa conduta ou que colocam o seu destinatário em situação de sujeição a um ou mais efeitos jurídicos. 34) A ser assim, não restam dúvidas que o ato exequente visa colocar o Recorrente numa situação de sujeição a um efeito jurídico nefasto, que mais não é do que o seu afastamento da guarda ou, visto por outro prisma, pelo menos a sua sujeição à impossibilidade de aceder a tal categoria profissional. 35) Não obstante, e dentro da categoria dos atos impositivos, desvela-se, em especial, os atos punitivos, “que são aqueles que impõem a alguém uma sanção de carácter administrativo, como são, por exemplo, as sanções disciplinares internas, a que estão sujeitos por lei os funcionários públicos, que fazem parte da organização administrativa ou as sanção disciplinares externas, a que estão sujeitos por lei alguns particulares, como os alunos das escolas”. 36) Ora, desta breve resenha resulta que, independentemente do estatuto jurídico de que se parta, isto é, qualquer que seja a categoria funcional do recorrente, a verdade é que estaremos sempre perante um ato impositivo, de carácter punitivo. 37) Embora o Recorrente defenda, por força do já citado artigo 233.º, n.º 1 do Estatuto dos Militares da GNR, que este integra os quadros da Guarda (cfr. facto provado 2 e 3 da matéria de facto ampliada) – o que significaria a total improcedência do argumento esgrimido pelo Tribunal a quo – não obstante, sempre se dirá, por mera cautela e para dissipar qualquer dúvida existente, que mesmo que não se parte daquela premissa, a verdade é que se estará diante de um ato punitivo que não poderá ser dotado de eficácia retroativa. 38) Com efeito, estando provado que “o aqui autor, ingressou, como soldado provisório, no curso de Formação de Praças 2006/2007 da Guarda Nacional Republicana” – cfr. facto 1) da matéria de facto ampliada – dúvidas não restam que o Recorrente detém um título que o investe no referido “status” – que mais não é do que a categoria profissional de guarda provisório – pelo que neste específico contexto relacional de natureza jurídicoadministrativa, se encontra associado o cumprimento de deveres impostos a cujo incumprimento a própria lei faz corresponder uma sanção administrativa. 39) Dúvidas não restam, pois, que estamos perante um ato que envolve a aplicação de sanções, pelo que, nesta parte, padece de erro de julgamento a sentença recorrida. 40) E para melhor compreensão daquilo que se escreve, sempre acrescentaremos que o mero facto de o Recorrente, pela prática do ato exequendo, ver precludida a possibilidade de acesso à profissão – direito constitucionalmente protegido, nos termos do artigo 47.º da CRP – é circunstância bastante para qualificar aquele ato como restritivo de direitos, já que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho e, bem assim, todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso, pelo que o ato exequendo vem, precisamente, negar essa via de acesso. 41) O nexo causal que o Tribunal a quo estabelece entre o conteúdo da declaração de nulidade e a eficácia retroativa dos efeitos do ato exequendo, é imprestável e inoperante para sustentar seja o que for. 42) Em lugar algum do Acórdão do TCAN é dito que o Exequente está impedido ou venha a estar impedido de aceder aos quadros da Guarda, nem, por maioria de razão, a improcedência do erro sobre os pressupostos de facto e de direito impedem ou obstaculizam tal pretensão material. 43) Com efeito, o facto de ser declarado nulo o ato que procedeu à dispensa do serviço da Guarda, por preterição do direito de defesa, em articulação com a realidade fáctica, é causa suficiente para dotar o Recorrente de título jurídico bastante para sustentar a sua pretensão executiva, já que a violação do direito de defesa – não mero formalismo legal – tem pelo menos a capacidade invalidante do ato (nulidade), na medida em que visa proteger, precisamente, interesses materiais dos particulares, assumindo uma função instrumental em face destes. 44) No fundo, “as normas de legalidade externa podem, regra geral, ser consideradas como normas de proteção, no sentido publicístico do termo, delas resultando, portanto, direitos subjetivos públicos”. 45) Significa que a “atuação agressiva da Administração com base num ato inválido (e postumamente anulado com eficácia ex tunc) é uma atuação sem título, ilegítima. “Nestes casos existe, portanto, não só uma ilicitude instrumental, mas também uma verdadeira ilicitude material, porquanto a posição jurídica material do particular está a ser diretamente lesada pela execução de um ato administrativo inválido, e, porque inválido, incapaz de conferir suporte jurídico a essa ingerência”. 46) E porque a sentença do Tribunal Central Administrativo Norte não nega a pretensão material do Autor, entende o Recorrente que as normas que impõem o dever de audiência prévia não se destinam a tutelar, unicamente, os seus interesses processuais, antes se podendo ver, também, em tais preceitos, ainda que indiretamente, como reportados à posição jurídico-material do Autor, é assim possível identificar a violação das posições jurídicas subjetivas de responsabilização das normas em causa, que as ilegalidades em causa se não situem puramente na zona de proteção instrumental”. 47) Por outro lado, também não se percebe de que modo é que a não procedência do erro sobre os pressupostos de facto inviabiliza a pretensão material do Recorrente. A este respeito, a sentença não demonstra o seu percurso cognitivo e ponderativo, limitando-se apenas a tecer um nexo causal que não se vislumbra, de modo algum, capaz de sustentar a improcedência da presente ação. Ou seja, e salvo o devido respeito, dizer que a não procedência do erro sobre os pressupostos de facto permite dotar o ato exequendo de eficácia retroativa é não dizer nada. 48) O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte declara a nulidade do ato, precisamente, por estar em causa a aplicação de uma “sanção administrativa”. Como se sabe, a violação do direito de audiência prévia apenas tem como desvalor jurídico a mera anulabilidade, apenas se excecionando tal regra nos procedimentos de carácter punitivo, cujo o direito de defesa ganha dimensão constitucional e a sua violação é sancionada com o desvalor jurídico da nulidade, como é percetível no presente caso. 49) A seguir o entendimento da sentença recorrida, teríamos, no fundo, a retificação de um ato declarado nulo, o que se afigura proibido, à luz do artigo 164.º, n.º 2 do CPA. 50) Tratando-se a retificação de um ato administrativo secundário ou de segundo grau que incide sobre um ato primário ferido de ilegalidade e cujo objeto é a supressão desta mesma ilegalidade através de um novo ato administrativo praticado sem as ilegalidades daquele, suprindo-as totalmente, facilmente se constata que a tese defendida pelo Tribunal a quo leva a resultados perniciosos e ilegais, pois está a dar cobertura judicial a um Despacho que apenas se preocupa em sanar o vício formal de que o ato primário padecia, defraudando, consequentemente, o resultado material da originária anulação judicialmente decretada – cfr. artigos 179.º n.º 2 e 167.º n.º 1, ambos do CPTA. 51) Assim, mantendo-se ilegitimamente a situação anterior, subverte-se o resultado visado no processo anulatório. 52) Aqui chegados, importa, determinar como, no caso concreto, se processa a reconstituição da situação que existiria se o ato administrativo anulado não tivesse sido praticado, ou seja, como se pode realizar a reconstituição da situação atual hipotética. 53) Ora, uma vez que operamos no quadro de re- exercício do poder administrativo impositivo efetuado em sede de execução de acórdão anulatório, visando-se, através do mesmo, o operar da reintegração da ordem jurídica que havia sido violada, é imperioso frisar que esta atuação seja realizada de harmonia, nomeadamente, com a aplicação conjugada do que se mostra disposto no artigo 173.º, n.º 2 do CPTA, no artigo 156.º, n.º 2, al. c) e no artigo 172.º, n.º 2 do CPA. 54) O artigo 173.º, n.º 2 do CPTA, ao estabelecer que a “Administração não pode praticar atos administrativos dotados de eficácia retroativa quando estejam em causa, nomeadamente, atos sancionatórios, visa impedir que, através de um ato «renovatório», produzido em sede de execução do julgado anulatório, possa-se lograr obter uma cobertura válida reportada ao passado, eliminando os prejuízos que tenham advindo ou sido produzidos ao destinatário pelo ato primário ilegal, pondo, mormente, em causa o princípio da irretroatividade dos atos agressivos e impositivos e do qual decorre a proibição da retroatividade de atos que, na sequência da anulação, a Administração venha a praticar com conteúdo sancionador renovando o ato punitivo anulado”. 55) Portanto, quando a anulação incida sobre atos desfavoráveis – como já vimos que é – embora o novo ato mantenha o conteúdo decisório do ato anulado, às consequências extraídas da anulação somente pode ser atribuída eficácia para o futuro, por força do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 172.º do CPA e na primeira parte do n.º 2 do artigo 173.º do CPTA. 56) E idêntico entendimento, ou seja, de que a decisão punitiva proferida na sequência de outra anterior, anulada contenciosamente, produz efeitos apenas para o futuro, não tendo, pois, efeitos retroativos, foi firmado em aplicação e por referência ao regime constante do artigo 128.º do anterior CPA, nomeadamente, nos Acórdãos do STA de 14.02.1995, processo n.º 036265, de 04.05.1995, processo n.º 023405, de 17.06.2003, processo n.º 0750/03 e ainda no de 02.07.2008, processo n.º 01328A/03. 57) Com efeito, o novo ato administrativo, embora mantenha o conteúdo decisório do ato anulado, não poderá ser dotado de eficácia retroativa. 58) Nas situações de re - exercício do poder disciplinar em execução de julgado anulatório, como é o caso, “o ente executado, face ao estipulado no quadro normativo em presença, podendo praticar um novo ato disciplinar punitivo, com e através do qual procede à regulação de novo da situação jurídica, apenas o poderá fazer com efeitos para o futuro, e nunca com efeitos retroativos, sob pena de frustração da reintegração da legalidade violada. Na verdade, a entender de modo diverso, tudo se passaria como se o ato punitivo ilegal anulado continuasse a produzir efeitos desde a data da sua emissão, tornando não só inútil a sua impugnação contenciosa e a própria decisão judicial que a havia julgado procedente, como também desprovida de uma efetiva sanção jurídica a ilegalidade cometida e, bem assim, não reparada a lesão dos direitos e interesses do exequente, aqui recorrido, e isso quando o ato punitivo anulado já não poderia ser convalidado e os seus efeitos jurídicos não poderiam ser aproveitados já que a tal obstavam a pronúncia judicial proferida e aquilo que são as suas consequências em decorrência do seu efeito constitutivo”. 59) Não obstante, a verdade é que, a este respeito, a sentença recorrida defende que “a situação dos presentes autos é distinta da constante do Acórdão, invocado pelo Exequente, do Supremo Tribunal Administrativo de 05.07.2018 (proc. nº 01082/16). 60) Ora, uma vez mais, a sentença recorrida labora em erro de apreciação. É que, na verdade, a sentença acaba por sobrecarregar, ilegitimamente, com o ónus do não acesso à profissão, a posição processual do autor, quando, efetivamente, deveria ser sobre a Entidade Recorrida que tal encargo deve ser dirigido ou aportado, já que foi a Administração que deu causa ao ato ilegal, prejudicando o aqui Recorrente. Bem vistas as coisas, caso a GNR não praticasse o ato ilegal, ou melhor, caso procedesse ou agisse de acordo com o bloco de legalidade a que estava obrigada, o autor seria, certamente, nomeado guarda, exerceria o seu direito de defesa e, possivelmente, não seria dispensado da guarda. Com efeito, decidindo de modo diverso, a Administração acabou por exercer a sua competência de modo ilegal, vindo a mostrar-se materialmente ilegítima a sua conduta, pelo que, consequentemente, é sobre ela que deverá recair a responsabilidade por tais factos. 61) Nestes termos – não podem ser outros, permita-nos a franqueza – temos que sobre a Administração, no caso, sobre a GNR, impendia e impende o correspondente dever de prestar, o dever de cumprir todas as prestações que seriam devidas ao autor, nomeadamente, as retributivas, tanto mais que o incumprimento da contraprestação por parte daquele se deveu a facto imputável à Administração, pois tornou impossível ao funcionário a prestação do serviço. 62) Em observância, assim, do critério da reconstituição atual hipotética, assistiria e assiste ao autor, por força da sua qualidade de guarda, “o direito à perceção dos benefícios que teria auferido entre o momento em que se começaram a produzir os efeitos do ato anulado e o momento em que sobreveio o evento que, independentemente do ato anulado, sempre teria posto termo à relação de emprego, inscrevendo-se nos deveres de reconstituição tudo o que não exige uma valoração discricionária em relação ao serviço que não se prestou», nomeadamente, «um aumento de vencimento que deva periodicamente acontecer, (…), uma passagem de escalão ou de categoria, quando isso não envolva um qualquer juízo sobre a atividade que não se prestou e que não se pode mais prestar”. 63) Pelo exposto, e no cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 173.º do CPTA deve a GNR praticar todos os atos jurídicos e materiais necessários à reconstituição plena do status quo ante do autor, traduzindo-se esta na obrigação de proceder ao pagamento das quantias que lhe são devidas. 64) Sendo esta a melhor leitura do quadro legal subjacente ao objeto do litígio, resulta claro que deve o tribunal reconhecer o direito do Autor como integrado no serviço da Guarda e, consequentemente, condenar a GNR a pagar ao autor a quantia de € 91.487,53 (noventa e um mil, quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta três cêntimos) pelos vencimentos que deixou de auferir em virtude da prática do acto punitivo ilegal. 65) É que, tendo o autor auferido o rendimento global, compreendido entre 14.05.2018 e 03.09.2021, de € 117.883,31 (cento e dezassete mil, oitocentos e oitenta e três euros e trinta um cêntimos), contraposto ao valor de € 209.370,84 (duzentos e nove mil, trezentos e setenta euros e oitenta e quatro cêntimos) que, efetivamente, auferiria enquanto soldado da Guarda Nacional Republicana, no mesmo período temporal, resulta um saldo diferencial de rendimentos de € 91.487,53 (noventa e um mil, quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta três cêntimos), cujo autor deixou de perceber, mas que no fundo lhe são legalmente devidos. Nestes termos, e nos que V. Ex.ª muito doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a Sentença recorrida nos termos referidos, com as legais consequências.» 1.6. O MAI contra-alegou, mas não formulou conclusões. 1.7. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso. 1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos senhores juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO. 2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT. Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”. 2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN reconduzem-se a saber: b.1.se o saneador-sentença recorrido enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto por manifesta insuficiência na fixação de factos essenciais alegados e provados pelo Exequente, decorrente de um errado enquadramento do âmbito da ação executiva; b.2. se o saneador sentença- recorrido enferma de erro de julgamento em matéria de direito por ter considerado que a sentença exequenda se tem de considerar como executada com a notificação do Apelante para o exercício do direito de audiência prévia e com a renovação do ato anulado, com o mesmo conteúdo. * III. FUNDAMENTAÇÃO A.DE FACTO 3.1. A 1.ª Instância deu como provada a seguinte factualidade: «1. Em 22.01.2021, nos autos do processo nº 2601/08.0BELSB, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte, do qual consta, entre o mais, o seguinte [cf. documento constante do proc. nº 2601/08.0BEVIS, consultado no SITAF]: “(…) II – Objeto do recurso As questões suscitadas pelo Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consistem em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado que o ato administrativo se encontra deficientemente fundamentado; ao integrar o conceito “processo pendente em Tribunal”, reduzindo-o à situação de já ter sido deduzida acusação em processo crime; por ter considerado que foi violado o dever de audiência prévia e por ter considerado o procedimento administrativo, que conduziu à dispensa do Recorrido do curso de formação de guardas, num procedimento sancionatório. III – Fundamentação de Facto Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: A) Em 3 de março de 2005, no posto de ... da subunidade GRUTER ..., do destacamento de ..., da Brigada n.º 5 da Guarda Nacional Republicana, “foi comunicado ao denunciado [«AA»] ... que deve considerar-se arguido nos autos acima identificados [1568/04....] [cfr. termo de constituição de arguido que faz fls. 102 dos autos] B) Em 11 de dezembro de 2006 o Autor preencheu o formulário de candidatura ao curso de formação de praças onde declarou: (i) não ter respondido em Tribunal; (ii) não ter processo pendente em Tribunal; (iii) não ter beneficiado de amnistia [cfr. requerimento de candidatura que faz fls. 3 do procedimento administrativo apenso aos autos] C) Em 23 de agosto de 2007 foi elaborado ofício no âmbito do processo 1569/04...., dirigido ao Autor, visando a sua notificação da dedução Tribunal Administrativo e Fiscal de ... 6/42 contra si de acusação [cfr. ofício que faz fls. 81 do procedimento administrativo apenso aos autos] D) Em 28 de novembro de 2007 expedido pelo TJ de ... ofício, no âmbito do proc.º 1569/04...., comunicando-lhe para comparecer em juízo no dia 13/02/2008 e de “todo o conteúdo do despacho que recebe a acusação / pronúncia [datado de 7/11/2007] e designa dia para julgamento, cuja cópia se junta, acompanhado da cópia da respetiva acusação / pronúncia” [datada de 20/07/2007] [cfr. notificação que faz fls. 8 e 15 do procedimento administrativo apenso aos autos] E) Em 3 de Dezembro de 2007 o Autor foi notificado do teor dos art.º 2.º e 19.º do Regulamento do Curso de formação de Praças tendo este declarado ficar ciente que se omitisse o dever de informar ou o fizesse recorrendo a falsas declarações incorria na sanção prevista na alínea f) do n.º 1 do art.º 19.º e que era arguido em processo judicial pendente [cfr. notificação e declaração que fazem fls. 4 e 5 do procedimento administrativo apenso aos autos] F) Em 13 de março de 2008 o Tribunal Judicial de Viseu informou o Centro de Formação da GNR que se encontrava a decorrer a audiência de julgamento do proc.º 1569/04.... [cfr. ofício que faz fls. 7 do procedimento administrativo apenso aos autos] G) Em 14 de Maio de 2008 o Autor apresentou a seguinte declaração: “Eu «AA», Soldado Provisório n.º. 30/2070572, declaro que fui constituído arguido referente ao processo n.º 1669/04..... No dia 18 de Outubro de 2004, eu e mais dois amigos, «BB» e «CC», abordamos um grupo com o intuito de sabermos quem tinha estragado um “grafite” que com prévia autorização era legal. Sem que nada o fizesse prever um dos elementos do grupo, nomeadamente o «DD», que é o que deduz acusação, começou a falar em tons desmedidos a esboçar gestos agressivos. Neste sentido, temendo pela minha integridade física, afastei-o com um empurrão, tendo de seguida o «CC» lhe dado uma bofetada e o «BB» uma cabeçada. Neste sentido, fui constituído arguido, estando o julgamento já em curso. No dia 28 de Abril de 2008, serão ouvidas as testemunhas de defesa, sendo que as testemunhas de acusação foram ouvidas no dia 05 de Março de 2008.” [cfr. declaração que faz fls. 6 do procedimento administrativo apenso aos autos] H) Em 14 de maio de 2008 foi proferido despacho concordante com a seguinte proposta: “1. SITUAÇÃO Através da nota em ref.ª a EG enviou a esta Chefia uma declaração respeitante ao Soldado Provisório n.º 70572 - «AA», a frequentar o CFP 2006/2007, onde o mesmo declara que é arguido no processo com o NUIPC 1569/04...., por um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de ameaças, na forma continuada. 2. ANÁLISE a) O Soldado Provisório n.º 2070572 - «AA», do CFFF/EG concorreu ao Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Praças 2006/2007, tendo superado todas as provas com êxito, facto que lhe permitiu ser incorporado para a frequência do referido curso; b) Aquando da formalização da sua candidatura, ao concurso supracitado, o referido militar, nada declarou acerca de que sobre ele impendia um processo crime (doc. ...); c) Durante a prestação da prova documental, que teve lugar em 03AGO07, o mesmo nada declarou acerca de que sobre ele recaísse algum processo judicial; d) O mesmo foi incorporado em 03DEC07, tendo declarado na mesma data e ao abrigo do nº 4 do Artº 2º do Regulamento do Curso de Formação de Praças, que era arguido no processo com o NUIPC 1569/04...., por um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de ameaças, na forma continuada (doc....); e) Ora, sendo que os factos de que vem acusado remontam, segundo as suas declarações a 18OUT04 e que o Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Praças 2006/2007 só abriu em 04DEC06, podemos concluir que foi com intenção de omitir e agindo sob má-fé que o mesmo nada declarou no seu requerimento de candidatura, quanto ao processo-crime que sobre si impendia, levando assim a que esta Guarda o admitisse ao CFP com base num pressuposto erróneo; f) Assim e com tal conduta, não deu o mesmo provas de poder vir a ser um militar e agente de autoridade disciplinado, competente, digno e respeitado; g) A alínea e) do nº 1 do Art.º 19º do Regulamento do Curso de Formação de Praças, prevê que os Soldados Provisórios poderão ser eliminados do CFP, por despacho do Comandante-Geral, nos termos do nº 1 do Artº 278º do EMGNR (doc. ...); h) O nº 1 do Artº 278º do EMGNR prevê que o soldado provisório que não evidencie as qualidades referidas em f) seja imediatamente dispensado do serviço (doc. ...); 3. PROPOSTA Face ao exposto, esta Chefia é de parecer que, o mesmo seja eliminado do Curso de Formação de Praças 2006/2007 e simultaneamente dispensado do serviço da Guarda, nos termos e com os fundamentos exarados na proposta de despacho em anexo à presente informação”. [cfr. despacho e proposta que fazem fls. 1 e 2 do procedimento administrativo apenso aos presentes autos] I)Em 14 de maio de 2008 foi proferido despacho de dispensa da GNR com o seguinte teor: “A coberto da informação nº ...94, datada de 18ABR08, a Chefia do Serviço de Pessoal, vem submeter à consideração do Comando da Guarda a proposta de eliminação do Curso de Formação de Praças 2006/2007, respeitante ao Soldado Provisório nº 2070572 - «AA». Assim, e atenta a factualidade descrita e a fundamentação aduzida na presente informação, considero eliminado do Curso de Formação de Praças 2006/2007 o Soldado Provisório nº 2070572 - FÁBIO ANDRÉ SOBREIRA PEREIRA DA Tribunal Administrativo e Fiscal de ... 9/42 SILVA, ao abrigo da alínea c) do nº 1 do Artº 19º, conjugado com o nº 1 do Artº 20º, ambos do Regulamento do Curso de Formação de Praças, aprovado por despacho de 29MAI06, em virtude de, aquando da formalização da sua candidatura ao Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Praças 2006/2007, ter recorrido a falsas declarações, declarando que não tinha qualquer processo judicial pendente, facto que não correspondia à verdade, vindo só mais tarde e durante o CFP a declará-lo voluntariamente. Com tal conduta, não deu provas de poder vir a ser um militar e agente de autoridade disciplinado, competente, digno e respeitado. Por tais motivos é o mesmo dispensado do serviço da Guarda Nacional Republicana, nos termos do n.º 1 do Art.º 278º, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Dec. Lei n.º 265/93 de 31 de Julho.” [cfr. despacho que faz fls. 31 do procedimento administrativo apenso aos presentes autos] J) Em 28 de maio de 2008 foi proferida sentença pelo Tribunal Judicial de ... absolvendo o Autor da prática de crime de ofensa à integridade física simples e do crime de ameaça sob a forma continuada, [cfr. sentença que faz fls. 65 a 80 do procedimento administrativo apenso aos autos] K) Não consta do procedimento administrativo que previamente à decisão constante no facto «I» o Autor tenha sido ouvido a qualquer título, constando apenas a declaração referida no facto «G» [cfr. resulta do cotejo do procedimento administrativo apenso aos autos] IV – Fundamentação de Direito «AA» vem intentar ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, impugnando o despacho do Comandante Geral da GNR de 14/05/2008 que o eliminou do Curso de Formação de Praças 2006/2007 e o dispensou do serviço daquela Guarda. A sentença julgou procedente a ação, considerando verificados os vícios imputados pelo Autor ao ato impugnado. O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA vem interpor recurso jurisdicional da sentença, imputando-lhe erro de julgamento por ter considerado que o ato administrativo se encontra deficientemente fundamentado; ao integrar o conceito “processo pendente em Tribunal”, reduzindo-o à situação de já ter sido deduzida acusação em processo crime; por ter considerado que foi violado o dever de audiência prévia e por ter considerado o procedimento administrativo, que conduziu à dispensa do Recorrido do curso de formação de guardas, num procedimento sancionatório. Do erro de julgamento por a sentença ter considerado que o ato impugnado se encontra deficientemente fundamentado: Na sentença recorrida pode ler-se o seguinte: “Como decorre do teor dos articulados, na génese do presente litígio encontra-se a decisão sancionatória de expulsão do Autor do curso de formação de praças da Guarda Nacional Republicana com fundamento na circunstância do Autor ter prestado falsas declarações no âmbito do processo de candidatura, nomeadamente ter declarado não ter processo pendente em Tribunal. Conforme decorre do cotejo do processo administrativo, e dimana do probatório, a GNR estribou tal conclusão no seguinte itinerário cognoscitivo: “a) O Soldado Provisório n.º 2070572 - «AA», do CFFF/EG concorreu ao Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Praças 2006/2007, tendo superado todas as provas com êxito, facto que lhe permitiu ser incorporado para a frequência do referido curso; b) Aquando da formalização da sua candidatura, ao concurso supracitado, o referido militar, nada declarou acerca de que sobre ele impendia um processo-crime (doc. ...); c)Durante a prestação da prova documental, que teve lugar em 03AGO07, o mesmo nada declarou acerca de que sobre ele recaísse algum processo judicial; d) O mesmo foi incorporado em 03DEC07, tendo declarado na mesma data e ao abrigo do nº 4 do Artº 2º do Regulamento do Curso de Formação de Praças, que era arguido no processo com o NUIPC 1569/04...., por um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de ameaças, na forma continuada (doc....); e) Ora, sendo que os factos de que vem acusado remontam, segundo as suas declarações a 18OUT04 e que o Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Praças 2006/2007 só abriu em 04DEC06, podemos concluir que foi com intenção de omitir e agindo sob má-fé que o mesmo nada declarou no seu requerimento de candidatura, quanto ao processo-crime que sobre si impendia, levando assim a que esta Guarda o admitisse ao CFP com base num pressuposto erróneo; f)Assim e com tal conduta, não deu o mesmo provas de poder vir a ser um militar e agente de autoridade disciplinado, competente, digno e respeitado; (...)” É contra a decisão de dispensa da GNR alicerçada nesta proposta inicial que o Autor se insurge, apontando ao ato decisório os seguintes vícios: i. Vício de forma por falta de fundamentação que permitisse ao Autor perceber, com suficiência, as razões de facto e de direito que motivaram a GNR a decidir naquele sentido; ii. Erro quanto aos seus pressupostos de facto, em razão da acusação ser ulterior à sua prestação de declarações; iii. Violação do dever de audição prévia; Cumpre apreciar. Se bem compreendemos a alegação do Autor, este aponta ao ato impugnado o vício de falta de fundamentação substancial (e não formal) porquanto aduz que não é possível perceber em que é que o decisor se baseou para considerar que tinham sido prestadas falsas declarações. Não está assim em causa o cumprimento formal da obrigação de fundamentar o ato decisório, porquanto o seu sentido e motivação são percetíveis ao destinatário médio mas sim como os factos invocados na fundamentação permitem chegar à conclusão subjacente ao ato decisório. Ora, perscrutada a fundamentação supra emerge que é imputado ao Autor que: (i) não declarou a existência do processo no formulário de candidatura (Dez / 2006); (ii) o mesmo ocorrendo aquando da prestação de provas (Ago / 2007); (iii) Em Dez / 2007 declarou ser arguido; (iv) os factos de que vem acusado remontam a 2004. São estes os factos que levaram a GNR à conclusão “que foi com intenção de omitir e agindo sob má-fé que o mesmo nada declarou no seu requerimento de candidatura, quanto ao processo-crime que sobre si impendia”. Os quais são manifestamente insuficientes para alicerçar qualquer conclusão relativamente à prestação de declarações faltas e, muito menos, dolosas e sob má-fé. Desde logo porque o procedimento administrativo sancionatório é absolutamente omisso quanto à data em que o Autor teve conhecimento de que contra ele corria um processo. A circunstância aduzida na contestação do processo ser do ano de 2004 e, por isso, a constituição como arguido ser pretérita à prestação das declarações, não é suscetível por si só de demonstrar esse facto, quando muito constitui um indício que estas poderiam não corresponder à verdade. Sendo certo que tal argumentação apenas foi expendida em sede de contestação e não previamente à prolação do ato impugnado. Acresce que não se pode dizer que a averiguação de tal circunstância (a data de constituição como arguido) era demasiado onerosa ou difícil bastando que tivesse sido solicitada essa informação ao Tribunal. Assiste, assim, razão ao Autor ao afirmar que o ato encontra-se deficientemente fundamentado quanto à demonstração da falsidade das declarações.” Fim da transcrição. A sentença faz alguma confusão entre os conceitos de dever de fundamentação formal e de dever de fundamentação material do ato administrativo, analisando erradamente o segundo conceito à luz dos pressupostos do primeiro. Como ensina Vieira de Andrade in “O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos”, Almedina, 1991, pág. 231 “… o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos susceptíveis de suportar uma decisão legítima quanto ao fundo”. Assim, em sede de observância do dever de fundamentação, na sua dimensão formal, cumpre aferir se a administração externou as razões de facto e de direito que a levou a decidir como fez. O artigo 268º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa consagra o dever geral de fundamentação expressa e acessível dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos ao dispor que “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. Segundo preceitua o artigo 125º do CPA, aplicável ao tempo, a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto. Conforme vem decidindo a jurisprudência, a fundamentação é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, porém só é suficiente quanto permite a um destinatário aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autos do ato para proferir a decisão. Assim, há suficiência de fundamentação quando um destinatário normal, colocado na situação do real destinatário, apreender as razões de facto e de direito por que o autor do ato atuou como atuou. Regressando ao caso em apreço, e perscrutado o conteúdo dos factos provados em H) e I) constata-se daí que o ato impugnado nos presentes autos cumpre as exigências de fundamentação legalmente impendentes sobre o mesmo. Do mesmo constam, de forma clara e expressa, os pressupostos de facto e de direito que sustentam a decisão tomada pelo Comandante Geral da GNR, que, em síntese, se baseiam na circunstância de o Autor ter prestado falsas declarações no âmbito do processo de candidatura, nomeadamente por ter declarado não ter processo pendente em Tribunal. Do mesmo modo, o ato impugnado também não apresenta qualquer desconformidade lógicodiscursiva intrínseca que o coloque numa situação de contradição nos termos ou de paradoxo entre as premissas e a conclusão.Daí que não se possa concluir de outra forma que não a de que o ato impugnado nos presentes autos se encontra devidamente fundamentado, cumprindo as exigências formais de fundamentação para a emissão de tal acto administrativo. O que de resto a sentença recorrida reconhece. Coisa diferente, e já atinente à dimensão material da fundamentação, que é saber se o ato impugnado está viciado de erro nos pressupostos de facto e de direito, se os fundamentos mobilizados para sustentar o conteúdo do acto estão errados ou não. Também nesta dimensão o ato não padece de vício. Pois o ato sustentou-se na circunstância de o Autor, ora Recorrido, ter declarado aquando da sua candidatura ao curso de formação de Praças, que não tinha qualquer processo judicial pendente, facto que não correspondia à verdade. E por isto, o ato concluiu que o Recorrido incorreu em falsas declarações. E os factos nos quais se estriba esta fundamentação encontram-se dados como assentes nos autos. Veja-se o facto provado em A) onde se lê: “Em 3 de março de 2005, no posto de ... da subunidade GRUTER ..., do destacamento de ..., da Brigada n.º 5 da Guarda nacional Republicana “foi comunicado ao denunciado («AA») …que deve considerar-se arguido nos autos acima identificados (1568/04).” E veja-se o facto provado B) onde se lê “Em 11 de dezembro de 2006 o Autor preencheu o formulário de candidatura ao curso de formação de praças onde declarou: (…) (ii) não ter processo pendente em Tribunal (…).” E, por último, o facto C) onde se lê: “Em 23 de agosto de 2007 foi elaborado ofício no âmbito do processo 1569/04...., dirigido ao Autor, visando a sua notificação da dedução contra si de acusação”. Entronca agora aqui outra questão que se prende com a que está em análise, que é a de saber se existe erro de julgamento da sentença ao integrar o conceito “processo pendente em Tribunal”, reduzindo-o à situação de já ter sido deduzida acusação em processo crime. A sentença discorreu, a este respeito, designadamente, o seguinte: “No que tange ao erro quanto aos pressupostos de facto, é mister ter presente que a questão que é colocada no formulário de candidatura era “tem processos pendentes em Tribunal? Se respondeu sim, indicar obrigatoriamente o motivo”, a que o Autor respondeu “Não”. O conceito de “processo pendente em Tribunal” não é unívoco, sendo apto a múltiplas interpretações. Ter “processo pendente” pode pretender averiguar se o inquirido é Réu em algum processo mas também pode ser interpretado no sentido de ser autor, assistente, contrainteressado ou arguido. Mesmo a própria circunstância de ser “Réu” é distinta caso o processo seja do foro criminal, civil, administrativo ou fiscal. Por Tribunal pretender-se-ia referir apenas a jurisdição comum ou incluir-se-ia também a Administrativa e Fiscal ou mesmo a Eclesiástica ou Arbitral? Acresce que, se atentarmos no formulário referido no facto «E» as hipóteses de respostas nele previstas para a circunstância de ter processo pendente eram de “(i) Arguido; (ii) Lesado; (iii) Testemunha; (iv) Outra: ___”, não se vislumbrando a relevância de saber que o inquirido tinha processo em Tribunal como lesado (em regra nesses casos seria o Autor desse processo) e sendo, no mínimo, questionável que ter sido arrolado como testemunha em processo judicial integre o conceito de “ter processo pendente”. A circunstância da questão ser apta a diversas interpretações, todas elas plausíveis e razoáveis, não permite afirmar que a declaração do Autor era falsa mas apenas, inexata se interpretada a questão de modo a incluir também a circunstância de ser Arguido e sem que contra ele tivesse sido ainda deduzida acusação. A constituição como Arguido no âmbito de processo-crime não é sinónimo de ter sido contra ele deduzida acusação, proferido despacho de pronúncia ou decisão de condenação penal como in casu, se veio a verificar com a absolvição do Autor.” Fim da transcrição. Acolhemos aqui as palavras do Exm.º Magistrado do Ministério Público vertidas no seu Parecer junto deste TCAN: “Ter processo pendente significa, em linguagem de leigos, de homem comum, tão só ser parte num processo, autor ou réu, o que é perceptível pelo comum dos mortais. E que não pode deixar de ser perceptível por quem era arguido”. Se no formulário de candidatura era questionado aos candidatos se tinham algum processo pendente em Tribunal, sem qualquer especificação ou concretização, deve entender-se, todo e qualquer processo que tendo-se iniciado, ainda não tenha sido objeto de uma decisão transitada em julgado. Não pode, pois, o tribunal a quo interpretar a questão em causa, formulada de modo geral e global, a todos os candidatos no procedimento concursal, restringindo o seu âmbito aos casos em que já exista uma acusação. Portanto, os fundamentos mobilizados para sustentar o conteúdo do ato não estão errados. Pelo que o ato impugnado não está enfermado do vício de falta de fundamentação, nem na sua dimensão formal, nem na sua dimensão material. Nestes termos, reconhece-se assistir razão ao Recorrente, quanto a estas questões. Do erro de julgamento por a sentença ter considerado que foi violado o dever de audiência prévia e por ter considerado o procedimento administrativo, que conduziu à dispensa do Recorrido do curso de formação de guardas, num procedimento sancionatório. Na sentença recorrida pode ler-se o seguinte: “No que tange à violação do direito de audição prévia. De harmonia com o disposto n.º 4 do Regulamento do curso de formação de praças, aprovado pelo despacho n.º ...6... (constante de fls. 4 do procedimento administrativo apenso), “os soldados provisórios com processos judiciais pendentes devem também declará-lo no momento da incorporação, referindo a posição processual nos mesmos”. Prevê o art.º 19.º do mesmo Regulamento que: “1. Os soldados provisórios poderão ser eliminados do CFP, por despacho do comandante geral, pelos seguintes motivos: (...) f. Omissão do dever referido nos n. os 1 e 4 do art.º 2.º ou o fizer recorrendo a falsas declarações (...) 2. O soldado provisório incurso em qualquer das circunstâncias eliminatórias constantes nas alíneas do número anterior é imediatamente suspenso das atividades de instrução e aguarda no seu domicílio a decisão de eliminação. Para efeitos administrativos, considerar-se-á como data da eliminação do curso a data da notificação da decisão (...)”. Dispunha o n.º 1 do art.º 278.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93 de 31/07 que “o soldado provisório que não dê provas de poder vir a ser militar e agente de autoridade disciplinado, competente, digno e respeitado é, mediante proposta fundamentada do comandante da unidade, imediatamente dispensado do serviço.” Dispunha à data o art.º 100.º do CPA, então vigente que “Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”, prevendo-se, ainda, a possibilidade desta ser afastada nos casos de em que a decisão seja urgente ou a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão (entre outros). Cumpre decidir. O art.º 19.º do Regulamento do curso de formação de praças (Despacho n.º ...6... n.º 11) não estabelece a necessidade de audição prévia do interessado. Todavia, importa ter presente que tal Regulamento é um regulamento administrativo, aprovado por despacho, não podendo, consequentemente, sobrepor-se à lei. A estatuição de que “o soldado provisório que não dê provas de poder vir a ser militar e agente de autoridade disciplinado, competente, digno e respeitado é, mediante resposta fundamentada do comandante da unidade, imediatamente dispensado do serviço”, não afasta a aplicabilidade do dever de este ser ouvido antes da tomada da decisão. Acresce que, in casu, a decisão de dispensa não revelava qualquer necessidade de urgência, nem se mostrava comprometido o efeito útil da decisão. Na interpretação dos preceitos, o intérprete deve seguir as regras constantes do art.º 9.º do Código Civil mas, sobretudo, deve dar uma interpretação à norma que seja compatível com os desígnios e princípios constitucionalmente estabelecidos. In casu, a interpretação do preceito deve ser efetuada à luz do disposto no n.º 5 do art.º 267.º do Constituição que prevê a possibilidade de participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito e do n.º 1 do art.º 20.º que proíbe a indefesa. Do cotejo do procedimento administrativo, para além da declaração ínsita no facto «G» e sem que seja conste qualquer diligência que permita perceber a sua génese, previamente à decisão de expulsão do curso inexiste qualquer diligência administrativa que (i) levasse ao conhecimento do Autor que lhe tinha sido instaurado procedimento sancionatório por falsas declarações; (ii) este fosse ouvido quanto ao seu teor; (iii) tivesse tido oportunidade de se pronunciar quanto à intenção de o excluir do curso e da GNR. Este procedimento visando a exclusão do Autor do curso de formação de praças tem, manifestamente, um caráter sancionatório. Considera-se, assim, que o Autor tinha o constitucional direito de se defender naquele procedimento, nomeadamente aduzindo as suas razões para as declarações que prestou. Acresce que, mesmo que naquele se viesse a considerar que aquelas não correspondiam à verdade, impunha-se que fosse efetuada uma avaliação ponderada dos seus argumentos e, em função de todas as circunstâncias relevantes, aferido se o comportamento de quem foi absolvido da acusação que contra si foi deduzida, era merecedor um desvalor tão significativo que era de modo a impedir a relação funcional. Em face do exposto, Considera-se que a existência de audição prévia do Autor não podia ser dispensada, não sendo a formalidade possível de degradar-se em não essencial, não só pelo caráter sancionatório do procedimento mas também pela possibilidade de modificação do teor / sentido da decisão proferida. Pese embora com referência a Estatuto da GNR e Regulamento do curso de formação distintos, também assim entendeu o venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no proc.º 11329/14 (disponível em dgsi.pt) e onde se afirmou (sumário): “I – A suspensão de um “Guarda Provisório” do Curso de Formação de Guardas reúne as caraterísticas de uma “medida provisória” (artigo 84.º do CPA), que, no caso, estava sujeita a audiência prévia do interessado, uma vez que não se verificavam quaisquer razões de urgência ou de necessidade de salvaguarda de interesses eventualmente incompatíveis com a audiência prévia. II – Ainda que venha a ser ouvida antes da decisão final de exclusão do curso, a interessada tem também que ser ouvida previamente à decisão de suspensão do curso, que não constitui um ato “preparatório” da decisão final, mas antes tem pressupostos distintos e é suscetível de provocar “ lesões de interesses autonomamente reparáveis”.. Salienta-se que aquela decisão do venerando Tribunal respeita a um caso em que foi concedida pela GNR oportunidade à visada de se pronunciar antes da decisão final de afastamento. Em face do exposto, Julga-se verificado o vício de preterição de audição prévia invocado pelo Autor.” Fim da transcrição. A respeito desta questão, concordamos com a sentença recorrida e acompanhamos também a posição tomada pelo Exm.º Magistrado do Ministério Público, no Parecer que emitiu junto deste TCAN, que passamos a transcrever e cuja fundamentação acolhemos: “Já no que diz respeito à verificada omissão da audiência prévia, que o recorrente aceita não ter havido mas a considera como mera irregularidade administrativa, cremos que a mesma não pode deixar de ter in casu um efeito invalidante. Efectivamente estamos perante um procedimento em que, perante uma falta do formando, consubstanciada na prestação de declarações falsas, o comando da GNR o penaliza com a imediata exclusão do curso. E dizemos penaliza porque tal exclusão tem um efeito verdadeiramente sancionatório. A aplicação de sanções não se restringe exclusivamente ao domínio penal ou contraordenacional. O domínio sancionatório é mais vasto, e abrange, por exemplo, também as sanções disciplinares, as chamadas sanções administrativas da lei do jogo e as sanções pecuniárias compulsórias. Ora, tratando-se de direito sancionatório, nenhuma sanção pode ser aplicada sem que o visado possa exercer o seu direito de defesa. Direito de defesa constitucionalmente consagrado no art. 32, nº 10, da Lei Fundamental. E se num mero procedimento administrativo sem característica sancionatória se impõe a audiência prévia, ut arts 267º da CRP e 100º do CPA, com maior acuidade se exige essa audição no campo sancionatório. Por isso, a Constituição da República o impôs expressamente. No caso houve uma falta e houve uma correspondente sanção. Só por ter havido a infracção é que surgiu a sanção. E, quer se queira quer não, a exclusão do curso configura-se como uma sanção, e grave. Tão grave quanto, por exemplo, a demissão num processo disciplinar por prática de infracção de um funcionário público. Não contestamos que perante a prática da falta o regulamento preveja a aplicação de uma sanção. Mas há uma regra e um princípio que o regulamento não pode postergar, a primeira é o cumprimento do sagrado direito de defesa constitucionalmente consagrado e o segundo é o acatamento do princípio da proporcionalidade, nas suas três vertentes de necessidade, adequação e proporcionalidade stricto sensu. O princípio da proporcionalidade exigia aqui a sua audição para, desde logo, se saber se a exclusão não seria medida desnecessária, inadequada e desproporcionada. Ademais quando a imediata exclusão só por se ter um processo pendente, desconhecendo-se a qualidade processual aí assumida, os termos das imputações e o estado do processo se afigurava como uma manifesta afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32, nº 2). Tratava-se, pois, de um daqueles casos em que imperioso e imprescindível era a audição do visado. Até porque nos termos do Regulamento a exclusão não é automática, cabe nos poderes discricionários do comandante e pode ou não acontecer avaliada que seja a gravidade da infracção (cfr art. 19, nº 1: “poderão ser eliminados”). Verifica-se, portanto, a falta de audiência prévia que gera nulidade por afectar o núcleo essencial de um direito fundamental. O ac. do TCAS de 23/10/2014, rec. 11329/14, vai no mesmo sentido tendo, no caso de suspensão de um guarda provisório do curso de formação, declarado a nulidade da decisão de suspensão por preterição da garantia fundamental de audiência e defesa.” Com base nesta fundamentação, improcedem as conclusões de recurso A) e D) a F). Soçobrando o recurso quanto a esta questão, deve manter-se a decisão impugnada na ordem jurídica e, como tal, é de negar provimento ao recurso. V – Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se, embora com fundamentação algo diversa, a sentença recorrida, devendo constar, no seu dispositivo “declarando-se nula a decisão proferida em 14 de maio de 2008”, onde consta “anulando-se a decisão proferida em 14 de maio de 2008”. 2. Em 26.01.2021, foi enviada às partes a notificação eletrónica da decisão referida no ponto antecedente [cf. consulta efetuada na plataforma SITAF]. 3. Com data de 08.06.2021, foi enviado ao aqui Exequente o ofício com a referência “N.º S056639-202106-DRH – Pº 020.01.03”, com o seguinte teor [cf. documento nº ... junto com a oposição]: (IMAGEM NO ORIGINAL DA SENTENÇA) 4. Com data de 26.08.2021, foi emitida informação nº ...08..., sobre a qual recaiu despacho de concordância proferido em 03.09.2021 pelo Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, com o seguinte teor [cf. documento nº ... junto com a oposição]: (IMAGEM NO ORIGINAL DA SENTENÇA) 5. 5. Com data de 22.09.2021, foi enviado ao aqui Exequente a comunicação com a referência “N.º I366864-202109 – CTer Aveiro - Pº 080.01.01”, com o seguinte teor [cf. documento nº ... junto com a oposição]: (IMAGEM NO ORIGINAL DA SENTENÇA) 6. Em 05.09.2022 deu entrada o presente requerimento executivo [cf. consulta efetuada na plataforma SITAF]. * IV.2. FACTOS NÃO PROVADOS Não existem factos não provados, sendo certo que não foram considerados quaisquer factos conclusivos, as alegações de direito e os factos de todo irrelevantes para a decisão da causa.» ** III.B.DE DIREITO b.1. do erro de julgamento sobre a matéria de facto, por manifesta insuficiência dos factos assentes para a decisão da ação. O Apelante pretende que a matéria de facto assente seja ampliada, por considerar que os factos que a 1.ª Instância levou ao probatório são insuficientes para a boa decisão do litígio, segundo as possíveis soluções jurídicas do mesmo, advogando que nos presentes autos existem elementos capazes de permitir a pretendida ampliação, razão pela qual o Tribunal ad quem, ao abrigo do disposto n.º 1 do artigo 662.º do CPC, deve proceder a essa modificação. Assim, além dos factos dados como provados na decisão recorrida, advoga que devem, igualmente, ser levados ao segmento da matéria de facto dada como provada, os seguintes factos alegados pelo Exequente/Apelante: «1) O aqui autor, ingressou, como soldado provisório, no curso de Formação de Praças 2006/2007 da Guarda Nacional Republicana – facto não controvertido. 2) Tendo aí obtido aproveitamento e concluído, com sucesso, a sua instrução e formação – facto não controvertido (cfr. processo individual de formação/dossier formativo, junto pela Entidade Executada). 3) Pelo que, o autor foi notificado, conjuntamente com os restantes soldados provisórios, por edital, da lista de ordenação final do Curso de Formação de Praças 2006/2007 da Guarda Nacional Republicana, no qual o autor ficou graduado no 85.º lugar – cfr. processo individual de formação/dossier formativo, que na falta da sua apresentação, determina que os factos alegados pelo autor se consideram provados, nos termos do artigo 84.º, n.º 6 do CPTA. 4) No entanto, e sem que nada o fizesse prever, no dia 14 de Maio de 2008, é o aqui autor chamado pelo seu superior hierárquico para lhe informar e dar nota de que estava excluído do curso, pelo que tinha de assinar o despacho que lhe apresentara – facto não controvertido. 5) Sem perceber o motivo e as razões de tal Despacho, o aqui autor foi ainda informado de que teria de deixar de imediato as instalações da Escola Prática da Guarda, na ... – facto não controvertido. 6) Tendo o autor cumprido, integralmente, o que lhe ordenavam – facto não controvertido. 7) Posto isto, e por não se conformar com tais circunstâncias, veio o autor, depois de apresentar reclamação e recurso hierárquico, intentar o competente recurso contencioso de anulação do despacho proferido pelo Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana, de 14 de Maio de 2008 – facto não controvertido. 8) A referida acção correu termos na 1.ª unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, sob o processo n.º 2601/08.0BELSB – facto não controvertido. 9) Por sentença daquele Douto Tribunal, com data de 2019, o pedido formulado na acção administrativa especial contra a Entidade Demandada foi totalmente procedente – facto não controvertido. 10) Por seu turno, regularmente notificada da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., o Ministério da Administração Interna apresentou recurso da mesma e, nessa consequência, o Tribunal Central Administrativo do Norte, no Acórdão de 22.01.2021, negou provimento ao recurso, tendo, consequentemente, declarado nulo o acto administrativo objecto do recurso contencioso de anulação – facto não controvertido. 11) Na sequência do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, veio a Guarda Nacional Republicana, através do Comando da Administração dos Recursos Internos, notificar o autor para se pronunciar, em sede de audiência prévia, do teor do despacho do Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana de 14 de maio de 2008, que determina a sua eliminação do CFG 2006/2007 – facto não controvertido. 12) O autor, em resposta, pugnou pela extinção do procedimento e, consequentemente, pela cabal execução do caso julgado – facto não controvertido. 13) Na sequência da pronúncia do autor, a Guarda Nacional Republicana, através do documento n.º ...08-DRH, determinou que “seja o ex-soldado provisório (2070572) «AA» dispensado do serviço da Guarda Nacional Republicana, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º do Estatuto dos Militares da GNR, aprovado pelo Decreto-lei n.º 265/93, de 31 de jul” – cfr. processo administrativo. 14) Pelo que nada mais foi executado em cumprimento do julgado anulatório – facto não controvertido. 15) O autor auferiu entre 2008 e 2021 o rendimento global de € 117.883,31 – cfr. notas de liquidação de IRS. 16) O autor, enquanto militar da GNR na categoria de guarda, em 2008, estaria na 1.º posição remuneratória, nível 7, a que correspondia a remuneração base de € 789,54 e suplemento das forças e serviços de segurança de € 188,95, num total mensal de € 978,49 – facto não controvertido. 17) Em 2009 manteria a mesma remuneração – facto não controvertido. 18) Entre os anos de 2010 a 2014 estaria na 2.º posição remuneratória, nível 8, a que correspondia a remuneração base de € 837,60 e suplemento das forças e serviços de segurança de € 198,56, num total mensal de € 1.036,16 – facto não controvertido. 19) Nos anos de 2015 a 2019 estaria na 3.º posição remuneratória, nível 9, a que correspondia a remuneração base de € 892,53 e suplemento das forças e serviços de segurança de € 209,55, num total mensal de € 1.102,08 – facto não controvertido. 20) Nos anos de 2020 e 2021 estaria na 4.º posição remuneratória, nível 10, a que correspondia a remuneração base de € 943,89 e suplemento das forças e serviços de segurança de € 209,55, num total mensal de € 1.153,44 – facto não controvertido. » Mas sem razão. É incontestável que à luz da disciplina prevista no n.º1 do artigo 662.º do CPC, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo, os Tribunais Centrais, enquanto tribunais de recurso, devem «alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Verificando-se que a 1.ª Instância omitiu decisão sobre factos essenciais à decisão do objeto da causa, o Tribunal de recurso pode, inclusivamente, oficiosamente, suprir essa insuficiência a partir dos elementos de prova que constem do processo. Contudo, a ampliação da matéria de facto apenas se justifica se estiver em causa matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a decisão da causa, e essa faculdade, repete-se, não está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que o tribunal de recurso se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes. Mas, ao julgador impõe-se que apenas escolha os factos que considera relevantes para a boa decisão da causa, e não que fixe todo e qualquer facto. Acrescente-se que em sede de recurso de apelação, não basta que a matéria de facto cujo aditamento se pretende ao elenco dos provados tenha conexão com alguma das “soluções plausíveis da questão de direito”, mas que a mesma tenha relevância em face do objeto do recurso, apenas se impondo a reapreciação da matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação forem suscetíveis de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso. No caso, a matéria de facto que o Apelante pretende ver aditada aos factos assentes não tem qualquer utilidade acrescida para a decisão do presente litigio, onde apenas releva saber se a decisão recorrida errou quando julgou que a Entidade Executada/Apelada deu integral cumprimento ao julgado anulatório ao providenciar pelo cumprimento da formalidade da audiência prévia. Ora, para conhecer do mérito da ação de execução e, bem assim, para conhecer do mérito do presente recurso de apelação, os factos que constam dos pontos 1 a 6 do elenco dos factos provados na fundamentação de facto da decisão recorrida, são os essenciais. Para a decisão a proferir, basta conhecer o teor da decisão exequenda, da qual constam os factos que foram tidos em consideração para a prolação dessa mesma decisão, já transitada em julgado, e entre os quais, observe-se, constam alguns dos factos que ora o Apelante pretendia ver aditados aos factos assentes, assim como as diligências que a Entidade Executada empreendeu em ordem ao cumprimento desse julgado anulatório, no caso, a notificação do Exequente/Apelante para exercer o seu direito de audiência prévia em relação ao ato a proferir, e, bem assim, a defesa apresentada por este em sede de audiência prévia, a informação elaborada pelos serviços da Entidade Executada e o teor do “novo” ato praticado pela Administração. O referido quadro factuológico é manifestamente suficiente para permitir ao julgador aferir se o julgado anulatório foi ou não cumprido pela Entidade Executada, ao proceder apenas à audiência prévia do Exequente/Apelante, como a 1.ª Instância ajuizou suceder ou se, como pretende o Apelante, se impunha a prática de outros atos de execução para que aquele julgado anulatório se pudesse haver como cumprido pela administração, como, aliás, infra melhor se comprovará. Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, se impõe julgar improcedente o invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto, rejeitando-se, consequentemente, a pretendida ampliação dos factos que integram o elenco dos factos provados, o qual se mantém inalterado. b.2. do erro de julgamento em matéria de direito Como decorre do relatório supra elaborado, o Exequente/Apelante propôs a presente ação executiva em ordem à execução do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 22/01/2021, nos autos com processo n.º 2601/08.0BELSB, transitado em julgado, por via do qual foi declarado nulo o despacho do Comandante Geral da GNR, de 14/05/2008, que o eliminou do Curso de Formação de Praças 2006/2007 e o dispensou do serviço da Guarda. Na sequência do referido acórdão do TCAN de 22/01/2021, a Entidade Executada, em ordem à execução do julgado anulatório, nos termos do artigo 173.º do CPTA, considerou que apenas se lhe impunha cumprir o dever de audiência prévia que fora preterido, pelo que notificou o Exequente para se pronunciar em sede de audiência prévia da intenção de eliminação do mesmo do Curso de Formação de Praças de 2006/2007, considerando que, com essa diligência, deu cabal execução ao acórdão do TCAN, e que não resulta do mesmo qualquer vinculação que a forçasse a alterar o sentido/conteúdo decisório do despacho de 14/05/2008, que fora declarado nulo com base apenas num vício de forma. O Exequente/ Apelante, discordando da posição da Entidade Executada, por diferentemente entender que a cabal execução do julgado anulatório não se basta com o cumprimento da formalidade da audiência prévia, antes reclamando a prática de outros atos de execução, como seja o pagamento das diferenças remuneratórias que deixou de auferir entre a data do despacho que o dispensou do serviço da GNR e a data em que foi notificado no novo ato proferido em sede de execução do julgado anulatório, propôs a presente ação executiva, que o Tribunal a quo julgou improcedente. O Apelante não se revê na decisão recorrida que sustenta enfermar de erro de julgamento em matéria de direito, insurgindo-se contra o facto de o Tribunal a quo não ter considerado que a reconstituição da situação atual hipotética emergente da declaração de nulidade do ato, impunha a condenação da Entidade Executada/Apelada à pratica de atos e operações destinados a reporem a sua situação de facto e de direito em relação ao período intercorrente que mediou entre o dia 14/05/2008 e o dia 03/09/2021, extraindo as devidas consequências da decisão judicial anulatória, tomando em devida consideração a impossibilidade de o novo ato punitivo não poder gozar da eficácia temporal pretendida pela entidade executada. Sustenta que a Entidade Executada é responsável pela sua “ilegal dispensa”, decorrente “quer da recusa da prática de ato administrativo vinculado- a nomeação- quer do vício de forma por preterição da audiência prévia”. Advoga a tese de que quando a anulação incida sobre atos desfavoráveis e pese embora o novo ato mantenha o conteúdo decisório do ato anulado, às consequências extraídas da anulação somente pode ser atribuída eficácia para o futuro, por força do disposto na primeira parte do n.º2 do artigo 172.º do CPA e na primeira parte do n.º2 do artigo 173.º do CPTA. Afirma que “ em lugar algum do Acórdão do TCAN é dito que o Exequente está impedido ou venha a estar impedido de aceder aos quadros da Guarda, nem, por maioria de razão, a improcedência do erro sobre os pressupostos de facto e de direito impedem ou obstaculizam tal pretensão material”- conclusão 42. E sustenta que « o facto de ser declarado nulo o ato que procedeu à dispensa do serviço da Guarda, por preterição do direito de defesa, em articulação com a realidade fática, é causa suficiente para dotar o Recorrente de título jurídico bastante para sustentar a sua pretensão executiva, já que a violação do direito de defesa- não mero formalismo legal- tem pelo menos a capacidade invalidante do ato (nulidade), na medida em que visa proteger, precisamente, interesses materiais dos particulares, assumindo uma função instrumental em face destes”- conclusão 43.ª. Em suma, pretende que o Tribunal ad quem reconheça “o direito do Autor como integrado no serviço da Guarda e, consequentemente condenar a GNR a pagar ao autor a quantia de € 91.487,53…pelos vencimentos que deixou de auferir em virtude da prática do ato punitivo ilegal”. Mas sem razão. Vejamos. De acordo com o disposto no n.º2 do art.205.º da Constituição ( CRP) « As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades». Concretizando este princípio, o n.º1 do art.158.º do CPTA prevê que “ As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas”. Ademais, no n.º2 desse preceito determina-se que “ A prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer ato administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte ”. Decorre destes preceitos legais, que proferida uma sentença por um tribunal administrativo e uma vez transitada em julgado, impende sobre a Administração um dever de carácter jurídico, que a vincula à execução das decisões jurisdicionais, no respeito pelo caso julgado formado por essa decisão, impedindo-a de praticar novos atos que ofendam o caso julgado formado por essa decisão e de manter aqueles que sejam incompatíveis com o cumprimento dos deveres de execução. Quanto à execução de sentenças, estabelece o artigo 173.º, n.º1 do CPTA, que: “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”. O n.º2 do artigo 173.º do CPTA determina, por sua vez, que “a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.” O cumprimento do dever de executar (a que se refere o artigo 173.º) “é da responsabilidade do órgão que tenha praticado o ato anulado” (cfr. artigo 174.º n.º 1 do CPTA), sendo que “se a execução competir, cumulativa ou exclusivamente, a outro ou outros órgãos, deve o órgão referido no número anterior enviar-lhes os elementos necessários para o efeito” (cfr. artigo 174.º n.º 2 do CPTA). Em consequência da anulação do ato, decorre do disposto no n.º1 do art. 173.º do CPTA ( e também do disposto no n.º1 do art.172.º do CPA para a anulação administrativa) que a Administração pode ver-se perante a necessidade de “praticar novo ato administrativo”, com o mesmo conteúdo decisório do ato anulado, desde que não reincida nas invalidades que determinaram a anulação daquele ou pode ficar constituída nos deveres de “reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado” ou tivesse sido praticado sem invalidades e de “dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”. Para tanto, no n.º 2 do artigo 173.º do CPTA, o legislador investe a Administração dos poderes-deveres “de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos” e de “anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível” com a necessidade de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”. As consequências da anulação dos atos administrativos serão diferentes conforme o restabelecimento da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado reclame uma pronúncia administrativa sem impacto no conteúdo decisório do caso concreto, que é mantido com a prática do novo ato ou se, diferentemente, as consequências da anulação impuserem a prática de uma nova decisão administrativa que não coincida com o ato anulado. No caso em discussão, é incontornável que o despacho de 14/05/2008 foi declarado nulo por enfermar de vício de forma. Ora, estando em causa um ato anulado por vício de forma, é possível à Administração a repetição do procedimento administrativo, expurgando o ato administrativo do vício cometido. A este respeito, note-se que é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que os atos anulados por vício de forma são renováveis, pelo que, caso o novo ato “reinstale a substância dispositiva do anterior “ com a observância da formalidade que tinha sido preterida, este novo ato não tem eficácia retroativa, uma vez que a situação atual hipotética, ou seja, a situação do momento, é a mesma que existiria com o ato ilegal( no caso, decorrente da preterição da audiência prévia) se o mesmo não tivesse sido declarado nulo. Com interesse, o STA, no seu acórdão de 01/6/06, proferido no processo n.º 30655A, sobre a eficácia temporal dos atos renovadores, afirma que ««no caso de ato renovável a projeção dos efeitos destrutivos ou reconstrutivos da sentença anulatória não é resolvida «ao nível dos atos da sua execução, mas pelo próprio ato renovador (parecendo subentendido que se trata aqui de um ato com o mesmo sentido ou efeito do ato anterior)»- M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, 2.ª ed., págs. 621 e 622). Ou seja, tratando-se de atos renováveis, entre os quais avultam os anulados por vício formal…a execução da sentença cumpre-se com a prolação de novo ato, sem os vícios que caracterizavam o anterior. E só em relação a ele se poderá pôr o problema da retroatividade ou não ( autores e ob.cit.,pág.622)”. Voltando ao caso em análise, extrai-se dos factos provados, que na sequência do trânsito em julgado do Acórdão deste TCAN de 22/01/2021, que declarou nulo o despacho de 14/05/2008 do General Comandante-Geral por falta de audiência prévia, o Exequente foi notificado para exercer, por escrito, no prazo de 10 dias, o seu direito de audiência prévia ( artigo 121.º e n.º 1 do artigo 122.º do CPA). Mais se retira do probatório, que na sequência da audiência prévia do Exequente, a Entidade Executada, por despacho de 03/09/2021, decidiu manter o ato renovado com o mesmo conteúdo do ato que fora declarado nulo, ou seja, decidiu dispensar o Exequente/Apelante do serviço da Guarda Nacional Republicana, nos termos do artigo 278.º, n.º1 do Estatuto dos Militares da GNR, aprovado pelo D.L. n.º 265/93, de 31/07, o mesmo é dizer, por aquele, aquando da formalização da sua candidatura ao Concurso de Admissão do Curso de Formação de Praças 2006/2007 ter prestado falsas declarações. Pretendia o Exequente que devia ser declarado nulo o despacho do Comandante Geral da GNR proferido em 03/09/2021 e que a Entidade Executada devia ser condenada no pagamento da quantia de €91.487,53 correspondente às remunerações que deixou de auferir no período compreendido entre os anos de 2008 e 2021, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento, mas a 1.ª Instância não lhe deu razão. O Tribunal a quo, apoiando-se designadamente na jurisprudência vertida no Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2014, proferido no processo n.º 10460, julgou a ação improcedente, no pressuposto de que tendo a Entidade Executada procedido à audiência previa do Exequente, cumpriu com a decisão exequenda, não se impondo que tivesse proferido um ato com um conteúdo decisório diferente do que fora anulado. Entendeu que ao proceder dessa forma, a Entidade Executada reparou a ilegalidade cometida, conquanto executou o ato procedimental que tinha omitido, nada mais havendo a extrair do julgado anulatório. O Tribunal a quo não deixa ainda de assinalar que durante o período que decorreu entre o ato declarado nulo- despacho de 14/05/2008- e a data em que foi proferido novo ato- 03/09/2021- o Exequente não esteve a exercer funções que lhe permitissem progredir na carreira de militar da GNR, nem tão pouco o ato declarado nulo o foi por erro nos pressupostos de facto e/ou de direito. A esse respeito, enfatiza que a decisão exequenda- Acórdão do TCAN de 22/01/2021- no segmento em que analisou o erro sobre os pressupostos de facto e de direito da decisão administrativa impugnada, considerou que « os fundamentos mobilizados para sustentar o conteúdo do ato não estão errados”, ajuizando que « o ato impugnado não está enfermado do vício de falta de fundamentação, nem na sua dimensão formal, nem na sua dimensão material». Coligida a decisão exequenda, extrai-se que o ato administrativo impugnado apenas foi declarado nulo por preterição da formalidade de audiência prévia, e que a decisão em causa julgou o referido ato, do ponto de vista dos pressupostos de facto e de direito em que assentou, como não enfermando de qualquer vício invalidante. Sendo assim, é inequívoco que em sede de execução do julgado anulatório, estava apenas em causa cumprir a formalidade omitida, ou seja, assegurar a audiência prévia do Exequente, não se impondo à Entidade Executada a pratica de um ato administrativo com um diferente conteúdo decisório. A Entidade Executada não estava obrigada a alterar o sentido do ato administrativo proferido anteriormente, mas apenas a conceder ao Exequente/Apelante o direito de ser ouvido em sede de audiência prévia antes de proferir a decisão final, podendo decidir, como decidiu, proferir um novo ato mas com o mesmo conteúdo. Desta forma, não há como não concluir que o julgado anulatório foi bem cumprido, uma vez que, o ato impugnado apenas foi declarado nulo com fundamento em vício de forma decorrente da preterição de audiência prévia, tendo os demais vícios sido julgados não verificados. Perante o Acórdão do TCAN, o Exequente/Apelante nada mais podia exigir à Entidade Executada que não fosse o dever de aquela o ouvir em sede de audiência prévia, sem que, contudo, pudesse exigir-lhe que em função dos seus argumentos, a mesma modificasse/alterasse o sentido da decisão que o dispensou do serviço da Guarda, a qual, apenas foi anulada por preterição dessa formalidade, e que, aliás, o TACN considerou não enfermar dos vícios de legalidade que em sede própria lhe foram assacados pelo Autor, ora Apelante, tendo nessa parte revogado a decisão de 1.ª instância. É muito pertinente o que a respeito de uma situação com contornos similares se discorreu no Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2014, proferido no processo n.º 1040, também citado pela Senhora Juiz a quo, e que não resistimos voltar a transcrever: « Resulta do artigo 173º/1 do CPTA que um dos 3 deveres distintos em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um ato administrativo é a eventual substituição do ato ilegal sem reincidir nas ilegalidades anteriormente detetadas pela sentença anulatória (cfr. assim MARIO AROSO/C.C., Comentário…, 3ª ed., pp. 1117-1118 e notas nº 1248 e nº 1249); é a chamada “renovação do ato”. Era assim já antes do CPTA. É exatamente este o caso duma anulação baseada, não em vícios de violação de lei (vícios internos, i.e., seus pressupostos de facto ou de direito), mas em vícios de forma (vícios externos), como é o caso da falta de audiência prévia ou da falta de fundamentação (cfr. assim os Acs. do STA de 23-10- 2012, P. nº 0262/12; de 13-11-2007, P. nº 341-A/03; de 14-3-2002, P. nº 048195; de 2-7-2008, P. nº 01328-A/03; de 12-7-2006, P. nº 024690-A; de 1-6-2006, P. nº 030655-A (2)). Corresponde ao caso presente, porque o julgado anulatório assentou apenas no vício de forma da falta de audiência prévia. Portanto, o que resulta do caso julgado foi o dever de o executado fazer a audiência prévia do exequente. Não faz parte do caso julgado qualquer outro aspeto discutido no ato administrativo anulado e muito menos outros aspetos não discutidos sequer no processo declarativo anulatório. O título executivo (sentença anulatória) só dá ao ora exequente um “crédito” exequível: o de ser ouvido antes do caso administrativo ser resolvido pela A.P. b. Ora, como se viu, o executado TP, IP, ouviu previamente o exequente e depois praticou novo acto administrativo sobre o mesmo assunto do ato antes anulado pelo tribunal (com sentido igual ao antes anulado). Não há aqui nada de ilegal. A ilegalidade detetada pelo tribunal foi corrigida da única forma possível: executando o ato procedimental omitido. Nada mais do que isso é possível “retirar” deste julgado anulatório, como é lógico. Nem o chamado efeito repristinatório da anulação, nem o cumprimento tardio de deveres omitidos por causa direta da vigência do ato ilegal. Por isto mesmo é que não tem fundamento legal o pedido incidental feito pelo exequente para se anular o ato administrativo que, após o cumprimento da sentença exequenda (efetivando a audiência prévia do exequente, antes omitida), indeferiu (de novo) a pretensão administrativa do exequente. Daí que o exequente não tenha razão em pedir outras coisas, como o faz aqui. Os 2 pedidos aqui feitos extravasam o caso julgado formado com a sentença exequenda, como é fácil de ver. Nenhum direito substantivo foi reconhecido ao exequente na sentença anulatória exequenda, nomeadamente os contidos nos 2 pedidos da p.i.» E não se diga que ao assim decidir, se colocou em causa a proibição de praticar atos retroativos, nos termos previstos no n.º2 do artigo 173.º do CPTA. Como bem se explica no Acórdão do STA, de 21/11/2019, proferido no processo n.º 0277/12.9BECBR (0485/18), publicado em www.dgsi.pt: «(…)entendia-se e ainda hoje se entende que a possibilidade de a Administração reexercer o seu poder, praticando um novo ato com conteúdo idêntico ao anterior mas sem vícios, está dependente do vício que ditou a invalidade do ato impugnado. Mais concretamente ainda, apenas quando se trate de vício de forma ou de procedimento, vícios externos ao ato, é admissível o reexercício do poder administrativo. Conforme se diz no acórdão deste STA de 05.02.04, Proc. n.º 30655A (que, para o efeito, cita o acórdão do STA de 02.10.01, Proc. n.º 34044-A, e, ainda, o acórdão do Pleno do STA de 08.05.03, Proc. n.º 40821-A), o “respeito pelo caso julgado não impede a substituição do ato anulado por outro idêntico desde que a substituição se faça sem repetição dos vícios determinantes da anulação (…). Aliás, o limite objetivo do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos, «seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a decisão»” [ver, ainda, no mesmo sentido, e entre outros, os acórdãos do STA de 18.11.09, Proc. n.º 581/09, e de 23.10.12, Proc. n.º 262/12]. (…) Desta maneira, e porque se aceita pacífica esta doutrina, fica presumido que a situação do momento (a chamada situação atual hipotética) seria a mesma que existiria com o ato ilegal se não tivesse sido anulado. É essa a razão subjacente à irretroactividade prescrita na norma. Quer dizer, porque num juízo forte de probabilidade se crê que o ato ilegal se repita (se renove) sem os vícios que conduziram à sua anulação, o legislador concede que se salvem os efeitos produzidos à sua sombra até que surja o novo ato (acto renovador)”. Resulta das considerações que antecedem que o Apelante não tem razão na pretensão que pretende ver reconhecida. O Apelante não pode ignorar que o seu ganho de causa na ação de impugnação do despacho que o dispensou do serviço da Guarda apenas lhe conferia o direito a ser ouvido em sede de audiência prévia, não resultando do julgado anulatório qualquer outro direito que pudesse exigir à Entidade Executada, uma vez que, aquele despacho apenas foi declarado nulo por ter sido preterida a audiência prévia, tendo, ainda, o TCAN decidido que o despacho anulado não enfermava de qualquer vício substancial. Sendo assim, caso a Entidade Executada tivesse ab initio cumprido a formalidade de audição prévia do ora Apelante, o despacho que proferiu, e que veio a ser declarado nulo, teria o mesmo conteúdo. A ilegalidade inerente aos vícios formais não constitui um indício seguro de violação de direito ou interesse de natureza substantiva do administrado que justifique sem mais a necessidade de serem praticados outros atos de execução que vão para além do cumprimento da formalidade omitida. (neste sentido, v.g., Ac. do STA n.º 030840 ). Dir-se-á que apenas assistiria ao Exequente o direito à perceção das quantias correspondentes às diferenças remuneratórias que reclama se o mesmo tivesse conseguido demonstrar, no processo em que foi proferida a decisão exequenda, que a decisão administrativa que se impunha proferir em sede de execução do julgado anulatório, passava pela prática de um ato de conteúdo diferente por assim o exigir a eliminação das ilegalidades substanciais reconhecidas nesse julgado anulatório. Ademais, no caso, também se depara evidente que a decisão administrativa proferida não teria sido diferente caso a Entidade Administrativa tivesse então cumprido com a formalidade da audiência prévia (Acs. do STA, de 09/11/2000, Rec. N.º 046441 e de 02/07/2002, Rec. N.º 0405/02). Mantendo-se a situação de facto que subjaz à eliminação do Exequente do Curso de Formação de Praças 2006/2007, a situação hipotética que existiria atualmente se o ato declarado nulo não tivesse sido praticado é exatamente igual à que existe e daí que, não assista ao Apelante o direito de pedir uma indemnização pela diferença entre o rendimento que auferiu e o rendimento que auferiria na Guarda. Assim, pode concluir-se que nas situações em que o ato pode ser repetido, com o mesmo conteúdo substantivo e decisor, o julgado cumpre-se com a prolação do novo ato, não havendo lugar à prática de outros atos de execução ( cfr. Ac. do STA, de 13/12/2003, proferido no processo n.º ...2). Resulta do que se vem dizendo improcederem todos os erros de julgamento em matéria de direito assacados pelo Apelante à decisão recorrida e, em consequência, impõe-se julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. ** IV-DECISÃO Nesta conformidade, decide-se negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. * Custas pelo Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC). * Notifique. * Porto, 12 de julho de 2023 Helena Ribeiro |