Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03140/11.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/19/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; ACIDENTE DE VIAÇÃO - TAMPA DE SANEAMENTO; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL - MUNICÍPIO; PRESUNÇÃO DE CULPA
Recorrente:MUNICÍPIO DE (...)
Recorrido 1:COMPANHIA DE SEGUROS (...), SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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RELATÓRIO

A COMPANHIA DE SEGUROS (...), SA, contribuinte n.º (…), com sede na Avenida (…), instaurou ação administrativa comum contra o MUNICÍPIO DE (...), sito na Praça (…), e as ÁGUAS DE (...), SA, com sede na Rua (…), pedindo que o primeiro Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de €9.887,67 (nove mil oitocentos e oitenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente deduziu o mesmo pedido contra a segunda Ré.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi decidido assim:
Julga-se a ação procedente e condena-se o R. MUNICÍPIO DE (...) a pagar à A. o montante de €9 887,67 (nove mil oitocentos e oitenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos) acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral cumprimento, absolvendo-se a R. subsidiária do pedido.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Réu Município formulou as seguintes conclusões:

a) O objeto do presente recurso é a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual julga a ação procedente e, consequentemente, condena o réu Município a pagar à autora o montante de 9.887,67 €, acrescido de juros de mora desde a citação até integral cumprimento, absolvendo-se a ré subsidiária do pedido.
I Fundamento:
b) A sentença em crise não se pronuncia quanto à questão da responsabilidade da ré ÁGUAS DE (...), emergente do contrato e concessão celebrado entre as rés para a exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento e de saneamento do MUNICÍPIO DE (...).
c) Porém, para a boa decisão da causa mostra-se imperioso tal pronúncia, desde logo porque, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, que define o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais e municipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha de resíduos sólidos, em vigor à data da celebração do contrato de concessão, as tampas de saneamento pertencem à concessionária e enquanto durar a concessão.
d) Por outro lado, a ré ÁGUAS DE (...) uma entidade privada que, através de contrato de concessão (contrato administrativo) assumiu a responsabilidade de exercer uma atividade regulada e sujeita a princípios de direito administrativo (abastecimento de água e saneamento público), pelo que fica assim sujeita aos mesmos regimes que impendem sobre o réu MUNICÍPIO DE (...), designadamente o RRCEC - artigo 1.º n.º 5.
e) Acresce ainda que, nos termos da ação proposta pela autora, foi deduzido o mesmo pedido (pagamento de uma indenização no valor de 9.887,667 €) contra ambas as rés em termos de pluralidade subjetiva subsidiária nos termos do artigo 39.º do CPC), ou seja, por dúvida fundamentada do autor sobre o sujeito da relação controvertida.
f) Daí que se imponha a pronúncia do Mmo. Juiz a quo, no âmbito da responsabilidade da ré ÁGUAS DE (...) emergente do contrato e concessão celebrado entre esta e o réu Município, para a exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento e de saneamento do MUNICÍPIO DE (...), tudo de forma a afastar aquela dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.
II Fundamento:
g) Refere a sentença em crise, no ponto 7 dos factos provados que, “A referida tampa de saneamento, que não estava minimamente sinalizada, não era visível, visto que, na altura, se encontrava coberta pela água da chuva que caía com grande intensidade.”
h) Isto posto, em função das circunstâncias do caso concreto, o réu recorrente (Município e Gondomar) concessionou a exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento e de saneamento do MUNICÍPIO DE (...) à ré ÁGUAS DE (...), no dia 1 janeiro de 2001, ou seja, há 18 anos.
i) Desta forma, as questões técnicas que façam levantar as tampas de saneamento quando a chuva cai com grande intensidade, deixaram há muito de ser do domínio da ré recorrente, e passaram a ser do domínio da ré ÁGUAS DE (...).
j) De forma que, não é possível concluir pela violação de qualquer dever de cuidado do réu Município, pois era-lhe impossível prever que a chuva intensa iria fazer levantar a tampa de saneamento.
k) Acresce que, a referida tampa não estava visível, conforme resulta do ponto 7 dos factos provados da sentença, o que impossibilita a ré recorrente de conseguir sinalizar aquele obstáculo na via por mais diligente que fosse.
l) Tanto mais que, conforme decorre da sentença, a “invisibilidade” da tampa decorre da chuva intensa e não por via de algum “lago” ou “poça” que ali se mantivesse por largo tempo.
m) Em suma, por via do contrato de concessão, a ré recorrente não está em condições de dominar os processos causais de levantamento de tampas de saneamento decorrentes de chuva intensa que lhe permitisse sinalizar a mesma.
n) Ao que será também de referir que, não estando a tampa visível em função da chuva intensa, mesmo que dominasse o processo de exploração e gestão de serviços públicos municipais de abastecimento e de saneamento, nunca seria capaz de a sinalizar por mais diligente e zelosa que fosse.
o) Faltam portanto preencher todos os pressupostos necessários para que se verifique uma situação de responsabilidade civil extracontratual do réu recorrente, designadamente a culpa e o nexo de causalidade previstos nos artigos 7.º 1 e 8.º n.º 2 e 10.º do RRCEC, sentido com que, no entender da ré recorrente, aquelas normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas. Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, revogada a decisão recorrida e proferido acórdão que declare o réu Município absolvido do pedido, fazendo-se assim, JUSTIÇA.
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A Ré Seguradoras Unidas, S.A, juntou contra-alegações, concluindo:

1. Para a hipótese de o presente recurso vir a ter provimento - o que apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio - pretende a ora recorrida sejam reapreciados os seguintes fundamentos da sua defesa em que decaiu:
2. A Meritíssima Juiz, certamente por lapso, não fez incluir nos factos provados a matéria de facto vertida nos pontos 30 e 31 da p.i., a qual foi confessada pela 2ª R.
3. Aduz-se nesses items do petitório, para o que neste sede releva, que: “…a segunda ré é a empresa concessionária para a exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento do MUNICÍPIO DE (...), por força de um contrato de concessão celebrado entre a mesma e este último.”
“À data dos factos, a referida tampa de saneamento pertencia à segunda ré, já que, nos termos do disposto no artigo 7.º do DL 379/93, de 05.11, enquanto perdurar o contrato de concessão a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária.”
4. Tal factualidade foi confessada pela 2ª R. na sua contestação, nomeadamente no respectivo artigo 11.º, devendo, como tal, ser a mesma incluída no elenco dos factos provados.
5. Perante o exposto e caso venham a acolher o entendimento perfilhado pelo 1º R. no presente recurso - o que apenas se equaciona por mera cautela e para efeitos do presente raciocínio - deverá a 2ª R. ser condenada no pedido deduzido pela autora nos presentes autos.
6. Com efeito, sendo a 2ª R. a proprietária da tampa causadora do sinistro em apreço nos autos, incumbia-lhe cuidar da sua inspecção e zelar pelo respectivo bom estado de conservação e funcionamento, tanto mais que a mesma se encontrava inserida numa faixa de rodagem, facto que a 2ª R. não ignorava, nem podia ignorar.
7. Não tendo a 2ª R. demonstrado que efectuou a fiscalização e manutenção da tampa de saneamento em causa, como era sua obrigação - ónus que lhe incumbia - não logrou a mesma ilidir a presunção de culpa estabelecida pelo artigo 493.º do Cód. Civil.
8. Como tal, caso o recurso do 1º R. venha a merecer provimento - o que não se concede, mas apenas equaciona por mera cautela e dever de patrocínio - deverá a 2ª R. ser condenada no pedido deduzido nos autos.
9. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 493.º do C. Civil
TERMOS EM QUE, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E MANTENDO-SE O DECIDIDO PELO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, FARÃO UM ACTO DE JUSTIÇA.
QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA, O QUE APENAS SE CONCEBE COMO HIPÓTESE MERAMENTE ACADÉMICA, A ORA RECORRIDA, REQUER A AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO, PARA CONHECIMENTO DAS QUESTÕES QUE ORA SE SUSCITAM, COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
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O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
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Cumpre apreciar e decidir.
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FUNDAMENTOS
DE FACTO


Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) No exercício da sua atividade, a autora celebrou com a sociedade C., Lda., um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º 0001684096, com início em 20/07/2008, tendo por objeto o veículo pesado de mercadorias de matrícula XX-XX-XX (doravante designado de SX), de que aquela era proprietária, contrato esse que, para além de garantir a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do referido veículo, incluía bem assim, entre outras, a cobertura de "choque, colisão e capotamento".
2) No dia 7 de outubro de 2008, pelas 11 h20m, na Rua (…), ocorreu um acidente em que foi interveniente o veículo SX, o qual, na altura, era conduzido por C..
3) No dia e hora supra referidos, circulava o SX pela hemifaixa de rodagem direita da referida rua, atento o sentido Sul-Norte, a uma velocidade inferior a 40 km/h, sendo certo que o seu condutor seguia atento à condução que efetuava, bem como ao trânsito que se processava.
4) Na altura chovia e, por tal motivo, o piso da indicada rua, constituído em alcatrão, encontrava-se molhado.
5) Quando assim circulava, ao aproximar-se do entroncamento formado pela indicada rua com a rua (...), o condutor do SX sentiu um forte estrondo, proveniente da parte inferior traseira do veículo que tripulava.
6) Após ter imobilizado o SX o citado condutor constatou que tal estrondo resultou do facto de a parte inferior do veículo que conduzia ter embatido numa tampa de saneamento existente na referida rua, sensivelmente a meio da hemifaixa de rodagem por onde circuitava, a qual, na altura, se encontrava levantada, na posição diagonal, relativamente ao nível da estrada.
7) A referida tampa de saneamento, que não estava minimamente sinalizada, não era visível, visto que, na altura, se encontrava coberta pela água da chuva que caía com grande intensidade.
8) No dia e hora referidos inexistia qualquer sinalização vertical, ou horizontal na indicada rua com aviso de perigo ou de proibição de ali circular.
9) A Rua (...) encontrava-se aberta ao trânsito, sem qualquer restrição de circulação.
10) Em consequência do acidente, o veículo seguro sofreu vários danos, nomeadamente na parte inferior da viatura (suspensão de trás, suportes: transmissão etc.), para cuja reparação foi necessária a substituição das seguintes peças: eixo traseiro, suporte, amortecedor, transmissor ex., alavanca, puxador, junta, correia, prato, braço, batente, apoio, parafuso, porca, borracha, clipe alav., bateria, regulador, cilindro t., fusível, casquilho, porca, fender-quarda la., suporte, combustível, pneum., braçadeira, cilindro f., veio de transmissão.
11) A reparação de tais danos ascendeu à quantia de €9.887,64, verba que a autora, no cumprimento do contrato de seguro supra mencionado, pagou, em 30/12/2008, à Oficina C., S.A., onde o SX foi reparado.
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:

a) Os serviços do 1.º R. possuem um corpo especializado de técnicos que sistematicamente procedem à vigilância do estado de conservação e sinalização das respetivas vias municipais, colmatando de imediato qualquer deficiência a nível de sinalização.
b) Corpo esse que diariamente percorre todas as vias municipais, de forma a permitir que a circulação automóvel se processe sem qualquer tipo de perigo.
c) O SG circulava a mais de 50 kms/h.

E, em sede de motivação da factualidade tida por assente, o Tribunal esclareceu que fundou a sua convicção na vontade concordante das partes conjugada com a análise dos documentos juntos com os articulados e o depoimento das testemunhas, da forma que a seguir se explicita. Para prova da factualidade vertida em 1) foi determinante o documento de fls. 15 a 17 do suporte físico do processo. No que concerne às circunstâncias e dinâmica do acidente valorou-se como credível o depoimento do condutor do SG, C.. Não obstante algumas hesitações que, naturalmente, se compreenderam atento o facto de terem decorrido mais de dez anos entre a data do acidente e a data do depoimento, este revelou-se sério e isento tendo, portanto, como se referiu, sido valorado como globalmente credível. Este depoimento conjugado com o da testemunha A., agente da PSP, que elaborou a participação que consta de fls. 18 do processo e com essa mesma participação, (designadamente com o croqui que da mesma consta) fundamenta a factualidade que se considerou provada descrita em 2) a 9. No que concerne aos danos sofridos valorou-se o documento n.º 2 junto com a petição inicial e o documento constante de fls. 246 a 248 (recibo n.º 65047) conjugado com o depoimento da testemunha A., perito avaliador. Aquele documento (recibo) foi ainda determinante para prova da data em que a quantia aí referida foi liquidada pela A. A testemunha N., engenheiro mecânico responsável pelo departamento de manutenção e infraestruturas das ÁGUAS DE (...), prestou um depoimento pouco seguro e confuso não tendo logrado convencer quanto a qualquer factualidade alegada pela 2.ª R. Relativamente à factualidade alegada pela 1.ª R. não foi produzida qualquer prova pelo que foi a mesma considerada como não provada.
X

DE DIREITO

Está posta em causa a sentença que ostenta este discurso fundamentador:
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, no domínio dos atos de gestão pública rege-se, in casu, pelo disposto na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
De acordo com o disposto no seu art.º 7.º, n.º l, “o Estado e as demais pessoas coletivas públicas são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”. A responsabilidade civil por atos de gestão pública corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos cujos pressupostos se encontram previstos no art.º 483º, n.º 1, do Código Civil: o facto, comportamento ativo ou omissivo de natureza voluntária; a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos ou interesses de terceiros ou de disposições legais destinadas a protegê-los; a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico; o dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral; e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada. A ilicitude juridicamente relevante é, por força do disposto no art.º 9.º, a que resulta de ações ou omissões que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. Nos termos do art.º 10º, n.º 1 do mesmo diploma legal “a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor, sendo que “sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos” (n.º 2) e “ para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância” (n.º 3).
Vejamos então se, em face da factualidade provada, é de concluir pela responsabilidade do R. Município. Da matéria factual provada resulta inequivocamente que os danos foram causados na sequência do embate do SX numa tampa de saneamento que se encontrava levantada na faixa de rodagem, cabendo ao 1.º R. a conservação e vigilância e fiscalização da via em causa. Assim sendo, ao R. cabia demonstrar que nenhuma culpa houve de sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. Competia-lhe alegar e provar as providências que adotou no sentido de fiscalizar, vigiar e sinalizar a via de modo a que nesta não existissem obstáculos ou perigos para a circulação rodoviária, o que não logrou. Não tendo ilidido a presunção de culpa que sobre si recaía e considerando que os danos causados no veículo o foram por causa da existência da tampa de saneamento levantada na via, deve o R. ser condenado ao pagamento do montante suportado a título de custo da sua reparação que, como se provou, ascende a € 9 887,64. Tendo a A. ficado sub-rogada em todos os direitos, ações e recursos contra terceiros responsáveis pelo acidente (art.º 136º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril), deve portanto o 1º R. ser condenado a pagar-lhe tal quantia, nos termos peticionados.
X

Questões a decidir:

I. Nulidade da decisão por omissão de pronúncia - artº 615º, nº 1, al. d), do CPC;
II. Incorrecta interpretação das normas que constituem o fundamento jurídico da sentença recorrida, mormente do artigo 7º, nºs 1 e 10 do RRCEC.

Vejamos:

Da nulidade da sentença (artigo 615º do CPC, ex vi artigo 140° do CPTA) - Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Nos termos das alíneas b)Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15-11-2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.
Esta nulidade (al. c)) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).

Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.

Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.

Já a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.

E a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.
No caso concreto o 1º Réu e aqui Recorrente, apela à nulidade por omissão de pronúncia.

Todavia, sem razão.

Entende o Município que a sentença, não se tendo pronunciado sobre a responsabilidade da Co-Ré subsidiária, ÁGUAS DE (...), S.A., deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar e conhecer, pelo que incorreu na nulidade prevista no artº 615º/1/d) do CPC.

É certo que a sentença sob recurso não se pronuncia sobre a responsabilidade da 2ª Ré neste processo.

Porém, tendo em conta o modo como a acção foi posta em juízo, não estava o Tribunal obrigado a conhecer tal matéria.

O Recorrente considera que sim, invocando para tanto o contrato de concessão da Exploração e Gestão dos Serviços Públicos Municipais de Abastecimento de água e Saneamento do MUNICÍPIO DE (...), celebrado entre o mesmo e a 2ª Ré e pelo qual esta passou a ser a única responsável pela exploração e gestão dos referidos serviços.

Só que, o que está em causa, neste processo, nada tem a ver com a gestão e exploração dos serviços de abastecimento de água e de saneamento do MUNICÍPIO DE (...), muito embora, por força do aludido contrato e apenas durante a sua vigência, a tampa de saneamento em questão seja propriedade da 2ª Ré.

O que está em apreço, nesta lide, é saber se o Recorrente cumpriu, ou não, a sua obrigação e o seu dever de vigilância sobre o estado de conservação das vias municipais e de proceder prontamente às necessárias reparações por forma a permitir nelas a livre e segura circulação rodoviária, sem esquecer a sinalização de quaisquer anomalias que possam surpreender os utentes das vias, conforme determina o artigo 5 do C. E..

Ora, em face da matéria de facto tida como provada, resulta que o Recorrente descurou, ou omitiu, em relação àquela via, o seu dever de zelar pela respectiva manutenção permanente em condições de segurança permissíveis da livre circulação rodoviária, dado que a via estava aberta ao trânsito público sem quaisquer restrições.

Tal dever ou obrigação incumbia ao Recorrente, quer por força do artigo 7º nºs 1 e 2 da Lei 67/2007, de 31/12, (regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades publicas), quer em face do artigo 5º do Cód. da Estrada.

Assim sendo visto o probatório, (pontos 2 a 9), tendo o Tribunal a quo, condenado o Réu MUNICÍPIO DE (...), não tinha que apreciar a responsabilidade da 2ª Ré, como Ré subsidiária, uma vez que o 1º Réu não pode demitir-se da sua função pública de responsável pelo estado de conservação das estradas públicas sob a sua alçada.

Daí que a sentença recorrida não esteja ferida da nulidade prevista no artigo 615º/1/d) do CPC, ex vi do artigo 140º/3 do CPTA.

“Questões” para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto, isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e das que oficiosamente cabe conhecer (cfr. Antunes Varela in Revista de Legislação e Jurisprudência, 122º, pág. 112 e Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, em Código de Processo Civil Anotado, 2º, 2ª ed., pág. 704), as quais se distinguem dos argumentos ou motivos em que as partes fundam a sua posição na questão (v. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, 1984 (reimpressão), pág. 143 e Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 1972, pág. 228 e, na Jurisprudência, os Acórdãos do STJ de 12.05.2005, Rec. 05B840, do STA/Pleno de 21.02.2002, Rec. 034852, de 17.03.2010, Rec. 0964/09 e de 14.09.2017, Rec. 01249/16, entre tantos outros).

Em suma:

A Autora formulou o pedido de condenação do 1º Réu invocando, como causa de pedir, a omissão de deveres de cuidado deste.

Ora, tendo-se julgado que tal omissão se verificava, carecia de sentido a apreciação da responsabilidade que apenas subsidiariamente se imputou à 2ª Ré, até porque, como tem sido pacificamente aceite, a vigilância, fiscalização e sinalização das vias rodoviárias, quanto ao bom estado do piso para efeitos de circulação, ainda que abranja os elementos nela integrados, designadamente as tampas das caixas de saneamento situadas nas faixas de rodagem, é da competência de quem tem a jurisdição da via, neste caso o Município - (cfr. a seguinte jurisprudência:

No que à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública, designadamente no que respeita à violação dos deveres de fiscalização e conservação de vias de trânsito, é aplicável a presunção de culpa prevista no referido artº 493°, n° 1 do CC, como refere o Ac. do STA de 09/05/2002, proc. n° 048.301 Sumário
I - A presunção de culpa estabelecida no art.º 493, n.º 1, do CC, é aplicável à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos praticados no exercício da gestão pública.
II - Nesse caso, contudo, ao autor lesado cabe, primeiramente, o ónus de alegação e prova da base da presunção, ou seja, da ocorrência do facto causal dos danos.
, “(...) só é admissível colocar a questão da presunção da culpa “in vigilando” depois de estar demonstrado que o agente, por acção ou por omissão, praticou facto ilícito, isto é, um acto violador de direitos de terceiro, em que o objecto cuja vigilância lhe coubesse tenha tido uma intervenção ilícita relevante. A este cabe demonstrar que nenhuma culpa teve no desencadear do sinistro, ilidindo a presunção contra si estabelecida, mas àquele cabe, previamente, demonstrar a prática de tal acto (...)” - vide, neste sentido, o Ac. do STA de 23/05/2000, proc. n° 46.008 Sumário
I - Beneficiando o A. em acção de responsabilidade civil por acto de gestão pública, de presunção de culpa por parte do R., ao abrigo do n° 1 do artº 493°, do Cód. Civ., cabe-lhe apenas a prova da base da presunção, ou seja, da ocorrência do facto causal dos danos.
II - Feita tal prova, incumbirá então ao R. o encargo de que agiu sem culpa, por ter no caso empregado todas as providências exigidas para evitar o facto danoso.
III - A resposta negativa a um quesito implica que a respectiva matéria se tenha por não alegada no processo.
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Ora a ilisão de uma presunção “juris tantum” só é feita mediante a prova do contrário (demonstração da não existência do facto presumido e não só a criação de dúvidas a tal respeito), não sendo bastante a mera contraprova, pelo que o “non liquet” prejudica a pessoa/parte contra quem funciona a presunção.

A culpa do Réu Município decorre da violação do dever de diligência que impediu o conhecimento exigível.

Ora, para fundamentar um juízo de culpa, na vertente da negligência, não é necessário que o agente tenha representado o facto visto, basta a violação do dever de prudência que impediu essa representação quanto a mesma era exigível.

O STA, no seu Acórdão de 11/04/2002, proc. n° 48.442 Sumário
I - É aplicável à responsabilidade civil extracontratual dos municípios, por actos de gestão pública, a presunção de culpa estabelecida no art. 493º, n.º 1 do C.Civil.
II - A regra geral de caber ao lesado a prova da culpa do autor da lesão sofre inversão nas situações em que esteja estabelecida uma presunção de culpa, pois, em tal situação, ao lesado incumbe, apenas, o ónus da prova da base de presunção entendida como o facto conhecido de que se parte para firmar o facto desconhecido.
III - Em tais situações, ao autor da lesão incumbe a prova principal de que não teve qualquer culpa no acidente gerador de danos, mas e também a de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, adequadas a evitar o acidente.
IV - A presunção de culpa pode ser ilidida se, não obstante a realidade da base de presunção, a culpa não existe.
V - Sendo o acidente causado pelo embate de um veículo automóvel numa tampa de saneamento levantada e desviada do seu lugar e sem sinalização do facto, a presunção de culpa só ficaria ilidida com a prova do correcto cumprimento de todas as obrigações de guarda e vigilância, a adopção de medidas para não permitir que tal tampa se possa acidentalmente soltar com a mera continuação de tráfego, mais ou menos intenso ou rápido, ou pudesse ser alvo fácil de vandalismo, ou pela prova de o acidente ser imputável ao próprio lesado ou a terceiro concretamente identificado, ou causado por caso fortuito ou de força maior.
, sustentou que “(...) tal presunção só ficaria ilidida com a prova da adopção de todas as providências que, segundo a experiência comum, as regras técnicas fossem susceptíveis de evitar o perigo, de prevenir o dano, v.g. exercício regular de fiscalização, adopção de técnicas de fixação adequadas, eficazes, resistentes a vandalismo ou, conforme o previsto no artº 505. ° C. Civil, pela prova de o acidente ser imputável ao próprio lesado, a terceiro ou ter resultado de força maior ou caso fortuito (...).” E no Acórdão de 15/01/2002, proc. n° 41.172 Sumário
(…)
II - É irrelevante a actuação de uma Câmara Municipal após a ocorrência de um acidente por falta de sinalização de um obstáculo que lhe competia sinalizar, bem como a referência a conhecimento posterior da anomalia, se não articulou factos anteriores ao acidente, de molde a que da sua articulação se possa concluir que actuou com a diligência que lhe era exigível., decidiu-se: “(...) Às Câmaras é exigido que tenham os seus serviços organizados, seja através de brigadas de fiscalização ou de outros meios criados e idóneos para o efeito, que lhe permitam, em tempo razoável, detectar deficiências e corrigi-las, de molde a afastar o perigo para o trânsito. Para afastar a sua culpa, a sua “faute de servisse”, como pretendia a Ré, tornava-se necessário conhecer a sua actividade de rotina em casos destes, nomeadamente se tinha organizado brigadas de fiscalização, de quanto em quanto tempo actuavam, etc., pois só assim se podia ficar a conhecer o seu grau de diligência e, através dele, saber se tinha actuado ou não com culpa (...).”

Nesta mesma linha doutrinou-se no Acórdão de 18/06/2003, proc. n° 365/03
Sumário
I - É aplicável à responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais por factos ilícitos culposos praticados no exercício da gestão pública a presunção de culpa estabelecida no artigo 493, nº 1, do Código Civil.
II. Em caso de presunção legal de culpa, verifica-se uma inversão das regras relativas ao ónus da prova, estabelecidas no artigo 342 do Código Civil, passando a caber ao lesado, apenas, o ónus da prova do facto que serve de base à presunção e cabendo ao autor da lesão a prova principal de que não teve qualquer culpa na produção do acidente gerador dos danos, bem como de que tomou todas as providências necessárias para impedir o acidente ou de que este se deveu a caso fortuito ou de força maior, determinante, por si só, do evento danoso.
III. Tendo o acidente sido causado pelo embate de um veículo automóvel na tampa de uma caixa de saneamento que saiu do respectivo encaixe à passagem desse veículo, a presunção de culpa só ficaria ilidida com a prova do adequado cumprimento por parte do réu de todas as obrigações de guarda e vigilância, de forma a não permitir que tal tampa se pudesse acidentalmente soltar com a mera continuação de tráfego, mais ou menos intenso ou rápido, ou pudesse ser alvo fácil de vandalismo, ou pela prova de o acidente ser imputável ao próprio lesado ou a terceiro concretamente identificado, ou causado por caso fortuito ou de força maior.
, que “(...) Tendo o acidente sido causado pelo embate de um veículo automóvel na tampa de uma caixa de saneamento que saiu do respectivo encaixe à passagem desse veiculo, a presunção de culpa só ficaria ilidida com a prova do adequado cumprimento por parte do réu de todas as obrigações de guarda e vigilância, de forma a não permitir que tal tampa se pudesse acidentalmente soltar com a mera continuação de tráfego, mais ou menos intenso ou rápido, ou pudesse ser alvo fácil de vandalismo, ou pela prova de o acidente ser imputável ao próprio lesado ou a terceiro concretamente identificado, ou causado por caso fortuito ou de força maior.”

Na situação dos autos ao Autor, dada a presunção de culpa dos RR., apenas incumbia o ónus da prova de base da presunção, ou seja, o facto conhecido de o acidente ter sido causado pela existência de uma tampa de saneamento levantada sem qualquer sinalização, na via pública cuja obrigação de vigilância e conservação estava a cargo também do R. Município, ficando dispensado, assim, da prova da culpa concreta ou de serviço por parte do R.. Era sobre este último que impendia a prova de adopção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem susceptíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

Entre outros, v. ainda, os Acs. do STA de 10/02/2000, proc. n° 45101, de 23/05/2000, proc. n° 46.008, de 11/04/2002, proc. n° 48.442, de 15/01/2003, proc. n° 1253/02 e de 14/04/2005, proc. n° 086104).

Como já se sublinhou, o Tribunal considerou não provado:
a) Os serviços do 1.º R. possuem um corpo especializado de técnicos que sistematicamente procedem à vigilância do estado de conservação e sinalização das respetivas vias municipais, colmatando de imediato qualquer deficiência a nível de sinalização;
b) Corpo esse que diariamente percorre todas as vias municipais, de forma a permitir que a circulação automóvel se processe sem qualquer tipo de perigo.

Assim, como sentenciado, competia ao Réu/Município alegar e provar as providências que adotou no sentido de fiscalizar, vigiar e sinalizar a via de modo a que nesta não existissem obstáculos ou perigos para a circulação rodoviária, o que não logrou. Não tendo ilidido a presunção de culpa que sobre si recaía e considerando que os danos causados no veículo o foram por causa da existência da tampa de saneamento levantada na via, deve o Réu ser condenado ao pagamento do montante suportado a título de custo da sua reparação que, como se provou, ascende a € 9 887,64.

Visto, pois, o pedido principal, temos que o Tribunal a quo enfrentou todas as questões, sendo que não podem confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão - v. a Doutrina e a Jurisprudência já acima trazidas à colação.

Acresce que, tendo o Recorrente sido condenado, como foi, nenhum interesse tem, neste processo, em que o Tribunal conheça também da responsabilidade da 2ª Ré, chamada, apenas, a título subsidiário.
Efectivamente, não estando em causa, no âmbito dos autos, qualquer relação jurídica estabelecida entre ambos os RR., não se vislumbra, após a condenação do 1º Réu, qual o interesse do mesmo, ao pretender que o Tribunal aprecie também a responsabilidade da Ré subsidiária, na medida em que o Tribunal, conhecendo plenamente do pedido, condenou-o como principal responsável pelo estado de conservação e de segurança das estradas sob a sua alçada, sem necessidade de julgar também a 2ª Ré chamada, repete-se, subsidiariamente.

Do 2º fundamento do recurso -

Neste domínio entende o Recorrente que as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão foram mal interpretadas no presente caso.

Aduz para o efeito que, tendo sido concessionada à 2ª Ré a exploração e a gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento e saneamento do MUNICÍPIO DE (...), em 01/01/2001, os problemas técnicos que façam levantar as tampas de saneamento, designadamente pela chuva, deixaram, desde então, de pertencer ao domínio do Recorrente e passaram a ser do domínio da Ré ÁGUAS DE (...); daí não ser possível concluir pela violação de qualquer dever de cuidado por parte do MUNICÍPIO DE (...), porquanto lhe era impossível prever que a chuva iria levantar tampas de saneamento colocadas na faixa de rodagem.

Não secundamos esta leitura.

Na verdade, o que está em causa no presente processo não são as eventuais questões técnicas que podem fazer levantar as tampas de saneamento existentes no pavimento das estradas sob a alçada do Recorrente.

O que está aqui em causa, tal como decorre dos factos provados nos pontos 5 e 6 da matéria de facto, é que o condutor do XX-XX-XX, ao passar pelo local do acidente, após sentir um forte estrondo proveniente da parte inferior traseira do veículo, verificou que o mesmo havia embatido numa tampa de saneamento que estava levantada em posição diagonal relativamente ao nível da estrada.

Nada se sabe sobre a circunstância que fez levantar a tampa de saneamento, nem sobre os problemas técnicos que originaram o levantamento da aludida tampa, nem há quanto tempo ela assim estava.

O que se apurou é que a dita tampa estava levantada em relação ao nível da faixa de rodagem, constituindo um perigo para a circulação rodoviária e não estava devidamente sinalizada nos termos da lei (artigo 5º do CE).

Ora, a quem incumbia, permanentemente, zelar pela segurança e boa manutenção das vias de trânsito, no local do sinistro, era ao 1º Réu, sendo-lhe, assim, vedado eximir-se de tal responsabilidade perante os utentes da via, ainda que seja através de um contrato de concessão de exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento, que, reitera-se, não está em equação nos autos.

Não pode, por isso, o Recorrente vir alegar que transferiu para a 2ª Ré a sua responsabilidade como zelador do bom estado de conservação e da segurança das estradas que lhes estão confiadas. O Réu/Município continua no exercício dessa competência, sendo a 2ª Ré alheia ao exercício de tais funções.

Ainda que o 1º Réu o tenha feito através de um contrato de concessão, tal contrato é inoponível, perante o público utente das vias, que não interveio nem subscreveu o negócio, e sobretudo porque o 1º Réu não pode eximir-se das suas competências e responsabilidades emergentes da função pública que exerce - argumenta-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.

A responsabilidade do 1º Réu pelo estado de conservação e de segurança das vias de trânsito é inalienável perante os seus utentes e perante o público em geral, porque emerge directamente da Lei - artº 7º/1 do RRCEC - e integra o quadro das suas competências.

Dito de outro modo, o alegado contrato de concessão nada tem a ver ou interfere com a responsabilidade do 1º Réu como zelador do bom estado de conservação das estradas em causa.

Está demonstrado que a tampa de saneamento que provocou este acidente estava inserida sensivelmente a meio da hemifaixa de rodagem por onde o SX circulava, fazendo assim parte integrante do piso da via municipal que incumbia ao 1º Réu vigiar e cuidar.

Resultou, bem assim, demonstrado que o acidente sub judice ocorreu pelo facto de a aludida tampa - que faz parte integrante do piso rodoviário - se encontrar levantada, na posição diagonal, relativamente ao nível da estrada.

Como e bem se decidiu na sentença, para efeitos de segurança rodoviária, é ao 1º R. que incumbia a fiscalização, vigilância e conservação da faixa de rodagem onde se deu o acidente, a quem compete a manutenção das boas condições do piso da estrada com vista à circulação segura na mesma.

Não tendo este demonstrado que cumpriu essa sua obrigação, forçosa é a sua responsabilização pelos prejuízos decorrentes do presente sinistro. Daí a sua condenação.

Logo, ao contrário do que aduz o Apelante, estão verificados todos os pressupostos da sua responsabilidade:
-O facto omissivo de natureza voluntária, a ilicitude traduzida na ofensa de direitos de terceiro, a culpa aqui presumida, o dano causado e o nexo causal estabelecido entre a conduta do 1º Réu e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada.

Em face do exposto, não lhe assiste razão; pelo contrário, foi bem condenado ao abrigo do quadro normativo em vigor.

Assim sendo, fica prejudicado o conhecimento da matéria atinente à ampliação do objecto do recurso.

Improcedendo as conclusões da alegação, manter-se-á na ordem jurídica o aresto em referência.

DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso
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Custas pelo Recorrente.
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Notifique e DN.
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Porto, 19/02/2021



Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas