Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02078/21.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/10/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL;CONTRATO DE TRABALHO;
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PARA DIRIMIR O PRESENTE LITÍGIO;CONTRATO DE TRABALHO REGIDO PELO CÓDIGO DO TRABALHO;
ABSOLVIÇÃO DA ENTIDADE DEMANDADA DA INSTÂNCIA POR VERIFICAÇÃO DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA;
ACERTO DA DECISÃO RECORRIDA/NÃO PROVIMENTO DO RECURSO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autor «AA» e Ré a JUNTA DE FREGUESIA ..., ambos neles melhor identificados, foi proferida decisão que ostenta o seguinte discurso fundamentador:
Na sua contestação, a entidade demandada invoca a incompetência material dos Tribunais Administrativos para dirimir o presente litígio, pugnando que a competência para esta matéria é dos Tribunais Judiciais.
Na réplica apresentada o autor pugna pela competência dos Tribunais Administrativos.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 13.º do CPTA a competência dos tribunais administrativos é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
A competência exprime a medida de jurisdição de um tribunal, isto é, o poder de julgar um determinado litígio.
Assim, a competência, como pressuposto processual que é, afere-se pela forma como o autor configura o litígio, sobre o qual o Tribunal se vai pronunciar, ou, dito de outro modo, afere-se pelo quid disputatum, e não pelo quid decisum, ou como o Tribunal de Conflitos tem reiterado, em função dos termos em que ação é proposta – cfr. Manuel de Andrade – Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91; e entre outros, Acórdão do Tribunal de Conflitos de 17.05.2007, Proc. 5107.
Pelo que «para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir)» – in Acórdão do STA de 25.11.2010, Proc. 021/10 –, isto é, deve atender-se à pretensão material do autor bem como aos factos invocados com relevância jurídica que, segundo este, preenchem a previsão normativa invocada.
Da p.i. apresentada pelo autor é possível retirar o seguinte:
- Foi contratado pela ré por contrato a termo certo, celebrado em julho de 2008, para exercer funções correspondentes à categoria profissional de auxiliar de cantoneiro de vias;
- Devido a sucessivas renovações, o contrato de trabalho a termo, convolou-se em contrato de trabalho sem termo;
- A 30.06.2020 procedeu à resolução do contrato de trabalho com a ré atento o comportamento culposo da empregadora;
- Por não efetivar a sua integração nos quadros;
- E porque se desde 2012 se via forçado a realizar 40 horas semanais de trabalho, sendo que o horário era de 35 horas;
- A que acresce a precariedade das condições de trabalho ao longo dos anos, ao faltar material para o próprio exercício da atividade, bem como material para a segurança e proteção, como luvas, botas biqueira de aço e calças anti corte; - O que está na origem de diversos acidentes de trabalho que sofreu;
- Sendo, que apesar de ter solicitado reiteradamente a reabertura dos processos de acidente de trabalho para fixação de incapacidade, a ré sempre se recusou a fazer;
- A ré não proporcionou qualquer formação profissional, como imposto no artigo 131.' do Código do Trabalho;
- A ré também lhe impôs a realização de diversas tarefas em nada similares ou correspondentes à da sua categoria profissional;
- A relação laboral deteriorou-se e foi alvo de ameaças, perseguições e vigias; - A ré impediu-lhe o gozo da totalidade das férias do ano de 2019, nem lhe pagou o correspondente subsídio de férias, violando o artigo 246.' do Código do Trabalho;
- Assim, pretende o pagamento de subsídio de férias, das férias não gozadas, de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
- Bem como o pagamento das diferenças salariais entre o que recebeu e o que se impunha ter recebido atenta a sua categoria profissional, e ainda o pagamento de uma hora de trabalhão suplementar diária desde janeiro de 2012;
- Pretende ainda o pagamento das horas de formação que não teve;
- E a fixação de uma indemnização nos termos do disposto no artigo 396.° do Código do Trabalho.
Pretende o autor, com a presente ação, que a entidade demandada seja condenada a pagar-lhe várias prestações pecuniárias provenientes da relação laboral a que pôs termo a 30.06.2020.
O que está em causa, portanto, na presente ação é a definição da resolução do contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré e a fixação das correspondentes quantias pecuniárias a que o autor terá eventualmente direito.
Nos termos dos artigos 212.°, n.° 3 da Constituição e 1.°, n.° 1 do ETAF os tribunais administrativos são competentes para administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
No artigo 4.° do ETAF o legislador densificou a competência dos tribunais administrativos apresentando, a título exemplificativo, litígios cuja competência pertencerá aos tribunais administrativos: são situações típicas de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
O artigo referido estabelece no número 1, al. a) a d), o seguinte:
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
(...)
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
Por sua vez, o n.° 4 do mesmo artigo exclui do âmbito da jurisdição administrativa, entre outras, o seguinte:
4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
(...)
b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;
Decorre, portanto, deste último normativo, a contrario, que os litígios referentes às relações laborais só são da competência dos Tribunais Administrativos quando entre a entidades públicas e o trabalhador exista um vínculo de emprego público.
Ora, para perceber o que é um “vínculo de emprego público” torna-se necessário recorrer aos artigos 6.° a 9.° da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de junho.
De acordo com estes normativos um vínculo de emprego público é aquele que se constitui através da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas, através da nomeação ou através de comissão de serviço.
E como estabelece o artigo 12.° da mesma LGTFP é relativamente a essas relações estabelecidas por qualquer dessas modalidades que os Tribunais Administrativos são competentes.
Ora, analisados os autos afigura-se que o contrato celebrado pelo autor não se enquadra nesta tipologia, sendo antes um contrato de trabalho sujeito ao regime jurídico de direito privado, designadamente ao código do trabalho.
O contrato foi junto pelo autor como doc. 1 com a p.i.
A relação laboral como alegada na p.i., e plasmada no contrato de trabalho iniciou-se com um contrato de trabalho a termo certo.
Ora, o autor alega que o contrato foi sucessivamente renovado e converteu-se em contrato de trabalho sem termo. Invoca ao longo da p.i. normas jurídicas provenientes do Código do Trabalho.
Estas caraterísticas do contrato e os fundamentos jurídicos invocados afiguram-se suficientes para firmar a convicção de que a relação laboral em causa não constitui entre o autor e a ré um vínculo de direito público, não se tratando, o contrato em causa, de um contrato de trabalho em funções públicas. Mas de um contrato laboral que estabelece uma relação jurídica laboral de direito privado, sujeito, portanto, a normas do Código do Trabalho.
Na réplica apresentada, o autor não nega que o contrato em causa tenha estabelecido uma relação jurídica de direito privado e esteja sujeito às normas do Código do Trabalho. Refere que houve uma conversão ope legis do contrato em causa em contrato de trabalho em funções públicas a partir de 01.01.2009 (artigo 5°).
Afigura-se, no entanto, que não lhe assiste razão.
Na verdade, a Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro não convertem nenhum contrato de trabalho de direito privado em contrato de trabalho em funções públicas, já que não há qualquer previsão jurídica relativamente a esses contratos (veja as normas que preveem a adequação de várias tipologias de relações no novo quadro que tal Lei veio estabelecer nos artigos 88.° e ss. E é neste contexto que a Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro estabelece o regime e o regulamento do contrato de trabalho em funções públicas, estabelecendo para os contratos de trabalho em funções públicas um regime jurídico distinto daquele é que regido pelo Código do Trabalho.
Ora, o autor ao longo da sua p.i. não invoca sequer uma norma jurídica de direito público, mas apenas do Código do Trabalho, revelando, portanto, que está em causa uma relação laboral constituída e regida pelas normas jurídicas do Código do Trabalho.
Nesta sequência afigura-se ser de concluir que os Tribunais Administrativos são materialmente incompetentes para dirimir o presente litígio, já que, não obstante estar em causa uma entidade pública, o contrato em causa não é um contrato de trabalho em funções públicas, mas um regido pelo Código do Trabalho. Como já se referiu, à luz do artigo 4.°, n.° 4, al. b) do ETAF, os Tribunais Administrativos só são competentes em relação de natureza laboral quando o vínculo jurídico-laboral constitui uma relação jurídica de emprego público.
Assim, afigura-se assistir razão à entidade demandada, quando sustenta que os Tribunais Administrativos são incompetentes para apreciar o presente litígio.
É, pois, de concluir pela absolvição da instância por verificação da incompetência absoluta em razão da matéria (artigos 14.°, n.° 2 do CPTA e 96.°, 99.° e 278.°, n.° 1, al. a) do CPC).
X
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem por objeto o saneador-sentença proferido nestes autos, no qual o Tribunal a quo concluiu e decidiu que os Tribunais Administrativos são materialmente incompetentes para dirimir o presente litígio.
2. Acontece que o contrato do Autor com a Ré converteu-se ope legis em contrato de trabalho em funções públicas, a partir de 01.01.2009, à luz do preceituado na Lei 12-A/2008, de 27/2, e da Lei 59/2008, de 11/9.
3. A relação laboral entre o Autor e a Ré, a partir daquela data de 1 de janeiro de 2009, rege-se pelo disposto no regime dos contratos em funções públicas e não na lei geral laboral.
4. A competência dos tribunais administrativos resume-se às situações típicas de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas (art. 1, nº 1 do ETAF).
5. E, em detrimento da conversão ope legis ocorrido no contrato de trabalho do Autor, passando este a tratar-se de um contrato de trabalho em funções públicas, a partir de 01.01.2009, nos termos do art. 17.º, n.º 2, da Lei 59/2008, de 11/9, este tribunal é competente, em razão da matéria, para o apreciar e decidir.
6. O Autor não formulou qualquer pedido referente ao período anterior a 1 de janeiro de 2009 (caso em que seria competente o tribunal do trabalho territorialmente competente, à luz do Ac. do STJ de 16 de junho de 2015, pelo que a apreciação das questões suscitadas compete exclusivamente à jurisdição administrativa.
7. Nestes termos, o Tribunal a quo deveria ter julgado improcedente a exceção dilatória de incompetência material deste tribunal administrativo, por não provado.

Nestes termos e nos melhores de direito que suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, assim se fazendo inteira justiça!
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
O presente recurso tem por objeto o saneador-sentença no qual o Tribunal a quo concluiu e decidiu que os Tribunais Administrativos são materialmente incompetentes para dirimir o presente litígio.
Vejamos,

Nos termos do artº 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer matéria.
A competência material dos tribunais administrativos traduz-se numa exceção dilatória de conhecimento oficioso, a todo o tempo, que determina a absolvição da instância, sem prejuízo da possibilidade de se propor outra ação sobre o mesmo objeto (artigos 96.º, 97º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. a), 279.º, 576.º, n.º 2, 577.º, al. a), 578.º do CPC ex vi artº 1.º do CPTA).
De acordo com o artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e o artº 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, sendo certo que, no seio da jurisdição, a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais fiscais para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios serem emergentes, respetivamente, de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais.
Na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, estabelece-se que compete aos tribunais (administrativos e/ou fiscais) a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto a «Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por pessoas coletivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal […]»..
Como também é sabido, a competência afere-se em função dos termos da ação, tal como definidos pelo autor, a saber os objetivos, pedido e causa de pedir, e os subjetivos, respeitantes à identidade das partes (cfr. Acs. do Tribunal de Conflitos de 28.9.2010, P. 023/09 e de 20.9. 2011, P. 03/11).
A competência dos tribunais é aferida em função dos termos em que a acção é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal afere-se, pois, pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum), é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 91.
A competência do tribunal não depende da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.

Discute-se no processo se é o Tribunal do Trabalho o competente para julgar o litígio dos autos, ou se esta competência pertence aos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Repete-se que é entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o Autor coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado. E, nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo quid disputatum, isto é, pelo pedido do autor e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo autor.
Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados.
Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial e do respectivo pedido que deveremos decidir da questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento.

Voltando ao caso concreto, temos, como referido pelo Tribunal a quo, que o Autor ao longo da sua p.i. não invoca sequer uma norma jurídica de direito público, mas apenas do Código do Trabalho, revelando, portanto, que está em causa uma relação laboral constituída e regida pelas normas jurídicas do Código do Trabalho.
O Autor, aliás, não nega que o contrato em causa tenha estabelecido uma relação jurídica de direito privado e esteja sujeito às normas do Código do Trabalho.
Aponta que houve uma conversão ope legis do contrato em causa em contrato de trabalho em funções públicas a partir de 01.01.2009.
Todavia, como bem explicitado na decisão recorrida, não lhe assiste razão.
Na verdade, a Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro não converte nenhum contrato de trabalho de direito privado em contrato de trabalho em funções públicas, já que não há qualquer previsão jurídica relativamente a esses contratos (veja as normas que preveem a adequação de várias tipologias de relações no novo quadro que tal Lei veio estabelecer nos artigos 88.° e seguintes. E é neste contexto que a Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro estabelece o regime e o regulamento do contrato de trabalho em funções públicas, estabelecendo para os contratos de trabalho em funções públicas um regime jurídico distinto daquele é que regido pelo Código do Trabalho.
Assim, andou bem o Tribunal ao concluir que os Tribunais Administrativos são materialmente incompetentes para dirimir o presente litígio, já que, não obstante estar em causa uma entidade pública, o contrato em causa não é um contrato de trabalho em funções públicas, mas um regido pelo Código do Trabalho.
Ora, à luz do artigo 4.°, n.° 4, al. b) do ETAF, os Tribunais Administrativos só são competentes em relação de natureza laboral quando o vínculo jurídico-laboral constitui uma relação jurídica de emprego público.
Em suma,
A competência dos tribunais administrativos resume-se às situações típicas de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas (artº 1, nº 1 do ETAF).
E conforme advoga Fernandes Cadilha “por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado, as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (…)” - cfr. Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, págs. 117/118.
A jurisdição administrativa tem competência para a apreciação dos litígios com origem na Administração pública lato sensu e que envolvam a aplicação de normas de direito administrativo ou fiscal ou a prática de actos a coberto do direito administrativo.
In casu, para perceber o que é um “vínculo de emprego público” torna-se necessário recorrer aos artigos 6.° a 9.° da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de junho.
De acordo com estes normativos um vínculo de emprego público é aquele que se constitui através da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas, através da nomeação ou através de comissão de serviço.
E como estabelece o artigo 12.° da mesma LGTFP é relativamente a essas relações estabelecidas por qualquer dessas modalidades que os Tribunais Administrativos são competentes.
Ora, analisados os autos temos que o contrato celebrado pelo Autor não se enquadra nesta tipologia, sendo antes um contrato de trabalho sujeito ao regime jurídico de direito privado, designadamente ao Código do Trabalho.
A relação laboral, como alegada na p.i. e plasmada no contrato de trabalho junto, iniciou-se com um contrato de trabalho a termo certo.
O Autor alega que o contrato foi sucessivamente renovado e converteu-se em contrato de trabalho sem termo. Invoca ao longo da p.i. normas jurídicas provenientes do Código do Trabalho.
Estas caraterísticas do contrato e os fundamentos jurídicos invocados afiguram-se suficientes para se concluir que a relação laboral em causa não constitui entre o Autor e a Ré um vínculo de direito público, não se tratando, o contrato em apreço, de um contrato de trabalho em funções públicas mas de um contrato laboral que estabelece uma relação jurídica laboral de direito privado, sujeito, portanto, a normas do Código do Trabalho.
Nestes termos, bem decidiu o Tribunal ao reconhecer razão à Entidade Demandada quando sustentou que os Tribunais Administrativos são incompetentes para apreciar o presente litígio e ao concluir pela absolvição da mesma instância por verificação da incompetência absoluta em razão da matéria - artigos 14.°, n.° 2 do CPTA e 96.°, 99.° e 278.°, n.° 1, al. a) do CPC.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 10/01/2025

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Isabel Jovita