Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03207/09.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/26/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; CADUCIDADE DA ADJUDICAÇÃO; AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS; FARMÁCIA
Sumário:
I-A audiência de interessados, como figura geral do procedimento administrativo, representa o cumprimento da imposição constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações administrativas que lhes disserem respeito, determinando para o órgão administrativo competente a obrigação de incluir o administrado, como agente activo, na tarefa de preparar a decisão que o afectará;
I.1-o fim legal desta formalidade é o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o projecto de decisão e, para isso, a notificação da proposta de decisão deve fornecer-lhes todos os aspectos que foram relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, podendo os interessados chamar a atenção do órgão decisor para a relevância de certos interesses ou pontos de vista relativos ao objecto do procedimento e que não foram considerados, bem como requerer diligências e juntar documentos, sem prejuízo das que, oficiosamente, se entenderem ainda de realizar após a audiência;
I.2-a audiência prévia dos interessados no procedimento administrativo configura um princípio estruturante da actividade administrativa e, portanto, uma formalidade legal essencial, cuja inobservância fere o acto de anulabilidade por vício de procedimento, excepto nos casos expressamente previstos na lei de inexistência e dispensa dessa audiência;
I.3-in casu estamos perante um acto que declara a caducidade de uma adjudicação, isto é, uma intervenção administrativa que afasta a ora Recorrida, definitivamente, do procedimento administrativo em curso, pelo que há de aplicar-se o artº 100º do CPA, que visa, essencialmente, permitir aos destinatários das prescrições administrativas lesivas pronunciarem-se sobre os actos que os afectam e consentir-lhes participar na formação da vontade final da Administração;
I.4-a dispensa de audiência prévia tem de ser objecto de decisão expressa fundamentada que, no caso, inexistiu;
I.5-a questão dos efeitos não invalidantes da preterição do princípio da audiência, designadamente, por apelo ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos só é invocável quando seja possível afirmar que a decisão tomada é a única concretamente possível, o que passa, desde logo, pela possibilidade de se poder apreciar a legalidade do acto, não bastando que se trate de acto vinculado.*
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:HSJ, E.P.E
Recorrido 1:SFUHSJ – SF, LDA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento a ambos os recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:RELATÓRIO
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
SFUHSJ – SF, LDA., com sede no HSJ, Alameda P…, Porto, instaurou acção administrativa especial de impugnação dos actos da autoria do Conselho de Administração do HSJ, E.P.E., constantes da Deliberação de 10/09/2009, no âmbito da qual se decidiu a caducidade da adjudicação (à Autora) do contrato de concessão de serviço público objecto do Concurso Público nº 31000807 - “Instalação, abertura e funcionamento de Farmácia de dispensa de medicamentos ao público, no HSJ, EPE” e a adjudicação do mesmo contrato à Contrainteressada, e o consequente contrato celebrado entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada, contra o HSJ, E.P.E., identificando como Contrainteressada a empresa SCFH - SCFH, S.A., com sede na Rua D…, 3260 - 424, Figueiró dos Vinhos.
Pediu a procedência da acção e, em consequência, que os actos impugnados sejam:
i) Anulados por vício de forma, atenta a ofensa de norma procedimental imperativa (cfr. art. 100º do CPA);
Ou, se assim não se entender,
ii) Anulados por vício de violação de lei, atenta a ofensa do disposto nos artigos 5º/2 e 6º-A do CPA;
Ou, se assim não se entender,
iii) Anulados por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, atenta a errada interpretação do artº 105º/1/1ª parte do CCP;
Em todos estes casos, deverá ser anulado o contrato de concessão celebrado com a Contrainteressada, atenta a invalidade consequencial deste contrato (artº 185º/ 1 do CPA). Para o caso de assim não se entender, pediu a anulação do contrato celebrado com a Contrainteressada por vício de violação de lei, atenta a ofensa do artº 104º/1/a) em concatenação com o artº 77º/1, ambos do CCP.
O TAF do Porto decidiu assim: julga-se a presente acção administrativa especial totalmente procedente, anulando-se a Deliberação de 10.09.2009 do Conselho de Administração do HSJ, E.P.E., na qual se decidiu a caducidade da adjudicação (à Autora) do contrato de concessão de serviço público objecto do Concurso Público n.º 31000807 – “Instalação, abertura e funcionamento de Farmácia de dispensa de medicamentos ao público, no HSJ, EPE” (adiante “Concurso”) e a adjudicação do mesmo contrato à Contrainteressada, anulando-se, ainda, o consequente Contrato n.º 17/2009 celebrado entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada.
Deste acórdão vêm interpostos recurso.
A entidade Demandada recorre ainda da decisão proferida em sede de despacho saneador no segmento em que declarou improcedente a excepção de caducidade e considerou não ser necessário abrir um período de produção de prova.
*
Alegando, o HSJ, E.P.E. formulou as seguintes conclusões:
1- A matéria factual vertida nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 15º, 16º, 17º, 21º, 22º, 23º, 48º, 52º, 118º, 119º, 121º e 122º, da contestação de fls….é matéria controvertida que o Tribunal “a quo” não incluiu (e devia ter incluído) na selecção da matéria de facto de fls., bem como a necessidade e essencialidade da produção da demais prova requerida e a realização da respectiva inquirição de testemunhas.
2- Há factos controvertidos que carecem de produção de prova, pelo que terá que se abrir o necessário e respectivo período de instrução, sob pena de os factos alegados pelo Recorrente e as várias soluções plausíveis para as várias questões de direito que se levantam, ficarem prejudicadas, o que é uma violação insuportável do direito constitucional e comunitário à tutela jurisdicional efectiva,
3- A decisão recorrida de fls. deve ser revogada e substituída por outra que ordene a produção de prova, procedendo-se à selecção da matéria de facto controvertida e se dê lugar à apreciação e admissão dos respectivos requerimentos probatórios, sob pena de violação dos artigos 20º CRP, 2º, 7º, 8º, 87º, nº 1, c), 90º do CPTA e 513º, 514º, 515º, 516º, 545º, 655º, nº 2659, nº 3 e 668º do CPC e do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas também, no plano internacional, da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, vulgo Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do Tratado da União Europeia, da Carta Europeia dos Direitos do Homem e da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia.
4- O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já afirmou, em múltiplos acórdãos, que, por força do direito fundamental dos particulares a um processo equitativo, “… o tribunal tem a obrigação de proceder a um exame efectivo dos meios, argumentos e elementos de prova oferecidas pelas partes”, não sendo admissível que desconsidere liminarmente, por entender desnecessária, in casu, a prova testemunhal, ainda antes de a mesma se realizar, privando a parte de recorrer a todas as armas que tem à sua disposição e violando, também, a própria estrutura do processo administrativo enquanto processo de partes e onde vigora o princípio do dispositivo (cfr. Acórdão do TEDH, Kraska, de 19 de Abril de 1993, A 254-B, pág. 49, § 30; Decisão de 20 de Maio de 1996, Queixa nº 24.667/94, Déc. Rap. 85-A, pág. 103; e IRINEU CABRAL BARRETO, ob. cit., pág. 165).
5- O artigo 47º, parágrafo segundo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cujo valor jurídico vinculativo é reconhecido no artigo 6º nº 1 do TUE, estabelece que “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa…”, sendo que, como resulta do supra exposto, o direito a um processo equitativo é um corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
6- A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo a afirmar, desde a década de 60, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, no seu sentido mais amplo.
7- O Tribunal deve ordenar, ao abrigo do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, para a interpretação a dar ao artigo 6º do Tratado da União Europeia e ao artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, questionando-o se aqueles artigos deverão ser interpretados no sentido de não admitir, sob pena de violação do direito fundamental a um processo equitativo, que os órgãos jurisdicionais não permitam, em sede de instrução, que as partes ofereçam e realizem a prova requerida. E, ainda, por outro lado, qual a interpretação daqueles mesmos artigos no caso de o Tribunal dispensar a fase de produção de prova quando há factos controvertidos e ainda quando os factos a provar sejam essenciais e/ou indispensáveis ao apuramento de factos alegados pelas partes e que ainda não se considerem provados pela prova realizada até essa fase processual.
8- A matéria referente à natureza do contrato é matéria de interpretação e direito e não matéria de facto e, por isso o Tribunal “a quo” apenas podia ter dado por assente a existência do referido contrato, do seu teor e de como o mesmo é denominado (é apenas neste sentido que se pode interpretar a matéria de facto dada por assente nas alíneas A), C), G), H), L), Q) a fls. 231, 232 e segs. do douto despacho recorrido).
9- Importa interpretar a natureza do contrato em causa e o âmbito de aplicação do artigo 100º do CPTA incluindo a Directiva 89/665/CEE de que o contencioso pré-contratual é transposição. Da análise das cláusulas que constituem o referido contrato resulta que o mesmo será um contrato misto onde predomina claramente matéria que permite determinar que se trata de um contrato de fornecimento de bens e prestação de serviços farmacêuticos, sendo aliás, esta última a sua actividade central. (cfr. doc. fls. 661/SA e segs. do p.a.; alíneas B) e C) (artigo 2º nº 2; artigo 15º, 26º) L) Q) e BB) (cláusula 7ª) da matéria de facto assente do douto acórdão recorrido de fls..
10- Não restam dúvidas quanto ao facto de se enquadrar no âmbito do artigo 100º do CPTA e da Directiva 89/665/CEE de que o contencioso pré-contratual é transposição. Assim, quando a acção foi instaurada já havia caducado o direito de acção atento o prazo do artigo 101º do CPTA. E ao entender o contrário o douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 9º do C.C., 100º e segs. do CPTA mas também a Directiva Recursos (nº 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro e 92/13/CEE) e as Directivas nºs 92/50/CEE, do Conselho de 18 de Junho; 93/36/CEE e 93/37/CEE, do Conselho de 14 de Junho.
Acresce que,
11- No acórdão de fls., foi dada por assente matéria de facto que não havia sido dada por assente no despacho saneador de fls., sendo que, o Tribunal “a quo” deu por assente que o procedimento visava a celebração de um contrato de concessão, instalação, abertura e funcionamento da farmácia de dispensa de medicamentos ao público no HSJ. (cfr. matéria de facto dada por assente nas alíneas A), C), G), H), L), Q) do douto acórdão de fls.)
12- As datas dadas por assentes nas alíneas Y), Z), AA), BB) e CC) da matéria de facto, não têm qualquer correspondência com as datas reais e que constam dos próprios documentos, provavelmente qualquer lapso de escrita que importa rectificar.
13- Não se vislumbra qualquer razão para que o Tribunal “a quo” não tenha dado por assente a matéria factual vertida no artigo 18º, 19º e 20º da contestação. Pelo menos, devia ter dado por assente que a Autora instaurou neste Tribunal a acção de contencioso pré-contratual que corre termos sob o nº 2362/07.0BEPRT dando-se por reproduzida a respectiva p.i. onde a Autora peticiona a anulação do acto de adjudicação do contrato à também aqui Autora e a anulação da celebração do contrato com a Autora. (cfr. doc. 1)
14- O Tribunal “a quo” tinha ainda de levar ao questionário a matéria de facto controvertida que consta do artigos 14º, 15º, 16º, 17º, 21º e 22º da contestação de fls., por se tratar de matéria de facto relevante para a decisão da causa que não depende exclusivamente de produção de prova documental e que só através do recurso à prova pericial e testemunhal é que é possível dar como assente.
15- O acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que:
- altere a matéria de facto dada por assente nas alíneas A), C), G), H), L), Q) de acordo com o supra exposto;
- corrija as datas dadas por assentes nas alíneas Y), Z), AA), BB) e CC);
- dê por assente a matéria factual vertida nos artigos 18º, 19º e 20º da contestação de fls. ou pelo menos, que dá por assente que a Autora instaurou neste Tribunal a acção de contencioso pré-contratual que corre termos sob o nº 2362/07.0BEPRT dando-se por reproduzida a respectiva p.i. onde a Autora peticiona a anulação do acto de adjudicação do contrato à Autora e a anulação da celebração do contrato com a Autora
- leve ao questionário a matéria de facto controvertida que consta dos artigos 14º, 15º, 16º, 17º, 21º e 22º da contestação de fls.
16- Tudo com as respectivas consequências ao nível da decisão sobre a matéria de direito e da decisão final.
Mais acresce que,
17- Do quadro legal aplicável ao caso e de acordo com o que foi pré-contratualizado, nada resulta no sentido de que a ineficácia e extinção do direito a contratar depende da verificação de qualquer outro requisito que não seja, pura e simplesmente, a ausência à adjudicação. A adjudicação torna-se ineficaz e o adjudicatário vê extinguir-se o seu direito à contratação.
18- De acordo com a letra do artigo 18º do caderno de encargos e do artigo 56º do DL 197/99, a falta de comparência do adjudicatário ao acto de adjudicação tem como consequência que a mesma tem de se considerar sem efeito.
19- Trata-se de uma caducidade imposta por lei com o dever de o procedimento de contratação prosseguir em relação aos demais e ao demais. Portanto, quando o adjudicatário não exerce o direito potestativo que adquiriu com o acto de adjudicação (não comparecendo à assinatura do contrato), a consequência é a de que esse direito extingue-se e impõe-se à Administração que pratique novo acto de adjudicação.
20- A Autora não compareceu na data da assinatura do contrato por sua única e exclusiva vontade, não tendo sido impedida de o fazer por motivo independente da sua vontade e, por isso, extinguiu-se o seu direito potestativo resultante da adjudicação.
21- As consequências pela não comparência da adjudicatária na data de assinatura do contrato estão bem explícitas no artigo 18º do Caderno de Encargos, artigo 56º do DL 197/99 e nas Directivas Comunitárias 2004/17/CE e 2004/18/CE, ambas do Parlamento e do Conselho, de 31 de Março e implicam que o adjudicatário perde o seu direito, a caução a favor da entidade adjudicante, e estabelece um dever e não uma mera faculdade para a entidade adjudicante adjudicar a decisão de contratar ao concorrente imediatamente seguinte.
22- A entidade adjudicante agiu como deve agir, ou seja, comunicando a caducidade da adjudicação ao concorrente nº2, e decidindo adjudicar ao concorrente classificado em primeiro lugar, a saber, o concorrente nº 6, SCFH – SCFH, SA [Neste sentido v. Andrade da Silva, Jorge in Código dos Contratos Públicos – Comentado e anotado, 2ª edição, Almedina, pág. 371 e ss.].
Sem prescindir,
23- A Autora não compareceu à assinatura do contrato porque nunca esteve verdadeiramente interessada em assinar o mesmo e, sempre esteve interessada em impedir a sua adjudicação a terceiros e, por isso, a Autora urdiu uma estratégia que tinha por objectivo impedir e boicotar a adjudicação do contrato.
24- A prova mais evidente de tudo o que acabamos de dizer é que a contra-interessada assinou o contrato, efectuou o investimento e apresentação toda a documentação, sem ainda existir a regulamentação da unidose.
Por outro lado,
25 - Percebe-se que aquela obrigação contratual (prevista na cláusula 5ª) está sujeita a uma condição suspensiva, ou seja, tem de guardar a regulamentação da unidose. Nem outra interpretação faz sentido. Isso resulta do texto da referida cláusula mas também dos documentos, do programa de concurso e de todo o contexto em que o mesmo decorre.
26 - Na verdade, quando o concurso foi lançado ainda não existe regulamentação para a unidose mas há uma expectativa de vir a existir essa regulamentação. Portanto o Recorrente quis acautelar essa situação e não deixou de fora essa possibilidade e, por isso, incluiu no objecto do concurso e nas obrigações contratuais o dever de fornecer unidose assim que exista regulamentação para o efeito.
Por outro lado,
27 - A questão colocada pela Autora para não comparecer na assinatura do contrato, centra-se na execução do contrato e tão só e apenas aí.
28 - O adjudicatário, podia perfeitamente assinar o contrato e contratualmente não sofria quaisquer consequências por só cumprir as suas obrigações relativamente à unidose quando as mesmas fossem legalmente admissíveis e estivessem regulamentadas pois, ninguém o podia obrigar a praticar actos que ainda estavam por regulamentar e nem é isso que resulta do procedimento do concurso e muito menos do contrato.
29 - No parecer de fls. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) diz muito acertadamente o Professor Doutor Vieira de Andrade “…o argumento utilizado pela adjudicatária não constitui um fundamento justificativo da falta de comparência à assinatura do contrato, ou, de todo o modo, nunca seria um motivo capaz de impedir a produção dos efeitos da caducidade da adjudicação – o que há é uma recusa de comparência intencional e fundada em argumentos auto-estabelecidos, e, por isso, no sentido pressuposto pela norma legal, inteiramente imputável à adjudicatária.
Não há por isso razão para, com tal fundamento, pôr em causa a legalidade da declaração de caducidade da adjudicação.”
Acresce que,
30- A adjudicatária (aqui Autora) tinha conhecimento da existência daquelas normas durante todo o procedimento de concurso e, posteriormente à adjudicação foi-lhe enviada a minuta do contrato a qual continha aquelas normas e o que é certo é que nada disse aceitando-as enquanto tal. A aprovação pelo adjudicatário da minuta do contrato confere a presunção de que o mesmo ficou a conhecer a minuta do contrato e implica que não se pode escusar à celebração do contrato por motivos referentes aos direitos e obrigações dele constantes [Neste sentido v. ,entre outros, Acórdão do STA de 1941.06.19, o direito, 73, pág. 307; Acórdão do STA (Tribunal Pleno), de 1968.05.23, Acórdãos doutrinais, 89, pág. 811; Acórdão do STA, de 1999.05.18, acórdãos doutrinais, 456, pág. 1540.].
31- A Autora não quis assinar o contrato em causa mas também não quer que mais ninguém o assine e assim age com manifesta má-fé e abuso de direito, que não lhe pode aproveitar atentos os mais basilares princípios do Direito [V. Castro Mendes, João de, in Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, págs. 280 e ss..].. São, questões de segurança jurídica que justificam que as ilegalidades de peças concursais estejam sujeitas a um prazo de arguição, prazo este plenamente conforme com o princípio da Legalidade, bem como conforme ao disposto no art. 268°, n.º 4 da CRP, pois que o ónus de impugnação de peças concursais num período de um mês, em nada coarcta a tutela jurisdicional efectiva dos direitos; se a Recorrida descurou o prazo, não merece a tutela do Direito.
32- A falta de impugnação tempestiva das normas do PC e do CE implica a respectiva aceitação, por razões, inclusivamente, de segurança jurídica. (Neste sentido vide, Ac. STA, de 27.01.2011, proc. 0850/10 in www.dgsi.pt)
Por outro lado,
33- A audiência prévia não está legalmente prevista. O Recorrente não estava obrigado à mesma e só há lugar a audiência prévia se resultar da lei e se houver um procedimento com fase instrutória. A decisão impugnada, da autoria do Conselho de Administração do recorrente, não tem um procedimento administrativo como pressuposto, nem teve fase instrutória.
Finalmente,
34- A adjudicação ao contra-interessado corresponde a ter-se adjudicado à proposta classificada em primeiro lugar e, portanto, à melhor proposta.
35- A jurisprudência da TJUE (cfr. entre outros Ac. Teleaustria processo C-324/98, proc. C-231/03 Coname; proc. C-458/03 Parking Brixen), o Tratado da União (artigos 28º, 43º e 49º do Tratado CE) e os princípios da legalidade, da igualdade, da concorrência e da transparência comunitárias sempre obrigam o Recorrente a adjudicar à concorrente cuja proposta ficou classificada em 1º lugar, in casu, a contra-interessada.
36- O entendimento seguido pelo Tribunal viola as Directivas Comunitárias 2004/17/CE e 2004/18/CE, ambas do Parlamento e do Conselho, de 31 de Março, do D.L. 235/2006, de 6 de Dezembro, o artigo 105º do Código dos Contratos Públicos, a jurisprudência da TJUE (cfr. entre outros Ac. Teleaustria processo C-324/98, proc. C-231/03 Coname; proc. C-458/03 Parking Brixen), o Tratado da União (artigos 28º, 43º e 49º do Tratado CE) e os princípios da legalidade, da igualdade, da concorrência e da transparência comunitárias e a comunicação interpretativa da comissão (2006/C 179/02 JOUE de 01/08/2006).
37- As questões relativas à interpretação do direito comunitário e a verificação da conformidade das normas que sustentaram a actuação da Recorrente e do procedimento seguido com aquele direito comunitário devem ser submetidos à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia e, em sede de reenvio prejudicial, atento o disposto no artigo 267º do TFUE.
38- Só excepcionalmente é que é admitido o recurso de revista para o STA. Assim o reenvio prejudicial é obrigatório e está em causa a compatibilidade do direito interno com o direito da União Europeia, nomeadamente com o seu direito originário e derivado, e nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 19º do TUE e do 267º do TFUE, é ao Tribunal de Justiça que cumpre garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação do direito comunitário, é um imperativo de justiça que obriga a lançar mão deste expediente judicial comunitário.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente como é de Justiça
*
A Contrainteressada também recorre do acórdão.
Em alegações concluiu:
1. A 6.12.2007 o Conselho de Administração do HSJ homologou a minuta do contrato de concessão, instalação, abertura e funcionamento da farmácia de dispensa de medicamentos ao público de dispensa de medicamentos ao público no HSJ;
2. A Recorrida foi posteriormente notificada se pronunciar sobre a minuta do contrato até dia 28.12.2007, dispondo de um prazo de 30 dias para o efeito.
3. A Recorrida propôs algumas alterações e aditamentos, que foram aceites pela Entidade Demandada a 17.1.2008.
4. Foi igualmente fixado a data para a outorga do contrato para o dia 6.2.2008.
5. A 4.2.2008 a ora Recorrida comunicou por telefax à Entidade Demandada que não iria comparecer na data designada para a outorga do contrato.
6. Como causa justificativa apresentou o argumento de que ainda não teria sido regulamentada por Portaria a dispensa de medicamentos por unidose, sendo que essa mesma dispensa de medicamentos por unidose fazia parte do contrato de concessão.
7. Consequentemente, a Entidade Demandada decidiu a caducidade da adjudicação do contrato de concessão à ora Recorrida, em conformidade com o art. 18º, n.º 3 do Caderno de Encargos, art. 115º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 55/99 e art. 56º do Decreto-Lei n.º 179/99.
8. Para efeitos e aplicação das normas supra referidas, a Entidade Demanda adjudicou o contrato de concessão à Recorrente e celebrou o contrato n.º 17/2009 com esta.
9. No que respeita ao argumento apresentada pela Recorrida para a falta de comparência na data da outorga do contrato, refira-se que a mesma já tinha conhecimento desse facto desde a abertura do concurso e mesmo durante a discussão do contrato (que ocorreu apenas cerca de um mês antes), nunca tendo manifestado à Entidade Demanda que esse facto poderia obstar à outorga do contrato de concessão.
10. O Senhor Juiz considerou este argumento como uma causa justificativa, pelo que a não comparência da Recorrida na data da outorga do contrato de concessão não lhe seria imputável.
11. A ora Recorrente não pode conformar-se com tal entendimento, uma vez que a Recorrida decidiu voluntaria e unilateralmente não comparecer na data e local fixado, conhecendo bem a consequência legal que esse acto (ou melhor, omissão) representaria: a caducidade da adjudicação.
12. Na verdade, sabendo previamente a ora Recorrida da existência da falta de regulamentação da dispensa de medicamentos em unidose e nunca ter levantado essa questão em momento anterior, não era oportuno, nem conforma à boa-fé levantar essa questão apenas 2 (dois) dias antes da outorga do contrato de concessão, para obstar à celebração do mesmo.
13. Refira-se ainda, que a celebração do contrato de concessão neste termos, não poderia resultar na aplicação de eventuais multas contratuais, pois se assim fosse essa actuação seria ilegal e contrária à boa-fé.
14. Ademais, já outras farmácias de dispensa de medicamentos ao público em hospitais do Serviço Nacional de Saúde, criadas antes e após a farmácia do HSJ, previam nos respectivos cadernos de encargos e contratos de concessão a dispensa de medicamentos em unidose, uma vez que a previsão resulta directamente do Decreto-Lei n.º 235/2006, posteriormente revogado pelo Decreto-Lei n.º 241/2009, que serve de base legal aos mesmos.
15. Ademais, tal como referido supra, o Ilustre Professor Viera de Andrade refere que “(…) não estamos perante um regime especial deste segundo tipo de farmácias que pudesse justificar, em termos objectivos, um impedimento ao funcionamento da farmácia no HSJ”.
16. Assim sendo, a falta de comparência da Recorrida na data da outorga do contrato de concessão é-lhe imputável, pelo que a Entidade Demandada pôde legitimamente decidir a caducidade da adjudicação do contrato a este e, consequentemente adjudicar o contrato de concessão com a ora Recorrente e celebrar com esta o mesmo.
17. Ademais, também não há lugar a um qualquer direito de audição previa da decisão de caducidade da adjudicação, tal como alegado pela Recorrida e decidido pelo Senhor Juiz a quo, uma vez que tal como refere o Ilustre Professor “Não há lugar nesta situação a uma audição prévia (…) a declaração de caducidade opera como reacção administrativa.”.
18. De todo o modo ainda se refere, que a Recorrida teve muito tempo para expor esta questão à Entidade Demandada o que não fez, a não ser 2 (dois) dias antes da data designada para a outorga do contrato de concessão.
19. Ainda que se entenda, o que por mera hipótese académica se equaciona, que assistia um direito de audição prévia à ora Recorrida, a decisão de caducidade da adjudicação era igualmente válida e eficaz, por respeito e aplicação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
20. Na verdade, atendendo ao facto de que a falta de comparência da Recorrida na data da outorga do contrato de concessão lhe é imputável, não poderia ser outra a decisão a tomar neste âmbito.
21. Pelo exposto conclui-se que a decisão de caducidade da adjudicação do contrato à Recorrida é válido e eficaz, bem como a adjudicação do contrato de concessão à ora Recorrente e a respectiva celebração do contrato n.º 17/2009.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogada a sentença recorrida, com todas as legais consequências.
Ao julgardes assim, estareis a fazer JUSTIÇA
*
A Autora contra-alegou concluindo:
A) A decisão recorrida nestes autos é o Acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 31 de Maio de 2011, no âmbito do Processo n.º 3207/09.1BEPRT, pelo qual foi julgada procedente a acção administrativa especial oportunamente proposta pela Recorrida;
B) Integra ainda o objecto de recurso o despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, no segmento pelo qual se julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de acção e também na parte em que se decidiu pela desnecessidade de abertura de um período de produção de prova;
C) O presente recurso jurisdicional encontra-se votado ao insucesso, devendo, portanto, o Acórdão recorrido (e o referido despacho saneador) ser mantido na ordem jurídica, porquanto os Recorrentes não almejam colocar em causa, nem a matéria de facto, nem a matéria jurídica, decidida pelo Tribunal a quo, tendo este último apreciado e decidido, de modo ponderado e acertado, as questões que lhe incumbia avaliar, conforme se demonstrará nas conclusões subsequentes;
D) Contrariamente ao sustentado pelo Recorrente HSJ, E.P.E., o ordenamento jurídico pátrio não admite que sejam dadas como provadas (ou, pelo menos, que sejam sujeitas a uma fase de produção de prova) meras conclusões, dado que apenas a matéria de facto (relevante) pode ficar sujeita a operações dessa índole, o que não sucede com o que é dito na totalidade dos artigos que integram a primeira conclusão das alegações de recurso do HSJ, E.P.E., pelo que improcede qualquer tentativa de imputação ao Tribunal a quo de uma errada selecção da matéria de facto;
E) Perante uma atitude de conformação de ambos os Recorrentes com o teor da documentação que serviu de suporte à selecção da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo, não podem agora, essas mesmas partes, vir opor-se à relevância que tal meio de prova teve na formação da convicção do Julgador, tanto mais que, como admite o Recorrente HSJ, E.P.E., em matéria de admissão e de produção de prova, existe um poder discricionário que deve ser exercido segundo o prudente arbítrio do juiz (cfr. a p. 6 das respectivas alegações), conforme resulta do que se encontra preceituado no art. 90º do CPTA, mormente dos seus n.os 1 e 2;
F) Perante uma acção administrativa especial de impugnação de um acto administrativo e do correspondente contrato não se vê, nem o Recorrente HSJ, E.P.E. o demonstra, qual seria a relevância da produção de prova testemunhal, sendo que o descuido do referido Recorrente é tal, que nem refere de que modo a audição de testemunhas poderia infirmar a prova documental produzida;
G) É ainda inteiramente falso que “foram dados por assente factos sem que exista prova produzida que assim o permite” (cfr. a p. 5 das respectivas alegações de recurso), pois que a matéria de facto dada como provada decorreu (i.) dos documentos juntos pelas partes aos presentes autos (não contestados pelos Recorrentes), (ii.) da documentação que integra o processo cautelar n.º 2484/09.2BEPRT e (iii.) do respectivo processo administrativo (cfr. fls. 350), conforme resulta, desde logo, da fls. 350 do Acórdão recorrido;
H) Se pretendesse insurgir-se contra o decisório ora objecto de recurso, integrante do despacho saneador, deveria o Recorrente HSJ, E.P.E. ter recorrido no imediato, pois que assim o exige uma adequada leitura do art. 142º, n.º 5 do CPTA e das disposições jusprocessuais civis para as quais tal normativo remete (maxime, para o art. 691º, n.º 2 do CPTA). Ao não ter actuado desse modo, não pode o presente recurso, nesse segmento, ser admitido, o que se invoca para todos os efeitos legais;
I) No processo em presença foi, criteriosamente, observado o due processo of law, improcedendo, assim, todas as tentativas, espelhadas nas alegações de recurso do Recorrente HSJ, E.P.E., de fazer passar a ideia de que não teria havido um verdadeiro “processo”;
J) O caso vertente não se subsume no que afirma o Recorrente HSJ, E.P.E., pelas simples razão que o princípio da tutela jurisdicional efectiva não prescreve uma regra irrestrita de aceitação e de produção de prova, que inclusivamente se revelaria contraproducente com uma relevante dimensão do próprio postulado em apreciação (o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável);
K) No caso em apreço, não se verifica matéria susceptível de integrar um pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, porquanto não se vê em que medida as “realidades jurídicas” invocadas relevam para o litígio em apreço, verificando-se também uma notória desordem dogmático-conceptual do discurso adoptado pelo Recorrente HSJ, E.P.E. e a inexistência de uma efectiva questão jurídico-comunitária, com relevância para efeitos de reenvio prejudicial;
L) Na situação em presença, não pode ter lugar um reenvio prejudicial, é certo, mas não é menos verdade que jamais esse reenvio – ainda que pudesse ocorrer, o que não se concede – podia ser obrigatório, na medida em que a decisão que o presente Tribunal vier a tomar nestes autos é, em abstracto, susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
M) Aliás, mesmo que a efectivação do reenvio fosse obrigatória in casu, que não é, sempre haveria que mobilizar a “circunstância de excepção” atinente há existência de jurisprudência comunitária consolidada sobre a matéria (leia-se, sobre o princípio da tutela jurisdicional efectiva) que, aliás, o Recorrente HSJ, E.P.E., abundantemente refere;
N) Relativamente à alegada inidoneidade do meio processual utilizado (acção administrativa especial, ao invés do regime do contencioso pré-contratual urgente, legalmente previsto no art. 100º e seguintes do CPTA) e à suposta caducidade do direito de acção, refira-se, desde logo, que tais questões foram apreciadas e decididas no processo cautelar conexo (em sede de despacho autónomo, que não foi objecto de recurso), tendo, pois, formado caso julgado formal (cfr. o art. 497º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art. 1º do CPTA), com o que, tais questões, não pode ser reapreciadas pela presente via;
O) O regime especial que integra o art. 100º e seguintes do CPTA não é aplicável ao caso concreto – pois o acto impugnado não respeita à formação de um dos quatro tipos contratuais elencados no art. 100º, n.º 1 do CPTA, conforme é pacífico na jurisprudência –, valendo, diferentemente, a tramitação prevista para as acções administrativas especiais. Nessa medida, em matéria de prazo de propositura da correspondente acção, há que atender ao disposto no art. 58º, n.º 2, alínea b). do CPTA, que foi rigorosamente cumprido pela Recorrida;
P) O Tribunal a quo não deu como factualmente provada a natureza do contrato de concessão de serviço público em causa nestes autos, pois tal questão assume natureza jurídica – e foi tratada como tal – mas não dispensa um diálogo com determinados elementos susceptíveis de recondução fáctica (v.g. a configuração e a denominação constantes das peças do procedimento);
Q) Quanto à existência de alguns erros numéricos (em termos de datas) nas alíneas Y), Z), AA), BB) e CC) da matéria de facto dada como provada, note-se que, tratando-se de meros lapsos de escrita, irrelevam os mesmos, em absoluto, para decisão de fundo;
R) A matéria de facto seleccionada e dada como provada não carece, como se adiantou, de qualquer correcção, valendo tal asserção, de natureza genérica, para a circunstância do Tribunal a quo ter dado como provada a existência da comunicação da Recorrida de 4 de Fevereiro de 2008. É falso que na decisão recorrida tenha sido dada como factualmente assente qualquer ilação como a que a Recorrente SCFH afirma que foi retirada da mencionada comunicação;
S) Nada na lei, nem no ordenamento jurídico globalmente entendido, permite concluir pela existência de uma regra de caducidade automática ou directa da adjudicação, decorrente da não comparência do adjudicatário inicial no acto de outorga do contrato.
T) Com efeito, e contrariamente ao que advoga o Recorrente HSJ, E.P.E., a caducidade de uma adjudicação sucedida nesse contexto apenas ocorre se não se verificar um “motivo atendível” nessa não comparência;
U) In casu, a Recorrida não compareceu na data indicada porque não haviam condições objectivas para assinar um contrato que continha cláusulas legalmente inexequíveis (por omissão de regulamentação legal atinente à disponibilização de medicamentos em “unidose”) e que implicariam que a Recorrida ficasse em incumprimento desde o primeiro dia e que nem sequer pudesse elaborar o estudo prévio e subsequente projecto de execução da farmácia hospitalar em causa;
V) O acto impugnado nestes autos encontra-se inquinado com um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, tal qual foi dado como verificado no Acórdão recorrido (fls. 357 e seguintes), precisamente porque o Recorrente HSJ, E.P.E. desconsiderou, em absoluto, a realidade referida na conclusão precedente;
W) O motivo enunciado na comunicação de 4 de Fevereiro de 2008 consubstancia, de facto, em face dos normativos efectivamente aplicáveis ao procedimento pré-contratual em apreço, uma causa de justificação material que obsta à possibilidade de se produzir o efeito de caducidade da adjudicação, porquanto, independentemente de outras considerações, mostrou-se inteiramente legítima a comunicação da Recorrida de que não compareceria na celebração do Contrato. Deste modo, bem andou o Tribunal a quo ao decidir nesse sentido;
X) Quanto à circunstância da Recorrente SCFH tudo ter feito sem que exista a regulamentação da “unidose”, afirma-se apenas que, perante comportamentos pouco responsáveis e juridicamente controversos de ambos os Recorrentes, a verdade é que, no plano do Direito, a Recorrente SCFH se encontra em incumprimento do contrato que outorgou desde o primeiro dia;
Y) A Cláusula 5ª, atinente à dispensa de medicamentos em “unidose”, não se encontra sujeita a qualquer tipo de condição suspensiva ou outra, pois nada na mesma permite interpretá-la nesses termos, improcedendo, pois, entendimento diverso quanto a este ponto;
Z) A demonstração de que a questão da regulamentação da “unidose” não é despicienda resulta do facto de, tendo o Governo aprovado a Portaria n.º 697/2009, de 1 de Julho, o regime de dispensa de medicamentos em “unidose” ser apenas um “projecto piloto”, limitado à Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e sujeito a posterior avaliação. Se não assumisse relevância, tal questão nem sequer constava das peças do procedimento e da respectiva minuta do contrato de concessão de serviço público;
AA) Relativamente à falta de regulamentação da disponibilização de medicamentos em “unidose”, não tinha sentido apresentar reclamação a propósito da aprovação da minuta do contrato, pois que esta correspondia aos termos e condições previstos no correspectivo caderno de encargos (cfr. art. 66º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho), tendo o Tribunal a quo (acertadamente) decidido precisamente nestes termos (cfr. fls. 363 e 364). Do mesmo modo, não fazia sentido impugnar as peças do procedimento, com esse fundamento, pois era expectável que tal regulamentação fosse, entretanto, editada (o que, contudo, não aconteceu);
BB) O Recorrente HSJ, E.P.E. violou, inequivocamente, o direito de audiência prévia da Recorrida (de aplicabilidade geral a todos os procedimentos administrativos) ao praticar as realidades impugnadas que, no caso vertente, constituem verdadeiras “decisões surpresa”;
CC) Não colhe a invocação do disposto no art. 103º do CPA, como forma de ultrapassar o efeito invalidante da violação do direito de audiência prévia da Recorrida: mesmo que a situação dos autos aí fosse subsumível, e não o é, o Recorrente HSJ, E.P.E. deveria ter justificado a dispensa de audiência prévia da interessada (ora Recorrida) aquando da prática dos actos impugnados e não posteriormente;
DD) Não colhe igualmente a esdrúxula afirmação dos Recorrentes no sentido de não ter existido uma fase de “instrução” que exigisse a audiência prévia da Recorrida antes da prática dos actos impugnados: no caso em apreço, a comprovação de que tal fase instrutória se verificou resulta, indubitavelmente, do facto dos próprios serviços do Recorrente HSJ, E.P.E. terem emitido uma pronúncia sobre a matéria dos autos (pronúncia essa, aliás, na linha de que não estavam reunidas as condições para a celebração do contrato de concessão, como sempre defendeu a Recorrida, por falta de regulamentação da dispensa de medicamentos em “unidose”);
EE) Não colhe, de modo algum, a invocação, pelos Recorrentes, do princípio do aproveitamento dos actos administrativos no caso sub iudice, pois, os actos impugnados não são, de todo, actos vinculados. Efectivamente, resulta do n.º 3 do art. 18.º do Caderno de Encargos que era perfeitamente possível (e mais, plausível) a prática de um acto de conteúdo diferente daquele que foi praticado pelo Recorrente HSJ, E.P.E.;
FF) Como é, aliás, óbvio pela simples leitura do referido preceito concursal, o Recorrente HSJ, E.P.E. não estava vinculado a considerar caducado o acto de adjudicação praticado oportunamente a favor da Recorrida: essa era uma mera possibilidade admitida nos termos do concurso, mas podia não ter sido assim (bastaria, por exemplo, que o Recorrente HSJ, E.P.E. seguisse a orientação dos seus serviços internos e tivesse percebido que, de facto, haviam bons argumentos para que a Recorrida não assinasse um contrato de concessão com uma obrigação – a dispensa de medicamentos em “unidose” – impossível de cumprir, por falta de regulamentação; a que era alheia a Recorrida);
GG) Mas, mesmo que assim não se viesse a entender, o que não se concede, sempre se teria de concluir que as realidades impugnadas padecem de outros vícios legais, o que, só por si, impede que a falta de audiência prévia dos interessados seja desvalorizada e degradada em formalidade não essencial (a jurisprudência pátria assim o preconiza);
HH) Improcede, finalmente, o que é dito nas pp. 26 a 28 das alegações do Recorrente HSJ, E.P.E. (e nas respectivas conclusões), naquilo que se designa de “obrigação de adjudicação ao primeiro classificado”, pois que, nesse ponto, nem sequer se imputa ao Tribunal a quo um qualquer erro de julgamento;
II) Relativamente à suposta obrigação de reenvio prejudicial que o Recorrente HSJ, E.P.E. repete por relação ao ponto enunciado na conclusão anterior, reitera-se a inexistência de uma questão com relevância jurídico-comunitária e o facto dos princípios comunitários que o Recorrente refere, se encontrarem por demais tratados pela respectiva jurisprudência, com o que, também aqui, não há nada que o TJUE possa inovatoriamente acrescentar.
Termos em que,
Com o suprimento, deve ser negado provimento aos recursos jurisdicionais em apreço, e, por conseguinte, deve ser mantida na ordem jurídica a decisão judicial recorrida, com as demais e devidas consequências legais.
*
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) Na sequência de despacho de autorização do Secretário de Estado da Saúde de 24.7.2007, a Entidade Demandada, por anúncio publicado no Diário da República 2.º Série, n.º 193, de 8.10.2007, lançou o concurso para a “instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público no HSJ, EPE (doravante “Concurso”). – cfr. docs. de fls. 1/SA a 3/SA e 143/SA e ss..
B) Consta, entre o mais, do Programa de Concurso relativo ao concurso referido em A):
“Artigo 1.º
Identificação do Concurso
O presente programa de concurso destina-se a definir os termos a que deve obedecer o Concurso Público n.º 31000807, que visa a concessão da exploração do serviço público criado no HSJ, E.P.E. – Porto para a dispensa de medicamentos ao público, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
Artigo 2.º
Objecto do concurso
1. O presente concurso tem por objecto a concessão da exploração do serviço público criado no HSJ, E.P.E. – Porto, adiante designado HSJ, para a dispensa de medicamentos ao público.
2. A concessão compreende a construção, instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público, bem como o fornecimento, montagem e manutenção dos equipamentos necessários ao funcionamento da farmácia, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
[…]
Artigo 6.º
Critério de Adjudicação
1. A adjudicação é feita segundo o critério do valor mais elevado apresentado como parcela variável da renda.
2. A parcela variável é, no mínimo, de 3% sobre o valor da facturação anula da farmácia instalada no HSJ.
3. Os concorrentes admitidos são graduados em função do critério de adjudicação, sendo graduado em primeiro lugar aquele que oferecer a proposta mais elevada.
4. Têm direito de preferência sobre o valor mais elevado apresentado como parcela variável da renda os concorrentes que sejam proprietários de farmácias da zona do HSJ ou que, respeitando este requisito, constituam um agrupamento de farmácias, nos termos previstos nos artigos 16.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
[…]
Artigo 23.º
Caducidade da Adjudicação
1. A adjudicação caduca se, por facto imputável ao adjudicatário:
a) Não for prestada caução;
b) O adjudicatário não constitua sociedade comercial no prazo definido no caderno de encargos.
2. Nos casos previstos no número anterior, a entidade competente para a adjudicação reabre o procedimento concursal e garante a repetição dos trâmites procedimentais posteriores à graduação dos concorrentes, com exclusão do adjudicatário.
[…]
Artigo 25.º
Anulação do procedimento
1. O Conselho de Administração do HSJ pode, em qualquer momento, anular o presente concurso quando:
a) Por circunstância imprevisível seja necessário alterar os elementos fundamentais dos documentos que servem de base ao concurso;
b) Outras razões supervenientes e de manifesto interesse público o justifiquem.
2. No caso da alínea a) do número anterior é obrigatória a abertura de um novo concurso, no prazo de 6 meses, a contar da data do despacho de anulação.
3. A decisão de anulação do concurso é fundamentada e publicitada nos mesmos termos em que foi publicitada a sua abertura.
4. Os concorrentes que entretanto tenham apresentado propostas são notificados dos fundamentos da decisão de anulação do concurso e, ulteriormente, da abertura de novo concurso.
Artigo 26.º
Legislação Aplicável
A tudo o que não esteja especialmente previsto no presente programa de concurso aplica-se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro, no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho e na legislação específica das farmácias de oficina.”
- cfr. doc. de fls. 45/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
C) Consta, entre o mais, do Caderno de Encargos relativo ao concurso referido em A):
“Artigo 1.º
Identificação do Concurso
O presente caderno de encargos destina-se a definir os termos a que deve obedecer o Concurso Público n.º 31000807, que visa a concessão da exploração do serviço público criado no HSJ, E.P.E. – Porto para a dispensa de medicamentos ao público, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
Artigo 2.º
Objecto do concurso
1. O presente concurso tem por objecto a concessão da exploração do serviço público criado no HSJ, E.P.E. – Porto, adiante designado HSJ, para a dispensa de medicamentos ao público.
2. A concessão compreende a construção, instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público, bem como o fornecimento, montagem e manutenção dos equipamentos necessários ao funcionamento da farmácia, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
[…]
Artigo 6.º
Critério de Adjudicação
1. A adjudicação é feita segundo o critério do valor mais elevado apresentado como parcela variável da renda.
2. A parcela variável é, no mínimo, de 3% sobre o valor da facturação anual da farmácia instalada no HSJ.
3. Os concorrentes admitidos são graduados em função do critério de adjudicação, sendo graduado em primeiro lugar aquele que oferecer a proposta mais elevada.
4. Têm direito de preferência sobre o valor mais elevado apresentado como parcela variável da renda os concorrentes que sejam proprietários de farmácias da zona do HSJ ou que, respeitando este requisito, constituam um agrupamento de farmácias, nos termos previstos nos artigos 16.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
[…]
Artigo 9.º
Constituição
1. O adjudicatário deve constituir uma sociedade comercial no prazo de 15 dias a contar da notificação da adjudicação, sob pena de caducidade da adjudicação. […]
Artigo 10.º
Prestação de Caução
1. Para garantir o exacto e pontual cumprimento das suas obrigações, o adjudicatário deve prestar uma caução de 5% do valor da parcela fixa da renda correspondente ao número de anos de duração do contrato.
2. No prazo de oito dias após a notificação da adjudicação, o adjudicatário deve prestar a caução devida e comprová-lo junto do conselho de administração do HSJ.
3. O conselho de administração do HSJ pode considerar perdida a seu favor a caução prestada, independentemente de decisão judicial, nos casos de incumprimento, pelo adjudicatário, de obrigações legais ou contratuais, incluindo as resultantes do não pagamento voluntário das multas contratuais.
[...]
Artigo 11.º
Modos de prestação
1. A caução deve ser prestada mediante garantia bancária.
[…]
Artigo 15.ª
Obrigações da concessionária
1 – Com a celebração do contrato de concessão, a concessionária obriga-se a::
[...]
i) Assegurar o funcionamento do serviço público concessionado de forma regular, contínua e eficiente [...]
[...]
Artigo 16.º
Minuta
1. O conselho de administração do HSJ deve enviar ao adjudicatário, no prazo de 8 dias a contar da notificação da adjudicação, a minuta do contrato de concessão.
[…]
Artigo 17.º
Reclamações
1. São admissíveis reclamações contra a minuta quando dela constem obrigações não contidas na proposta ou nos documentos que servem de base ao concurso.
2. Em caso de reclamação, o conselho de administração do HSJ comunica ao adjudicatário, no prazo de 10 dias a contar da reclamação, o que houver decidido sobre a mesma, entendendo-se que a defere se nada disser no referido prazo.
Artigo 18.º
Celebração
1. O contrato de concessão deve ser celebrado, por escrito, no prazo máximo de 30 dias a contar da notificação da adjudicação.
2. O conselho de administração do HSJ comunica ao adjudicatário, com a antecedência mínima de 5 dias, a data, hora e local em que se celebra o contrato.
3. Caso o adjudicatário não compareça no dia, hora e local fixados para a celebração do contrato, pode o conselho de administração do HSJ desvincular-se da proposta e considerar perdida a seu favor a caução prestada, excepto em casos excepcionais, devidamente justificados.
4. O contrato de concessão produz efeitos no dia seguinte ao da sua assinatura.
5. O prazo de duração da concessão conta-se a partir da data de abertura da farmácia ao público.
Artigo 19.º
Multas Contratuais
1 – Sem prejuízo das situações de incumprimento que possam determinar rescisão, durante a vigência do contrato podem ser aplicadas à concessionária multas contratuais, quando se verificar o incumprimento de quaisquer obrigações assumidas no contrato que não ponham em causa a subsistência da relação de concessão.
[...]
Artigo 21.º
Estudo Prévio
1- A concessionária deve enviar ao conselho de administração do HSJ e ao Infarmed, no prazo de 30 dias a contar da celebração do contrato de concessão, um estudo prévio desenvolvido de arquitectura, que inclua:
a) Áreas a afectar à actividade a desenvolver;
b) Implantação da estrutura desejada;
c) Levantamento topográfico;
d) Plantas, alçados e cortes do edifício a construir;
e) Integração do edifício proposto relativamente aos edifícios existentes;
f) Descrição sumaria das técnicas construtivas e materiais a utilizar;
g) Arranjos exteriores.
2 – O conselho de administração do HSJ deve pronunciar-se sobre o estudo prévio no prazo de 5 dias contar da respectiva entrega.
3 – Se o conselho de administração do HSJ nada disser no prazo referido no número anterior, entende-se que aprova o estudo prévio.
4 – Se o conselho de administração do HSJ não aprovar o estudo prévio, emite instruções vinculativas para a concessionária, que o deve alterar em conformidade, no prazo de 15 dias.
5 – No prazo referido no número anterior, a concessionária submete um novo estudo prévio à consideração do conselho de administração do HSJ.
6 – O conselho de administração do HSJ deve pronunciar-se, no prazo de 5 dias, sobre o novo estudo prévio e pode não o aprovar se a concessionária não o tiver conformado com as instruções vinculativas.
7 – Se nada disser no prazo referido no número anterior, entende-se que aprova o estudo prévio.
8 – Na situação referida no n.º 6, o conselho de administração do HSJ pode considerar perdida a seu favor a caução prestada, nos termos artigo 10.º.
[...]
VII
Funcionamento
Artigo 26.º
Serviço Público
1. A exploração, pela concessionária, do serviço público criado no HSJ para a dispensa de medicamentos ao público compreende:
[…]
d) A dispensa de medicamentos em unidose;
[…]
Artigo 32.º
Resolução por incumprimento contratual
1 – Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 10.º, o hospital concedente pode resolver o contrato de concessão em caso de incumprimento das obrigações de serviço público estabelecidas.
[...]
Artigo 33.º
Cláusulas Penais
1 – O incumprimento dos prazos referidos no n.º 1 do artigo 21.º, no n.º 1 do artigo 22.º e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 25.º faz incorrer a concessionária no pagamento de € 1000 por cada dia de atraso, até ao limite de 90 dias.
2 – Decorridos os prazos referidos no número anterior, o HSJ pode resolver o contrato de concessão por incumprimento contratual, nos termos do disposto nos artigos 36.º, n.º 1, alínea e) e 38.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
[...]
Artigo 34.º
Interpretação
Em caso de dúvida na interpretação das obrigações dos contraentes, prevalece o texto do contrato de concessão, seguido do caderno de encargos, do programa de concurso e do programa funcional.
[…]
PROGRAMA FUNCIONAL
[…]
8. EXIGÊNCIAS ADICIONAIS
[…]
3 – A farmácia deverá igualmente dispor de espaço e equipamento necessário à preparação automática da unidose, competindo ao concessionário proceder à aquisição do mesmo


[…]”
- cfr. doc. de fls. 70/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
D) Na 1.ª Sessão do Acto Público, realizada em 8.10.2007, o júri do “Concurso” deliberou admitir as propostas dos seguintes concorrentes:
Concorrente n.º 1 – ARAF Unipessoal, Lda.;
Concorrente n.º 2 – FUHSJ, EPE – Porto (Agrupamento);
Concorrente n.º 3 – EP Unipessoal, Lda.;
Concorrente n.º 4 – FGP, S.A.;
Concorrente n.º 6 – SCFH – SCFH, S.A.;
Concorrente n.º 7 – FLMLMT;
- cfr. doc. de fls. 326/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
E) Na 2.ª Sessão do Acto Público, realizada em 24.10.2007, o júri do “Concurso” deliberou proceder à graduação dos concorrentes nos seguintes termos:
1.º – SCFH – SCFH, S.A. – 15,0%;
2.º – EP Unipessoal, Lda. – 11,27%;
3.º – ARAF Unipessoal, Lda. – 7,5%;
4.º – FLMLMT– 6,1%;
5.º – FGP, S.A. – 5,52%;
6.º – FUHSJ, EPE – Porto – 5,25%;
- cfr. doc. de fls. 349/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
F) Na sessão referida no ponto anterior, a Concorrente n.º 2 – FUHSJ, EPE – Porto, exerceu o seu direito de preferência sobre o valor mais elevado. – cfr. doc. de fls. 351/SA do p.a. apenso aos autos.
G) Em reunião de 25.10.2007 o Conselho de Administração da Entidade Demandada “decidiu adjudicar a concessão de instalação, abertura e funcionamento da farmácia de dispensa de medicamentos ao público no HSJ ao concorrente “ FUHSJ, EPE – Porto” (concorrente número 2 ao Processo de Compra Público n.º 31000807)”. – cfr. doc. de fls. 393/SA do p.a. apenso aos autos.
H) Por ofício datado de 2.11.2007 a Entidade Demandada comunicou ao concorrente n.º 2, FUHSJ, EPE – Porto, “que por deliberação do Conselho de Administração datada de 25/10/2007, a adjudicação do objecto do Concurso Público n.º 31000807 – “Instalação, abertura e funcionamento de Farmácia de dispensa de medicamentos ao público, no HSJ, EPE”, recaiu na proposta apresentada por V. Exas., no exercício do direito de preferência sobre o valor mais elevado – quinze por cento (15%)” – cfr. doc. de fls. 400/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
I) Em 13.11.2007 o concorrente n.º 2, FUHSJ, EPE – Porto remeteu à Entidade Demandada a Garantia Bancária n.º 337709 emitida pelo Banco Espírito Santo, S.A., em favor da Entidade Demandada, relativa à caução destinada a assegurar o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigações que resultem da apresentação da proposta ao “Concurso” nos termos dos artigos 10.º e 11.º do Caderno de Encargos. – cfr. doc. de fls. 467/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
J) Os membros do agrupamento FUHSJ, EPE – Porto constituíram a sociedade por quotas denominada FUHSJ – SF, Lda., tendo por objecto social a exploração da farmácia no HSJ, registada na 1.ª Conservatória de Registo Comercial do Porto – 1.ª Secção sob o número de matrícula 508352207. – cfr. doc. de fls. 499/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
K) Em 22.11.2007 o concorrente n.º 2, FUHSJ, EPE – Porto remeteu à Entidade Demandada cópia de certidão de matrícula relativa à sociedade referida em J) para prova da constituição da SFUHSJ – SF, Lda., nos termos do artigo 9.º do Caderno de Encargos. - cfr. doc. de fls. 498/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
L) Em reunião de 6.12.2007 o Conselho de Administração da Entidade Demandada homologou a minuta do contrato de concessão, instalação, abertura e funcionamento da farmácia de dispensa de medicamentos ao público no HSJ (doravante “Contrato”). – cfr. doc. de fls. 661/SA do p.a. apenso aos autos.
M) Por ofício datado de 18.12.2008 a Entidade Demandada notificou a Autora para se pronunciar até ao dia 28.12.2007 sobre a minuta do “Contrato”. – cfr. doc. de fls. 662/SA do p.a. apenso aos autos.
N) Em 7.1.2008 a Autora pronunciou-se sobre a minuta do “Contrato” nos seguintes termos:
FUHSJ – SF, Lda., tendo sido notificada da minuta de Contrato de Concessão supra identificada, vem solicitar que sejam introduzidos na mesma os seguintes aditamentos:
1. Cláusula 4.ª
Solicita-se que seja aditado um número dois a esta Cláusula, passando a mesma a ter a seguinte redacção
“Cláusula 4.ª
Designação da farmácia e denominação da Concessionária
1 – A farmácia a funcionar no HSJ, EPE, designar-se-á “Farmácia do HSJ, EPE”.
2 – O Concedente autoriza desde já a Concessionária a utilizar a designação “HSJ” na respectiva denominação social, declarando que não se opõe à aprovação da denominação para a Concessionária que contenha este elemento”.
2. Cláusula 6.ª
Solicita-se que seja aditada uma nova alínea a esta cláusula, passando a mesma a ter a seguinte redacção:
“Cláusula 6.ª
Obrigações da Primeira Outorgante
Com a celebração do presente contrato, o HSJ, EPE obriga-se a:
[…]
d) apoiar e colaborar com a Segunda Outorgante em iniciativas de promoção da saúde, prevenção da doença e redução de riscos, que promovam uma utilização racional dos medicamentos, em condições de segurança, qualidade, eficácia e eficiência, de forma multidisciplinar e no respeito pelas diferentes competências dos profissionais de saúde envolvidos, através, nomeadamente, da promoção da utilização de medicamentos genéricos e da prescrição pela denominação comum internacional, visando a obtenção de ganhos em saúde para os utentes deste serviço público.”
- cfr. doc. de fls. 672/SA e 673/SA do p.a. apenso aos autos.
O) Em reunião realizada em 17.1.2008 o Conselho de Administração da Entidade Demandada “aprovou os aditamentos e as alterações propostas pela firma Concessionária e pelo Serviço de Aprovisionamento, as quais se consideram parte integrante do contrato de concessão, instalação, abertura e funcionamento da farmácia de dispensa de medicamentos ao público, no HSJ EPE”. – cfr. doc. de fls. 674/SA do p.a. apenso aos autos.
P) Por ofício datado de 31.1.2008 a Entidade Demandada comunicou à Autora “[...] que foram aceites as sugestões/aditamentos à Minuta de Contrato de concessão, instalação, abertura e funcionamento da farmácia de dispensa de medicamentos ao público no HSJ, em reunião do Conselho de Administração, datada de 17.1.2008.
Foi ainda aprovada, na mesma reunião, uma alteração ao n.º 1 da Cláusula 4.ª que passou a ter a seguinte redacção:
“Cláusula 4.ª
1 – A farmácia a funcionar no HSJ,EPE, designar-se-á “Farmácia HSJ”.
2 – ...”
Mais informamos que se fixou para o dia 06/02/20008, quarta-feira, às 12.00 horas, na Administração (Piso 9), o acto solene de assinatura do contrato que remetemos em anexo.”
- cfr. doc. de fls. 699/SA do p.a. apenso aos autos.
Q) Consta do “Contrato n.º 10/2007 (Concessão da Exploração do Serviço Público criado no HSJ, EPE, para a dispensa de medicamentos ao público)” a que se refere o ponto anterior, entre o mais, o seguinte:
“Cláusula 5.º
Dispensa de medicamentos ao público na farmácia do HSJ, EPE
1 – A dispensa de medicamentos ao público é efectuada pela Segunda Outorgante de acordo com as regras legais e regulamentares aplicáveis às farmácias de oficina, com as necessárias adaptações, bem como as vertidas no presente contrato de concessão.
2 – De acordo com o disposto no número anterior a exploração da farmácia no HSJ, EPE, pela Segunda Outorgante da farmácia compreende:
[...]
c) A dispensa de medicamentos em unidose;
[...]
Cláusula 7.ª
Obrigações da Segunda Outorgante
1 – Para além de outras especialmente previstas no presente contrato de concessão, são obrigações da Segunda Outorgante:
[...]
b) Assegurar o funcionamento do serviço público concessionado de forma regular, contínua e eficiente [...]
[...]
Cláusula 9.ª
Caução
1 – Para garantia do cumprimento das suas obrigações contratuais, o segundo outorgante apresentou a Garantia Bancária n.º 337-709 do Banco Espírito Santo, no valor de 125.000 € (cento e vinte e cinco mil euros), correspondentes a cinco por cento do valor da parcela fixa da renda correspondente ao número de anos de duração do contrato.
2 – O Primeiro Outorgante pode considerar perdida a seu favor a caução prestada, independentemente de decisão judicial, nos casos de incumprimentos, pelo adjudicatário, de obrigações legais ou contratuais, incluindo as resultantes do não pagamento voluntário das multas contratuais.
[...]
Cláusula 13.ª
Programa Funcional
1 – A Segunda Outorgante deve conformar-se com o programa funcional, elaborado pelo Primeiro outorgante e fica vinculada aos seus aspectos técnicos.
2 – A Segunda Outorgante deve construir no local disponibilizado as instalações da farmácia, nos termos acordados.
3 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os dimensionamentos previstos no programa funcional são meramente indicativos, servindo apenas de orientação à concessionária.
4 – O programa funcional do edifício submete-se e pressupõe a verificação dos requisitos legais em vigor para a abertura ao público de uma farmácia de oficina.
Cláusula 14.ª
Estudo Prévio
1- A Segunda Outorgante deve enviar ao Primeiro Outorgante e ao Infarmed, no prazo de 30 dias a contar da celebração do presente contrato de concessão, um estudo prévio desenvolvido de arquitectura, que inclua:
a) Áreas a afectar à actividade a desenvolver;
b) Implantação da estrutura desejada;
c) Levantamento topográfico;
d) Plantas, alçados e cortes do edifício a construir;
e) Integração do edifício proposto relativamente aos edifícios existentes;
f) Descrição sumaria das técnicas construtivas e materiais a utilizar;
g) Arranjos exteriores.
2 – O Primeiro Outorgante deve pronunciar-se sobre o estudo prévio no prazo de 5 dias contar da respectiva entrega.
3 – Se o Primeiro Outorgante nada disser no prazo referido no número anterior, entende-se que aprova o estudo prévio.
4 – Se o Primeiro Outorgante não aprovar o estudo prévio, emite instruções vinculativas para a Segunda Outorgante, que o deve alterar em conformidade, no prazo de 15 dias.
5 – No prazo referido no número anterior, a Segunda Outorgante submete um novo estudo prévio à consideração do Primeiro Outorgante.
6 – O Primeiro Outorgante deve pronunciar-se, no prazo de 5 dias, sobre o novo estudo prévio e pode não o aprovar se a Segunda Outorgante não o tiver conformado com as instruções vinculativas.
7 – Se nada disser no prazo referido no número anterior, entende-se que aprova o estudo prévio.
8 – Na situação referida no n.º 6, o Primeiro Outorgante pode considerar perdida a seu favor a caução prestada, nos termos do n.º 2, da cláusula 9.ª.
[...]
Cláusula 24.º
Resolução por incumprimento contratual
1 – Sem prejuízo do disposto no n.º 2 da cláusula 9.ª, o HSJ, EPE pode resolver o contrato de concessão em caso de incumprimento das obrigações de serviço público estabelecidas.
[...]
Cláusula 25.º
Multas Contratuais
1 – Sem prejuízo das situações de incumprimento que possam determinar rescisão, durante a vigência do contrato podem ser aplicadas à Segunda Outorgante multas contratuais, quando se verificar o incumprimento de quaisquer obrigações assumidas no contrato que não ponham em causa a subsistência da relação de concessão.
[...]
Cláusula 26.º
Cláusulas Penais
1 – O incumprimento dos prazos referidos no n.º 1 da cláusula 14.ª, no n.º 1 da cláusula 15.ª e no n.º 1 da cláusula 18.º faz incorrer a Segunda Outorgante no pagamento de € 1000 por cada dia de atraso, até ao limite de 90 dias.
2 – Decorridos os prazos referidos no número anterior, o Primeiro Outorgante, pode resolver o contrato de concessão por incumprimento contratual, nos termos do disposto nos artigos 36.º, n.º 1, alínea e) e 38.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
[...]”
- cfr. doc. de fls. 52 e ss. dos autos de processo cautelar n.º 2484/09.2BEPRT apenso.
R) Em 4.2.2008 a Autora remeteu fax à Entidade Demandada com o seguinte teor:
“[...] vimos pelo presente, e sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 67.º do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho, comunicar que não podemos comparecer na data indicada no prezado fax de V. Exa. para a assinatura do contrato de concessão.
Com efeito, uma vez que ainda não foi regulamentada a dispensa de medicamentos em unidose, por portaria conjunta dos membros do governo responsáveis pelas áreas da economia e da saúde, conforme previsto no n.º 2 do art. 47.º do Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro, não podemos, como compreenderá, assumir a obrigação ínsita na alínea c), do n.º 2 da Cláusula 5.ª do contrato de concessão em alusão.
A questão em apreço não é despicienda, pois, para além de uma vinculação que não poderíamos cumprir (a supra indicada, prevista na cláusula 5.ª), ficaria também em crise a observância da cláusula 5.ª do referido contrato de concessão.
De facto, não é possível conceber o necessário estudo prévio sem que seja conhecida, ente outros aspectos, a área necessária para a preparação dos medicamentos em unidose, bem como os requisitos técnicos relativos ao equipamento a utilizar.
Ficamos, naturalmente, disponíveis para os esclarecimentos tidos por convenientes.”
- cfr. doc. de fls. 702/SA do p.a. apenso aos autos.
S) Em 14.2.2008 a Entidade Demandada enviou ofícios ao Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP e ao Ministério da Saúde solicitando informação sobre os requisitos técnicos a considerar na instalação da Farmácia Concessionada no que diz respeito aos pontos 1, 2 e 3 do artigo 47 do DL 235 de 6 de Dezembro de 2006. – cfr. doc. de fls. 723/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
T) Por ofício de 2.4.2008 o Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP respondeu à Entidade Demandada que “ informamos V. Exa. de que o projecto de portaria que regulamenta a dispensa de medicamentos em dose individualizada se encontra em apreciação pela Tutela”. – cfr. doc. de fls. 728/SA do p.a. apenso aos autos.
U) Consta do p.a. informação subscrita pelo Director do Serviço de Aprovisionamento da Entidade Demandada, dirigido ao Conselho de Administração da Entidade Demandada, entre o mais, com o seguinte teor:
“ […]
8. Compulsadas as invocadas disposições, bem como o Caderno de Encargos do procedimento, constata-se que a dispensa de medicamentos em unidose, constitui parte do objecto da contratação, sendo que o estudo prévio exigido ao adjudicatário deverá, efectivamente, contemplar a área necessária à preparação dos medicamentos em unidose e indispensável conhecimento dos requisitos técnicos dos equipamento.
[…]
12. […] a inexistência de Portaria de Regulamentação da Dispensa de Medicamentos em dose individualizada, constitui efectivamente um obstáculo à celebração do contrato que tem por objectivo a instalação da Farmácia no HSJ.
13. De facto, não se vislumbra qualquer possibilidade de exigir ao adjudicatário a outorga do contrato sem que previamente esteja regulada a matéria, nem por outro lado e eventualmente, a celebração do contrato sem a referida exigência, uma vez que se traduziria em substancial alteração ao objecto do contrato e consequente desvirtuamento do mesmo.
14. Deste modo,
[…]
- Atendendo ainda, que a celebração do contrato se encontra condicionada à aprovação de regulamentação a emitir conjuntamente pelos membros do governo responsáveis pelos sectores da Economia e da Saúde.
Entende-se que a presente situação deve ser levada ao conhecimento de Sua Excelência o Secretário de Estado da Saúde, para os efeitos que entender convenientes tendo em vista a resolução do assunto, na medida em que está ao alcance do HSJ, a tomada de medidas de que carece o processo para que possa ser concluso.”
- cfr. doc. de fls. 732/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
V) Desde 4.2.2008 até ao dia 17.2.2009, a Entidade Demandada não notificou a Autora de qualquer resposta ao fax referido em R). – cfr. do p.a. não consta qualquer ofício ou documento que tenha sido remetido à Autora entre estas datas.
W) Em reunião realizada em 10.9.2009, o Conselho de Administração da Entidade Demandada decidiu “nos termos e com os fundamento do parecer anexo que aqui dá por integralmente reproduzido, a caducidade da adjudicação da proposta do concorrente FUHSJ no âmbito do concurso público para a Concessão da Exploração do Serviço Público de Construção, Instalação, Abertura e Funcionamento de Farmácia de Dispensa de Medicamentos ao Público no HSJ, EPE –Porto, atento o previsto no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, nomeadamente, nos artigos 65.º, 66.º e 67.º; o previsto no artº 105º, n.º 3 do Decreto-Lei nº 59/99 e em face do disposto no artº 105º, n.º 1 e 2 do Código dos Contratos Públicos e nas Directas comunitárias que este transpõe e com os demais fundamentos constantes daquele parecer anexo.
Mais delibera, nos termos e pelos fundamentos constantes daquele parecer e atenta a caducidade da adjudicação anterior, adjudicar a concessão de instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público no HSJ, E.P.E. ao concorrente n.º 6 classificado em primeiro lugar, SCHF – SCFH, S.A.” - cfr. doc. de fls. 736/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
X) Consta do parecer anexo à deliberação referida no ponto anterior, entre o mais, o seguinte:
De acordo com o n.º 1 do art. 105º do Código dos Contratos Públicos, que tem por epígrafe "Não outorga do contrato", se o adjudicatário não comparecer no dia, hora e local fixados para a celebração do contrato, por razão que lhe seja imputável, a adjudicação caduca.
Atento o processo do concurso e o processo administrativo não restam quaisquer dúvidas quanto ao facto de o adjudicatário "FUHSJ E.P.E." não ter comparecido no dia e hora designados para a celebração do contrato.
Para tanto, o adjudicatário refere no dia 04.02.2008 que não irá comparecer e, por outro lado, esclarece que não comparecerá pela falta de regulamentação da dispensa de medicamentos em unidose a que no seu entender possibilita não só o cumprimento da obrigação prevista na alínea c) do n° 2 da cláusula 5ª do contrato de concessão (que dizia respeito à dispensa de medicamentos em unidose), como também a observância da cláusula 14ª do mesmo (relativa à possibilidade de apresentação de um estudo prévio e sua consequente aprovação).
Ora, o adjudicatário tinha conhecimento da existência daquelas normas durante todo o procedimento de concurso e, posteriormente à adjudicação foi-lhe enviada a minuta do contrato a qual continha aquelas normas e, pasme-se, ou talvez não, o adjudicatário nada disse aceitando-as enquanto tal.
Não é portanto admissível que o adjudicatário se recuse a comparecer na data da assinatura do contrato pelos motivos invocados, até porque jamais essa motivação se enquadrará em causa que não lhe seja imputável. O adjudicatário não compareceu na data da assinatura do contrato por sua única e exclusiva vontade, não tendo sido impedido de o fazer por motivo independente da sua vontade e multo menos por motivo devidamente justificado.
Na verdade, o espírito do legislador subjacente à norma prevista no artigo 105° do Código dos Contratos Públicos visa acautelar situações bem distintas, como é o caso de o adjudicatário, quando se desloque para o local de assinatura do contrato ter um acidente que o impossibilite de aí comparecer.
Acresce que a aprovação pelo adjudicatário da minuta do contrato confere presunção de que o mesmo ficou a conhecer a minuta do contrato e implica que não se pode escusar à celebração do contrato por motivos referentes aos direitos e obrigações dele constantes [Neste sentido v., entre outros, Acórdão STA de 1941.06.19. o direito, 73, pág. 307; Acórdão STA (Tribunal Pleno), de 1968.05.23. Acórdãos doutrinais, 89, pág. 811; Acórdão do STA de 1999.05.13, acórdãos doutrinais, 456, pág. 1540.] A questão colocada pelo adjudicatário centra-se na execução do contrato e tão só e apenas aí.
O adjudicatário ao não comparecer na data da assinatura do contrato pelos motivos que Invoca e quando já havia sido notificado dessa minuta e aceite o seu teor, agiu com manifesta má-fé, que não lhe pode aproveitar atentos os mais basilares princípios do direto [V. Castro Mendes, João de, In Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, págs. 280 e ss.].
Acresce que,
As consequências pela não comparência do adjudicatário na data de assinatura do contrato estão bem explícitas no nº 2 do artigo 105° do Código dos Contratos Públicos implicam que o adjudicatário perde a caução a favor da entidade adjudicante, e estabelecem um dever e não unia mera faculdade para a entidade adjudicante adjudicar a decisão de contratar ao concorrente imediatamente seguinte. A proposta do concorrente n° 6, SCFH - SCFH, S.A, ficou classificada em primeiro lugar e foi preterida pela do concorrente n° 2 por este ter exercido o direito de preferência estipulado na lei e no regulamento do concurso.
Assim, em face do disposto no art. 105° nºs 1 e 2 do Código dos Contratas Públicos a entidade adjudicante tem o dever de comunicar a caducidade da adjudicação ao concorrente nº 2 e de decidir adjudicar ao concorrente classificado em primeiro lugar, a saber, o concorrente nº 6, SCFH - SCFH, SA [Neste sentido v. Andrade da Silva, Jorge in Código dos Contratos Públicos - Comentado e anotado, 2ª edição, Almedina, pág. 371 e ss.].
Importa ainda ter presente que a fundamentação deste entendimento não sofre qualquer alteração caso venha a entender-se não ser aplicável à questão em concreto o actual Código dos Contratos Públicos uma vez que o Código dos Contratos Públicos transpõe para a ordem jurídica portuguesa as Directivas Comunitárias que já se encontravam em vigor à data de lançamento do concurso em apreço, estando esta nossa interpretação de acordo com os princípios e regras nelas estabelecidos. Por outro lado, o que acima se disse aplica-se mutatis mutandis ao previsto na Decreto-Lei 197/99 de 8 de junho, designadamente, atento o disposto nos arts_ 65°, 66º, 67°. Aliás, era também este o entendimento seguido no artigo 115º, n° 3 do regime jurídico das empreitadas de obras públicas. Nem outra coisa se pode entender atentos os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, da igualdade, da concorrência, da imparcialidade, da proporcionalidade e da boa-fé.
Chegados aqui temos por assente que o adjudicatário "FUHSJ, E.P.E” não compareceu por sua única e exclusiva vontade à assinatura do contrato, sem qualquer motivo que o justificasse, facto que lhe é, portanto, imputável. Uma vez não celebrado o contrato com base neste fundamento, deverá entender-se que a adjudicação caduceu e, por isso deve "o órgão competente para a decisão de contratar adjudicar a proposta ordenada em lugar subsequente."
No entanto, não podemos deixar de verificar, atento o lapso de tempo já decorrido, se ainda será possível à entidade adjudicatária proceder à adjudicação à proposta do concorrente SCFH — SCFH, SA, uma vez que não ignoramos que nos termas de regulamento do concurso e da legislação aplicável, as propostas apresentadas tinham um prazo de validade que se encontra largamente ultrapassado.
Sucede que, nenhum dos concorrentes comunicou à entidade adjudicante a invalidade da sua proposta pelo decurso do prazo de validade da mesma.
Perfilhamos o entendimento que a adjudicação das propostas mesmo depois de expirado a prazo não é ilegal. Com efeito, no que diz respeito ao concorrente, está-se na esfera dos direitos disponíveis e, sendo assim, nada impede que este aceite prorrogar o prazo de validade da sua proposta para que esta venha a ser adjudicado. Não pode ser obrigado a fazê-lo, mas no caso de ainda ter interesse em contratar não há nada que se lhe oponha. Com efeito, basta que o concorrente "SCFH - SCFH, SA" aceite prorrogar o prazo da sua proposta para que esta lhe seja adjudicada.
Tendo em conta todo o supra exposto é, s.m.o., o nosso parecer de que o HSJ, E.P.E deve:
1. Deliberar e comunicar a caducidade da adjudicação da proposta do concorrente FUHSJ, E.P.E..
2. Deliberar a adjudicação da proposta do concorrente "SCFH - SCFH, SA", que tinha sido classificada em primeiro lugar, mas que foi preterida devido ao exercício do direito de preferência pela concorrente '' FUHSJ, E.P.E".
- cfr. doc. de fls. 737/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
Y) Por ofício datado de 15.9.2007 a Entidade Demandada comunicou à Contra-Interessada o teor da deliberação do Conselho de Administração do HSJ, E.P.E. de 10.9.2007, remetendo a minuta do contrato homologada, e, bem assim, pedindo “sejam enviados, nos prazos legais, os documentos necessários que comprovem os requisitos legais competentes e exigidos à adjudicação, bem como a garantia bancária. Caso V.Exas. nada tenham a obstar e o procedimento e os documentos a apresentar se encontrem em conformidade, desde já sugerimos o dia 21.09.2009, pelas 12.00 horas, para a assinatura do respectivo contrato”. - cfr. doc. de fls. 755/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
Z) Por ofício datado de 16.9.2007 a Entidade Demandada comunicou à Autora o teor da deliberação do Conselho de Administração do HSJ, E.P.E. de 10.9.2007. - cfr. doc. de fls. 755/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
AA) A Contra-Interessada prestou a Garantia Bancária n.º 2…-…057-2 emitida pela CEMG, em favor da Entidade Demandada, relativa à caução destinada a assegurar o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigações que resultem da apresentação da proposta ao “Concurso” nos termos dos artigos 10.º e 11.º do Caderno de Encargos. – doc. de fls. 774/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
BB) Em 17.09.2007 foi celebrado o Contrato n.º 17/2009 entre a Entidade Demandada e a Contra-Interessada tendo por objecto a concessão da exploração do serviço público criado no HSJ, EPE, para a dispensa de medicamentos ao público e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“Cláusula 5.º
Dispensa de medicamentos ao público na farmácia do HSJ, EPE
1 – A dispensa de medicamentos ao público é efectuada pela Segunda Outorgante de acordo com as regras legais e regulamentares aplicáveis às farmácias de oficina, com as necessárias adaptações, bem como as vertidas no presente contrato de concessão.
2 – De acordo com o disposto no número anterior a exploração da farmácia no HSJ, EPE, pela Segunda Outorgante da farmácia compreende:
[...]
c) A dispensa de medicamentos em unidose;
[...]
Cláusula 7.ª
Obrigações da Segunda Outorgante
1 – Para além de outras especialmente previstas no presente contrato de concessão, são obrigações da Segunda Outorgante:
[...]
b) Assegurar o funcionamento do serviço público concessionado de forma regular, contínua e eficiente [...]
[...]
Cláusula 13.ª
Programa Funcional
1 – A Segunda Outorgante deve conformar-se com o programa funcional, elaborado pelo Primeiro outorgante e fica vinculada aos seus aspectos técnicos.
2 – A Segunda Outorgante deve construir no local disponibilizado as instalações da farmácia, nos termos acordados.
3 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os dimensionamentos previstos no programa funcional são meramente indicativos, servindo apenas de orientação à concessionária.
4 – O programa funcional do edifício submete-se e pressupõe a verificação dos requisitos legais em vigor para a abertura ao público de uma farmácia de oficina.
Cláusula 14.ª
Estudo Prévio
1- A Segunda Outorgante deve enviar ao Primeiro Outorgante e ao Infarmed, no prazo de 30 dias a contar da celebração do presente contrato de concessão, um estudo prévio desenvolvido de arquitectura, que inclua:
a) Áreas a afectar à actividade a desenvolver;
b) Implantação da estrutura desejada;
c) Levantamento topográfico;
d) Plantas, alçados e cortes do edifício a construir;
e) Integração do edifício proposto relativamente aos edifícios existentes;
f) Descrição sumaria das técnicas construtivas e materiais a utilizar;
g) Arranjos exteriores.
2 – O Primeiro Outorgante deve pronunciar-se sobre o estudo prévio no prazo de 5 dias contar da respectiva entrega.
3 – Se o Primeiro Outorgante nada disser no prazo referido no número anterior, entende-se que aprova o estudo prévio.
4 – Se o Primeiro Outorgante não aprovar o estudo prévio, emite instruções vinculativas para a Segunda Outorgante, que o deve alterar em conformidade, no prazo de 15 dias.
5 – No prazo referido no número anterior, a Segunda Outorgante submete um novo estudo prévio à consideração do Primeiro Outorgante.
6 – O Primeiro Outorgante deve pronunciar-se, no prazo de 5 dias, sobre o novo estudo prévio e pode não o aprovar se a Segunda Outorgante não o tiver conformado com as instruções vinculativas.
7 – Se nada disser no prazo referido no número anterior, entende-se que aprova o estudo prévio.
8 – Na situação referida no n.º 6, o Primeiro Outorgante pode considerar perdida a seu favor a caução prestada, nos termos do n.º 2, da cláusula 9.ª.
[...] Cláusula 24.º
Resolução por incumprimento contratual
1 – Sem prejuízo do disposto no n.º 2 da cláusula 9.ª, o HSJ, EPE pode resolver o contrato de concessão em caso de incumprimento das obrigações de serviço público estabelecidas.
[...]
Cláusula 25.º
Multas Contratuais
1 – Sem prejuízo das situações de incumprimento que possam determinar rescisão, durante a vigência do contrato podem ser aplicadas à Segunda Outorgante multas contratuais, quando se verificar o incumprimento de quaisquer obrigações assumidas no contrato que não ponham em causa a subsistência da relação de concessão.
[...]
Cláusula 26.º
Cláusulas Penais
1 – O incumprimento dos prazos referidos no n.º 1 da cláusula 14.ª, no n.º 1 da cláusula 15.ª e no n.º 1 da cláusula 18.º faz incorrer a Segunda Outorgante no pagamento de € 1000 por cada dia de atraso, até ao limite de 90 dias.
2 – Decorridos os prazos referidos no número anterior, o Primeiro Outorgante, pode resolver o contrato de concessão por incumprimento contratual, nos termos do disposto nos artigos 36.º, n.º 1, alínea e) e 38.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
[...]”
– doc. de fls. 776/SA e ss. do p.a. apenso aos autos.
CC) Por ofício datado de 18.9.2007 a Entidade Demandada remeteu à Autora parecer anexo à deliberação do Conselho de Administração do HSJ, E.P.E. de 10.9.2007. – cfr. doc. de fls. 798/SA do p.a. apenso aos autos.
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Em sede de motivação o Tribunal consignou que formou a convicção relativamente à matéria de facto provada a partir dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise dos documentos juntos aos autos, ao processo cautelar nº 2484/09.2BEPRT e ao processo administrativo, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo das partes, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.
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DE DIREITO
Antes de mais está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
a) Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito
Alega a Autora que a decisão do Conselho de Administração da Entidade Demandada de 10.9.2009 padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito por ser inaplicável o disposto no art. 105.º n.º 1, 1ª parte do Código dos Contratos Públicos (CCP), não estando prevista a caducidade da adjudicação por falta de comparência do adjudicatário.
Como decorre do probatório a decisão em crise foi tomada “nos termos e com os fundamento do parecer anexo” e “atento o previsto no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, nomeadamente, nos artigos 65.º, 66.º e 67.º; o previsto no artº 105º, n.º 3 do Decreto-Lei nº 59/99 e em face do disposto no artº 105º, n.º 1 e 2 do Código dos Contratos Públicos e nas Directas comunitárias que este transpõe e com os demais fundamentos constantes daquele parecer anexo”. A fundamentação do parecer anexo funda, em suma, a caducidade da adjudicação por referência ao disposto no art. 105.º n.º 1 do CCP, adiantando ainda que “as Directivas Comunitárias [que o CCP transpõe] já se encontravam em vigor à data de lançamento do concurso” e que “o que acima se disse aplica-se mutatis mutandi ao previsto no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, designadamente, atento o disposto nos arts. 65.º, 66.º e 67.º. Aliás, era também este o entendimento seguido no artigo 115.º, n.º 3 do regime jurídico das empreitas das obras públicas”.
Esclarece-se, desde logo, que, como refere a Autora, a caducidade da adjudicação não pode ser fundada nas disposições do Código dos Contratos Públicos pois, como rege o art. 16.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 18/2008, “o Código dos Contratos Públicos só é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a sua entrada em vigor e à execução dos contratos que revistam a natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados após essa data, salvo o disposto no n.º 2 do art. 18.º”.
Independentemente de considerarmos que o procedimento de formação dos contratos tem início com a decisão de contratar (como veio estabelecer expressamente o art. 36.º do CCP e já era entendido por parte da doutrina, cf. Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Almedina, Coimbra 1987, p. 657) ou com a publicação do anúncio do concurso (como cuidava alguma doutrina, vd. a este respeito, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Das fontes às Garantias, Almedina, p. 226), o certo é quanto ao “Concurso”, como decorre do probatório, estes dois momentos ocorreram ainda em 2007, ou seja, antes da entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos em 30 de Julho de 2008.
Assim, é manifesto que não se tendo iniciado o procedimento pré-contratual após a entrada em vigor do CCP este diploma legal não é aplicável à situação dos autos, pelo que a caducidade da adjudicação por falta de comparência da Autora à outorga do contrato não se poderia fundar no que a este respeito dispõe o art. 105.º do CCP.
Considerando que a deliberação não se pode sustentar válida e legalmente em quadro legal que manifestamente não tem aplicação, verificar-se-ia o erro nos pressupostos de direito. Contudo, não se pode deixar de ter em conta que o acto em crise não se refere unicamente ao disposto no CCP, antes remetendo, igualmente, para o conteúdo das Directivas transpostas pelo CCP, e para o disposto no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, enunciando “designadamente” os artigos referentes à aceitação da minuta do contrato e respectiva reclamação, e para o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março (o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, RJEOP) especialmente no seu art. 115.º, n.º 3. Importa, assim, verificar se estes diplomas são ou não aplicáveis à situação em apreço e se regulam a caducidade da adjudicação por efeito da falta de comparência do adjudicatário à outorga do contrato, por forma a fundarem a decisão tomada pela Entidade Demandada.
Dispunha o art. 26.º do Programa do Concurso que em tudo o que não estivesse ali especialmente previsto aplica-se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro, no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho e na legislação específica das farmácias de oficina, e do mesmo modo o art. 49.º do DL 235/2006 estabelecia que “em tudo quanto não estiver expressamente previsto no presente diploma quanto ao concurso público e ao contrato de concessão aplicam-se, subsidiariamente, os princípios e as normas que regulam a realização de despesas públicas e formas específicas de contratação pública”.
Em suma, a legislação a aplicar subsidiariamente, especificamente quanto à matéria do procedimento de formação do contrato, encontrava-se no DL 235/2006, no DL 197/99, e, remetendo ainda o DL 235/2006 para as “normas que regulam a realização de despesas públicas e formas específicas de contratação pública”, entre outras, as normas do Código do Procedimento Administrativo relativas à matéria da contratação pública (diploma que constitui legislação subsidiária do DL 197/99, cf. o art. 206.º), e o disposto no RJEOP.
A respeito da caducidade da adjudicação nem o artigo 23.º do Programa do Concurso, nem o mesmo normativo do DL 235/2006, previam a falta de comparência do adjudicatário como causa de caducidade do contrato. Apenas o art. 18.º, n.º 3 do Caderno de Encargos previa que “caso o adjudicatário não compareça no dia, hora e local fixados para a celebração do contrato, pode o conselho de administração do HSJ desvincular-se da proposta e considerar perdida a seu favor a caução prestada, excepto em casos excepcionais, devidamente justificados”.
Já o art. 115.º, n.º 3 do DL 59/99 dispunha que “o adjudicatário perderá a favor do dono da obra a caução prestada, considerando-se, desde logo, a adjudicação sem efeito se não comparecer no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato e não houver sido impedido de o fazer por motivo independente da sua vontade, devidamente justificado”.
Igualmente, o art. 56.º do DL 197/99 prescrevia que,
“1 - A adjudicação considera-se sem efeito quando, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário:
a) Não entregue a documentação que lhe seja exigida nos termos do artigo 39.º;
b) Não preste a caução que lhe seja exigida nos termos dos artigos 69.º e 70.º;
c) Não compareça no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato.
2 - Nos casos previstos no número anterior, a entidade competente para autorizar a despesa pode decidir pela adjudicação ao concorrente classificado em segundo lugar.”
Note-se que pese embora a epígrafe deste último normativo se refira a “anulação da adjudicação” e, quer o art. 56.º do DL 197/99, quer o art. 115.º, n.º 3 do RJEOP determinem a ineficácia da adjudicação como consequência da falta de comparência do adjudicatário à outorga do contrato, o certo é que esta ineficácia não se distingue da caducidade da adjudicação a que se reporta o art. 23.º do Programa de Concurso e do DL 235/2006, ou a “desvinculação” referida no art. 18.º, n.º 3 do Caderno de Encargos[ Acompanhamos aqui o Prof. Vieira de Andrade que, no parecer junto aos autos refere que, ainda que o Caderno de Encargos não o qualifique juridicamente, a “desvinculação” que o conselho de administração tem o poder de determinar por falta de comparência do adjudicatária corresponde a caducidade da adjudicação, enquanto, “possibilidade de extinção dos efeitos da adjudicação por via administrativa”. ], pois o que aqui está em causa é sempre a produção de um efeito extintivo sobre um acto ou de cessação dos seus efeitos (designadamente o de obrigar a Administração a contratar com aquele concorrente e nos termos da proposta por este apresentada). De facto, referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (in ob. cit., p. 588), que “a não verificação dos requisitos anteriormente enunciados, quando exigíveis [referindo-se aqui os autores, entre o mais, à prestação de caução pelo adjudicatário, à sua constituição jurídica e comparência] conduz directa e necessariamente à ineficácia (ou caducidade) da decisão de adjudicação tomada – ou, se se preferir, à extinção do procedimento de execução (que tinha por objecto a concretização dos efeitos da adjudicação) mediante uma decisão final) de não contratar, pese a adjudicação feita)”.
Ou seja, a legislação subsidiariamente aplicável ao “Concurso” e para a qual a decisão em crise também remetia prevê a caducidade (ou ineficácia) da adjudicação em caso de falta de comparência injustificada do adjudicatário à celebração do contrato.
Adiante-se que a falta de previsão expressa, quer no Programa do Concurso, quer no DL 235/2006, não determina que a falta de comparência do adjudicatário no dia, hora e local designados para a outorga do contrato não constitui, no âmbito dos procedimentos pré-contratuais regulados por aquele diploma, fundamento para a caducidade (ou ineficácia) da adjudicação.
De facto, como decorre do parecer do Prof. Vieira de Andrade junto aos autos, a hipótese vinha disciplinada no art. 18.º, n.º 3 do Caderno de Encargos que estabelecia a “possibilidade de extinção dos efeitos da adjudicação por via administrativa nessas circunstâncias, ainda que o Caderno de Encargos não qualifique juridicamente como caducidade a “desvinculação” que o conselho de administração tem o poder de determinar”.
E, igualmente, temos que considerar que “a norma que prevê a caducidade da adjudicação quando o adjudicatário não compareça no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato [..] pode [..] considerar-se uma regra geral dos procedimentos concursais pré-contratuais”. De facto, trata-se de norma de ampla tradição no nosso ordenamento jurídico, actualmente consagrada no art. 105.º do CCP, sendo certo que não se poderia admitir em procedimentos pré-contratuais tendentes à realização de interesses públicos, in casu, de dispensa de medicamentos, que, avisado o adjudicatário de maneira clara e inequívoca da data, hora e local para a outorga do contrato, este pudesse não comparecer, sem justificar convenientemente a sua ausência, e a Administração não se pudesse “desvincular” daquele acto de adjudicação ficando a aguardar o impulso do mesmo adjudicatário com vista à celebração do contrato.
Acrescente-se, como diz o autor, que se trata de uma norma especial (e não excepcional) que não derroga globalmente a lei geral [vd. neste sentido J. Batista Machado, in Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador], mas apenas afasta as regras gerais que se revelem incompatíveis com a lei especial, sendo certo que, in casu, “não existe contrariedade entre a regra geral da caducidade da adjudicação pela falta de comparência do adjudicatário à assinatura do contrato, quando tal se deva a facto que lhe seja imputável, e o regime legal especial em apreço, [...] este fundamento específico se harmoniza perfeitamente com as disposições especiais do regime legal”.
E, igualmente, tem que considerar-se que “da interpretação das normas constantes do Decreto-Lei n.º 235/2006 [especialmente do art. 23.º] não se retira qualquer indicação no sentido de que o mesmo consagre uma enunciação taxativa das causas de caducidade da adjudicação, e, principalmente, da sua interpretação não resulta que a este procedimento não deva ser aplicado, complementarmente, o regime geral, na parte em que prevê a caducidade da adjudicação quando o adjudicatário, por facto que lhe seja imputável, não compareça à assinatura do contrato”.
Em suma, encontrando-se regulada a caducidade da adjudicação quando o adjudicatário, por facto que lhe seja imputável, não compareça à outorga do contrato nos diplomas subsidiariamente aplicáveis à hipótese dos autos – 56.º do DL 197/99 e 115.º, n.º 3 do DL 59/99 – e para os quais o acto em crise remete, não existe erro nos pressupostos de direito, pois que a decisão se encontra enquadrada num regime legal que é subsumível à situação dos autos.
b) Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto
Quanto a este ponto alega a Autora que o motivo por si apresentado, na sua comunicação de 4.2.2009, para a não comparência à outorga do contrato agendada para 6.2.2009 consubstancia um motivo atendível (que não lhe é imputável), obstando à possibilidade de se produzir o efeito de caducidade da adjudicação, pois que não estando ainda regulamentada a dispensa de medicamentos em “unidose” não poderia objectivamente assumir algumas das obrigações plasmadas a esse respeito no “Contrato”.
Não existem dúvidas que ao abrigo do art. 56.º, n.º 1 al. c) do DL 197/99 e do art. 18.º, n.º 3 do Caderno de Encargos a adjudicação caduca (ou é ineficaz) quando, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não compareça no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato. A questão a resolver é, por isso, a de saber se a falta de comparência da Autora à outorga do contrato se encontra ou não devidamente justificada, isto é, se lhe é ou não imputável.
Como resultou do probatório o “Concurso” tinha por objecto “a concessão da exploração do serviço público criado no HSJ, E.P.E. – Porto, adiante designado HSJ, para a dispensa de medicamentos ao público” (art.º 2.º, n.º 1 do Programa de Concurso e do Caderno de Encargos).
Previa-se na cláusula 5.ª, n.º 2 al. c), tal como resultava do art. 26.º, n.º 1, al. d) do Caderno de Encargos, que a exploração do serviço público criado no HSJ para a dispensa de medicamentos ao público compreende a dispensa de medicamentos em unidose e que no prazo de 30 dias a contar da celebração do contrato de concessão a concessionária deveria enviar ao conselho de administração do HSJ e ao Infarmed um estudo prévio desenvolvido de arquitectura que obedecesse ao Programa Funcional anexo ao Caderno de Encargos e do qual constava no ponto 8.3 que “a farmácia deverá igualmente dispor de espaço e equipamento necessário à preparação automática da unidose, competindo ao concessionário proceder à aquisição do mesmo” (cláusulas 13.ª e 14.ª), correspondentes ao art. 21.º do Caderno de Encargos).
Ocorre que à data de outorga do contrato, conforme explicitado pela Autora na sua comunicação de 4.2.2009, ainda não estavam regulados os termos, moldes e exigências em matéria de dispensa de medicamentos em unidose, designadamente no que se reporta ao acondicionamento, rotulagem e dispensa dos medicamentos em dose individualizada.
De facto, dispunha o artigo 47.º do DL 235/2006 que “as farmácias instaladas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde podem dispensar medicamentos em unidose” (n.º 1) e que “a dispensa de medicamentos referida no número anterior é regulamentada por portaria conjunta dos membros responsáveis pelas áreas da economia e da saúde” (n.º 2).
A dispensa de medicamentos a que se reporta este normativo apenas veio a ser regulamentada pela Portaria n.º 697/2009, de 1 de Julho - ou seja, aproximadamente 5 meses após a data prevista para a outorga do contrato -, e rege questões dirigidas aos diferentes operadores de saúde, quer sejam médicos (vd. a prescrição referida no art. 10.º), laboratórios e armazenistas (vd. acondicionamento primário no art. 4.º), utentes (vd. dispensa no art. 3.º, n.º 3), e especialmente farmácias. De facto, dirigem-se às farmácias normativos como aqueles que orientam a dispensa dos medicamentos – art. 3.º, n.º 3 –, os moldes e termos em que as farmácias podem adquirir os medicamentos em quantidade individualizada primariamente acondicionados ou proceder ao seu reacondicionamento (art. 4.º) e acondicionamento secundário (art. 5.º) e o folheto informativo que deve ser entregue (art. 6.º).
Refira-se, por último, após ter sido revogado o DL 235/2006 pelo Decreto-Lei n.º 241/2009, de 16 de Setembro, esta Portaria veio a ser revogada pela Portaria n.º 455-A/20110, de 30 de Junho, estabelecendo esta um regime experimental inicial pelo período de 6 meses (art. 12.º) e, igualmente, entre o mais, regras quanto ao acondicionamento primário e secundário (arts. 4.º e 5.º) e de rotulagem pelas farmácias (art. 6.º).
Atento a que algumas das condições do contrato se reportavam a obrigações assumidas pelo concessionário de dispensa de medicamentos em unidose, como permitia o DL 235/2006, e de as instalações a construir contemplarem a área necessária à preparação dos medicamentos em unidose, obviamente que perante a carência de regulamentação quanto à matéria da dispensa de medicamentos em dose individual o adjudicatário desconhecia, ainda, os termos e os moldes em que poderia cumprir com as obrigações às quais ficaria adstrito pela celebração do contrato.
O adjudicatário viu-se assim confrontado, na eminência da outorga do contrato, da probabilidade de vir a incumprir com as previsões contratuais a que se iria vincular, sujeitando-se, assim, às sanções contratuais que vinham estabelecidas no contrato. Nesta situação, é manifesto que não seria razoável, por a tal se oporem os deveres de boa-fé e lealdade que pautam as relações pré-contratuais, exigir ao co-contratante a sua presença na assinatura do contrato, pois que, em princípio, ninguém contrata sabendo que vai deixar de cumprir as prestações a que se obrigou.
É certo que a Entidade Demandada alega que a Autora não desconhecia essa ausência de regulamentação à data em que apresentou a sua proposta, contudo, embora com a apresentação da proposta o concorrente se comprometa a assumir formalmente e a cumprir com as obrigações estabelecidas nos documentos do concurso e na sua própria declaração, a vinculação jurídica a cumprir as obrigações contratuais apenas surge com a outorga do contrato.
Como refere Bernardo Azevedo (in Adjudicação e Celebração do Contrato no Código dos Contratos Públicos, Estudos de Contratação Pública – II, CEDIPRE, Coimbra Editora, p. 263 e 264) a relação contratual entre a Administração e o co-contratante nasce do contrato – e não do acto de adjudicação –, que “projecta uma eficácia autonomamente constitutiva do vínculo de natureza sinalagmática em que, doravante, se suportará a relação de matriz negocial entre entidade adjudicante e adjudicatário. Não se trata, por isso, de um qualquer acto negocial de mera natureza recognitiva, [...] mas antes, e ao invés, do único acto capaz de verdadeiramente fundar o vínculo jurídico-contratual (com o feixe de direitos e obrigações que lhe vai co-naturalmente associado), que, em termos efectivos, modelará a relação a instituir entre a Administração e o adjudicatário do contrato a celebrar”.
A celebração do contrato faria, assim, nascer na esfera jurídica da Autora um conjunto de obrigações, ficando aquela adstrita para com a Entidade Demandada à realização das prestações previstas e reguladas pelo contrato (art. 397.º do Código Civil), incluindo aquelas que se relacionavam com matérias ainda não integralmente reguladas, e cujo incumprimento geraria responsabilidade contratual da Autora.
Assim, na fase preparatória de um contrato, as partes devem observar certos deveres de actuação, designadamente deveres de lealdade e correcção e deveres de informação e de esclarecimento, respeitantes, antes de mais, ao clausulado contratual pretendido.
O princípio da boa-fé “impõe especiais deveres de protecção e de lealdade. As negociações preliminares não podem servir de pretexto para que se inflijam danos à contraparte e os deveres de lealdade obrigam à prestação de todos os esclarecimentos necessários a uma negociação correcta e honesta” (cf. Maria João Estorninho, Direito Europeu dos Contratos Públicos, p. 359). Igualmente, o princípio da transparência é um dos princípios norteadores em matéria de contratação, preconizando a maneira como a informação deve ser prestada inter-partes durante a contratação, a qual deve ser clara precisa e correcta, visando sanar quaisquer dúvidas no acto da contratação e garantir que as partes dispõem de toda a informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual.
Assistia à Autora o direito a conhecer integralmente o conteúdo das obrigações a que se iria vincular em momento prévio à assinatura do contrato, sendo aliás desrazoável e desproporcional impor-lhe a outorga do contrato, quando já sabia não poder cumprir com o mesmo sujeitando-se às sanções contratuais.
Aliás, seria manifestamente violador dos princípios e dos deveres em matéria de relações contratuais que a Autora, conhecendo a impossibilidade de cumprimento integral do contrato, não levasse ao conhecimento da Entidade Demandada as dificuldades que a falta de regulamentação da matéria determinava. E note-se que a própria Entidade Demandada terá ficado sensibilizada, tanto mais que aguardou a publicação da Portaria para se sentir em condições de adjudicar e celebrar o contrato, agora, com a Contra-Interessada.
Acrescente-se que, do disposto no art. 12.º, n.º 6 da Portaria n.º 697/2009, de 1 de Julho, decorre que a dispensa de medicamentos em quantidade individualizada fica restrita à região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo (al. a) e às farmácias da região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo que manifestem, junto do INFARMED, I.P., a sua vontade de aderir àquela dispensa. Ou seja, esta Portaria nem sequer é aplicável à farmácia a instalar nas instalações da Entidade Demandada, pelo que, mesmo à data da adjudicação à Contra-Interessada, não existia a regulamentação necessária ao cumprimento das obrigações de dispensa de medicamentos que sobre esta última impendia. E note-se que não procede o argumento avançado pela Entidade Demandada de que a restrição ao âmbito de aplicação da Portaria lhe é inaplicável, pois que é a própria Portaria, no seu preambulo a referir que, em suma, se destina a regulamentar o DL 235/2006, ou seja, o diploma que regula o Concurso dos autos.
Não podemos acompanhar a Entidade Demandada quando alega que a falta de comparência é imputável à Autora porque não requereu a modificação do contrato aquando da aprovação da minuta, tendo-se conformado com a mesma.
O contrato é como que o resultado da fusão entre aquilo que consta do Caderno de Encargos e a proposta do concorrente adjudicatário, pelo que assiste ao adjudicatário o direito a reclamar da minuta com fundamento no facto de constarem aí obrigações não contidas na proposta e nos documentos do concurso (art. 17.º do Caderno de Encargos e 66.º do DL 197/99), e que “se estende também ao facto de se contrariarem ou negarem, na respectiva minuta, direitos (e outras posições de vantagem jurídica) que os documentos do concurso ou da proposta lhe conferissem” (cf. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in ob. cit., p. 579).
Na hipótese dos autos não está em causa qualquer contrariedade da minuta do contrato com o conjunto de documentos integrantes do procedimento concursal, pois que as obrigações de dispensa de medicamentos unidose resultavam já do objecto do concurso. Ademais, nem é contra o teor da minuta que a Autora se insurge pois que, em momento algum, pôs em causa a sua vinculação a cumprir as obrigações que assumiria por força do contrato, apenas invocou que não poderia comprometer-se a assumir tais deveres - e sujeitar-se a ser contratualmente responsabilizada pela sua falta de cumprimento – enquanto inexistisse a respectiva regulamentação, isto é, por saber que tal cumprimento era (legalmente) impossível.
A Autora em respeito do seu dever de lealdade e boa-fé, previamente à data de outorga de contrato, alertou para a situação não poder comparecer à outorga por lhe ser inexigível celebrar o contrato e assumir um conjunto de obrigações dependentes e carecidas de regulamentação legal. Obviamente que, nesta situação, a falta de comparência não lhe poderá ser imputável, encontrando-se cabalmente justificada e sendo atendíveis os motivos invocados.
De resto, face aos objectivos da reclamação da minuta, nem sequer lhe seria reclamável que a apresentasse no sentido de retirar da mesma as cláusulas que fossem dependentes da regulamentação da dispensa de medicamentos em dose individualizada, pois que equivaleria a encetar uma negociação pós-adjudicatória em termos que implicariam uma modificação do caderno de encargos.
Ora, à luz da jurisprudência Pressetext (Ac. TJCE de 19.7.2008, C-454/06), está vedada a negociação pós-adjudicatória do caderno de encargos que implique uma alteração das condições essenciais do contrato. Ainda que já se admitisse na vigência do DL 197/99 uma negociação pós-adjudicatória dos atributos da proposta (vd. Luís Verde de Sousa, A negociação pós-adjudicatória dos atributos da proposta, Estudos de Contratação Pública – III, pp. 298 e ss.) esta não pode incidir sob o caderno de encargos, que deverá manter a sua configuração original, pelo que as alterações à proposta adjudicada não podem desrespeitar o disposto nas peças do procedimento.
Apresentar uma reclamação quanto à minuta do contrato nestes termos, ou seja, requerendo a eliminação das cláusulas dependentes daquela regulamentação ou a atribuição a estas de um carácter condicional ou sujeitá-las a termo inicial, equivaleria a propor alterações ao caderno de encargos (e à proposta apresentada) inadmissíveis, porque violadoras do princípio da estabilidade das peças concursais, do princípio da igualdade, do princípio da comparabilidade das propostas ou potenciadoras de distorções inadmissíveis à concorrência. Representando uma alteração sensível ao esquema contratual submetido à concorrência era manifesto que a reclamação estava votada ao insucesso.
Acrescente-se que “o consentimento do administrado não basta para justificar a inobservância das normas vigentes nem para dispensar uma matriz normativa para uma conduta administrativa não classificável como de direito privado porque a isso se opõe o papel necessário das normas como factor de legalidade objectiva, isto é, como garantes de que a actividade administrativa prossegue racionalmente o interesse e respeita a igualdade dos cidadãos” (cf. Sérvulo Correia, in Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, p. 717). Daí que, ainda, que se pudéssemos atribuir à falta de reclamação quanto a este ponto uma aceitação das imposições contratuais, tal não dispensa uma actuação da Administração em respeito do princípio da legalidade e dos deveres de boa-fé e cooperação patentes em relações no âmbito dos processos de formação de contratos, e que impõem que a Administração aja de forma transparente, e respeite os deveres/direitos de informação permitindo que o adjudicatário, quando celebra o contrato, esteja inteirado de todas as condições e termos que regulam o esquema contratual e que não lhe seja imposta a assunção de obrigações que a própria Administração não desconhece não serem passíveis de realização.
Por último, refira-se que não vem demonstrado nos autos que a única intenção da Autora determinante da não comparência fosse obstaculizar à celebração do contrato, pelo que não se pode concluir que a Autora estivesse a utilizar abusivamente um “direito” a não comparecer à outorga do contrato (vd. artigo 334.º do Código Civil segundo o qual é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito) para impedir o funcionamento da farmácia no Hospital.
Impõe-se concluir que o motivo avançado para a falta de comparência se apresenta como devidamente justificado, não sendo imputável à Autora essa falta de comparência, donde não podia a Entidade Demandada ter concluído pela caducidade da adjudicação à Autora e, consequentemente, não podia decidir chamar a Contra-Interessada e refazer perante esta o procedimento tendente à adjudicação, celebrando com esta o “Contrato” nos termos do disposto no art. 56.º, n.º 2 do DL 197/99.
Termos em que o acto de 10.9.2009 da Entidade Demandada que decidiu pela caducidade da adjudicação à Autora e, consequentemente, adjudicou o “Contrato” à Contra-Interessada padece de erro sobre os pressupostos de facto, sendo anulável nos termos do art. 135.º do CPA.
E, ao abrigo do art. 185.º, n.º 1 do CPA é, consequentemente, anulável o Contrato n.º 17/2009 celebrado entre a Entidade Demandada e a Contra-Interessada.
c) Vício de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 5.º, n.º 2 e 6.º-A do CPA
Entende, ainda, a Autora que a actuação da Entidade Demandada a decidir pela caducidade da adjudicação do contrato à Autora, nos termos em que o fez, viola os princípios da boa-fé, da confiança e da proporcionalidade.
O artigo 6.º-A do CPA veio acolher expressamente o princípio da boa-fé no direito administrativo, dispondo que «no exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa-fé»; e o respeito pela boa-fé, realiza-se através da ponderação dos “valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida”.
Uma das mais importantes concretizações da boa-fé, e que vem indicada na alínea a) do nº 2 do artigo 6º - A, é o princípio da protecção da confiança e que consiste numa regra ético-jurídica fundamental, pois determina que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos e baseadas na conduta de outrem. Protege-se os particulares relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente provocam uma crença na sua efectivação.
Naturalmente que tal protecção não é absoluta, pois, como refere Freitas do Amaral, ela só pode ocorrer verificados certos pressupostos: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa-fé subjectiva da pessoa lesada; b) existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (cfr. Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 137.).
Por sua vez, o princípio da proporcionalidade comete à Administração a obrigação de adequar os seus actos aos fins concretos que se visam atingir, adequando as limitações impostas aos direitos e interesses de outras entidades ao necessário e razoável; trata-se, assim, de um princípio que tem subjacente a ideia de limitação do excesso, de modo a que o exercício dos poderes não ultrapasse o indispensável à realização dos objectivos públicos. Em suma, as decisões da Administração que interfiram com aqueles direitos dos particulares devem ser adequados e proporcionados aos objectivos a realizar (cfr. arts. 266.º, n.º 1 da CRP, 4.º e 5.º do CPA).
O princípio da proporcionalidade assume, assim, três vertentes essenciais:
a. A adequação, que estabelece a conexão entre os meios e as medidas e os fins e os objectivos;
b. A necessidade, que se traduz na opção pela acção menos gravosa para os interesses dos particulares e menos lesiva dos seus direitos e interesses;
c. O equilíbrio, ou proporcionalidade em sentido estrito, que estabelece o reporte entre a acção e o resultado.
Acrescente-se que os princípios da boa-fé, da protecção da confiança e da proporcionalidade, estruturantes do princípio do estado de direito, constituem postulados ou normas de actuação a serem observados no exercício da actividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando pois como limites internos dessa actividade, não relevando assim no domínio da actividade vinculada, consistente esta na simples subsunção de um dado concreto à previsão normativa dos comandos legais vigentes (cfr. Acórdão do STA de 17.12.99, P. 40313).
Na verdade, se o acto for vinculado a eventual injustiça resulta directamente da lei, que o juiz não pode deixar de aplicar, salvo em caso de inconstitucionalidade. E partir do momento em que está em causa a actividade vinculada da administração não podemos tirar ilações a nível da boa-fé que possam pôr em causa o princípio da legalidade.
A falta de comparência à outorga do contrato quando a mesma seja por facto imputável ao adjudicatário conduz directa e necessariamente à ineficácia (ou caducidade) da decisão de adjudicação tomada, tratando-se, nessa medida – verificados que estejam os seus pressupostos legais – de um acto vinculado.
É certo que quer o art. 56.º do DL 197/99, ao referir-se à falta de comparência por facto imputável ao adjudicatário, quer o art. 18.º, n.º 3 do Caderno de Encargos ao aludir a “casos excepcionais, devidamente justificados” utilizam, como pressuposto para que a falta de comparência não seja geradora caducidade da adjudicação, conceitos de carácter indeterminado no sentido de o seu conteúdo e extensão serem em larga medida incertos, ou seja, não são dotados de um sentido preciso e objectivo. No entanto, os conceitos jurídicos indeterminados ora podem gerar discricionariedade, ora podem outorgar poder vinculado. A verificação só pode ser feita diante do caso concreto.
De facto, como escreve Freitas do Amaral "o que importa é saber se a interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais” (cf. Curso de Direito Administrativo, vol. II, p. 107) e como aduz Sérvulo Correia (in Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Almedina, Teses, 1987, p. 491 a 492) só existe a margem de livre apreciação de conceitos jurídicos indeterminados que a lei especificamente conceder.
Apesar da (aparente) abertura da norma a juízos do que constituem situações de falta de comparência imputáveis ao adjudicatário, o certo é que na apreciação desta imputabilidade o que está aqui em causa é uma operação de subsunção dos factos à norma, isto é, de mera apreciação e interpretação da lei, dali não resultando qualquer margem de livre apreciação à Administração.
Daí que a caducidade da adjudicação em razão da falta de comparência não deixe constituir um acto vinculado, sem prejuízo da possibilidade de se verificar – e de o Tribunal o apreciar – um erro nos pressupostos por, designadamente, não se poder imputar ao adjudicatário a falta de comparência, caso em que o acto vinculado é o de não considerar caducada a adjudicação e, consequentemente, celebrar o contrato com o adjudicatário.
Ora, verificando-se que a decisão tomada no contexto de um poder vinculado padece de erro sobre os pressupostos, sendo por isso ilegal, porquanto foi declarada a caducidade da adjudicação quando não se encontravam reunidos os respectivos requisitos legais, não faz sentido apreciar a violação de princípios que apenas relevam no âmbito do agir administrativo discricionário.
Termos em que improcede nesta parte a presente acção de impugnação.
d) Vício de forma por preterição do direito de audiência prévia
A questão que ora se coloca consiste em saber se a entidade demandada poderia ter tomado a deliberação de 10.9.2009 sem previamente proceder à audiência da Autora nos termos do estipulado nos arts. 100.º a 103º do CPA.
A audiência de interessados, como figura geral do procedimento administrativo de 1º grau, representa o cumprimento da imposição constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações administrativas que lhes disserem respeito – art. 267.º, n.º 5 da CRP -, determinando para o órgão administrativo competente a obrigação de incluir o administrado, como agente activo, na tarefa de preparar a decisão que o afectará
Tal princípio de participação está expressamente consagrado no art. 8.º do CPA, que impõe à Administração o dever de assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código.
Dispõe o art. 100.º do mesmo CPA que concluída a instrução e salvo disposto no art. 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente sobre o sentido provável da decisão.
O fim legal desta formalidade é, pois, o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o projecto de decisão e, para isso, a notificação da proposta de decisão deve fornecer-lhes todos os aspectos que foram relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito - cfr. n.º 2 do art. 101.º do CPA -, podendo os interessados chamar a atenção do órgão decisor para a relevância de certos interesses ou pontos de vista relativos ao objecto do procedimento e que não foram considerados, bem como requerer diligências e juntar documentos, sem prejuízo das que, oficiosamente, se entenderem ainda de realizar após a audiência – n.º 3 da mesma norma e art. 104.º.
A audiência prévia dos interessados no procedimento administrativo configura, assim, um princípio estruturante da actividade administrativa e, portanto, uma formalidade legal essencial, cuja inobservância fere o acto de anulabilidade por vício de procedimento, excepto nos casos expressamente previstos na lei de inexistência e dispensa dessa audiência e que se encontram enumerados no art. 103.º:
1- Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente.
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou utilidade da decisão.
c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.
2- O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas.
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
A Entidade Demandada invoca, entre o mais, que não haveria lugar a audiência da Autora pois que inexiste previsão da mesma, designadamente não a prevê o Programa do Concurso, nem o Decreto-Lei n.º 235/2006, de 6 de Dezembro.
De facto, nem no Programa do Concurso (designadamente no seu artigo 23.º), nem no Caderno de Encargos (vd. art. 18.º, n.º 3) e igualmente na legislação relativa ao regime de instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e as condições da respectiva concessão (art. 1.º e 23.º do DL 235/2006), não se prevêem os moldes em que opera a caducidade da adjudicação.
Verifica-se que, igualmente, o art. 56.º do DL 197/99, subsidiariamente aplicável, que rege a ineficácia (ou caducidade) da adjudicação nada refere quanto ao procedimento pelo qual a mesma opera, como se faz, por exemplo, nos números 2 e 3 do art. 57.º do mesmo diploma quanto às causas de não adjudicação.
Não obstante não expressamente previstos nestes diplomas, daí não resulta, contudo, que a decisão de caducidade da adjudicação possa ser tomada sem audição prévia do adjudicatário, designadamente por virtude da sua não comparência, pois que nenhum dos diplomas - nem o DL 235/2006, nem o DL 197/99 -, que regulam o concurso, afastam a aplicação do disposto no art. 100.º do CPA (limitando-se a não contemplarem a audição prévia, o que é coisa diferente), sendo certo que se o fizessem seriam inconstitucionais por violação do art. 267.º, n.º 5 CRP (neste sentido, veja-se, num caso semelhante o Ac. do STA de 19.6.09 P. 160/08).
De facto, estamos perante um acto que declara a caducidade de uma adjudicação, isto é, uma intervenção administrativa que afasta a Autora, definitivamente, do procedimento administrativo em curso, pelo que há-de aplicar-se o art. 100.º do CPA que, como vimos, constitui um princípio geral da actividade administrativa ditado por imposição constitucional (art. 267º, n.º 5, da CRP) que se acolhe no n.º 6 do art. 2º do Código e que visa, essencialmente, permitir aos destinatários das prescrições administrativas lesivas pronunciarem-se sobre os actos que os afectam e consentir-lhes participar na formação da vontade final da Administração. Como direito com protecção constitucional que é, nessa medida com legalidade reforçada, deve ser respeitado escrupulosamente pela administração Pública,
De resto, no seguimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo a audiência dos interessados aplica-se a todos os procedimentos administrativos, mesmo os especiais, ainda que não expressamente prevista nos diplomas que disciplinam o respectivo procedimento. Neste sentido, veja-se o Ac. do STA de 8.7.2010, P. 0275/10, que, apesar de se referir ao CCP, tem total correspondência com a situação aqui apreciada, e que concluiu pela necessidade de se facultar ao adjudicatário a possibilidade de se pronunciar previamente à decisão de caducidade da adjudicação.
Acrescente-se que não procede aqui a argumentação avançada pela Entidade Demandada no sentido de que não tendo havido lugar a instrução, nomeadamente porque a caducidade opera automaticamente, não haveria lugar a audiência prévia.
Em primeiro lugar, porque a caducidade (ou ineficácia) da adjudicação não é um efeito “automático” da falta de comparência do adjudicatário à outorga do contrato, no sentido de que bastava o adjudicatário não comparecer para, sem mais, daí resultar a caducidade da adjudicação.
De facto, o art. 18.º, n.º 3 do Caderno de Encargos dispunha que a falta de comparência não determina a “desvinculação” “em casos excepcionais, devidamente justificados” e o art. 56.º do DL 197/99 fazia depender a ineficácia (ou caducidade) da adjudicação de a falta de comparência ser determinada por facto imputável ao adjudicatário. Ou seja, a caducidade da adjudicação fica sempre dependente, pelo menos, de uma apreciação e pronúncia por parte da entidade adjudicante quanto aos motivos apresentados pelo adjudicatário para a não comparência, antes de dar como caducada uma adjudicação.
Daqui resulta, necessariamente, a exigência de se dar ao adjudicatário a possibilidade de se pronunciar previamente à tomada de decisão, designadamente, para efeitos de este justificar os motivos de não comparência, só sendo possível à entidade adjudicante considerar caducada a adjudicação e, consequentemente, adjudicar o contrato ao concorrente classificado em segundo lugar após ter ouvido as justificações do adjudicatário e fundamentar a razão pelas quais as considerou não procedentes.
Em segundo lugar, porque nem sequer se pode afirmar que não houve lugar a instrução.
Com efeito, salvo o caso de inexistência ou de dispensa, consagrados no referido artigo 103.º do CPA, a audiência dos interessados tem lugar quando tiver havido instrução, sendo pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que o conceito de instrução, para este efeito, «integra a actividade administrativa destinada a captar os factores e interesses relevantes para a decisão final, nela se incluindo informações, pareceres, apresentação ou realização de provas, realização de diligências, vistorias, exames e avaliações necessárias à prolação da decisão» (Ac. STA de 28.01.03, P. 0838/02, invocado pelo recorrido).
Ora, do p.a. resulta que existiu alguma instrução pois que em 14.2.2008 a Entidade Demandada enviou ofícios ao Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP e ao Ministério da Saúde solicitando informação sobre os requisitos técnicos a considerar na instalação da Farmácia Concessionada, a que o Infarmed respondeu em 2.4.2008, constando ainda informação subscrita pelo Director do Serviço de Aprovisionamento da Entidade Demandada, dirigido ao Conselho de Administração da Entidade Demandada, no qual se concluía, sinteticamente, pela procedência dos motivos invocados pela Autora para a sua não comparência.
Em suma, do probatório resulta que foram recolhidas informações e tomadas diligências, pela própria Entidade Demandada, necessárias à prolação da decisão, isto é, que houve “instrução”.
De resto, não procede a argumentação da Entidade Demandada de que face à comunicação da Autora de 4.2.2009 a sua audição prévia estava dispensada.
Por um lado, porque o pressuposto de dispensa de audiência, a que se refere a alínea a) do n.º 2 do art. 103.º do CPA, apenas estará preenchido quando a pronúncia anterior do interessado respeite a todas as questões relevantes para decisão final.
Ora, desconhecendo a Autora o sentido provável da decisão, não lhe tendo sido fornecidos todos os aspectos que foram relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito (cfr. n.º 2 do art. 101.º do CPA), designadamente, desconhecendo a Autora o teor do parecer anexo à deliberação em crise e do qual constam os fundamentos pelos quais se considerou caducada a sua adjudicação, obviamente, que a Autora não se pôde pronunciar sobre as questões essenciais da decisão final.
A comunicação da Autora, de 4.2.2009, limitou-se a, antecipadamente à data prevista para a outorga do contrato, explicitar as razões pelas quais não iria comparecer à celebração do contrato. E, nesse sentido, como bem sustenta, encetou uma dialética com a Administração.
Mas esta comunicação não configura qualquer pronúncia antecipada que pudesse dispensar a sua audição prévia à decisão de caducidade da adjudicação e adjudicação à Contra-Interessada, pois que a Autora, nessa data, desconhecia, ainda, as razões pelas quais a Entidade Demandada considerava o motivo por ela apresentado como facto que lhe era imputável determinante da caducidade da adjudicação, não tendo aí tido oportunidade de desconstruir a tese da Entidade Demandada.
Por outro lado, e como se sublinha no Ac. do STA de 6.2.01, P. 46844, “a dispensa de audiência prévia (nos termos do n.º 2 do art.º 103 do CPA) tem de ser objecto de decisão expressa fundamentada”, que, no caso em apreço, não existiu.
Em face do exposto temos que concluir que havia lugar a audiência da interessada, nos termos do artigo 100.º do CPA, não estando a mesma dispensada.
O que há, agora, que apurar é se esse vício é ou não invalidante do acto contenciosamente impugnado, por força do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, pois que a Entidade Demandada sustenta a sua inutilidade por se tratar de acto vinculado.
Como se disse no Ac. do STA de 19.2.03 (P. 0123/03) “um outro aspecto peculiar dos vícios de forma, concretamente quando se trate da preterição de formalidades, consiste na possibilidade de os mesmos poderem, hipoteticamente, não terem efeitos invalidantes naqueles casos em que se tenha por verificada a “degradação” da formalidade essencial em não essencial.
Na verdade, tem sido defendido por alguma doutrina que a forma só adquire transcendência invalidante quando sejam afectadas as garantias de defesa dos administrados.
E, isto, argumentam, já que a forma se caracterizaria pela sua vertente instrumental, não sendo a mera observância da forma um fim em si.
A simples constatação de ter sido praticado um acto administrativo com preterição de alguma formalidade não teria, para esta corrente, com efeito automático a anulação de tal acto.
Contudo, importa não esquecer que, no caso da formalidade acolhida no artigo 100.º do CPA se trata, no fundo, de um trâmite destinada a assegurar as garantias de defesa dos administrados.
Do exposto decorre que, embora se possa defender, em abstracto, a possibilidade de também aqui ser possível ocorrer a sua degradação em formalidade não essencial, ter-se-á, porém, de ter particular cuidado ao proceder a tal juízo.
De qualquer maneira, temos para nós que a questão dos efeitos não invalidantes da preterição do princípio da audiência, designadamente, por apelo ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos só é invocável quando seja possível afirmar que a decisão tomada é a única concretamente possível, o que passa, desde logo, pela possibilidade de se poder apreciar a legalidade do acto, não bastando que se trate de acto vinculado. [...].
Em suma, como jurisprudencialmente se tem vindo a decidir, nos casos de incumprimento do disposto do n.º 1 do art. 100.º do CPA, sempre que através de um juízo de prognose póstuma o tribunal possa concluir que a decisão tomada era a única concretamente possível, não é de anular a mesma. Sendo certo que não basta que a decisão seja praticada no exercício de poderes vinculados para se concluir, sem mais, pelo carácter não invalidante da violação do disposto no n.º 1 do art. 100.º do CPA, e que «mesmo no domínio dos actos discricionários o tribunal pode negar relevância anulatória ao incumprimento do art. 100.º do CPA quando, pelo conteúdo do acto e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer possa afirmar com inteira segurança que o cumprimento de tal formalidade em nada modificaria o conteúdo do acto» (Ac. do STA de 11/10/2007, P. 01521/02).
Ora, efectuando, no caso em apreciação, o aludido juízo de prognose póstuma, é manifesto que não se pode concluir, com segurança absoluta, que a decisão tomada era a única possível, pois como já vimos supra nos pontos anteriores desta decisão e que nos dispensamos a aqui repetir, não se pode considerar que a falta de comparência da Autora à outorga do contrato lhe seja imputável e, consequentemente, não podia a Entidade Demandada ter concluído pela caducidade da adjudicação à Autora e ter adjudicado à Contra-Interessada.
Em face do exposto impõe-se concluir que a falta de audiência prévia da Autora não se degradou em formalidade não essencial, pelo que não tendo sido a deliberação em crise precedida de audição da Autora, esta é anulável por vício de forma por preterição de audiência prévia. Anulabilidade que se repercute no Contrato n.º 17/2009 celebrado entre a Entidade Demandada e a Contra-Interessada, cf. art. 185.º, n.º 1 do CPA.
d) Vício de violação de lei por ofensa ao art. 104.º, n.º 1 alínea a), em concatenação com o art. 77.º n.º 1, ambos do CCP
Verificada já supra nesta decisão a inaplicabilidade ao caso das normas do CCP, é manifesto que não existe vício de violação de lei por ofensa a normativos constantes daquele diploma, como sejam o art. 104.º, n.º 1, al. a) e 77.º, n.º 1 do CCP.
X
Vejamos:
Os recursos vêm interpostos pelo HSJ e pela SCFH do acórdão que julgou procedente a acção administrativa especial oportunamente proposta pela ora Recorrida, SFU.
Por via de tal decisão foi anulada (i.) a deliberação de 10 de setembro de 2009 do Conselho de Administração do HSJ, E.P.E., pela qual se decidiu a caducidade da adjudicação à Recorrida do contrato de concessão de serviço público objecto do Concurso Público nº 31000807 e a adjudicação do mesmo à Recorrente SCFH, tendo sido ainda anulado (ii.) o consequente Contrato nº 17/2009, celebrado entre o Recorrente HSJ, E.P.E. e a Recorrente SCFH.
O Recorrente Hospital recorreu também do despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, no segmento em que julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de acção, deduzida em sede de Contestação, e também na parte em que decidiu pela desnecessidade de abertura de um período de produção de prova.
Da argumentação recursiva:
Da Selecção da Matéria de Facto e da Não Abertura de um Período de Produção de Prova -
Na óptica do Recorrente Hospital a matéria factual vertida nos artºs 3º a 10º, 15º a 17º, 21º a 23º, 48º, 52º, 118º, 119º, 121º e 122º da sua Contestação constitui “matéria controvertida que o Tribunal a quo não incluiu (e devia ter incluído) na selecção da matéria de facto”, sendo que, na perspectiva da referida parte processual, para além da prova documental, deveria ainda ter tido lugar a produção da demais prova requerida, no fundo, deveria ter ocorrido a inquirição das testemunhas oportunamente arroladas.
Tal inclusão factual, bem como a promoção de diligências de prova, mediante a abertura de um período especificamente dedicado para o efeito, justificar-se-ia, no seu entendimento, dado que, de outro modo, os factos por si alegados e as várias soluções plausíveis para as questões de direito levantadas nestes autos, ficariam prejudicados, o que comportaria uma violação do direito, de fonte constitucional e europeia, à tutela jurisdicional efectiva.
Não se vê que assim seja; é que os pontos em causa não assumem natureza factual mas conclusiva e não se revestem de relevância para estes autos.
Na realidade não se percebe de que modo poderia o Tribunal a quo ter seleccionado e incluído na matéria de facto relevante (e posteriormente dada como provada) a seguinte conclusão: “Na verdade, a actuação da Autora visa tão só e apenas impedir o funcionamento da farmácia no Hospital” (cfr. o artº 4º da Contestação do Recorrente HSJ, E.P.E.); o mesmo valendo para a afirmação segundo a qual “A questão é que o sector da actividade farmacêutica tem sido dominado pela Associação Nacional de Farmácias (ANF)” (cfr. o art. 5º da Contestação em apreço) e que, assim sendo, “(…) naturalmente, tudo faz no sentido de defender e proteger os seus associados” (cfr. o art. 6º da mesma Contestação).
Igual ilação se retira da restante matéria aventada pelo Recorrente.
De facto, não é possível dar como provadas (ou, pelo menos, sujeitar a uma fase de produção de prova) meras ilações; é realidade que o ordenamento jurídico não admite, dado que apenas a matéria de facto (relevante) pode ficar sujeita a operações dessa índole, o que não sucede com o que é dito na totalidade dos artigos que integram a primeira conclusão das alegações de recurso do HSJ.
Acresce que do acórdão recorrido resulta que o apuramento da matéria de facto assente, com relevância para a prolação da decisão final, decorreu (i.) dos documentos juntos pelas partes aos presentes autos, (ii.) da documentação que integra o processo cautelar nº 2484/09.2BEPRT e (iii.) do respectivo processo administrativo, sendo que, em momento algum, qualquer desses documentos, foi objecto de impugnação pelos Recorrentes.
Tendo-se conformado com o teor da documentação que serviu de suporte à selecção da matéria dada como assente pelo Tribunal, não podem as partes vencidas, em sede de recurso, vir opor-se ao peso que tal meio de prova teve na formação da convicção do Julgador, tanto mais que, como reconhece o próprio Recorrente Hospital, em matéria de admissão e de produção de prova, estamos diante de um poder inquisitório que deve ser exercido segundo o prudente arbítrio do juiz.
É que, atento o disposto no artº 90º/1 do CPTA a realização de uma fase de instrução (e os termos da mesma) é livremente decidida pelo juiz: “No caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade”.
Como resulta expressamente do preceito em apreço, a promoção de tais diligências constitui uma mera possibilidade (um poder/dever), não uma obrigatoriedade ou, em rigor, um poder legal de exercício judicialmente vinculado (neste sentido e dando nota, de modo claro, da faculdade que os tribunais dispõem de se poderem abster de abrir uma fase de instrução ou de realizar diligências suplementares necessárias para a descoberta da verdade material vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed. revista, Almedina, 2010, págs. 600/601).
Trata-se de uma faculdade probatória típica de um processo em que o princípio do inquisitório é prevalecente, constituindo, pois, uma das manifestações mais marcantes da maior responsabilização e confiança atribuídas ao juiz pelo CPTA (cfr. Rui Machete, “Poderes do Tribunal: O Juiz” in A Nova Justiça Administrativa, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2006, págs. 129/130).
O mesmo artº 90º/2 do CPTA é elucidativo ao considerar que tal normativo autoriza o juiz a “indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário”.
Pretende-se, deste modo, evitar, nas palavras de Mário Aroso, “que os requerimentos de prova possam ser utilizados como um expediente manifestamente dilatório, exigindo do juiz que avalie, em cada caso, da necessidade dos meios de prova a adoptar em função das especificidades próprias do objecto típico dos processos da acção administrativa especial, que, quando neles não sejam cumulados pedidos que corresponderiam à forma da acção administrativa comum, apenas visam a fiscalização da legalidade da emissão (ou omissão) de actos administrativos ou normas regulamentares, e, por isso, na maioria dos casos, são processos em que a demonstração dos factos relevantes para a sua apreciação se basta com a produção de prova documental” (em Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pág. 376).
Nesta mesma linha, Carlos Cadilha afirma, por reporte à fase instrutória:
“O juiz pode entender, no entanto, que não existem factos controvertidos necessitados de prova (mormente por considerar que a prova documental existente no processo é suficiente para fixar os factos materiais da causa), e remeter o processo directamente para alegações (visto que as partes delas não prescindiram), indeferindo os requerimentos de prova que eventualmente tenham sido deduzidos nos articulados (artigo 90.º, n.º 2)” (in Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, pág. 288).
Querer impor ao Tribunal a quo a selecção de meras realidades de índole conclusiva e querer, inclusivamente, impor a produção de outros meios de prova (para além da prova documental) que, na situação concreta, manifestamente não se justificam, porquanto o que está em causa é apenas aferir da validade de um acto administrativo, é solução juridicamente inadmissível que, desse modo, não pode proceder.
Dito de outro modo, o CPTA não estabelece a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra), antes confere ao juiz o poder de avaliar/ajuizar da necessidade da sua produção.
A produção de prova testemunhal (ou outra) está dependente da constatação da sua “necessidade” para a decisão da causa segundo o juízo de aferição do julgador, pelo que, não constitui uma formalidade vinculadamente imposta por lei.
Está, pois, em causa o princípio do inquisitório na busca da verdade material. O julgador, na averiguação da verdade material, não está limitado aos meios de prova requeridos pelas partes. Isto significa que poderá ordenar diligências de prova que não lhe foram requeridas, desde que as considere necessárias, e também, que poderá recusar diligências probatórias que lhe foram apresentadas, desde que as repute dispensáveis.
De notar ainda que, se o aqui Recorrente pretendesse insurgir-se contra o decisório, integrante do despacho saneador, pelo qual o Tribunal deixou claro que não se afigurava necessário, na situação concreta, a abertura de um específico período de produção de prova (como, aliás, a lei indubitavelmente admite - cfr. o artº 87º/1/c), a contrario -, deveria o mesmo ter recorrido no imediato, nos termos do artº 142º/5 do CPTA, o que não fez.
É que, constitui hoje entendimento que, depois da reforma operada pelo DL 303/2007, de 24 de agosto, a remissão promovida pelo segundo segmento do artº 142º/5 do CPTA, deve, considerar-se promovida “para o artigo 691.º, n.º 2, do CPC, pelo que devem ser impugnadas com o recurso a interpor de decisão final todas as decisões proferidas em despacho interlocutório que não possam ser objecto, nos termos dessa disposição, de impugnação autónoma” (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário …, pág. 932), sendo que no artº 691º/2/i) do CPC se refere “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: (…) Despacho de admissão ou rejeição de prova”) e no nº 3 dessa mesma disposição e no artº 142º/5 do CPTA fica claro que decisões, formal ou materialmente, dessa índole estão sujeitas a recurso autónomo e imediato, o que não sucedeu in casu.
Desatende-se este segmento do recurso.

Da Alegada Violação do Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva e da Suposta (Obrigação) de Promoção de Reenvio Jurisdicional -
Constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial que o princípio da tutela jurisdicional efectiva, com expressa consagração constitucional (cfr. os artºs 20º e 268º/4 da CRP) compreende o direito a uma organização judiciária e a um leque de mecanismos associados que permitam obter dos tribunais, designadamente dos de índole administrativa, “uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo (…)” - (artº 2º/1 do CPTA).
A prolação de uma decisão desse tipo pressupõe um conjunto de trâmites, que dão corpo ao comummente apelidado “processo”, que a par da apresentação da pretensão do demandante conhece, num plano de igualdade, a possibilidade de dedução, em articulado próprio, da correspondente defesa pelo ente demandado, sendo que cabe ao juiz, desde o início, mediar toda a relação processual entre as partes, encontrando-se, para o efeito, munido dos correspondentes poderes legais, tudo em vista de um único fim: a realização jurídico-material de Justiça.
Aceitar o princípio da tutela jurisdicional efectiva equivale a adoptar “uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo de protecção e garantia” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed. revista, 2007, pág. 416), sendo que uma das dimensões ou concretizações mais importantes do referido postulado encontra-se no princípio da equitatividade (ou no direito ao processo equitativo) que deve ser compreendido de modo a assegurar que todo e qualquer processo judicial seja conformado de modo materialmente adequado (sobre a “teoria processual” e a “concepção material ou substantiva” de “processo devido” vide Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 2003, págs. 494 e 495). Por relação ao princípio em consideração, a perspectiva do Recorrente Hospital carece de suporte: as partes deveriam “ter a possibilidade de realizar todas as diligências instrutórias que considerem necessário para provar os factos que alegam e que considerem fundamentais para o apuramento da verdade material e convenientes para a obtenção de uma pronúncia de mérito sobre o pedido (e a causa de pedir) requerido” (cfr. alegações de recurso).
E, assim sendo, não seria admissível que se desconsiderasse, “por entender desnecessária (…), a prova testemunhal, ainda antes de a mesma se realizar, privando a parte de recorrer a todas as armas que tem à sua disposição e violando, também, a própria estrutura do processo administrativo enquanto processo de partes e onde vigora o princípio do dispositivo” (cfr. a mesma peça processual).
Admitir-se o entendimento do Recorrente o julgador estaria obrigado a admitir a produção da totalidade dos meios de prova apresentados pelas partes, mesmo quando manifestamente desnecessários no caso concreto, abrindo a porta ao exercício de puros e inadmissíveis expedientes dilatórios, o que destronaria a exigência de uma boa gestão processual.
Quer o Recorrente Hospital fazer crer que inexistiu, no caso em apreço, um processo devida e equitativamente tramitado, nos termos legal e constitucionalmente previstos, o que não decorre dos autos; destes antes resulta que foi assegurado o direito à igualdade de armas, o direito ao contraditório, o direito à fundamentação da decisão e a toda a panóplia de direitos densificadores do princípio do processo equitativo, o que equivale a afirmar que foi observado o due processo of law, na expressão originária da experiência constitucional americana - afirma-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
E contra esta realidade de nada adianta chamar à colação a consagração do princípio da tutela jurisdicional efectiva na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e na Carta Europeia dos Direitos Homem, assim como na respectiva jurisprudência, porquanto tal princípio tem relevância europeia, mas não conhece o conteúdo ou, em rigor, a extensão que o ora Recorrente lhe atribui.
O que o Conselho da Europa e as instituições comunitárias pretendem ver salvaguardado é a existência, nos ordenamentos jurídicos dos Estados-Partes, do direito de acesso aos tribunais, sem entraves prático-jurídicos, numa linha de continuidade entre garantias materiais e garantias processuais, mas isso não significa que as partes tenham ao seu dispor uma espécie de direito potestativo em matéria de meios de prova, que obrigaria os órgãos jurisdicionais a acatar a totalidade das solicitações promovidas a esse título.
São razões de operacionalidade e, em última análise, de garantia de um efectivo e célere acesso à justiça - assegurados precisamente pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva (cfr. o artº 20º/4 da CRP) - que impedem soluções como a que o Recorrente preconiza, pois se assim fosse, o andamento dos processos judiciais estaria completamente à mercê das partes, mormente dos sujeitos demandados, propósito que, como é lógico, é processualmente inaceitável.
Não se põe, pois, em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva, nem qualquer das suas dimensões ou concretizações; simplesmente o caso vertente não se subsume ao que afirma o Recorrente nas suas alegações de recurso, pela simples razão que, como se afirmou, tal princípio não prescreve uma regra irrestrita de aceitação e de produção de prova, que inclusivamente se revelaria contraproducente com uma relevante dimensão do próprio postulado em apreciação (o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável).
Acresce que a sugestão que o Recorrente promove a certo ponto das suas alegações: “se dúvidas houver relativamente à interpretação a dar ao artigo 6º do Tratado da União Europeia e ao artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, caberá ao Tribunal ordenar, ao abrigo do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, questionando-se se aqueles artigos deverão ser interpretados no sentido de não admitir, sob pena de violação do direito fundamental a um processo equitativo, que os órgãos jurisdicionais não permitam, em sede de instrução, que as partes ofereçam e realizem a prova requerida”, avançando que o pedido de reenvio prejudicial deve ainda incidir sobre “qual a interpretação daqueles mesmos artigos no caso de o tribunal dispensar a fase de produção de prova quando há factos controvertidos e ainda quando os factos a provar sejam essenciais e/ou indispensáveis ao apuramento dos factos alegados pelas partes e que ainda não se considerem provados pela prova realizada até essa fase processual” se afigura totalmente destituída de suporte.
É que, repete-se: naturalmente que as partes de um determinado processo podem oferecer quaisquer meios de prova, mas a escolha dos meios efectivamente relevantes para a decisão do caso concreto e a consequente fase de realização ou de produção probatória, encontra-se confiada ao prudente arbítrio do decisor.
Por outro lado, é completamente desnecessária a promoção de um reenvio prejudicial (de interpretação e não de validade) para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre a questão de saber (i.) se os artºs 6º do Tratado da União Europeia (TUE) e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser interpretados no sentido de habilitar os tribunais a não permitir “que as partes ofereçam e realizem a prova requerida” pelas partes, e, de outra banda, (ii.) qual a interpretação, de tais preceitos, em casos de dispensa de instrução, “quando há factos controvertidos e ainda quando os factos a provar sejam essenciais e/ou indispensáveis ao apuramento dos factos alegados pelas partes e que ainda não se considerem provados pela prova realizada até essa fase processual”.
É que não existe, no caso posto, matéria susceptível de integrar um pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, porquanto não se vislumbra em que medida a realidade jurídica mencionada no artº 49º releva, um pouco que seja, para o litígio em apreço, sendo que quanto ao teor textual transcrito no artigo imediatamente anterior, é notória a desordem dogmático-conceptual do discurso adoptado pelo Recorrente e a inexistência de uma efectiva questão jurídico-comunitária, com relevância para efeitos de reenvio prejudicial, como bem observa a Autora/Recorrida.
Concretizando, note-se, em primeiro lugar, que, na situação dos autos, não ocorreu uma absoluta proibição de oferecimento e realização da prova requerida, tendo sucedido algo bem diferente que passou pela selecção, pelo Tribunal a quo, da matéria de facto efectivamente relevante e pela produção da prova documental - a única com real interesse para o processo em causa, dado o seu objecto - oferecida pelas partes e constante, em última análise, do correspondente PA e do processo cautelar apenso.
Em segundo lugar, relativamente à alegada necessidade de consultar o TJUE quanto à interpretação a dar aos artºs 6º do TUE e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na hipótese do órgão jurisdicional nacional dispensar a fase de produção de prova nos casos supra referidos, reitera-se que não se vê nessa afirmação qualquer questão jurídico-comunitária, limitando-se o Recorrente a promover um conjunto de referências avulsas, que diz verificadas na hipótese vertente, não identificando, nos preceitos supracitados, especificamente qualquer ponto de direito comunitário, susceptível de interpretação duvidosa e que seja realmente necessário para a decisão de mérito a tomar na presente sede ou que relevasse em primeira instância.
Logo, no processo em presença não se suscita, de todo, qualquer questão de Direito da União Europeia cujo solucionamento seja necessário para a decisão final a tomar, nem o Recorrente a identifica objectivamente, como o deveria ter feito caso a mesma existisse, pelo que não pode haver lugar a um pedido de reenvio prejudicial, antes de mais, por carência de objecto.
Na verdade, a promoção de pedidos de reenvio prejudicial - enquanto instrumentos de cooperação entre o órgão jurisdicional comunitário por excelência e os tribunais nacionais, enquanto tribunais comuns de direito da União Europeia - constitui, por regra, uma mera possibilidade que o Direito originário da União coloca à disposição dos órgãos jurisdicionais nacionais.
Essa via apenas deverá ser mobilizada quando houver pertinência material em obter uma decisão dessa índole, ou seja, quando uma decisão sobre essa questão for “necessária ao julgamento da causa”, por constituir a ratio decidendi do processo em discussão na ordem jurídica interna.
Se assim não fosse, o TJUE ficaria imerso com simples “pedidos de parecer” sobre as mais diversas questões de Direito da União Europeia que em nada relevariam para a decisão final de causas pendentes junto dos tribunais nacionais, com evidentes custos em termos de eficácia de funcionamento do referido Tribunal.
A letra do artº 267º do TFUE é elucidativa a esse respeito: para que se perspective a promoção de um pedido de reenvio prejudicial, é preciso que se esteja diante de uma questão jurídico-comunitária e que a mesma possua (efectivo) relevo para o objecto da lide em discussão (no caso, apuramento da invalidade jurídica da deliberação tomada pelo Conselho de Administração do HSJ, em 10 de setembro de 2009), condicionalismo que não se verifica no caso concreto.
Ademais, importa referir que se é certo que a inexistência de uma questão como a descrita impede qualquer recurso ao reenvio prejudicial, não é menos verdade que jamais esse reenvio podia ser obrigatório no presente caso.
É o que resulta do terceiro parágrafo do artº 267º do TFUE, no qual se prescreve: “Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal”.
Assinale-se que tal preceito, no qual se consagra o reenvio prejudicial obrigatório, carece do preenchimento de um pressuposto base, já assinalado, de existência de uma questão comunitária, com a configuração assinalada, que na hipótese dos autos não se cumpre.
Note-se também que a decisão deste Tribunal ad quem é, em abstracto, susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o artº 150º do CPTA, o qual se encontra incluído no leque de “Recursos ordinários” consagrados na legislação processual administrativa vigente), o que significa que o aresto aqui a proferir é passível de recurso jurisdicional, no direito interno; logo, a conclusão é apenas uma: inexiste obrigatoriedade de reenvio.
Ademais importa não menosprezar o que se prende com a “circunstância de excepção” atinente à existência de jurisprudência comunitária consolidada sobre a matéria, que faz com que o exercício do reenvio prejudicial, nos casos em que seja obrigatório, não tenha de ser exercido, por razões de economia processual. Encontrando-se a questão comunitária devidamente tratada pela correspondente jurisprudência não se descortinam, de facto, vantagens advenientes da mobilização do reenvio prejudicial para efeitos de obtenção de uma resposta já dada em situações similares.
Ora, no caso que nos ocupa, ainda que se entendesse que as questões levantadas pelo Recorrente HSJ assumem relevância comunitária para o objecto decisório (leia-se, de mérito) dos presentes autos, ainda assim sempre haveria que concluir-se pela inexistência de qualquer obrigação de reenvio, atenta a múltipla jurisprudência e doutrina genericamente compreendida do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Como assinala a aqui Recorrida, não pode, por um lado, o Recorrente vir afirmar que esse princípio, na sua pluralidade de sentidos, se encontra sobejamente tratado e, por outro, querer que o presente Tribunal promova um reenvio prejudicial para o TJUE que incidiria sobre esse mesmo princípio, mormente na sua dimensão probatória.
Estaríamos perante um acto processual inútil e que não deve ocorrer mesmo nos casos em que o reenvio se evidencia de exercício obrigatório, nos termos do terceiro parágrafo do artº 267º do TFUE.
Afasta-se, pois, a alegação explanada pelo Recorrente Hospital quanto à questão referenciada.

Da Alegada Inidoneidade do Meio Processual e da Intempestividade do Direito de Acção -
A este propósito alega o Recorrente HSJ que “(…) analisando quer o procedimento de concurso quer o contrato assinado (cfr. processo administrativo) não restam dúvidas quanto ao facto de se enquadrar no âmbito do artigo 100º do CPTA, [n]a Directiva 89/665/CEE de que o contencioso pré-contratual é transposição, e por conseguinte, quando a acção foi interposta, já havia caducado o direito de acção atento o prazo do artigo 101º do CPTA”, ou seja, entende que a tramitação do processo base deveria ter seguido o regime do contencioso pré-contratual urgente, legalmente previsto nos preditos artºs 100º e seguintes do CPTA, e não a tramitação atinente à acção administrativa especial, utilizada pela Recorrida para conformar esta lide.
Mais refere, como decorrência da alegação precedente, que, nos termos do artº 101º do CPTA, o processo deveria ter sido intentado no prazo de um mês a contar da notificação aos interessados ou, não havendo lugar a tal notificação, da data do conhecimento do respectivo acto, o que, não tendo sucedido, determinaria a intempestividade da acção em presença, decorrente do facto de ter caducado o direito da Recorrida a litigar sobre esta matéria, sendo que ao decidir de modo diferente o Tribunal a quo preteriu “o disposto no artigo 9º do C.C., 100º e segs. do CPTA mas também a Directiva Recursos (nº 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de dezembro e 92/13/CEE) e as Directivas nºs 92/50/CEE, do Conselho de 18 de junho; 93/36/CEE, do Conselho de 14 de junho”.
Sucede que esta visão não pode proceder, desde logo, porque as questões prévias em presença foram apreciadas e decididas no processo cautelar conexo (em sede de despacho autónomo, que não foi objecto de recurso), tendo, por isso, formado caso julgado formal (artº 497º/1 do CPC, aplicável ex vi artº 1º do CPTA), pelo que, tais matérias não podem ser reapreciadas por esta via; consolidaram-se na ordem jurídica.
Efectivamente, no referido processo cautelar - Processo nº 2484/09.2BEPRT, mais concretamente no despacho proferido em 30 de setembro de 2009, foi determinado o seguinte:
“Req. de fls. 88: compulsados os presentes autos, verificamos que está aqui em causa um “contrato de concessão da exploração do serviço público criado no HSJ, EPE - Porto para a dispensa de medicamentos ao público”, contrato esse que não se encontra previsto no artigo 100º do CPTA, razão pela qual não se lhe aplica a forma de processo urgente de contencioso pré-contratual e, consequentemente, a providência relativa a procedimentos de formação de contratos. Deste modo, forçoso é concluir que bem andou a requerente na forma de processo escolhida”.
Este despacho, repete-se, transitou em julgado, não podendo agora, no correspondente processo principal, vir o Recorrente obter o efeito por si pretendido, a saber, a realização de uma nova apreciação da natureza do contrato em causa e, conexamente, o reconhecimento de uma alegada impropriedade do meio processual utilizado e a caducidade do correspondente direito de acção, porquanto tais questões já foram tratadas e objecto de decisão final.
Acresce que o entendimento do Recorrente labora em erro de apreciação jurídica, porquanto o regime que integra o artº 100º e seguintes do CPTA não é aplicável ao caso concreto.
De facto, o nº 1 do artº 100º do CPTA estabelece:
“A impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens rege-se pelo disposto na presente secção e, subsidiariamente, pelo disposto na secção II do título III”.
Decorre deste preceito que o regime do contencioso pré-contratual, estabelecido no artº 100º e seguintes do CPTA, apenas é aplicável aos casos em que o acto administrativo sob sindicância respeite à formação de um dos quatro tipos contratuais elencados no citado normativo (que, no caso, não correspondem ao contrato firmado).
Com efeito, o artº 100º e seguintes do CPTA instituíram um regime específico de tramitação contenciosa de certos actos praticados no âmbito de um processo pré-contratual, que o legislador subtraiu do regime geral dos processos impugnatórios, como decorre do disposto no artº 46º/3 do CPTA, norma que estabelece o seguinte:
“3-A impugnação de actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação de contratos rege-se pelo disposto no presente título, sem prejuízo do regime especial dos artigos 100.º e seguintes, apenas respeitante à impugnação de actos relativos à formação dos contratos aí especificamente previstos”.
Como ensina Mário Aroso de Almeida: “São os processos de impugnação dos actos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação desses tipos específicos de contratos, e apenas esses, que são subtraídos à aplicação do regime geral dos processos impugnatórios, para serem submetidos a um prazo mais curto de impugnação” (em o O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pág. 273).
E no mesmo sentido, Vieira de Andrade teoriza o seguinte:
“(…) Entre as impugnações urgentes inclui-se a impugnação de actos administrativos relativos à formação de quatro tipos de contratos: empreitada, concessão de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens (artigo 100º).
(…)
A acção deve ser utilizada (…) quando esteja em causa a ilegalidade de quaisquer decisões administrativas relativas à formação dos referidos contratos” (em A Justiça Administrativa, Lições, 11ª ed., Almedina, 2011, págs. 226 e 229).
Daqui resulta que o regime legal vertido no CPTA, quanto à impugnação de actos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de formação de contratos, se divide numa regra geral, prevista no artº 46º/3 do CPTA - seguem a forma de acção administrativa especial, e numa regra especial, estatuída pelo artº 100º do mesmo diploma - apenas certos tipos de contratos, especificamente enunciados, seguem o denominado “contencioso pré-contratual” (neste sentido vide Pedro Gonçalves, “Avaliação do Regime Jurídico do Contencioso Pré-Contratual Urgente”, Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, março/abril de 2007, pág. 3).
Como se viu, no presente processo o Concurso Público nº 31000807, lançado pelo Recorrente HSJ, visava a celebração de um contrato de concessão de exploração do serviço público, criado nessa unidade hospitalar para dispensa de medicamentos ao público, nos termos do disposto no DL 235/2006, de 6 de dezembro (artº 1º do Programa de Concurso). Isto é: o contrato objecto do Concurso Público nº 31000807 é um contrato de concessão de serviço público - tal como afirma a Recorrente SCFH nas alegações de recurso) - não abrangido, portanto, pela previsão normativa do artº 100º/1 do CPTA, que apenas compreende actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada, de concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens.
Deste modo, é inequívoco que o artº 100º e seguintes do CPTA se afigura inaplicável à impugnação de actos relativos a procedimentos pré-contratuais tendentes à celebração de contratos de concessão de serviço público, pelo que é manifesta a sua inaplicabilidade ao caso em presença.
A interpretação avançada pelo Recorrente não encontra um mínimo de apoio na letra da lei; ora, onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil).
Segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. o Prof. João Baptista Machado, em “Introdução ao Direito Legitimador”, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
É que, como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exato alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, como escreveu o Prof. Baptista Machado, ob. cit. Págs. 182/183. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.
Nestes termos, é notório que o contrato de concessão em apreço não está sujeito ao regime de contencioso pré-contratual constante do artº 100º e seguintes do CPTA, aplicando-se, ao invés, o regime geral de impugnação dos actos administrativos previsto nos artºs 46º/1/a) e 50º e seguintes do CPTA.
E, assim, é improcedente a argumentação tecida pelo Recorrente Hospital a propósito do alegado erro de julgamento que teria sido levado a cabo pelo Tribunal a quo a propósito da apreciação da excepção de inidoneidade do meio processual mobilizado.
E a propósito da tempestividade da acção proposta basta referir que, estando definido o regime aplicável à impugnação de actos relativos a contratos de concessão de serviço público, como o que aqui está em causa, nada mais há que ter em conta que não seja o prazo geral de impugnação dos actos anuláveis (cfr. o artº 58º do CPTA).
Tal preceito estatui um prazo geral de três meses para a impugnação de actos administrativos, a contar do momento da notificação do acto que se pretende impugnar, ainda que o mesmo tenha sido objecto de publicação obrigatória (cfr. os artºs 58º/2/b) e 59º/1, ambos do CPTA).
Tendo a Recorrida, na situação concreta, sido notificada do acto impugnado, por meio de telefax, no dia 17 de setembro de 2009, no mesmo dia, aliás, em que foi efectivamente celebrado o respectivo contrato de concessão de serviço público entre o Recorrente HSJ, E.P.E. e a Recorrente SCFH, é manifesto que a presente acção administrativa especial foi intentada dentro do prazo de três meses legalmente previsto, já que deu entrada no dia 14 de dezembro de 2009.
Em suma, o processo aqui em causa constitui um meio processual idóneo e tempestivo e, assim sendo, bem andou o Tribunal ao concluir, em sede de despacho saneador, que “o acto questionado nestes autos não se insere em nenhum procedimento de formação de qualquer um dos contratos abrangidos pela tramitação estabelecida no artº 100º e ss do CPTA e, como tal, a sua impugnação não está sujeita ao prazo de caducidade de um mês previsto no art 101º [do] CPTA”.
Logo, desatende-se este segmento do recurso.
É que, contrariamente ao defendido, a disciplina legal enunciada não viola as apontadas directivas comunitárias. Para as directivas 89/665/CE e 92/13/CE a maior preocupação é a da existência de meios processuais urgentes que garantam a efectiva possibilidade de impugnação de actos pré-contratuais antes da celebração do contrato e do início da sua execução, prevenindo a consolidação de uma situação irreversível, pelo que, essencialmente, é uma preocupação centrada na tutela dos interesses defendidos pelo impugnante. Isto para se dizer que a consagração do meio processual autónomo previsto nos artigos 100º e segs. do CPTA não constitui uma exigência imposta pelo direito comunitário, mas antes uma opção do legislador nacional e daí que, face ao que ficou dito, não assista razão à Entidade Demandada ao sustentar que, caso a situação sub judice se não enquadre no âmbito dos artigos 100º e segs., existe uma violação das referidas directivas comunitárias.

Do Suposto Erro de Julgamento da Matéria de Facto -
No que concerne a este ponto, - Da Produção de Prova e da Selecção da Matéria de Facto -, entende o Recorrente Hospital, que o Tribunal a quo apenas podia ter dado por assente (i.) a existência do contrato de concessão de serviço público em causa nestes autos, (ii.) o seu teor e (iii.) o modo como o mesmo é denominado, mas não poderia promover qualquer consideração relativa à sua natureza e tipo, porquanto a consecução dessa tarefa “depende de um exercício de interpretação e aplicação do direito”.
E, desse modo, peticiona a correcção da matéria de facto dada como assente nas alíneas A), C), G), H), L) e Q) do acórdão recorrido.
Ora, a análise da factualidade levada ao probatório atesta que o Tribunal não deu como provada a natureza do contrato em alusão.
Essa questão foi objecto de decisão em sede própria - no despacho saneador - e é óbvio que adquire natureza jurídica, embora a análise de determinados elementos susceptíveis de recondução fáctica se afigurem de extrema relevância na determinação da resposta a tal interrogação (v.g. a configuração e a denominação constantes das peças do procedimento).
Assim, na alínea A) da matéria assente apenas ficou provado que “Na sequência de despacho de autorização do Secretário de Estado da Saúde de 24.7.2007, a Entidade Demandada, por anúncio publicado no Diário da República 2.º Série, n.º 193, de 8.10.2007, lançou o concurso para a “instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público no HSJ EPE (…)”. – cfr. docs. de fls. 1/SA a 3/SA e 134/SA e ss.”.
No mais:
Na alínea C) transcreveram-se (e deram-se como assentes) alguns artigos do Caderno de Encargos;
Na alínea G) deu-se como provada a realização, em 25 de outubro de 2007, de uma reunião do Conselho de Administração do HSJ, E.P.E. na qual se tomou a primitiva decisão de adjudicação;
Na alínea H) deu-se como provada a comunicação efectuada em 2 de novembro de 2007 pelo Recorrente HSJ, E.P.E. à Recorrida;
Na alínea L) deu-se como provada a realização, em 6 de dezembro de 2007, de uma reunião do referido Conselho de Administração, na qual se homologou a minuta do contrato em apreço; por fim,
Na alínea Q) transcreveram-se algumas cláusulas do Contrato nº 10/2007 (“Concessão da Exploração do Serviço Público criado no HSJ, E.P.E.” - nos termos da designação constante do respectivo documento).
Vislumbra-se, em todas as alíneas ora enunciadas, pura matéria factual, dada como provada com base em documentos juntos aos autos, mencionados em cada uma das respectivas alíneas, com o que não se verifica qualquer impedimento à sua inclusão no probatório.
Relativamente à existência de alguns erros numéricos (em termos de datas) nas alíneas Y), Z), AA), BB) e CC) da matéria de facto dada como provada, tal reveste a natureza de meros lapsos de escrita, aliás irrelevantes para a decisão de fundo.
Quanto à totalidade da matéria que o Recorrente HSJ, entende que deveria ter sido incluída na matéria de facto assente, reitera-se a sua desnecessidade para a solução do pleito.
No essencial, recorde-se, que a tarefa de selecção da matéria de facto compete ao Julgador, segundo o seu prudente arbítrio - realidade que o Recorrente admite em abstracto mas da qual discorda no caso concreto.
Todavia, não se vê, objectivamente, em que medida tal matéria releve para a presente situação, nem tão pouco qual a relevância que a produção de prova testemunhal e pericial poderia assumir neste contexto.
Ainda em matéria (alegadamente) de facto, a Recorrente SCFH defende que o Tribunal recorrido atribuiu um significado à comunicação da Recorrida de 4 de fevereiro de 2009 que “não corresponde à verdade, de modo a considerá-lo como um[a] causa justificativa da não comparência da mesma e assim considerar anulada a deliberação, que declarou a caducidade da adjudicação do contrato de concessão à Recorrida”.
Diga-se, antes de mais, que a Recorrente SCFH olvidou, por completo, o ónus de especificação que sobre si recaía, caso pretendesse ver reapreciada alguma da matéria de facto decidida em primeira instância (cfr. o art. 685º-B do CPC, aplicável atentos os artºs 1º e 140º do CPTA).
Partindo de um dado de facto - a comunicação de 4 de fevereiro de 2009 (que integra a alínea R) do probatório) -, a Recorrente entende que à declaração constante de tal missiva não pode ser dado o sentido que lhe foi atribuído pelo Tribunal a quo.
Porém, quanto a esse ponto, o Tribunal deu como provada a existência de tal comunicação, bem como o seu teor (tal qual resulta, ipsis verbis, desse documento, que integra o processo administrativo junto aos autos) não tendo sido dada como factualmente assente qualquer ilação como a que a Recorrente afirma que foi retirada do mesmo.
É que a tarefa de selecção da matéria de facto, provada e controvertida, assenta sobre factos e não, como ambos os Recorrentes parecem entender, sobre ilações ou considerações inferidas de factos.
Entendendo a Recorrente SCFH que o significado retirado pelo Tribunal quanto à comunicação de 4 de fevereiro de 2009 se encontra errado, deveria a mesma reagir por via da imputação de um erro de julgamento ao aresto recorrido (como fez em momento mais adiantado das suas alegações de recurso) e não mediante a impugnação da matéria de facto dada como provada, por esse mesmo órgão jurisdicional, quanto a tal comunicação.
Atento o exposto, é manifesta a improcedência da argumentação desenvolvida a propósito do suposto erro de julgamento de facto.
E o que dizer do alegado Erro de Julgamento de Direito?

Do Vício Sobre os Pressupostos de Facto -
Quanto ao aspecto jurídico da causa, os Recorrentes continuam, no essencial, a sustentar a mesma estrutura de argumentos que sufragaram, quer em sede de Contestação, quer em sede de Alegações de Direito, imputando ao acórdão recorrido um vício de julgamento, por entenderem o direito aplicável de modo diverso do que aquele que prevaleceu em primeira instância.
Fazem-no como se o Tribunal a quo não tivesse escalpelizado, e bem, todos os fundamentos invocados, alicerçado, aliás, na posição da parte que obteve vencimento de causa.
Ora, com pretenso amparo (i.) no artº 18º do Caderno de Encargos, (ii.) no artº 56º do DL 197/99, de 8 de junho, e (iii.) nas Directivas Comunitárias 2004/17/CE e 2004/18/CE, o Recorrente Hospital sustenta que a mera ausência à celebração do contrato extingue imediatamente o direito a contratar do primitivo adjudicatário e estabelece um dever, para a entidade pública, de proceder à adjudicação ao concorrente seguinte.
Estaríamos perante uma “caducidade imposta por lei” que, quando perspectivada no caso concreto, levaria apenas a uma conclusão: “A Autora não compareceu na data da assinatura do contrato por sua única e exclusiva vontade, não tendo sido impedida de o fazer por motivo independente da sua vontade e, por isso, extinguiu-se o seu direito potestativo resultante da adjudicação”.
E afirma o Recorrente Hospital que a não comparência da Recorrida na assinatura do contrato se ficou a dever, em exclusivo, a um alegado interesse desta última em não permitir a adjudicação a terceiros, desvalorizando, assim, de modo patente, a justificação prestada pela Recorrida no telefax de 4 de fevereiro de 2008 (falta da regulamentação da dispensa de medicamentos em “unidose”).
E a prova de que assim seria, estaria na circunstância da Recorrente SCFH ter assinado o contrato, efectuado o investimento e apresentado a documentação solicitada, sem que existisse a regulamentação da “unidose”.
No fundo, a obrigação constante da cláusula 5º, relativa à dispensa de medicamentos em “unidose”, assumiria natureza puramente suspensiva, o que resultaria “do texto da referida cláusula mas também dos documentos, do programa de concurso e de todo o contexto em que o mesmo decorre”.
Acresce que, na posição do Recorrente, a Autora/Recorrida podia perfeitamente ter assinado o contrato, sem sofrer quaisquer consequências, pois a inexistência de regulamentação a isso obrigaria (“ninguém o podia obrigar a praticar actos que ainda estavam por regulamentar”, tanto mais que a questão da “unidose” não revelaria expressão significativa, nem na actividade concessionada, nem nas obras a efectuar (vide alegações de recurso do Recorrente Hospital).
Por fim, é ainda dito que “A adjudicatária (…) tinha conhecimento da existência daquelas normas durante todo o procedimento de concurso e, posteriormente à adjudicação foi-lhe enviada a minuta do contrato a qual continha aquelas normas e o que é certo é que nada disse aceitando-as enquanto tal”.
Tudo num quadro em que “A aprovação pelo adjudicatário da minuta do contrato confere a presunção de que o mesmo ficou a conhecer a minuta do contrato e implica que não se pode escusar à celebração do contrato por motivos referentes aos direitos e obrigações dele constantes”.
Afirma também o Recorrente Hospital que, na hipótese da Recorrida não concordar ou duvidar da possibilidade de cumprimento da obrigação de dispensa de medicamentos em “unidose”, deveria ter impugnado as peças concursais, nas quais tal obrigação constava, o que não fez no prazo de um mês, logo, “se a Recorrida descurou o prazo, não merece a tutela do Direito”.
Por fim conclui que, ao ter decidido de modo diferente do ora relatado - no essencial, ao ter decidido que a falta de comparência da Recorrida no acto de celebração do contrato de concessão se encontra justificada, atenta a inexistência de regulamentação relativa à disponibilização de medicamentos em “unidose” -, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
Não nos revemos nesta leitura.
Começando, desde logo, pela alegada “caducidade [da adjudicação] imposta por lei” - de natureza automática - decorrente da não comparência da Recorrida na data da assinatura do contrato, temos que nada na lei, nem no ordenamento jurídico globalmente entendido, permite retirar tal ilação.
Efectivamente, se é certo que o Tribunal a quo aceitou a existência, no ordenamento jurídico português, de uma regra geral pela qual se verifica a caducidade da adjudicação sempre que o adjudicatário, por facto que lhe seja imputável, não compareça à outorga do contrato, não é menos verdade que, como se afirmou, essa caducidade (ou ineficácia) apenas ocorre se não se verificar um “motivo atendível” para essa não comparência.
Nem podia ser de outro modo, sob pena de o adjudicatário ficar completamente desprovido de protecção em situações de ausência no acto de outorga do contrato, em relações às quais não possui qualquer culpa (como é o caso dos autos).
Tanto o artº 56º do DL 197/99, de 8 de junho, como o artº 115º/3 do DL 59/99, de 2 de março, fazem depender a caducidade da adjudicação, por não comparência no acto de outorga do contrato, da inexistência de um “motivo atendível” ou justificável, mobilizando, para o efeito, as seguintes fórmulas:
“A adjudicação considera-se sem efeito quando, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário: (…) Não compareça no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato” (cfr. o artº 56º/1/c) do DL 197/99;
“O adjudicatário perderá a favor do dono da obra a caução prestada, considerando-se, desde logo, a adjudicação sem efeito se não comparecer no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato e não houver sido impedido de o fazer por motivo independente da sua vontade, devidamente justificado” (cfr. o artº 115º/3 do DL 59/99.
Na medida em que nenhuma das disposições em apreço (subsidiariamente aplicáveis à hipótese dos autos, na perspectiva do Tribunal a quo) preveem uma caducidade automática da adjudicação, nos termos sufragados pelo Recorrente HSJ, há que concluir pela improcedência de tal argumento, tal qual se decidiu no acórdão sob censura.
Relativamente ao disposto na primeira parte do artº 105º/1 do Código dos Contratos Públicos (CCP), importa referir, na esteira da decisão recorrida, que o mesmo se demonstra inaplicável ao caso em apreço.
Mas ainda que tal Código fosse aplicável à situação em análise, há que ter presente que a caducidade da adjudicação prevista nesse normativo, também pressupõe que a não comparência, por parte do co-contratante, na data da assinatura do contrato, lhe seja imputável.
Ora, não é esse o caso: a Autora não compareceu na data indicada porque não haviam condições objectivas para assinar um contrato que continha cláusulas legalmente inexequíveis (por omissão de regulamentação legal) e que implicariam que esta nem sequer pudesse elaborar o projecto de execução (nem o necessário estudo prévio) da farmácia hospitalar em causa.
A ratio dessa norma, como bem se advoga nas contra-alegações, (como já sucedia com os pretéritos artºs 56º/1/c) do DL 197/99 e 115º/3 do DL 59/99, subsidiariamente aplicáveis aos autos) é a de sancionar faltas não justificadas (imputáveis ao co-contratante) à assinatura dos contratos administrativos, para que as entidades adjudicantes não fiquem ad eternum a aguardar pela comparência dos futuros contratantes privados da Administração.
Fica deste modo claro que, no ordenamento jurídico português, não existe qualquer resquício de uma regra de caducidade imediata ou directa do direito a contratar, sem dependência de qualquer outro requisito que não seja a ausência à outorga do contrato, como a que o Recorrente Hospital propugna.
Na situação presente, repete-se, o motivo justificativo apresentado pela Recorrida, na sua comunicação de 4 de fevereiro de 2008, para efeitos de não comparência à outorga do contrato de concessão, consubstancia um “motivo atendível” - o mesmo é dizer, um motivo que não lhe é (minimamente) imputável -, obstando, pois, à produção da caducidade da adjudicação, dada a circunstância de ainda não estar regulamentada a dispensa de medicamentos em “unidose” e, desse modo, não poder assumir algumas das obrigações contratuais a esse respeito (impossibilidade objectiva).
Efectivamente, não se encontrando regulamentada a dispensa de medicamentos em “unidose”, por Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia e da saúde, conforme o previsto no nº 2 do artº 47º do DL 235/2006, de 6 de dezembro, não poderia objectivamente a Recorrida assumir a obrigação plasmada na alínea c) do nº 2 da Cláusula 5ª do contrato de concessão (“De acordo com o disposto no número anterior a exploração da farmácia no HSJ, EPE, pela Segunda Outorgante da farmácia compreende: (…) A dispensa de medicamentos em unidose”).
E não podia porque se a Recorrida tivesse celebrado o referido contrato, entraria imediatamente em incumprimento, pois não estava devidamente regulamentada a dispensa de medicamentos, na referida modalidade, que o mesmo contrato prevê como obrigação a cargo da concessionária.
Acresce a circunstância de, enquanto essa regulamentação não existir, como norma geral aplicável a todas as farmácias, não poder a Recorrida, sequer, apresentar os estudos prévios desenvolvidos de arquitectura, previstos na Cláusula 14ª do aludido contrato, pois não é possível determinar quais os requisitos em termos de organização de espaço da farmácia hospitalar, para esse efeito.
Em face do exposto, é óbvio que a fundamentação jurídica invocada por ambos os Recorrentes não pode ser considerada procedente, pois, neste contexto, não se visiona qualquer direito do Recorrente HSJ em considerar caducado o direito da Recorrida a celebrar o contrato administrativo em causa.
O mesmo é dizer que - sem prejuízo de dever ter sido conferido o direito de audiência prévia à Recorrida (o que não ocorreu) - o motivo sumariamente enunciado na comunicação de 4 de fevereiro de 2008 consubstancia, em face dos normativos efectivamente aplicáveis ao procedimento contratual em apreço, uma causa de justificação material que obsta à possibilidade de se produzir o efeito de caducidade da adjudicação, porquanto, independentemente de outras considerações, mostrou-se inteiramente legítima a comunicação da Recorrida de que não compareceria na data de celebração do Contrato.
E, deste modo, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que “obviamente que perante a carência de regulamentação quanto à matéria da dispensa de medicamentos em dose individual o adjudicatário desconhecia, ainda, os termos e os moldes em que poderia cumprir as obrigações às quais ficaria adstrito pela celebração do contrato”, logo, “o adjudicatário viu-se assim confrontado, na eminência da outorga do contrato, da probabilidade de vir a incumprir com as previsões contratuais a que se iria vincular, sujeitando-se, assim, às sanções contratuais que vinham estabelecidas no contrato”.
E continuou: “é manifesto que não seria razoável, por a tal se oporem os deveres de boa-fé e lealdade que pautam as relações pré-contratuais, exigir ao co-contratante a sua presença na assinatura do contrato, pois que, em princípio, ninguém contrata sabendo que vai deixar de cumprir as prestações a que se obrigou”.
Colocou-se, pois, no caso vertente, uma situação de impossibilidade objectiva de cumprimento de um contrato cuja data de assinatura foi agendada pelo Recorrente HSJ, E.P.E., tendo a Recorrida avisado tal Recorrente das razões pelas quais entendia não dever comparecer nessa data, sem resposta por mais de um ano e meio, sendo que tais razões são legalmente indiscutíveis (mesmo para os próprios serviços do Recorrente Hospital).
É óbvio que estamos, como o Tribunal a quo reconheceu, perante um “motivo atendível”, o mesmo é dizer, em face de “um motivo que não lhe é imputável”, ou seja, a motivação para a não comparência na assinatura do contrato adjudicado não é subjectivamente imputável ao co-contratante privado da Administração, isto é, à Autora, aqui Recorrida.
Reitera-se que a inexistência de regulamentação sobre a dispensa de medicamentos em “unidose” correspondeu a uma circunstância que consubstancia um “motivo atendível” para que a Recorrida não tivesse comparecido na celebração do contrato - com pré-aviso justificativo -. Ou seja, as realidades impugnadas incorrem em manifesto erro de facto e de direito, reconduzível ao vício de violação de lei, gerador de anulabilidade nos termos dos artºs 135º e 136º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), tendo o Tribunal decidido, de modo acertado, tal questão, conforme resulta do excerto que ora se transcreve:
“A Autora em respeito do seu dever de lealdade e boa-fé, previamente à data de outorga de contrato, alertou para a situação [de] não poder comparecer à outorga por lhe ser inexigível celebrar o contrato e assumir um conjunto de obrigações dependentes e carecidas de regulamentação legal. Obviamente que, nesta situação, a falta de comparência não lhe poderá ser imputável, encontrando-se cabalmente justificada e sendo atendíveis os motivos invocados.
(…)
Termos em que o acto de 10.9.2009 da Entidade Demandada que decidiu pela caducidade da adjudicação à Autora e, consequentemente, adjudicou o “«Contrato” à Contra-Interessada padece de erro sobre os pressupostos de facto, sendo anulável nos termos do art. 135.º do CPA.
E, ao abrigo do art. 185.º, n.º 1 do CPA é, consequentemente, anulável o Contrato n.º 17/2009 celebrado entre a Entidade Demandada e a Contra-Interessada”.

Do Vício de forma por Preterição do Direito de Audiência Prévia -
O Recorrente Hospital insiste que no caso em apreço a audiência prévia não está legalmente prevista portanto, e por isso, não estava obrigado à mesma, tanto mais que, na situação que se aprecia, nem sequer houve instrução e a audiência prévia seria sempre inútil porque a Autora foi quem deu causa à caducidade ao recusar comparecer e, para tanto, manifestou de forma inequívoca o seu motivo e a caducidade da adjudicação é um acto vinculado e devido e, nada que a Autora viesse dizer podia alterar o resultado.
Em última análise, a realização de audiência prévia estaria ainda dispensada por força do artº 103º/2/a) do CPA, pois a comunicação de 4 de fevereiro de 2008 consubstanciaria, na perspectiva do Recorrente Hospital, uma pronúncia sobre as questões que importavam para a decisão em causa.
A linha argumentativa da Recorrente SCFH é, neste ponto, muito próxima da que acabou de se expor, podendo ser resumida nos seguintes termos: (i.) não há lugar a audiência prévia no presente caso; (ii.) caso se entenda que assistia à Recorrida o direito à audiência prévia, deve valer o princípio do aproveitamento dos actos administrativos, pois não podia ser outra a decisão a tomar neste âmbito.
Passando para a exposição da posição da Recorrida, note-se, antes de mais, como se decidiu no acórdão, que o caso em análise não foi antecedido de audição da ora Recorrida, tendo sido frontalmente violados os artºs 32º/10, 266º, 267º/1 e 5 e 268º da CRP e os artºs 100º, 103º a 105º do CPA.
A audição prévia da ora Recorrida era exigida pelo artº 267º/5 da CRP, constituindo postulado imanente do Estado de Direito Democrático (v. artºs 32º/10 e 267º/1 da CRP; cfr. Ac. TC n.º 659/2006, de 28/11/2006, pelo que a falta nunca se degradaria em formalidade não essencial, aproveitando-se e sanando-se um acto claramente ilegal e lesivo (v. artºs 20º, 266º e 268º/4 da CRP), não podendo ser omitida ou convalidar-se a sua omissão por via jurisdicional (Acórdãos do STA de 15/11/2006, proc. 0531/06; de 18/10/2006, proc. 0497/06 e de 25/6/2008, proc. 0392/08).
Nos termos do artigo 121º do CPA, “os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta” admitindo-se que “o responsável pela direcção do procedimento [não proceda] à audiência dos interessados quando a decisão seja urgente, (…)” (nos termos do artigo 124º/1/a) do CPA).
Nos termos deste artigo 124º/1/a) do CPA “não há lugar a audiência dos interessados quando a decisão seja urgente”.
“A urgência justificativa da preterição da formalidade da audiência prévia deve resultar objectivamente do ato administrativo e das suas circunstâncias, sendo irrelevante a urgência afirmada posteriormente ao ato e que dele inequivocamente não resulte” (…). (…) “A Administração não goza de um poder discricionário de livremente integrar o conceito de urgência, sendo pois evidente que a mesma, ainda que não afirmada formalmente na decisão administrativa, deve resultar objectivamente do seu conteúdo e das circunstâncias que a conformam”. (…) O que quer dizer que, como se afirmou no Acórdão do Tribunal Pleno de 4/07/2006 (rec. 498/03), desde que se verifique uma situação objectiva de urgência, isto é, desde que se verifique uma situação em que o factor tempo na tomada e implementação da decisão se revele essencial para o seu êxito e desde que esta urgência seja contemporânea do ato a autoridade administrativa não só está dispensada do cumprimento do artº 100.º do CPA como também não está obrigada a justificar de forma expressa as razões que a levam a não cumprir o disposto nesse normativo. Ou, dito de forma diferente, a “urgência a que alude o artº 103.º/1/a) do CPA só justifica a inexistência da audiência prévia dos interessados nas situações em que o tempo seja determinante do sucesso ou insucesso da medida administrativa a adoptar, em termos tais que se possa antever que, sem esse sacrifício, ficará definitivamente ou gravemente comprometida a satisfação de uma necessidade pública indeclinável, incompatível com a observância do prazo mínimo legalmente previsto para o exercício do direito do interessado a ser ouvido no procedimento” …” (Acórdão do STA de 03/05/2013, proc. 00217/08.0 BEPRT).
A audiência prévia dos interessados é, pois, uma exigência decorrente da Constituição e a sua consagração no CPA constituiu à época (e constitui ainda hoje) um marco de extrema relevância no sentido de afirmar uma Administração que decide “com os particulares” e não “de costas” para os particulares. Por isso mesmo é que, fora dos casos previstos no artº 103º do CPA, a audiência prévia dos interessados é obrigatória e a sua falta gera - em regra e salvo situações absolutamente excepcionais - a invalidade do acto administrativo assim praticado.
Quanto aos casos previstos no artº 103º do CPA, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que a verificação de qualquer um dos pressupostos previstos nesse artigo, para relevar, tem de ser invocado e fundamentado juntamente com a decisão administrativa, sendo irrelevantes justificações a posteriori (maxime, em processos judiciais) que procurem remediar o esquecimento atempado ou a pura preterição desta formalidade essencial.
Acontece que, como resulta da leitura da decisão que declarou a caducidade da adjudicação primeiramente efectuada à Recorrida, não se fez qualquer referência ao artº 103º do CPA, razão pela qual o mesmo não pode ser agora usado como “desculpa”.
De nada vale, por isso, vir agora, como faz o Recorrente Hospital, invocar o artº 103º/2/a) do CPA, quando nada se disse na altura certa.
Apesar disso, sempre se dirá que, in casu, não havia motivos para se ter dispensado a audiência prévia da interessada, por não estarem preenchidos os respectivos pressupostos materiais.
É que, não só o Recorrente nunca se pronunciou sobre os casos em que poderia ocorrer a caducidade da adjudicação ou sobre as consequências que poderiam advir da não comparência da Recorrida (mesmo se anunciada e justificada), como não foi dada a conhecer a esta, em momento algum, o projecto de decisão da entidade adjudicante, no sentido de considerar que a não celebração do contrato implicava, no entender da mesma, irremediavelmente, a declaração de caducidade da adjudicação.
Com efeito, nos termos do artº 100º/1 do CPA, fica bem claro que a audiência prévia dos interessados é um direito dos interessados - de aplicação geral (caindo assim por terra o argumento de que no caso em apreço a audiência prévia não está legalmente prevista, “pois que nenhum dos diplomas (…) que regulam o concurso, afastam a aplicação do disposto no artº 100º do CPA - e não uma faculdade ou um favor da entidade adjudicante, ficando igualmente bem claro que esta entidade adjudicante tem de facultar ao interessado, nomeadamente, o sentido provável da decisão, devendo este ficar a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito - sentenciou-se, e bem, no acórdão recorrido.
Ora, é incontornável que não houve audiência prévia da interessada antes da emissão da decisão de caducidade da adjudicação da Recorrida e de adjudicação à Recorrente SCFH - impedindo-se, pois, a Recorrida de apresentar os seus comentários sobre a projectada decisão -.
E não se diga que não houve, in casu, verdadeira “instrução” e que o artigo 100º apenas se aplica “concluída a instrução”.
É que, por um lado, não é correcto dizer que a audiência prévia dos interessados só ocorre “concluída a instrução”, antes sendo uma fase que se integra na própria instrução (como é comprovado pela leitura do artº 104º do CPA) e, por outro lado, há sempre uma fase de instrução, mais ou menos extensa e mais ou menos visível, (e este até é um dos casos em que tal actividade é visível, tendo havido inclusivamente informações escritas dos serviços sobre o tema), que justifica a audiência prévia dos interessados.
A este propósito, leiam-se Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, quando referem que, “mesmo que não seja discernível uma fase procedimental instrutória a ser traduzida em actos materiais ou imateriais com projecção externa, qualquer acto administrativo implica pelo menos uma actividade mínima de averiguação dos seus pressupostos de facto e de direito (ou seja, uma instrução em sentido funcional), ainda que consistente em puras operações intelectivas do autor do acto; do ponto de vista das funções objectivas e subjectivas da audiência dos interessados nada justifica a priori a sua exclusão nestes casos” (em “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 1ª ed., Dom Quixote, 2007, pág. 128).
Seguindo esta linha doutrinal o Tribunal a quo entendeu:
“Acrescente-se que não procede aqui a argumentação avançada pela Entidade Demandada no sentido de que não tendo havido lugar a instrução, nomeadamente porque a caducidade opera automaticamente, não haveria lugar a audiência prévia.
Em primeiro lugar, porque a caducidade (ou ineficácia) da adjudicação não é um efeito “automático” da falta de comparência do adjudicatário à outorga do contrato, no sentido de que bastava o adjudicatário não comparecer para, sem mais, daí resultar a caducidade da adjudicação.
(…)
Daqui resulta, necessariamente, a exigência de se dar ao adjudicatário a possibilidade de se pronunciar previamente à tomada de decisão, designadamente, para efeitos de este justificar os motivos de não comparência, só sendo possível à entidade adjudicante considerar caducada a adjudicação e, consequentemente, adjudicar o contrato ao concorrente classificado em segundo lugar após ter ouvido as justificações do adjudicatário e fundamentar a razão pelas quais as considerou não procedentes.
Em segundo lugar, porque nem sequer se pode afirmar que não houve lugar a instrução.
(…)
Ora, do p. a. resulta que existiu alguma instrução pois que em 14.2.2008 a Entidade Demandada enviou ofícios ao Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP e ao Ministério da Saúde solicitando informação sobre os requisitos técnicos a considerar na instalação da Farmácia Concessionada, a que o Infarmed respondeu em 2.4.2008, constando ainda informação subscrita pelo Director do Serviço da Entidade Demandada, dirigido ao Conselho de Administração da Entidade Demandada, no qual se concluía, sinteticamente, pela procedência dos motivos invocados pela Autora para a sua não comparência.
Em suma, do probatório resulta que foram recolhidas informações e tomadas diligências, pela própria Entidade Demandada, necessárias à prolação da decisão, isto é, que houve “instrução”.
Aqui chegados, e por referência a uma das alegações de ambos os Recorrentes, importa dizer que, naturalmente, não se desconhece que há quem defenda, mesmo na jurisprudência, que - em circunstâncias absolutamente excepcionais - a falta de cumprimento do dever de audiência prévia pode não gerar o efeito invalidante próprio da preterição de formalidades essenciais, antes se aproveitando o acto praticado.
Que dizer dessa possibilidade?
Em primeiro lugar, importa referir que a constitucionalidade da mesma é duvidosa, atento o facto de a audição prévia ser uma garantia constitucional, sendo independente do resultado da mesma - ou seja, de os seus argumentos virem ou não a ser acolhidos pela Administração no momento decisório.
Referindo-se à orientação jurisprudencial relativa à degradação da formalidade (essencial) de audiência prévia em formalidade não essencial e como tal não invalidante, apontam Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, que “esta orientação é altamente discutível (…)” (ob. cit., pág. 129).
Por outro lado, mesmo aderindo-se a essa tendência, sempre será forçoso considerar-se que os respectivos pressupostos para essa solução excepcional também não se encontram aqui preenchidos.
Com efeito, nos casos em que os Tribunais têm admitido o carácter não invalidante da falta de audiência dos interessados, têm-no feito com base no princípio do aproveitamento dos actos, apenas e só para casos em que estivesse em causa um acto absolutamente vinculado e que não padecesse de outros vícios legais.
No caso em apreço não se vislumbra a possibilidade de aproveitamento do acto (porque não é possível afirmar, sem margem para dúvidas, que sempre o contrato teria sido praticado com o mesmo conteúdo).
E não se pode dizer que a decisão tomada seja uma decisão absolutamente vinculada a ponto de a lei não permitir que a entidade adjudicante pudesse ter tomado outra decisão, diferente, e que fosse válida.
Na verdade, resulta do nº 3 do artº 18º do Caderno de Encargos que, “caso o adjudicatário não compareça no dia, hora e local fixados para a celebração do contrato, pode o conselho de administração do HSJ desvincular-se da proposta e considerar perdida a seu favor a caução prestada, excepto em casos excepcionais, devidamente justificados”.
Fica assim claro que a decisão de desvinculação da proposta por parte da entidade adjudicante não era uma inevitabilidade, sendo perfeitamente admissível que a entidade adjudicante considerasse estar-se aqui perante um caso excepcional, devidamente justificado, e, assim, apesar da não celebração do contrato, naquela data, ter mantido a adjudicação.
Ora, havendo - em tese - duas alternativas e estando o Recorrente Hospital inclinado para uma delas (declaração de caducidade) era fundamental ouvir o interessado, dando-lhe a conhecer o projecto de decisão e, no fundo, dando-lhe uma oportunidade de convencer (ou não) a entidade adjudicante de que - em concreto - a solução correcta era a de não declarar a caducidade.
Isso mesmo acaba por ser reconhecido pelo Prof. Vieira de Andrade, no Parecer junto aos autos, quando refere que “a caducidade não resulta aqui de uma imposição legal de certeza que tenha de produzir um efeito extintivo automático, cabendo à Administração a declaração da caducidade da adjudicação, desvinculando-se da proposta”.
De facto, se é o próprio Caderno de Encargos que considera que - em abstracto - a entidade adjudicante pode desvincular-se da proposta ou pode não se desvincular da proposta, como é que se pode dizer, antecipadamente, que nada do que o adjudicatário viesse a dizer poderia levar a entidade adjudicante a mudar de posição - questiona, e bem, a Parte Recorrida.
Como ensina o Professor Vieira de Andrade, “o juiz só poderá pretender aproveitar um acto administrativo anulável por vício de forma quando o conteúdo desse acto não puder ou não dever ser outro, porque só então terá a certeza fundada de que um agente racional e cumpridor da lei não deixaria de ter tomado aquela decisão” (em O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 2ª reimpressão, Almedina, 2007, pág. 329 e na jurisprudência, entre outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/01/2002, proferido no processo 046482, onde se refere “segundo a jurisprudência dominante neste STA, nomeadamente do Pleno, esse princípio (de aproveitamento dos actos) é de aplicação exclusiva aos actos vinculados, e, mesmo quanto a estes, dentro de apertados pressupostos objectivos, ou seja, “sempre que através de um juízo de prognose póstuma o tribunal conclua que a decisão tomada era a única concretamente possível», sendo certo que não basta que a decisão seja cometida no exercício de poderes vinculados para se concluir, sem mais, pelo carácter não invalidante da violação do disposto no n.º 1 do art. 100.º do CPA.
Tal só se verifica, se for possível garantir que o acto seria sempre prolatado, e com a mesma configuração decisória, quaisquer que fossem as vicissitudes do procedimento, ou, como refere o Ac. do Pleno de 08.02.2001 - Rec. 46.660, “quando se possa afirmar, com inteira segurança, que o novo acto anulatório, teria forçosamente conteúdo decisório idêntico ao acto anulado”).
É que, segundo o Acórdão do STA de 15/11/2006 no proc. 0531/06 “I- A audiência de interessados, por representar, ela mesma, um princípio estruturante da própria actividade administrativa, não deixará, por isso mesmo, de ser aplicável aos procedimentos especiais, mesmo quando a não prevejam.
II- Não se realizará, porém, se a decisão for urgente (art. 103º, nº1, al. a), do CPA).”
Porém acrescenta:
III- Essa urgência, ou resulta directamente da lei, ou de uma situação material e objectiva concreta que leve os serviços públicos a determiná-la, devendo nesse caso estar clara e expressamente fundamentada na decisão administrativa.
Face ao explanado forçoso é concluir-se que o acto em causa não é um acto vinculado, sendo expressamente admitida a não desvinculação da proposta, como decorre, desde logo, do nº 3 do art 18º do Caderno de Encargos e, como tal, a prática de acto de conteúdo diferente era perfeitamente possível (desde logo, se se considerasse que a falta à outorga do contrato de concessão não era imputável ao adjudicatário - como não era), conforme acertadamente se decidiu no aresto recorrido.
Mas, mesmo que assim se não entendesse, sempre se teria de concluir que o acto padece de outros vícios legais, o que, só por si, impede que a falta de audiência prévia seja desvalorizada e degradada em formalidade não essencial.
Com efeito, para além da relevância autónoma desses outros vícios legais, a existência dos mesmos torna imediatamente invalidante a preterição da audiência prévia, já que impediu que o particular pudesse ter chamado a atenção da Administração para esses mesmos vícios.
Em conclusão, no caso concreto, obviamente que havia lugar a audiência prévia, e naturalmente que a sua realização, a ter ocorrido - o que não sucedeu - se teria revelado útil, não podendo, por fim e em absoluto, valer o princípio do aproveitamento dos actos administrativos, por falta de preenchimento dos pressupostos necessários à sua mobilização em casos como o presente.
Tal como decidido pelo Tribunal a quo, a preterição do direito de audiência prévia gerou, sem qualquer dúvida, a invalidade - a anulabilidade - do acto impugnado (cfr. o Parecer de Paulo Otero junto aos autos).
O acórdão recorrido, contrariamente ao invocado, não incorre, também nesta matéria, num qualquer erro de julgamento carecido de correcção.

Da Denominada Obrigação de Adjudicação ao Primeiro Classificado -
Sem imputar ao aresto qualquer erro de julgamento a propósito deste segmento, o Recorrente HSJ, afirma que a adjudicação ao contrainteressado corresponde a ter-se adjudicado à proposta classificada em primeiro lugar e, portanto, à melhor proposta, invocando - sem concretização e demonstração da sua relevância para o caso concreto - jurisprudência e normativos comunitários supostamente aplicáveis e que justificariam, rectius, obrigariam, de novo, a promoção de um pedido de reenvio prejudicial.
Cumpre referir, neste âmbito, que não se alcança qual a relevância desta alegação, pois que, como se adiantou, não detecta qualquer erro de julgamento no acórdão proferido.
Acresce que a primitiva adjudicação à Recorrida decorreu num contexto de legalidade, tendo esta exercido o direito de preferência que as peças do concurso e a lei aplicável lhe atribuíam, logo, de nada adianta vir agora aludir que a adjudicação à SCFH “corresponde a ter-se adjudicado à proposta classificada em primeiro lugar e, portanto, à melhor proposta”.
Relativamente à suposta obrigação de reenvio prejudicial, reitera-se tudo o que supra ficou dito a este propósito, designadamente, a inexistência de uma questão jurídico-comunitária, tanto mais que, como dá conta o próprio Recorrente Hospital, os princípios comunitários que refere estão por demais tratados pela respectiva jurisprudência. Tudo num quadro em que, como também já se afirmou, o reenvio prejudicial jamais poderia ser obrigatório, dado que o recurso de revista é, no contexto da actual legislação processual administrativa, um recurso ordinário - vide, desde logo, a sua inserção sistemática (Capítulo II, do Título VII, dedicado aos “Recursos Ordinários”) - e a apreciação dos seus pressupostos depende de uma análise casuística, a promover caso a caso.
Desta feita improcede também o que se diz a propósito da designada “obrigação de adjudicação ao primeiro classificado”.
Em suma:
-o cerne da questão acaba por resumir-se à questão de saber se o Recorrente Hospital poderia ter tomado a deliberação de 10/9/2009 sem previamente proceder à audiência da Autora/Recorrida;
-a audiência de interessados, como figura geral do procedimento administrativo, representa o cumprimento da imposição constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações administrativas que lhes disserem respeito, determinando para o órgão administrativo competente a obrigação de incluir o administrado, como agente activo, na tarefa de preparar a decisão que o afectará;
-tal princípio de participação está expressamente consagrado no CPA;
-o fim legal desta formalidade é o de proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o projecto de decisão e, para isso, a notificação da proposta de decisão deve fornecer-lhes todos os aspectos que foram relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, podendo os interessados chamar a atenção do órgão decisor para a relevância de certos interesses ou pontos de vista relativos ao objecto do procedimento e que não foram considerados, bem como requerer diligências e juntar documentos, sem prejuízo das que, oficiosamente, se entenderem ainda de realizar após a audiência;
-a audiência prévia dos interessados no procedimento administrativo configura um princípio estruturante da actividade administrativa e, portanto, uma formalidade legal essencial, cuja inobservância fere o acto de anulabilidade por vício de procedimento, excepto nos casos expressamente previstos na lei de inexistência e dispensa dessa audiência;
-o Recorrente invoca, além do mais, que não haveria lugar a audiência da Autora pois que inexiste previsão da mesma;
-nem no Programa do Concurso nem no Caderno de Encargos e igualmente na legislação relativa ao regime de instalação, abertura e funcionamento de farmácia de dispensa de medicamentos ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e às condições da respectiva concessão se preveem os moldes em que opera a caducidade da adjudicação;
-in casu estamos perante um acto que declara a caducidade de uma adjudicação, isto é, uma intervenção administrativa que afasta a ora Recorrida, definitivamente, do procedimento administrativo em curso, pelo que há de aplicar-se o artº 100º do CPA, que visa, essencialmente, permitir aos destinatários das prescrições administrativas lesivas pronunciarem-se sobre os actos que os afectam e consentir-lhes participar na formação da vontade final da Administração;
-como direito com protecção constitucional que é deve ser respeitado escrupulosamente pela Administração Pública;
-não procede aqui a argumentação avançada pelos Recorrentes no sentido de que não tendo havido lugar a instrução, nomeadamente porque a caducidade opera automaticamente, não haveria lugar a audiência prévia;
-em primeiro lugar, porque a caducidade (ou ineficácia) da adjudicação não é um efeito “automático” da falta de comparência do adjudicatário à outorga do contrato, no sentido de que bastava o adjudicatário não comparecer para, sem mais, daí resultar a caducidade da adjudicação;
-a caducidade da adjudicação estava sempre dependente, pelo menos, de uma apreciação e pronúncia por parte da entidade adjudicante quanto aos motivos apresentados pelo adjudicatário para a não comparência, antes de dar como caducada uma adjudicação;
-daqui resulta, necessariamente, a exigência de se dar ao adjudicatário a possibilidade de se pronunciar previamente à tomada de decisão, designadamente, para efeitos de este justificar os motivos de não comparência, só sendo possível à entidade adjudicante considerar caducada a adjudicação e, consequentemente, adjudicar o contrato ao concorrente classificado em segundo lugar, após ter ouvido as justificações do adjudicatário e fundamentar a razão pelas quais as considerou não procedentes;
-em segundo lugar, porque nem sequer se pode afirmar que não houve lugar a instrução como atrás se desenvolveu;
-também não procede a argumentação do Recorrente de que face à comunicação da Autora/Recorrida de 04/02/2009 a sua audição prévia estava dispensada;
-por um lado, porque o pressuposto de dispensa de audiência, a que se refere a alínea a) do nº 2 do artº 103º do CPA, apenas estará preenchido quando a pronúncia anterior do interessado respeite a todas as questões relevantes para decisão final;
-desconhecendo a Recorrida o sentido provável da decisão, não lhe tendo sido fornecidos todos os aspectos que foram relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, naturalmente que não se pôde pronunciar sobre as questões essenciais da decisão final;
-a comunicação desta, de 04/2/2009, limitou-se a, antecipadamente à data prevista para a outorga do contrato, explicitar as razões pelas quais não iria comparecer à celebração do contrato e, nesse sentido, encetou uma dialéctica com a Administração;
-porém, esta comunicação não configura qualquer pronúncia antecipada que pudesse dispensar a sua audição prévia à decisão de caducidade da adjudicação e adjudicação à Contrainteressada, pois que a Recorrida, nessa data, desconhecia, ainda, as razões pelas quais a Entidade Demandada, ora co-Recorrente, considerava o motivo por ela apresentado como facto que lhe era imputável determinante da caducidade da adjudicação, não tendo aí tido oportunidade de desconstruir a tese deste;
-por outro lado, a dispensa de audiência prévia tem de ser objecto de decisão expressa fundamentada que, no caso, inexistiu;
-a questão dos efeitos não invalidantes da preterição do princípio da audiência, designadamente, por apelo ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos só é invocável quando seja possível afirmar que a decisão tomada é a única concretamente possível, o que passa, desde logo, pela possibilidade de se poder apreciar a legalidade do acto, não bastando que se trate de acto vinculado;
-efectuando-se, no caso em apreciação, o juízo de prognose póstuma, era manifesto que não se podia concluir, com segurança absoluta, que a decisão tomada era a única possível;
-o caso dos autos é elucidativo de que a falta de audiência prévia da aqui Recorrida não se degradou em formalidade não essencial, pelo que não tendo sido a deliberação em crise precedida da sua audição, esta é anulável por vício de forma, anulabilidade que se repercute no Contrato nº 17/2009.
Acolhendo-se a perspectiva da Autora, aqui Recorrida, naturalmente sucumbem as leituras dos Recorrentes, pese embora o labor jurídico que também se lhes reconhece.
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DECISÃO
Termos em que se nega provimento aos recursos.
Custas pelos Recorrentes na proporção de 60% para o Hospital e 40% para a SCFH.
Notifique e DN.
Porto, 26/10/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. João Sousa