Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01057/16.8BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:OPOSIÇÃO;
MASSA INSOLVENTE;
TAXAS DE PORTAGEM;
Sumário:
I - A falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal - artigo 165º, nº 1, al. b) do CPPT -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do seu artigo 204º.

II – Se as dívidas exequendas se venceram após a declaração de insolvência da sociedade, nada obsta à autuação e prosseguimento da execução instaurada para a sua cobrança, apenas não sendo admissível que atinja os bens integrantes da massa insolvente.

III - A ilegitimidade do administrador da insolvência, por “morte do infrator”, apenas pode ser invocada no âmbito da oposição ao processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das coimas fixadas nos processos de contraordenação autuados pela falta de pagamento das taxas de portagens, e não na oposição ao processo de execução fiscal instaurado para cobrança dos tributos.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Massa Insolvente de [SCom02...], Lda., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 11-09-2018 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual foi julgada improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal nº .....................459 intentada pelo Serviço de Finanças ..., para cobrança coerciva de dívidas provenientes de taxas de portagem e custos administrativos, do ano de 2014, no montante de €14.026,59.

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«Primeiro. Manifesta-se a óbvia discordância da recorrente relativamente ao entendimento expresso na decisão recorrida, como se irá expor de seguida.
Segundo. A presente oposição fundou-se no disposto no artigo 204º, alínea I) do CPPT vigente.
Terceiro. De acordo com tal norma, a oposição poderá ter como fundamento qualquer um que não esteja previsto no elenco do mesmo artigo, desde que devidamente comprovado por documento. Ora,
Quarto. o artigo 190.º, n.º 1 do CPPT dispõe que “a citação deve conter os elementos previstos nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 163.º do presente Código ou, em alternativa, ser acompanhada de cópia do título executivo”.
Quinto. E o artigo 163.º, n.º 1 do mesmo diploma, estabelece como requisitos essenciais do título executivo:
e) “Natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante”.
Sexto. Nos termos do artigo 165.º n.º 1, alínea a) do CPPT, “são nulidades insanáveis em processo de execução fiscal (…) a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”.
Sétimo. No presente caso, recebeu a recorrente informações relativas ao processo supra referido, para no prazo de 30 dias pagar a dívida exequenda e acrescido ou requerer dação em pagamento ou, ainda, ainda deduzir oposição.
Oitavo. Assim, a recorrente não recebeu qualquer citação. No entanto, por mera cautela de patrocínio, apresentou a sua oposição à execução.
Nono. A partir da leitura da informação recebida, ficou a recorrente sem saber qual a natureza da dívida que alegadamente contraiu junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Décimo. Porquanto, desconhece a natureza da dívida, bem como a sua proveniência.
Décimo primeiro. Pois, a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas se limitou a tentativas de descrição da natureza do montante a pagar, mediante fórmulas imprecisas, tais como “Custos Administ. (Matr: ..-AU-.. Sem Registo/... PV 2014-09-08 09:54:09)” ou “Tx. Portagem (Matr: ..-CR-.. Sem Registo/... Pv 2014-09-08 11:15:42)”.
Décimo segundo. Com efeito, a recorrente ficou sem saber, ao certo, a que dívida se refere a citação.
Décimo terceiro. Pela menção “portagem”, referir-se-á aquela a um débito reportado à falta de pagamento de uma portagem?
Décimo quarto. É que a simples menção “Tx. Portagem” a nada de concreto leva a concluir.
Décimo quinto. Espera a Autoridade Tributária e Aduaneira que a recorrente sabia imediatamente a que dívida se refere a citação, quando nesta surgem misturados nomes, horas e siglas?
Décimo sexto. É que a única coisa que a recorrente consegue retirar da citação é o facto de a mesma se limitar a tentativas de descrição de horas, locais e dias das infrações – pelo menos assim parece, tal não é o conteúdo vago da citação –, as quais não permitem situar rigorosamente nada em termos de tempo e espaço.
Décimo sétimo. Pelo que a recorrente foi apanhada totalmente de surpresa perante a mesma citação.
Décimo oitavo. É justamente para evitar este tipo de “decisões-surpresa” que é necessária a estrita observância do disposto no conjugado entre os artigos 163.º, 165.º e 190.º do CPPT.
Décimo nono. A recorrente ficou totalmente desnorteada em face da receção de citações de conteúdo vago, impreciso, que apenas contêm ordens de pagamento e cominações legais para o caso desse pagamento não se verificar.
Vigésimo. Tais imperativos legais impõem-se em face da necessidade de fundamentação do ato de aplicação de uma qualquer medida/pena/coima à arguida, sendo certo que não havendo tal fundamentação, o ato é simplesmente nulo.
Vigésimo primeiro. A autoridade autuante, com a simples menção de palavras que – no melhor dos casos – fazem supor dia, hora e local em que circulava a infratora, não alegou os factos nem as circunstâncias que consubstanciam a infração.
Vigésimo segundo. Neste sentido se decidiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de Abril de 2014, Processo n.º 07467/14, nele se tendo escrito que o “O art. 163.º, n.º 1 al. e) do CPPT, faz menção à necessidade de constar do título executivo, além do mais, a natureza e proveniência da dívida. No que concerne à natureza e proveniência da dívida exequenda, o que é relevante é que o título executivo forneça ao executado informação suficiente para saber com segurança, que dívida ou dívidas nele se referem, de forma a estarem assegurados eficazmente os seus direitos de defesa”.
Vigésimo terceiro. A devedora foi declarada insolvente no Processo de Insolvência n.º ...5/.....T2AVR - J... do Tribunal da Comarca de Aveiro / ... Seção de Comércio de Aveiro, por sentença datada de 12.11.2015.
Vigésimo quarto. Neste desiderato, pela decorrência da declaração de insolvência, as normas fiscais cedem perante a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência, conforme previsto no art.º 90.º do CIRE! Na verdade,
Vigésimo quinto. tal se invoca para os efeitos legais e porque a atividade tributária agora dirigida contra a recorrente constitui, ainda, uma violação de princípios fundamentais da relação tributária, designadamente, O PRINCÍPIO DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, PRINCÍPIO DA DECISÃO, PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO e da BOA-FÉ, previstos nos arts. 55.º, 56.º e 59.º, n.ºs 1 a 3 da LGTributária.
Vigésimo sexto. Nos termos do CPCivil e ainda por decorrência da lei, mormente da sistemática normativa e tramitacional do CIRE, verifica-se INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, dado que a recorrente foi declarada insolvente, porquanto, atento o disposto no art.º 146º do supra citado diploma, teria sempre o crédito das Finanças de ser reclamado e verificado no processo de Insolvência, dentro dos trâmites e prazo legalmente admitidos.
Vigésimo sétimo. Deste modo, e com a declaração de Insolvência, devem os créditos existentes sobre a insolvente serem reclamados no prazo de 30 dias a contar da publicação dos anúncios de declaração de Insolvência, nos termos do art.º 128.º do CIRE, ou, em verificação ulterior de créditos em prazo nunca superior a um ano sobre o trânsito em julgado da declaração de falência, nos termos do art.º 146.º do CIRE.
Vigésimo oitavo. Se se permitisse aos credores da insolvência obter a satisfação dos seus créditos com recurso a meios judiciais ou extrajudiciais não previstos ou regulamentados pelo CIRE, cometer-se-ia uma profunda injustiça para com os demais credores da insolvência.
Vigésimo nono. Os quais têm legitimas expetativas em receber os valores que lhe são devidos, uma vez observadas as respetivas proporções (artigo 1.º CIRE).
Trigésimo. Pretende a Administração Fiscal que a Administradora Judicial/massa insolvência procedesse ao pagamento da coima.
Trigésimo primeiro. Não pode a recorrente concordar com tal decisão, uma vez que não poderá haver lugar ao prosseguimento da execução, a qual deveria e deve ser suspensa.
Trigésimo segundo. A Administradora Judicial é claramente parte ilegítima para se encontrar demandada, já que na qualidade de Administradora Judicial esta não é representante da sociedade insolvente para efeitos de incumprimento das obrigações dessa mesma sociedade.
Trigésimo terceiro. A Administração Fiscal insiste obsessivamente em confundir instituto da “liquidação” de sociedade com o instituto da “insolvência”.
Trigésimo quarto. Ora, os mesmos não são comparáveis/compagináveis, dispensando-se a aqui recorrente de discorrer longamente sobre as disparidades/conflitualidades que deverá ter presente é que,
Trigésimo quinto. a declaração de insolvência não inicia o processo de liquidação, já que o instituto processual da “liquidação” do C.I.R.E. apenas é fiscalizável pelo Tribunal e pela Comissão de Credores.
Trigésimo sexto. Tanto o processo executivo como o próprio processo contraordenacional são atos absurdos e ilegais como infra se demonstra. A atividade tributária agora dirigida contra a ora recorrente constitui ainda uma violação de princípios fundamentais da relação tributária, designadamente O PRINCÍPIO DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, PRINCÍPIO DA DECISÃO, PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO e da BOA-FÉ, previstos nos arts. 55.º, 56.º e 59.º, n.ºs 1 a 3 da LGTributária.
Trigésimo sétimo. À Massa Insolvente e à Administradora Judicial não pode ser imputada qualquer obrigação adveniente dos atos próprios do exercício de qualquer atividade de Gerência da sociedade,
Trigésimo oitavo. ainda que a Administradora da Insolvência exerça as funções enquanto nomeada pelo Tribunal, não se encontra descrita na lei qualquer presunção relativamente à sua responsabilidade, antes a mesma será, quanto muito, meramente judicial, fundando-se nas regras da experiência.
Trigésimo nono. A personalidade jurídica da sociedade em liquidação prevista no art.º 146º do CSComerciais estabelece um limite para a aplicação dos processos especiais em que tal personalidade possa ter de ser conformada a tais processos como é o caso do CPEREF e o CIRE,
Quadragésimo. Logo, a figura do liquidatário social do CSComerciais não pode ser transposta para a ação e conformação da atividade do Administrador Judicial, atenta a distinção entre o regime de nomeação do CSComerciais (artigo 151º) e o regime do CIRE (artigos 52º a 65º).
Quadragésimo primeiro. Os deveres e obrigações do liquidatário social do CSComerciais não se confundem com a figura do administrador judicial.
Quadragésimo segundo. Nos termos do disposto na conjugação dos artigos 1º e 46º n.º1 do CIRE, a massa insolvente administrada pelo administrador judicial deve fazer reverter o produto da liquidação em condições especificamente definidas no CIRE para todos os credores e tal obrigação compreende não só o que é apreendido mas igualmente tudo quanto surja, em termos de bens e direitos, na pendência do processo, seja a título do produto da atividade da empresa insolvente se o estabelecimento se mantiver aberto, seja a título do produto da liquidação do já apreendido,
Quadragésimo terceiro. Com a declaração da insolvência opera-se a “morte” da sociedade, pois que a mesma não pode ser prefigurada nos mesmos moldes que a dissolução de sociedade, como pretende a Administração Tributária.
Quadragésimo quarto. Desde logo, porque são institutos diferentes, com fins e destinatários, também eles, completamente diferentes.
Quadragésimo quinto. O facto do Administrador de Insolvência ser nomeado através de lista oficial promovida pelo Estado Português (artigo 2º do Estatuto dos Administradores de Insolvência) presume o exercício de funções de interesse público, acarretando para os próprios um conjunto de deveres, deveres equiparados, em determinadas vertentes, aos deveres funcionais aos juízes, mas, em contraposição, têm, igualmente, um conjunto de direitos de proteção da profissão e da classe, que passam sobretudo, pela inexistência de lei ou especifica norma legal que lhes impute, expressamente, responsabilidade subsidiária pelo pagamento de coimas por si desconhecidas, após declaração da insolvência.
Quadragésimo sexto. Assim sendo, tenta a Administração Fiscal obter dividendos que não reclamou no processo de insolvência e no rateio/distribuição do produto da liquidação, obter pagamentos preferenciais. Constituiria isto duplo ónus que recairia sobre os restantes credores em benefício apenas de uma entidade.
Quadragésimo sétimo. Por outro lado, o Administrador Judicial tem a sua obrigação declarativa expressamente conformada no CPPT, nada mais lhe sendo exigível em termos de responsabilidade processual perante o Fisco e na medida em que a norma ao lado transcrita define claramente quais são os “(…) deveres tributários do liquidatário judicial da falência.”
Quadragésimo oitavo. O Administrador Judicial apenas pode ser citado/notificado de factos tributários atenta a sua capacidade de, enquanto nomeado pelo Tribunal, assumir determinadas funções – Cfr artigos 41º do CSC e 156º do CPPT.
Quadragésimo nono. Porém, a este nível o CPPT encontra-se claramente desconforme com o CIRE e nesse sentido tem de ser alterado/modificado já que resulta expressamente dos n.ºs 1 e 4 do artigo 81º do CIRE que a dissolução da sociedade apenas transfere para o Administrador da insolvência os poderes de administração e de disposição dos bens da devedora.
Quinquagésimo. Por seu lado, a empresa, declarada insolvente, não deixa de ser representada neste processo para efeitos tributários, pelo seu legal representante e não a Administradora Judicial e a respetiva Massa Insolvente.
Quinquagésimo primeiro. Princípio esse exposto no artigo 82º do CIRE e sistematicamente prosseguido pelos Tribunais portugueses.
Quinquagésimo segundo. Sendo que, quer a DGImpostos, quer qualquer outro posto da Administração Fiscal, não se pode sobrepor à lei, in casu, ao CIRE, tal significando que uma sociedade declarada insolvente entra numa fase de liquidação judicial e não administrativa ou fiscal, razão pela qual não pode a Administração Fiscal exigir o que o CIRE não exige, ou levantar obstáculos ao adequado desempenho das funções da Administradora da Insolvência.
Quinquagésimo terceiro. Por tudo isto, em caso de declaração de insolvência, as normas fiscais cedem perante a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência.
Quinquagésimo quarto. Não existe qualquer divergência ou incompatibilidade entre as normas do CIRE e as normas da LGT e do CPPT, já que o caráter indisponível destas normas, encontrando o seu fundamento no princípio da legalidade da administração tributária nas suas relações com os devedores, terá de se reduzir à conceção de que, atenta a especificidade do processo de insolvência e a tendencial igualdade dos credores insolventes, não devem ser invocadas de modo a postergar a autorregulação dos credores.
Quinquagésimo quinto. O Administrador Judicial cumpriu as suas obrigações legais e requereu atempadamente a citação pessoal dos dirigentes dos serviços centrais da administração fiscal, assim como a do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças da área de atividade comercial da insolvente, o que permitiu ao credor “Fazenda Nacional” a remessa de certidões de dívida para reclamação, através do representante do Ministério Público.
Quinquagésimo sétimo. Caso não seja este o entendimento, o artigo 65º do CIRE afirma e vincula a ideia de que não impendem sobre a Administradora da Insolvência as declarações fiscais. Ademais, com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade.
Nestes termos, bem como nos melhores de direito que V. Exa. entenda dever prover, deve a sentença ora recorrida ser revogada e ser substituída por outra que aceite as alegações de recurso interposto pela recorrente, com a consequente extinção do processo, por violação do disposto nos artigos 163º n.º 1, alínea e) e 165º n.º 1, alínea b) e 190º n.º 1, todos do CPP.
Assim decidindo-se, far-se-á
JUSTIÇA!»

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. O EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer com o seguinte teor:
« INTRODUÇÃO
Massa Insolvente de [SCom01...], Lda. vem interpor recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 11 de Setembro de 2018, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n° .....................459, instaurada pelo Serviço de Finanças ... contra a sociedade acima identificada para cobrança coerciva de dívidas provenientes de taxas de portagem e custos administrativos, do ano de 2014, no montante de €14.026,59 (cf. fls. 103 a 106/vo do processo, em suporte físico, doravante designado por processo fiscal).
Insurge-se a Recorrente contra a douta sentença recorrida por, alegadamente, incorrer em erro de julgamento, ao não julgar procedente a oposição com fundamento em nulidade decorrente da falta de requisitos essenciais do título executivo
E ao não declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, face à declaração de insolvência da executada e, consequentemente, da ilegitimidade da Recorrente.
Ora é unânime na doutrina e na jurisprudência que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação dos recorrentes, não podendo o tribunal ad quem conhecer da matéria nelas não inserida, ressalvados os casos em que se impõe o seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282°, n°s 5 a 7, do CPPT, e 635°, n° 4, este do CPC, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281° do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
DO MÉRITO DO RECURSO
I - Na douta sentença recorrida, a Mma Juíza a quo considerou que “...o conhecimento da nulidade decorrente da falta de elementos do título executivo não pode ter lugar no processo de oposição, não estando abrangida, nomeadamente pela alínea i) do n° 1, do artigo 204°, do CPPT.” (cf. fls. 4, da sentença, 104/vo, do processo fiscal).
Vejamos:
A questão de saber se a nulidade do título executivo serve ou não de fundamento à oposição não tem sido tratada uniformemente pela jurisprudência.
Mas pode afirmar-se que, a partir de certo momento, se formou uma franca maioria de sinal idêntico ao aqui decidido na douta sentença recorrida.
E essa corrente jurisprudencial mais se consolidou com o aresto do Pleno do STA tirado por unanimidade em 23 de fevereiro de 2005 no processo n° 574/04, disponível em wwvv.dasi.pt.
Na verdade, a nulidade do título executivo não é referida em nenhuma das alíneas a) a h) do n° 1 do artigo 204°, do CPPT
Só na alínea i) pode pretender-se que está contemplada, pois nela cabem “quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem qualquer interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”
É certo que a nulidade do título executivo, para além de não ser enunciada nas alíneas a) a h), pode provar-se, apenas, por documento, e não implica apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda nem representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade emissora do título.
Porém, o título executivo a que falte algum dos requisitos apontados nas alíneas do n° 1 do artigo 163° do CPPT só carece de força executiva, como dispõe esse número, consubstanciando nulidade insanável do processo de execução fiscal, quando não puder ser suprida por prova documental”.
Como, aliás, também refere a Mma Juíza a quo na douta sentença recorrida.
Ou seja, a falta de requisitos essenciais do título em que se funda a execução só ocasiona a extinção desta se não for possível supri-la por prova documental.
O que vale por dizer que, quando do título não conste a menção da entidade emissora, a data da emissão, o nome e domicílio do devedor, a natureza e proveniência da dívida e o seu montante por extenso, não se segue, necessariamente, a extinção da execução,
Já que a falta pode ser suprida mediante outro (s) documento (s) que não o próprio título, por força da alínea b) do n° 1 do artigo 165° do CPPT, ficando a situação regularizada e podendo a execução prosseguir, mesmo com base num título que, só por si, não teria força executiva, por carecer de requisitos essenciais.
Pode, pois, dizer-se que a falta de requisitos do título executivo não é causa da extinção da acção executiva, nem, sequer, da sua suspensão:
O que leva a essa extinção é o insuprimento da falta por prova documental.
E, deste modo, a dita falta de requisitos do título não é senão uma vicissitude processual da execução, que nela deve ser suscitada e resolvida, não cabendo oposição com tal fundamento,
Posto que, como se disse, a oposição visa a extinção da execução ou, conforme se tem admitido em alguns casos, a sua suspensão.
Nesta conformidade, afigura-se-nos que o recurso não merece provimento quanto a este segmento decisório.
II-Alega ainda a Recorrente que as dívidas em causa são anteriores à declaração de insolvência da executada pelo que, por força das disposições conjugadas dos artigos 88°,90°, 128° el46°, todos do CTRE é inútil o prosseguimento da execução.
No entanto, salvo o devido respeito opor melhor opinião, afigura-se-nos, uma vez mais, que carece de razão.
Vejamos:
A executada foi declarada insolvente em 12/11/2015, por sentença proferida no âmbito do processo n°...5/.....T2AVR-Instância Central (cf. alínea A) do probatório, a fls.3, da sentença, 104, do processo fiscal).
O termo do prazo para o pagamento voluntário das dívidas exequendas ocorreu em 26/06/2016(cf. alínea C) do probatório a fls. 3, da sentença, 104, do processo fiscal).
Ora, a dívida tributária vence-se no momento em que o credor adquire o direito de exigir o seu pagamento ao devedor
E esse momento, no caso sub judice, não é outro senão aquele a que se refere o termo final do prazo para o pagamento voluntário, que ocorreu, como referimos em 26/06/2016.
Nesta conformidade, as dívidas em causa venceram-se após a declaração de insolvência da executada.
Consequentemente, a execução pode e deve prosseguir os respectivos trâmites até à sua extinção, desde que não atinja os bens integrantes da massa insolvente (cf. artigo 180°, n° 6, do CPPT).
Destarte, afigura-se-nos que o recurso não merece provimento, também quanto a este segmento decisório.
CONCLUSÃO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, somos do parecer de que deverá ser negado provimento ao recurso jurisdicional e, consequentemente, manter-se integralmente a douta sentença recorrida.».
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao não considerar que a instância deve ser extinta, por inutilidade superveniente da lide, atenta a declaração de insolvência da devedora, nem verificadas as irregularidades que aponta ao título executivo.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Em 12/11/2015, por sentença proferida no âmbito do processo n.º ...5/.....T2AVR, a correr termos na Comarca de Aveiro – Instância Central, ...ª Secção de Comércio- J... de Anadia, a sociedade [SCom01...], Lda., NIPC ...40, foi declarada insolvente – cfr. fls. 45/46 do suporte físico dos autos.
B) O Serviço de Finanças ... instaurou contra a sociedade [SCom01...], Lda., o processo de execução fiscal n.º .....................459, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de taxas de portagens e acrescido legal, no montante global de 14.026,59 € - cfr. fls. 55/64 verso do suporte físico dos autos.
C) Serve de base à instauração do processo de execução fiscal referido na alínea que antecede a certidão de dívida n.º ...60, da qual consta como data limite para pagamento voluntário das dívidas o dia 26/06/2016 – cfr. fls. 55/64 verso do suporte físico dos autos.
D) A oponente foi citada para o processo de execução fiscal em 04/07/2016 – cfr. fls. 65 verso do suporte físico dos autos.
E) A presente oposição foi apresentada no Serviço de Finanças ... em 08/07/2016 – cfr. carimbo aposto a fls. 2 do suporte físico dos autos.
Factos não provados
Com relevo para a decisão a proferir nos autos não se provaram quaisquer outros factos.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada teve por base a análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados, bem como da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.»

3.2. DE DIREITO
A Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo que, apreciando as questões (que considerou suscitadas na p.i.) atinentes à (i) falta de requisitos essenciais do título executivo; (ii) violação dos artigos 88º, 90º, 128º e 146º do CIRE e (iii) ilegitimidade do administrador da insolvência, julgou a oposição improcedente.
Pese embora, nas suas alegações de recurso, o Recorrente se limite a reiterar o alegado na p.i., sem nada considerar quanto ao concretamente considerado na sentença, partimos do pressuposto que mantém a posição anteriormente assumida e que, por assim considerar, entende que a decisão sob escrutínio enferma de erro de julgamento.
Vejamos, então, se a sentença merece alguma censura.
3.2.1. Falta de requisitos do título executivo
Quanto a esta questão, ponderou o Tribunal a quo o seguinte:
«A oponente invoca, em primeira linha, a nulidade do processo de execução fiscal, por falta de requisitos do título executivo [cfr. artigos 1.º a 25.º da petição inicial].
No que tange à falta de elementos essenciais do título executivo, quando não possa ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal [artigo 165.º, n.º 1, alínea b) do CPPT]. Todavia, tal como outras nulidades absolutas do processo de execução fiscal, a falta de elementos essenciais do título executivo não integra qualquer dos fundamentos de oposição à execução elencados no citado artigo 204.º, n.º 1 do CPPT.
Conforme tem sido entendimento uniforme do STA, o conhecimento da nulidade decorrente da falta de elementos do título executivo não pode ter lugar no processo de oposição, não estando abrangida, nomeadamente pela alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. Tal nulidade deve ser arguida perante o órgão de execução fiscal, cabendo da eventual decisão de indeferimento reclamação judicial nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT. Neste sentido vide, entre outros, acórdão do STA de 31/05/2017, processo n.º 1267/15.
Note-se que o acórdão do TCAS de 10/04/2014, processo 7467/14, citado pela oponente na petição inicial, reporta-se precisamente a uma reclamação judicial da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu a arguição de nulidade do título executivo.
A isto acresce que a falta de elementos do título executivo não equivale, só por si, à nulidade do título executivo que serve de base à execução a que se reporta a citação, pois que apenas ocorre nulidade quando a falta desses elementos não possa ser suprida por prova documental. Assim sendo, improcede este fundamento de oposição.».
O assim decidido, não nos merece qualquer crítica, pois afirma o entendimento que, sobre esta matéria, vem sendo assumido, de modo uniforme, pela doutrina e pela jurisprudência, não se vislumbrando qualquer motivo para dele divergirmos.
Vejam-se, neste sentido, entre muitos outros:
- o Acórdão do STA de 22/11/2017, proferido no processo nº 0833/17, em cujo sumário se lê:
«I - A nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo (falta que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – art. al. b) do nº 1 do art. 165º do CPPT) não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º deste mesmo Código.» - cfr. https://taxfile.pt/file_bank/news4917_32_1.pdf .
- o Acórdão do STA de 11/07/2019, proferido no processo nº 0860/08.7BEPRT 0349/18, sumariado nos seguintes termos:
«A falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal - artº 165º, nº 1, al. b) do CPPT -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do seu artº 204º.» - cfr. https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/004bf112f40c94d08025843b003bc095?OpenDocument&ExpandSection=1.
Importa, portanto, manter a sentença recorrida nesta parte.
3.2.2. Da violação dos artigos 88º, 90º, 128º e 146º do CIRE
No que a esta questão respeita, considerou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que:
«A oponente alega ainda que as dívidas em cobrança coerciva são referentes a período anterior ao processo de insolvência e que, por força dos artigos 88º, 90º, 128º e 146º do CIRE, é inútil e ilegal a autuação e prosseguimento da execução fiscal [cfr. artigos 26.º a 38.º da petição inicial].
No processo de execução fiscal a que se reportam os autos, como resulta da certidão de dívida que lhe subjaz, está em causa a cobrança de dívidas provenientes de taxas de portagens resultantes da transposição de acessos a vias sujeitas a esse tributo, cuja data limite para pagamento voluntário ocorreu em 26/06/2016 [cfr. alínea C) do probatório].
Ora, considerando que a sociedade executada foi declarada insolvente em 12/11/2015 [cfr. alínea A) da matéria de facto provada], é manifesto que as dívidas exequendas se venceram após a declaração de insolvência e que a autuação da execução e a citação da oponente ocorrida em 04/07/2016 [cfr. alínea D)] não violam o artigo 88º do CIRE, como resulta claramente do disposto no artigo 180.º, nº 6, do CPPT.
Este último preceito legal dispõe que “O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência […], que seguirão os termos normais até à extinção da execução” e o artigo 88.º, n.º1, do CIRE preceitua que “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência”.
De facto, o artigo 88.º do CIRE visa apenas obstar à instauração e prosseguimento de execuções que atinjam os bens integrantes da massa insolvente. Trata-se de uma proibição “relativa”, limitada apenas a pretensões que se dirijam contra os bens integrados ou integráveis na massa insolvente, e não “absoluta”, de autuação e prosseguimento de toda e qualquer ação executiva.
Na situação vertente, as dívidas exequendas venceram-se após a declaração de insolvência, pelo que a execução pode e deve ser autuada e prosseguir os termos normais até à extinção da execução, desde que não atinja os bens integrantes da massa insolvente, nos termos do artigo 180.º, n.º 6, do CPPT [vd., nesse sentido, entre outros, acórdão do STA de 29/02/2012, processo 0885/11].
Pelas razões expostas, improcede também este fundamento de oposição.».
Também nesta parte entendemos que a sentença não merece qualquer reparo, devendo ser mantida nos seus precisos termos, tanto assim que o Recorrente não alegou, nem provou, que, no âmbito da execução fiscal a que esta oposição se dirige tenha sido atingido algum bem da massa insolvente.
Improcede, por isso, o recurso neste segmento.
3.2.3. Da ilegitimidade da administradora da insolvência
Sobre esta derradeira questão, a sentença recorrida apresenta a seguinte fundamentação jurídica:
«Por último, a oponente invoca a ilegitimidade da Administradora de Insolvência, alegando, em suma, que a Administração Tributária confunde a figura do Administrador Judicial com a dos liquidatários sociais e que com a declaração de insolvência opera-se a “morte” da sociedade, daí decorrendo a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva [cfr. artigos 39.º e seguintes].
O Tribunal não ignora o entendimento jurisprudencial citado pela oponente, o qual, aliás, também acolhe.
No caso vertente, porém, como já se referiu supra, a dívida exequenda reporta-se a dívidas provenientes de taxas de portagens resultantes da transposição de acessos a vias sujeitas a esse tributo, e não às coimas fixadas pela falta de pagamento dessas taxas.
Ou seja, tal fundamento apenas poderia ser invocado no âmbito da oposição ao processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das coimas fixadas nos processos de contraordenação autuados pela falta de pagamento das taxas de portagens, e não na oposição ao processo de execução fiscal instaurado para cobrança dos tributos.
Pelo exposto, improcede, in totum, a presente oposição à execução.».
A sentença é, igualmente, acertada nesta parte e, não obstante sucinta, tendo em conta a sua assertividade, nada mais se nos oferece dizer quanto a esta matéria.
Deve, pois, o recurso, ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A falta de requisitos do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal - artigo 165º, nº 1, al. b) do CPPT -, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do seu artigo 204º.
II – Se as dívidas exequendas se venceram após a declaração de insolvência da sociedade, nada obsta à autuação e prosseguimento da execução instaurada para a sua cobrança, apenas não sendo admissível que atinja os bens integrantes da massa insolvente.
III - A ilegitimidade do administrador da insolvência, por “morte do infrator”, apenas pode ser invocada no âmbito da oposição ao processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das coimas fixadas nos processos de contraordenação autuados pela falta de pagamento das taxas de portagens, e não na oposição ao processo de execução fiscal instaurado para cobrança dos tributos.


4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 27 de março de 2025

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta