Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00938/13.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/22/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Hélder Vieira
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
CONVOLAÇÃO
UTILIZAÇÃO INDEVIDA DA ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
Sumário:I — O âmbito de aplicação da acção administrativa comum é definido por exclusão, seguindo esta forma processual todos os processos em que não seja formulada nenhuma das pretensões para as quais, nem o CPTA, nem em legislação avulsa, se estabeleça um modelo especial de tramitação.
II — A acção administrativa comum tem por objecto actuações outras da Administração Pública que não a prática ou omissão ilegal de actos administrativas e de normas administrativas.
III — A acção administrativa especial é a forma de acção seguida pelos processos cujo objecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo (nº 1 do artigo 46º do CPTA).
IV — Se o conhecimento incidental da ilegalidade de um acto administrativo inimpugnável (com excepção, portanto dos actos nulos) é admissível nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, também é certo, por imposição legal — nº 2 do artigo 38º do CPTA — que a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MITM
Recorrido 1:Ministério da educação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
Recorrente: MITM
Recorrido: Ministério da Educação
Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, em sede de saneador, julgou verificada a nulidade processual do erro na forma de processo, insusceptível de convolação em acção administrativa especial, e da instância absolveu o Réu.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1):

1 — A recorrente é professora, sendo a sua relação com o Réu titulada por um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.

2 — Na vigência desse contrato não foi paga à Autora a sua subida ao índice salarial 272 da carreira docente desde Setembro de 2011.

3 — A Autora tentou obter o cumprimento extra judicial desta obrigação, não o tendo logrado.

4 — Consequentemente, lançou mão de uma acção administrativa comum, conducente à efectivação do seu direito.

5 — Entendeu o tribunal recorrido que a forma de processo era a acção administrativa especial, razão pela qual considerou procedente a excepção de caducidade do direito de acção.

6 — No caso dos autos, contudo, não está em causa qualquer acto administrativo, antes um dever de prestar directamente decorrente da lei.

7 — Em conformidade, a forma de processo adequada é a acção administrativa comum, conforme acima se alega e justifica.

8 — Concluímos, por isso, que não assiste razão à douta sentença recorrida.

Nestes termos deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, cumprindo o Direito e fazendo justiça!”.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA e em termos que se dão por reproduzidos, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

As questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida errou ao julgar verificada a nulidade processual do erro na forma de processo, insusceptível de convolação em acção administrativa especial.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA

Na sentença sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

A) A A., através de requerimento datado de 27 de Abril de 2012, dirigido à Directora da Direcção RC requereu o reposicionamento no 9º escalão — cfr. doc. 1 junto com a contestação.

B) Através de ofº datado de 22 de Maio de 2012 dirigido ao Director do Agrupamento de Escolas de MA foi comunicado a impossibilidade, face ao disposto no artigo 24º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, da prática de acto determinante do pretendido reposicionamento remuneratório — cfr. doc. 2 junto com a p.i..

C) Por despacho proferido em 22 de Maio de 2012 foi ordenado dar conhecimento do aludido ofº à A. — cfr. doc. 2 junto com a p.i..

D) A A. teve conhecimento do teor do aludido ofício — cfr. doc. 2 junto com a contestação.

E) A A. intentou a presente acção administrativa comum em 22 de Novembro de 2013, tendo peticionado a condenação do R. a reconhecer o seu direito à progressão ao índice 272 da carreira docente com efeitos a Setembro 2011 e efeitos remuneratórios desde essa data — cfr. p.i..

II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO

Vertidos os termos da causa e a posição das partes, passamos a apreciar a questão de saber se a decisão recorrida errou ao julgar verificado o erro na forma de processo, insusceptível de convolação em acção administrativa especial.

A Autora formulou na acção o pedido de condenação do Réu a reconhecer o direito da Autora à progressão ao índice 272 da carreira docente, com efeitos a Setembro de 2011 e efeitos remuneratórios desde a mesma data.

E fê-lo, em 22-11-2013, na sequência de um procedimento administrativo iniciado com o requerimento de reposicionamento no 9º escalão que, com data de 27 de Abril de 2012, dirigiu à Directora da Direcção RC e que veio a alcançar decisão final de indeferimento em 22 de Maio de 2012, notificada à ora Recorrente, na consideração de que as progressões e consequentes alterações de posicionamento remuneratório estão vedadas enquanto se mantiver em vigor o artigo 24º da Lei nº 55-A/2010.

A situação jurídica da Recorrente, na matéria em causa, mostra-se definida por acto administrativo que decidiu pelo indeferimento do requerido reposicionamento.

A Autora lançou mão de uma acção administrativa comum.

Ora, o âmbito de aplicação da acção administrativa comum é definido por exclusão, seguindo esta forma processual todos os processos em que não seja formulada nenhuma das pretensões para as quais, nem o CPTA, nem em legislação avulsa, estabeleça um modelo especial de tramitação (nº 1 do artigo 37º do CPTA).

Assim, a acção administrativa comum tem por objecto actuações outras da Administração Pública que não a prática ou omissão ilegal de actos administrativas e de normas administrativas.

Já a acção administrativa especial é a forma de acção seguida pelos processos cujo objecto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo (nº 1 do artigo 46º do CPTA).

Para além da possibilidade de ser formulado pedido de anulação de um acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica [alínea a) do nº 2 do artigo 46º do CPTA], pode também ser pedida a condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido [alínea b) do nº 2 do referido artigo 46º do CPTA], mesmo em cumulação [alínea a) do nº 2 do artigo 47º do mesmo CPTA].

Dispõe o nº 1 do artigo 66º do CPTA que a acção administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado.

Para tanto, e reunidos os pressupostos a que alude o artigo 67º do CPTA, dever-se-ia sempre observar o atinente prazo.

Esses prazos são de um ano, em situações de inércia da Administração, e, tendo havido indeferimento, de três meses, tal como vertido no artigo 69º do CPTA.

Outrossim, em sede impugnatória (nº 1 do artigo 50º do CPTA), poderia a impugnação do acto de indeferimento, enquanto acto anulável, ser efectuada no prazo de 3 meses [alínea b) do nº 2 do artigo 58º do CPTA], e, sendo acto nulo — o que não vem alegado, invocado ou suscitado pela Autora —, não está sujeita a prazo.

Pelo que, havia ainda a possibilidade de prosseguimento da acção, através de acção administrativa especial para a qual se pudesse convolar a intentada acção administrativa comum, sendo certo que o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida por lei (nº 1 do artigo 193º do CPC).

E o Tribunal a quo efectuou proactivamente essa ponderação.

Todavia, como bem decidiu o Tribunal a quo, “…a tal obsta o preceituado no nº 2 do art. 38° do C.P.T.A.. de acordo com o qual “sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.

E prossegue, sem mácula viciante, a decisão recorrida:

No caso em apreço, e recordando que foi ordenado dar conhecimento da teor do oficio referido em B) no dia 22 de Maio de 2012, que a A. teve conhecimento do mesmo e que a presente acção administrativa comum foi intentada em 22 de Novembro de 2013 – quando tinha decorrido já 1 ano e seis meses sobre dia em que foi ordenado dar conhecimento à A. do indeferimento da sua pretensão e não sendo crível nem tendo sido alegado, nomeadamente em sede de pronúncia quanto ao erro na forma de processo suscitado pelo Tribunal, que a A. tenha tido conhecimento do teor do referido oficio em data posterior a 9 de Julho de 2013 – na supra referida data – 22 de Novembro de 2013 - já se encontrava esgotado o prazo previsto na alínea b) do nº 2 do art. 58º do C.P.T.A., concluindo-se que a A. pretende obter com a presente acção administrativa comum o efeito que resultaria da anulação de acto inimpugnável, pelo decurso do aludido prazo, motivo pelo que é processualmente inadmissível a supra referida convolação o que conduz à absolvição da instância do R.”.

Na verdade, se o conhecimento incidental da ilegalidade de um acto administrativo inimpugnável (com excepção, portanto dos actos nulos) é admissível nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, também é certo, por imposição legal — nº 2 do artigo 38º do CPTA — que a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável — e inimpugnável se apresenta no caso presente —, o que aconteceria por via da peticionada condenação do Réu a reconhecer o direito da Autora à progressão ao índice 272 da carreira docente, com efeitos a Setembro de 2011 e efeitos remuneratórios desde a mesma data.

Termos em que improcede a alegação.

III.DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Notifique e D.N..

Porto, 22 de Maio de 2015
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato

___________________________________

(1) Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.
(2) Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.
(3) Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.