Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01158/12.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/27/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:IRC; TEMPESTIVIDADE RECURSO;
ART 282º 4 CPPT;
IMPUGNAÇÃO MATÉRIA FACTO;
Sumário:
I. A extensão do prazo de 10 dias previsto no artigo 282.º n.º 4 do CPPT, para apresentação do recurso quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação

II. A inobservância do ónus que decorre do disposto no artigo 640.º n.º 2, alínea b) e c) do CPC, tem como consequência a rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

III. O recurso apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1 – RELATÓRIO
A Fazenda Pública, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 3.11.2020 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...] – SGPS, S.A., contribuinte n.º ...78, contra a liquidação adicional de IRC n.º ...11, do exercício de 2008 e respectivos juros compensatórios.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença em recurso violou o artigo 81º, nº9, do CIRC, na redacção em vigor para o exercício económico de 2008 (actualmente, artigo 88º, nº 9, do CIRC) e não ponderou devidamente a matéria de facto produzida nos autos com interesse para o litígio a dirimir.
2. No caso das várias despesas dedutíveis elencadas no artigo 81º, do CIRC (actualmente artigo 88º, do CIRC), para a jurisprudência, apoiada na melhor doutrina, a «ratio legis» da tributação autónoma das referidas despesas (dedutíveis) corresponde, não só, à de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também à de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários – vide, Acórdão do STA, de 27 de Setembro de 2017, processo 0146/16; Saldanha Sanches in Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª Edição, 2007, pag.407; Rui Morais in Sobre o IRS, Coimbra, 3ª Edição, 2014, pag.172 e outras autores.



3. Numa expressão sumária, para a FP aqui recorrida, da citada jurisprudência e doutrina resulta que no caso das despesas dedutíveis que se encontravam elencadas no referido artigo 81º, do CIRC (actual artigo 88º, do CIRC), designadamente, despesas com ajudas de custo, dada a sua associação a uma potencial distribuição de rendimentos (vencimentos e/ou lucros), a tributação autónoma serve para fazer face às dificuldades de fiscalização dos respectivos custos/gastos dedutíveis (vulgo, despesas de “linha cinzenta”), e serve para compensar a perda de receita fiscal.
4. No caso concreto dos autos, para a FP, verifica-se a aplicabilidade da norma em análise, porquanto, conforme resulta, quer do RIT, quer dos presentes autos, não é possível fazer corresponder, através de um itinerário documental suficiente, a facturação das ajudas de custo aos clientes.
5. Exemplificando, se o valor estimado com ajudas de custo ascende a 100 e se o preço global do contrato de empreitada de 1 000 inclui aqueles 100, importa saber se, em relação àquele contrato, ao longo da execução da respectiva obra, foram suportados (a) 50, (b) 100 ou (c) 200 com ajudas de custo, porquanto, apenas na segunda hipótese (b) as ajudas de custo foram facturas ao cliente – nas restantes hipóteses as ajudas de custo constituem uma atribuição de rendimentos a terceiros, concretamente, na primeira hipótese de lucros e na terceira hipótese de retribuições, provocando, numa e noutra hipótese, uma erosão da base tributável, motivo pelo qual, o legislador lançou mão da tributação autónoma.
6. O valor estimado e previsível de ajudas de custo a facturar ao cliente levado a um contrato de preço global não afastam a tributação autónoma das ajudas de custo.
7. Nos casos de contractos de preço global (como é o caso dos contractos de empreitada dos presentes autos), importa saber se as ajudas de custo contabilizadas (isto é, pagas aos trabalhadores), ao longo da execução do contrato, encaixam (e, em que medida vão encaixando ou não) nas ajudas de custo estimadas e contratadas pelo preço global.
8. O controlo e a monitorização das ajudas de custos pagas aos trabalhadores ao longo da execução do contrato de empreitada permite estabelecer uma ligação com as ajudas de custo estimadas e projectadas que foram levadas ao contrato de preço global, fechando o circuito documental.
9. Dito de outro modo, apenas com o controlo em referência (que será naturalmente interno e semelhante ao controlo de outros encargos, nomeadamente, com matérias primas contratadas e matérias primas aplicadas na obra) é possível fazer corresponder, através de um itinerário documental suficiente, a facturação das ajudas de custo aos clientes.
10. Apenas o valor efectivamente facturado/repercutido ao cliente e já não o valor estimado e previsível de ajudas de custo a facturar ao cliente afastam a tributação autónoma.
11. Para a FP, no caso concreto dos autos, inexiste evidência da facturação das ajudas de custo ao cliente, porquanto, quer em sede inspectiva, quer em sede dos presentes autos, ninguém responde à questão colocada sobre o controlo entre ajudas de custo suportadas/pagas e ajudas de custo projectadas/contratadas.
12. Se a sociedade dominada da recorrida, em relação aos contractos de empreitada que celebra, não sabe dizer (ou não quer dizer), em relação a qualquer um dos contractos, quanto gastou e suportou com ajudas de custos (pois ninguém responde à questão do controlo/monotorização), então, não é possível afastar a tributação autónoma pois não é possível saber (ou ficar a saber) se foi facturado ao cliente o valor das ajudas de custo estimado e posteriormente contratado, ou, qualquer outro.
13. A douta sentença em recurso errou na interpretação e aplicação do direito ao caso concreto dos autos e, no modesto entender da Fazenda Publica, não valorizou, os depoimentos prestados pelas testemunhas nos autos (no total de 2 testemunhas), quando (e passa-se a transcrever parcialmente a douta sentença em recurso, na parte que respeita à fundamentação da matéria de facto provada), questionadas sobre a existência de um controlo interno detalhado das despesas incorridas pelos funcionários deslocados, no intuito de avaliar se tais despesas estão em conformidade com o inicialmente orçamentado, uma das testemunhas não sabe responder e a outra testemunha responde que desconhece os trâmites em que o mesmo é feito, pelo que, da douta sentença em recurso deverá constar, como facto não provado, que a sociedade dominada da recorrida efectuasse o controlo das ajudas de custo que paga aos trabalhadores por referência aos contractos de empreitada de preço global, de modo a avaliar se aquelas despesas estavam em conformidade com o orçamentado e contratado com o cliente.
Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos por Vs. Exas. deve o presente recurso obter provimento.
Pede-se e Espera-se Justiça”
*
A Recorrida deduziu contra-alegações nos seguintes termos:
“§1. Da leitura das alegações e das conclusões de recurso da Fazenda Pública resulta que esta não procede a uma efectiva impugnação da matéria de facto provada, não solicitado a exclusão de um qualquer facto, ou a alteração dos factos julgados provados pelo Tribunal a quo, antes pretendendo que seja retirada conclusão diferente daquela alcançada pelo Tribunal a quo com base nos mesmos Factos que foram por este Tribunal considerados como provados.
§2. Dito isto, o recurso por esta submetido não pode beneficiar do prazo alargado para o efeito previsto no n.º 4 do artigo 282.º do CPPT, o qual decorre da necessidade de o recorrente ter que instruir as suas alegações com as especificações dos meios de prova cuja reapreciação, em seu entendimento, determinam a modificação da decisão da matéria de facto, pelo que deve o recurso da Fazenda Pública ser considerado extemporâneo e ser recusado o seu conhecimento.
§3. Ainda que se venha a considerar tempestivo o recurso da Administração Tributária, o que se admite sem conceder, o mesmo recurso sempre deveria ser rejeitado por a Fazenda Pública não ter cumprido o ónus de alegação que lhe é atribuído pela Lei.
§4. Ao ler as conclusões do recurso interposto pela Fazenda Pública, verifica-se que esta não faz nenhuma referência aos meios de prova gravados, sendo estes mencionados apenas em passagem da sentença recorrida que a Fazenda Pública cita nas mesmas conclusões.
§5. Simplesmente, nem na sentença recorrida, nem, portanto, nas conclusões da Fazenda Pública se indicam com exactidão as passagens da gravação relevantes ou sequer, diga-se, se transcreve as declarações prestadas. Com efeito, na parte da sentença citada pela Fazenda Pública, o Tribunal a quo refere apenas quais os aspectos mais relevantes dos depoimentos prestados e em que medida os mesmos foram pertinentes na fixação da matéria de facto provada.
§6. Dito isto, a Fazenda Pública, ao não especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos de facto da matéria de facto que pretendia impugnar, nem sequer transcrevendo qualquer parte das declarações prestadas, não cumpriu o ónus imposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, pelo que deve, de imediato, ser rejeitado o conhecimento do recurso nesta parte.
§7. Ainda que o recurso não seja imediatamente rejeitado com o fundamento supra, a Recorrida não tem dúvidas que ao mesmo deve ser negado provimento.
§8. Em primeiro lugar, analisando as alegações e as conclusões da Fazenda Pública, cedo se constata que esta pretende neste recurso discutir questão nova, visando ver o acto de liquidação adicional impugnado analisado à luz de fundamentação que a Administração Tributária não fez uso e que não consta do relevante Relatório de Inspecção.
§9. Com efeito, a Fazenda Pública pretende agora discutir se foi ou não provado nestes Autos que existe um itinerário documental suficiente que permite alocar cada um dos valores efectivamente pagos de ajudas de custo ao valor que foi efectivamente facturado a cada um dos clientes da [SCom02...], cêntimo a cêntimo — cfr. conclusões 4, 5 e 6 das alegações da Fazenda Pública.
§10. Simplesmente, a questão sobre a existência ou não, quanto a cada um dos valores pagos a título de ajudas de custo, de circuito documental que permita ter a certeza da sua concreta inclusão em certa factura não foi aquela que foi discutida nestes Autos.
§11. Mas mais: não foi essa igualmente a questão levanta pela Administração Tributária em sede inspectiva.
§12. É que, no sentido da incidência de tributação autónoma sobre as ajudas de custo, o “único argumento da Administração Tributária é o de que o valor das ajudas de custo deve ser mencionado expressamente nas faturas” — cfr. p. 23 da sentença recorrida.
§13. Urge, pois, concluir que a questão levantada pela Fazenda Pública no seu recurso, sendo nova, não pode ser apreciada por este Tribunal ad quem e constituindo ademais fundamentação do acto de liquidação a posteriori é, também por essa razão, irrelevante.
§14. Assim sendo, à Recorrida não era exigida a prova, cêntimo a cêntimo, de que cada um dos valores de ajudas de custo tinha sido incluído e repercutido numa determinada factura. Por isso mesmo, esse facto não foi por esta alegado na p.i.
§15. Sem embargo, essa prova poderia a Administração ter obtido no âmbito da acção inspectiva que conduziu à [SCom02...]. Com efeito, como julgou, e bem, o Tribunal a quo “a articulação da orçamentação, contratualização e faturação, com os boletins de itinerários, estarão reunidos os elementos suficientes para a Administração Tributária aferir se, e em que medida, o preço faturado pela [SCom02...] aos seus clientes repercute as ajudas de custo por si abonadas, contabilizadas como dedutíveis e não sujeitas a tributação autónoma.”
§16. Aferição que, porém, a Administração Tributária não fez em sede inspectiva, apesar de ter todos os elementos para o efeito à sua disposição, optando por, imediatamente, excluir que as ajudas de custo tivessem sido facturadas aos clientes, na medida em que estas não constavam discriminadas nas relevantes facturas.
§17. De todo o modo, tendo em conta os factos considerados provados na sentença recorrida e cuja súmula consta nas páginas 23 e 24 da mesma, os quais recordemos e reafirmemos não foram objecto de impugnação pela Fazenda Pública, não é possível considerar como “facto não provado” que a [SCom02...] “efectuasse o controlo das ajudas de custo que paga aos trabalhadores por referência aos contractos de empreitada de preço global, de modo a avaliar se aquelas despesas estavam em conformidade com o orçamentado e contratado com o cliente”.
§18. O que se afirma por o Tribunal a quo ter considerado provado que os serviços prestados pela [SCom02...] são antecedidos da preparação e elaboração de um orçamento que estima todos os custos previsivelmente associados à obra, entre os quais se incluem as ajudas de custo a pagar aos funcionários deslocados (cfr. alínea 7) do elenco dos factos provados); que os preços unitários faturados aos clientes da [SCom02...] incluíram o custo por esta suportado com as ajudas de custo (cfr. alínea 12) do elenco dos factos provados); e que as referidas ajudas de custo estão suportadas por boletins de itinerário, os quais incluem o nome do trabalhador, a data, local da deslocação, o tempo de permanência, bem como o montante atribuído (cfr. alínea 10) do elenco dos factos provados).
§19. Todos factos que demonstram que as ajudas de custo suportadas pela [SCom02...] são, efectivamente, facturadas aos seus clientes e que as mesmas são susceptíveis de controlo documental, o que impede, naturalmente, que se considere não ter sido provado que a [SCom02...] efectuasse o controlo das ajudas de custo que paga aos trabalhadores por referência aos contractos de empreitada de preço global.
§20. Mas não só. Também o depoimento da primeira testemunha ouvida pelo Tribunal a quo impede que seja o facto referido pela Fazenda Pública tido por não provado.
§21. Efectivamente, do minuto 8:14 ao minuto 8:59 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas, a directora financeira do Grupo [SCom01...] esclarece que a Direcção de Obra compara os custos reais com os custos que foram estimados, incluindo os referentes aos pagamentos feitos aos trabalhadores. É que, como o afirma esta testemunha, e é naturalmente evidente, o objectivo da [SCom02...] é ter lucro e não internalizar custos de obra que não factura aos clientes (cfr. ainda minuto 8:14 a minuto 8:59 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas). De seguida, ao minuto 9:14 a 9:27 da gravação da audiência de inquirição de testemunhas, a mesma testemunha esclarece que esse controlo é feito obra a obra.
§22. Isto ainda que a mesma testemunha tenha esclarecido que não era a própria que fazia esse controlo e que mais esclarecimentos deveriam ser solicitados à direcção de obra, nomeadamente quanto à forma e ao detalhe em que é feito esse controlo, como refere o Tribunal a quo.
§23. Neste âmbito, importa relembrar que a jurisprudência não só já esclareceu que, para evitar a aplicação de tributação autónoma, não se exige que as ajudas de custo sejam discriminadas nas facturas, como também que estas ajudas de custo não estão sujeitas a qualquer formalidade na sua escrituração, pelo que a alegação de que in casu faltaria um circuito de suporte documental para a atribuição de cada valor das ajudas de custo a uma factura, com a certeza de que aquele valor individual aí estava inscrito constituiu uma formalidade que não pode ser considerada necessária.
§24. De todo o modo, conforme foi esclarecido pelo Tribunal a quo, a “Administração Tributária não questiona que as ajudas de custo foram faturadas aos clientes. Do mesmo modo, não é controvertido nos autos a razoabilidade/aceitabilidade dos montantes contabilizados como ajudas de custo e a Administração Tributária também não questiona que a [SCom02...] tinha os mapas de apuramento das ajudas de custo com todas as menções que se tornam exigíveis para efeito da dedução dos gastos para efeitos fiscais (nos termos do artigo 42.º, n.º 1, al. f)” — cfr. p. 22 da sentença.
§25. Sendo que tais os boletins preenchidos pelos trabalhadores e os mapas vindos de referir, acompanhados dos orçamentos, estimativas e facturação da [SCom02...], todos elementos a que a Administração Tributária teve acesso e cuja veracidade não questiona, permitem o controlo inequívoco das ajudas de custo pagas e seguidamente facturadas aos clientes, o qual é efectuado pela [SCom02...].
§26. Tudo visto, não restam dúvidas de que bem andou o Tribunal a quo ao concluir no sentido da anulabilidade da liquidação adicional impugnada por manifesta violação do disposto no artigo 81.º, n.º 9 do Código do IRC, devendo ao recurso da Fazenda Pública ser negado provimento para todos os efeitos, mantendo-se inalterada a sentença recorrida.
§27. Para além do que vai acima exposto, a ora Recorrida demonstrou e alegou os Factos e o Direito relacionados com outros vícios de que padecia a liquidação impugnada, os quais foram considerados prejudicados pelo Tribunal a quo, pelo que, se for dado provimento ao recurso dos Autos (o que se admite por mero dever de patrocínio, sem conceder), devem as partes de ser notificadas, nos termos do artigo 665.º, n.º 3, do CPC, para se pronunciarem sobre os factos e o direito que não foram objecto de pronúncia pelo Tribunal a quo, sob pena de nulidade.
Termos em que se requer que seja, imediatamente, negado o conhecimento do recurso por este ser extemporâneo ou, caso assim não se entenda, que este seja rejeitado por não ter sido cumprido o ónus de alegação legalmente atribuído à Recorrente, ou, caso também assim não se entenda, que seja negado conhecimento ao recurso por neste se basear na invocação de questão nova, ou, ainda caso assim não se entenda, que seja negado provimento ao presente recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública por a decisão a quo não merecer qualquer censura devendo ser mantida, com as devidas consequências legais.
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!”

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, por entender que a decisão recorrida incorre de facto em notório erro na apreciação dos factos e na aplicação do direito.
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Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos ao abrigo do disposto no artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

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Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir i) da tempestividade do recurso ii) do erro de julgamento da matéria de facto iii) do erro do julgamento de direito.
Perante a procedência do alegado, impõe-se ainda apreciar em sede de ampliação de recurso, o peticionado em sede de contra-alegações, relativamente iv) à falta de fundamentação das liquidações impugnadas v) à violação do artigo 63.º do CPPT vi) à violação do artigo 81.º, n.º 9 do Código do IRC vii) à violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da tributação pelo lucro real.
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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz:
“Factos Provados:
Com interesse para a decisão a proferir, está provado que:
1) “[SCom01...] – S.G.P.S., S.A.”, ora impugnante, é a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas sob o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades - cfr. relatório de inspeção tributária (“RIT”), de fls. 42 a 44 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2) No grupo [SCom01...], a impugnante é a empresa dominante e as sociedades dominadas são as seguintes:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. documento de fls. 44 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3) A “Domingos da Silva Teixeira – Empreitadas Elétricas, S.A.” (doravante, “[SCom02...]”) integra o grupo da impugnante – cfr. documento de fls. 44 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4) A [SCom02...] encontra-se registada no CAE 043210 e dedica-se, essencialmente, à prestação de serviços relacionados com a montagem de instalações elétricas de baixa, média e alta tensão, às telecomunicações, ao comércio por grosso e a retalho de material para instalações elétricas, bem como à montagem de instalações mecânicas, ascensores, escadas mecânicas e com a construção e
engenharia – cfr. documentos 5 e 6 junto com a p.i., de fls. 50 a 68 e 69 a 76 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
5) A [SCom02...] tem a sua sede em ..., mas presta serviços fora das suas instalações, em vários pontos do país, de norte a sul – cfr. documento n.º 7 junto com a p.i., de fls. 77 a 86 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
6) As empreitadas efetuadas pela [SCom02...] são, em regra, realizadas em regime de preço global (“chave na mão”), sendo que o preço definido na celebração dos contratos de empreitada ou subempreitada não sofre, em regra, revisões, sem prejuízo do pagamento de eventuais trabalhos a mais ou a menos que venham a ser necessários – cfr. documento 7 junto com a p.i., de fls. 77 a 86 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
7) Na preparação e elaboração do orçamento das empreitadas ou subempreitadas realizadas pela [SCom02...], são considerados todos os custos da obra, entre os quais se incluem:
a. Materiais e preços para montagem;
b. Custos indiretos (ajudas de custo a pagar aos seus trabalhadores, nomeadamente referente a deslocações, estadias e alimentação relacionadas com a execução da obra); e
c. Margem de lucro e estrutura da empresa
– cfr. documento 9 junto com a p.i. de fls. 88 a 97 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
8) Os trabalhadores da [SCom02...] têm de se deslocar aos locais onde são prestados os serviços contratados, sendo muitas vezes necessário que aí permaneçam durante o respetivo período de execução da obra;
9) A deslocação de trabalhadores ao serviço da [SCom02...] implica a realização de gastos acrescidos, nomeadamente, os relacionados com transporte, alojamento e alimentação;
10) Os trabalhadores preenchem boletins de itinerário com as despesas incorridas (em que são discriminados os serviços prestados, localidade, distância, número de dias de permanência, número de almoços, jantares dormidas e respetivos custos suportados) e apresentam-nos à impugnante para obterem o respetivo reembolso – cfr. documento 8 junto com a p.i. de fls. 87 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
11) A faturação da [SCom02...] é efetuada nos termos dos contratos a que respeitam;
12) Os preços unitários faturados aos clientes da [SCom02...] incluíram o custo por esta suportado com as ajudas de custo, mas não foi feita uma referência expressa aos encargos com as ajudas de custo nas faturas emitidas àqueles;
13) No âmbito da ordem de serviço interna OI20......68, a impugnante foi objeto de uma ação de inspeção tributária, que decorreu entre os dias 16 de dezembro de 2011 e 20 de fevereiro de 2012, tendo sido analisado o dossier fiscal de IRC relativo ao exercício de 2008 – cfr. documento 4 junto com a p.i. de fls. 39 a 49 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
14) A [SCom02...] foi igualmente sujeita a uma ação de inspeção tributária, com referência aos exercícios de 2007 e 2008 correspondendo a cada um deles as ordens de serviço OI20......79 e OI20......80, respetivamente – cfr. documento 5 junto com a p.i. de fls. 50 a 68 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
15) Através do ofício n.º 503.10737, de 14.10.2011, a [SCom02...] foi notificada do projeto de correções do relatório de inspeção tributária e para, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 10 dias – cfr. documento n.º 10 junto
com a p.i., de fls. 98 a 118 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
16) No dia 27 de outubro de 2011, a [SCom02...] exerceu o direito de audição na
Direção de Finanças ... – cfr. documento n.º 11 junto com a p.i., de fls. 119 a 129 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
17) A impugnante submeteu uma declaração de rendimentos (“modelo 22”) de substituição, com referência ao ano de 2008, na qual foram regularizadas algumas das correções propostas pelos Serviços de Inspeção Tributária – cfr.
documento n.º 12 junto com a p.i., de fls. 130 a 135 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
18) Através do ofício n.º 503.11546 de 04.11.2011, a [SCom02...] foi notificada do relatório final de inspeção tributária, do qual se extrai o seguinte:
“(…)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Em resultado da análise executada, no âmbito do presente relatório propõe-se a realização das correções expostos nos pontos que se segue em sede de IRC e IVA e relativamente aos exercícios de 2007 e 2008.
III-1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS
III-1.1. TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA [ART. 81.º DO CÓDIGO DO IRC]
No âmbito da revisão analítica das demonstrações financeiras e dos respetivos balancetes analíticos do exercício em destaque, e da sua comparação com a DR22 apresentada para o mesmo período de imposto, e atentos os esclarecimentos adicionais obtidos junto do sujeito passivo, verifica-se não terem sido sujeitas a tributação autónoma as importâncias pagas aos trabalhadores a título de “ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título”, em cada um dos exercícios em análise, sendo certo que, não estando em causa a aplicabilidade da al. f) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC, as mesmas estão sujeitas a tributação autónoma, de acordo com o estatuído no n.º 9 do artigo 81.º do Código do IRC.
Salienta-se que em resposta ao pedido de esclarecimentos efetuado, não foi exibido qualquer exemplar da faturação de prestações de serviço realizadas, comprovativo do afastamento da tributação autónoma nos termos identificados, designadamente por via do débito das ajudas de custo ao cliente de forma discriminada na fatura ou documento equivalente.
Mais se constatou, não ter o sujeito passivo incluído na base tributável da tributação autónoma todos os encargos com viaturas ligeiras de passageiros suportados em cada um dos exercícios de 2007 e 2008, designadamente no que respeita a despesas com alugueres de viaturas, os quais estão sujeitos a tributação autónoma nos termos do n.º 3 do artigo 81.º do Código do IRC.
Em cada um dos subcapítulos adiante apresentados, discrimina-se os valores das rubricas de custos antes identificadas a sujeitar a tributação autónoma, por exercício.
III-1.1.1. Exercício de 2007
Assim, no exercício de 2007, o sujeito passivo contabilizou como custo do exercício a importância de € 169.980,45 (cento e sessenta e nove mil novecentos e oitenta euros e quarenta e cinco cêntimos), conforme saldo devedor da conta POC “64205 – Custos com pessoal – Ajudas de custo”.
A título de despesas com alugueres de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, o sujeito passivo esclareceu ter suportado no exercício a importância de € 14.196,33 (catorze mil cento e noventa e seis euros e trinta e três cêntimos), valor este abrangido pelo saldo devedor da conta POC “6221915 – Fornecimentos e serviços externos – Rendas e alugueres – Sujeitos a IVA 21%”, o qual reportando-se à integralidade das rendas e alugueres suportados pelo sujeito passivo, ascende a € 230.888,33.
Considerada a taxa de tributação autónoma de 5% no n.º 9 do artigo 81.º do Código do
IRC, apura-se por valor de tributação autónoma em falta a importância de € 9.208,84, determinado conforme segue:
[€ 169.980,45 + € 14.196,33] x 5% = € 9.208,84
Em resultado dos esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo, resulta confirmado que o sujeito passivo sujeitou a tributação autónoma a título de encargos com viaturas ligeiras de passageiros custos suportados no valor de € 32.862,31 relativos a viaturas de mercadorias, designadamente as identificadas com as matrículas ..-DQ-.., ..-DQ-.. e ..-EP-.., cuja classificação como viatura ligeira se confirmou por consulta à aplicação de liquidação do Imposto Único de Circulação. Desta forma, verifica-se ter sido liquidada tributação autónoma num montante superior ao devido, de acordo com os cálculos declarados pelo sujeito passivo, no valor de € 1.643,12 (mil seiscentos e quarenta e três euros e doze cêntimos=.
€ 32.862,31 x 5% = € 1.643,12
Assim, por tudo o exposto, propõe-se um acréscimo ao IRC liquidado pelo sujeito passivo por referência ao exercício de 2007 no valor de € 7.565,72 (sete mil quinhentos e sessenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos), nos termos do artigo 81.º do Código do IRC.
(…)
III-1.1.2. Exercício de 2008
Assim, no exercício de 2008, o sujeito passivo contabilizou como custo do exercício a importância de € 215.702,27 (duzentos e quinze mil setecentos e dois euros e vinte e sete cêntimos), conforme o saldo devedor da conta POC “642006 – Custos com o pessoal – ajudas de custo”.
Tal como referido no capítulo antecedente, o sujeito passivo esclareceu ter incorrido em despesas com alugueres de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas num total de € 16.694,06 (dezasseis mil seiscentos e noventa e quatro euros e seis cêntimos), valor este abrangido pelo sado devedor da conta POC respetiva, o qual reportando-se à integralidade das rendas e alugueres suportados pelo sujeito passivo, ascende a € 245.980,09.
Assim, considerada a taxa de tributação autónoma de 5% prevista no n.º 9 do artigo 81.º do Código do IRC em matéria de ajudas de custo e a taxa de tributação autónoma de 10% prevista na al. a) do n.º 3 do artigo 81.º do Código do IRC quanto à tributação dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, apura-se por valor de tributação autónoma em falta a importância de € 12.454,52, calculado conforme segue: [ (€215.702,27 x 5%) + (€ 16.694,06 x 10%)] = € 12.454,52
Assim, propõe-se um acréscimo ao IRC liquidado pelo sujeito passivo por referência ao exercício de 2008 no valor de € 12.454,52 (doze mil quatrocentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos), nos termos do artigo 81.º do Código do IRC.
(…)
IX – DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
(…)
Atento o disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT, abaixo, expõe-se as razões justificativas para o não atendimento das pretensões do sujeito passivo constantes da petição analisada, sendo certo que:
i. O mesmo não colocou em causa a integralidade das correções propostas nos Capítulos III-1.2.1., III-1.3.1. e III-1.3.2., todas em sede de IRC, nem parte das correções propostas nos Capítulos III-1.1.1. e III-1.1.2. também em sede de IRC, designadamente no que respeita à tributação autónoma dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, procedendo à sua regularização voluntário mediante a submissão de DMod22 de substituição em 2011.10.27(…)
Apreciando o exposto pelo sujeito passivo, temos:
1. No ponto 22, alega o sujeito passivo que as ajudas de custo são um dos componentes acautelados na execução dos orçamentos prévios à apresentação das propostas de empreitada, considerando por tal razão que no preço fixado está incluído o encargo a suportar com ajudas de custo. Em contraponto ao afirmado concorre o facto de:
1.1 Tais documentos não constituírem o suporte das faturas ou documentos equivalentes emitidos em cumprimento do contrato de empreitada eventualmente celebrado, nem mesmo com vista à repercussão das ajudas de custo efetivamente suportadas na realização da empreitada obtida em adjudicação.
1.2 Nem tão pouco, são os mesmos facultados ao cliente em sustentação do preço estabelecido no contrato de empreitada, de tal forma que fosse possível afirmar que o mesmo teria conhecimento pleno de qual a componente de ajudas de custo incluída no preço contratado e faturado em cada momento. (…)”
- cfr. documento n.º 5 junto com a p.i., de fls. 50 a 68 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
19) Através do ofício 511.3501 de 20 de março de 2012, a impugnante foi notificada do projeto de correções do relatório de inspeção e para, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 10 dias – cfr. documento de fls. 2 a 18 do processo administrativo (“PA”), cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
20) Através do ofício 510.4047, de 05 de abril de 2012, a impugnante foi notificada do relatório final de inspeção, do qual resultaram as seguintes correções:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
III – DESCRIÇÃO DE FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
Correção à declaração de grupo
a) Conforme referido no capítulo II a [SCom01...] SGPS, SA é a sociedade dominante do grupo, pelo que para efeitos de tributação cabe a esta a entrega da respetiva declaração.
b) Comparando o somatório das declarações individuais com a declaração do grupo não se registam divergências conforme prova o documento anexo (Anexo I).
(…)
e) Ação inspetiva levada a efeito a uma empresa do grupo.
Da ação inspetiva interna credenciada através da ordem de serviço OI20......80 efetuada à sociedade dominada [SCom02...], S.A. NIPC ...16 resultaram as seguintes correções:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Tendo em consideração as correções voluntárias a sociedade dominada procedeu à entrega de uma declaração de substituição de IRC de 2008 (declaração não liquidável).
f) tendo em vista as correções voluntárias previstas na alínea anterior o sujeito passivo em 2011-11-17 procedeu à entrega de uma declaração de substituição do grupo (Anexo III fls. 1 e 2), declaração esta considerada não liquidável, uma vez que o imposto a apurar seria inferior ao anterior.
g)Da análise à declaração de substituição do grupo, verifica-se que para além das correções referidas na al. e) foram excluídas da declaração do grupo as sociedades identificadas na al. c), daí que o imposto apurado seja inferior ao anterior.
Conforme se demonstra no mapa em anexo (Anexo IV) a declaração de substituição do grupo excluiu as sociedades antes identificadas e incluiu as correções voluntárias da sociedade identificada na al. e).
h)atendendo ao solicitado pela DSIRC, ao facto da declaração de substituição do grupo se encontrar na situação de não liquidável, e às correções efetuadas pela inspeção tributária referidas na alínea e), procedemos às seguintes correções:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. documento n.º 4, junto com a p.i., de fls. 39 a 49 do suporte físico dos autos e documento de fls. 21 a 32 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
21) A impugnante foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º ...11, emitida no dia 18 de abril de 2012, respeitante ao período de 2008, com um “Valor A Reembolsar” de € 1.256.580,01 – cfr. documento n.º 1 junto com a p.i., de fls. 36 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
22) A impugnante foi notificada da demonstração de liquidação de juros compensatórios, emitida no dia 18 de abril de 2012, no montante de € 281,53 - cfr. documento n.º 2 junto com a p.i., de fls. 37, do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
23) A impugnante foi notificada da demonstração de acerto de contas, emitida no dia 18 de abril de 2012, da qual resultou um “Saldo A Pagar” de € 4.191,79 - cfr. documento n.º 3 junto com a p.i., de fls. 38 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
24) As liquidações referidas nas alíneas 21), 22) e 23), ora impugnadas, incorporam as correções perpetradas pela Administração Tributária à [SCom02...], no seguimento das ações de inspeção tributária realizadas à impugnante e à [SCom02...] – facto não controvertido.
*
Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa não existem factos não provados.
*
Motivação e análise crítica da prova produzida
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de fixar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, al. e) do CPPT).
Na determinação do elenco dos factos dados como provados o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos juntos aos autos, bem como os documentos constantes do Processo Administrativo relativos aos procedimentos inspetivos tributários realizados à impugnante e à [SCom02...] (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade.
A documentação em questão não foi objeto de impugnação, ou sequer reparo, por qualquer das partes, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade, aplicando-se o disposto o disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual “[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”.
O tribunal considerou ainda o depoimento das testemunhas «AA» e «BB», prestado em sede de audiência contraditória de inquirição de testemunhas, bem como a posição assumida pelas partes nos articulados apresentados.
A testemunha «AA» (diretora financeira do grupo [SCom01...], desde fevereiro de 2008) prestou um depoimento objetivo, claro e circunstanciado, sendo certo que, por força das suas funções, demonstrou ter um conhecimento direto dos factos e, nessa medida, o seu depoimento mereceu a credibilidade do tribunal.
A testemunha explicou a natureza das operações económicas realizadas pela [SCom02...], o seu raio de atuação (e.g. a nível nacional), e a necessidade de deslocação de equipas de funcionários para os vários locais no país onde as obras são executadas.
Referiu ainda que esta movimentação de trabalhadores para execução das obras adjudicadas acarreta custos para a [SCom02...] relativos ao alojamento, alimentação e transporte das equipas envolvidas.
Do depoimento da testemunha inquirida, foi possível extrair que, em momento prévio à adjudicação e execução do contrato de empreitada/subempreitada, a [SCom02...] prepara e elabora uma estimativa de tais encargos, logo na fase de orçamentação da obra.
A [SCom02...] pode orçamentar obras i) na modalidade “chave na mão” em que é acordado, ab initio, um preço fixo da obra (que inclui todas as despesas previstas, incluindo as de deslocação de funcionários) e ii) na modalidade de preço variável, em que o preço final pode ser alterado consoante a alteração de circunstâncias ao longo da execução da obra (maxime, pela oscilação dos preços das matérias primas compradas).
A partir do momento em que a obra é adjudicada, a equipa de direção de obras acompanha a evolução dos custos reais da obra, controlando os custos da mesma e as margens de lucro associadas.
A empresa comparticipa os encargos dos funcionários deslocados, sendo tais custos refletidos no orçamento entregue ao cliente final e nas respetivas faturas emitidas, após a adjudicação e execução da obra.
No mais, a testemunha inquirida explicou que os trabalhadores da [SCom02...] que incorrem neste tipo de despesas, reportam as mesmas à empresa através do preenchimento dos boletins de itinerário, por forma a obterem o respetivo reembolso.
Explicou ainda que, no âmbito das tarefas que lhe são confiadas, enquanto diretora financeira do grupo [SCom01...], faz a análise da rentabilidade da obra como um todo, existindo obras que oferecem uma margem de lucro mais elevado em relação a outras.
Por fim, questionada sobre a existência de um controlo interno detalhado das despesas incorridas pelos funcionários deslocados, no intuito de avaliar se tais despesas estão em conformidade com o inicialmente orçamentado, a testemunha inquirida não soube responder, remetendo eventuais esclarecimentos para a equipa de direção de obra.
Em face do supra exposto, o depoimento da testemunha «AA» foi valorado na fixação dos factos 5), 6), 8), 9), 10), 11) e 12) do elenco dos factos provados.
Por fim, depôs, ainda, a testemunha «BB» (medidor orçamentista, ao serviço da impugnante há cerca de oito anos) através de um depoimento sereno, coerente, objetivo e circunstanciado, sendo certo que, por força das suas funções também demonstrou ter um conhecimento direto dos factos e, nessa medida o seu depoimento mereceu a credibilidade do tribunal.
A testemunha inquirida corroborou o depoimento da testemunha anterior, descrevendo de forma idêntica a atividade desenvolvida pela [SCom02...], em todo o país e a necessidade que daí resulta de deslocação de equipas de funcionários, no âmbito de execução das obras adjudicadas.
A testemunha explicou que, no âmbito das suas funções e competências profissionais, dedica-se à preparação e realização de orçamentos, partindo da estimativa de três conjuntos distintos:
i) materiais e preços de montagem; ii) custos indiretos (onde se incluem as deslocações, estadias, alimentação dos
funcionários alocados à execução da obra); e iii) margem de lucro e estrutura da empresa.
Confrontado com o documento n.º 9 junto com a p.i., a testemunha reconheceu que se trata de um exemplo de orçamento que contempla nas várias linhas todo os custos estimados na execução das obras.
Esclareceu ainda que a orçamentação dos valores é feita com base no histórico das informações das obras realizadas pela empresa em articulação com a natureza específica da obra que se pretende realizar e a partir daqui calculam-se os custos tendo em linha de consideração a localização da obra e o tempo necessário para a execução da mesma.
Questionado sobre o modo em que se processa o controlo das despesas incorridas pelos funcionários deslocados, a testemunha inquirida reconheceu que tal controlo não faz parte do âmbito das suas competências, pelo que desconhece os trâmites em que o mesmo é feito.
Em face do exposto, o depoimento da testemunha «BB» foi valorado na fixação dos factos 5), 7), 8) e 9) do elenco dos factos provados. “

***
2.2 – O direito

Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação intentada pela [SCom01...] – SGPS, S.A., contra a liquidação adicional de IRC n.º ...11, do exercício de 2008 e respectivos juros compensatórios.
Discordando do assim decidido, a Recorrente vem interpor recurso invocando o erro do julgamento de facto e de direito.
A Recorrida, em sede de contra-alegações vem defender a intempestividade do recurso interposto.

2.2.1 A tempestividade do recurso interposto

A Recorrida vem invocar a intempestividade do recurso interposto. Para tal, sustenta que a Fazenda Pública não requer a reapreciação da prova gravada, limitando-se a citar a parte da sentença em que o Tribunal a quo trata da “Motivação e análise crítica da prova produzida” e na qual o mesmo Tribunal faz referência ao depoimento prestado pelas duas testemunhas arroladas pela Recorrida, não se justificando assim a aplicação do prazo alargado agora previsto no n.º 4 do artigo 282.º do CPPT.
Vejamos.
Como dispõe o n.º 1 do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário “O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida”
Acresce que, prevê ainda o n.º 4 do mesmo preceito legal que “Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias”
Parafraseando António Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª Edição actualizada, págs. 167 “É claro que para o recorrente beneficiar da extensão do prazo (aspeto situado a montante) é totalmente indiferente o que seja decidido a jusante, quer em termos de apreciação dos requisitos formais do requerimento e das alegações, quer no que respeita ao mérito da impugnação, como se decidiu no Ac. do STJ de 22-10-15, 2394/11 (…) Ponto é que decorra das alegações de recurso o cumprimento mínimo do ónus de alegação sustentado em prova gravada, como também se decidiu no Ac. STJ, de 6-6-19, 2215/12 (…). Assim foi também assumido no Ac. do STJ, de 28-4-16, 1006/2 – Rel. Abrantes Geraldes (…) com o seguinte sumário: “A extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação. Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC”
Com efeito, e como decorre do Acórdão do STJ de 28.04.02016, proc. n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1 “2.5. Ao invés do que foi decidido pela Relação, não pode ser feita qualquer associação entre a admissibilidade formal da impugnação da decisão da matéria de facto e a tempestividade do recurso de apelação”
No mesmo sentido tem decidido a nossa jurisprudência ao considerar que “I - A extensão do prazo de 10 dias, previsto no n.º 4, do artigo 282.º do CPPT, depende apenas de na alegação de recurso a impugnação da matéria de facto ser sustentada em prova gravada.
II - A verificação da tempestividade do recurso de apelação, quando o recorrente demonstra vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da matéria de facto com fundamento no não cumprimento de algum dos ónus do artigo 640.º do CPC” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 26.05.2022, proc. n.º 823/15.6BELLE-R1.
Nesta senda, a tempestividade fica “unicamente dependente da inserção nas respectivas alegações de um segmento em que, independentemente do seu mérito, seja efectivamente impugnada uma parte da decisão da matéria de facto com sustentação em prova gravada” – cfr. Acórdão do STJ de 28.04.02016, proc. n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1.
No caso dos presentes autos, a Recorrente, invocando o erro na matéria de facto logo no introito do corpo do recurso quando menciona que “O recurso versa sobre matéria de direito e matéria de facto”, invoca na conclusão 13. que “A douta sentença em recurso errou na interpretação e aplicação do direito ao caso concreto dos autos e, no modesto entender da Fazenda Publica, não valorizou, os depoimentos prestados pelas testemunhas nos autos (no total de 2 testemunhas), quando (e passa-se a transcrever parcialmente a douta sentença em recurso, na parte que respeita à fundamentação da matéria de facto provada), questionadas sobre a existência de um controlo interno detalhado das despesas incorridas pelos funcionários deslocados, no intuito de avaliar se tais despesas estão em conformidade com o inicialmente orçamentado, uma das testemunhas não sabe responder e a outra testemunha responde que desconhece os trâmites em que o mesmo é feito, pelo que, da douta sentença em recurso deverá constar, como facto não provado, que a sociedade dominada da recorrida efectuasse o controlo das ajudas de custo que paga aos trabalhadores por referência aos contractos de empreitada de preço global, de modo a avaliar se aquelas despesas estavam em conformidade com o orçamentado e contratado com o cliente”
Assim, independentemente do cumprimento dos formalismos a que obriga o artigo 640.º do Código do Processo Civil na impugnação da matéria de facto, a Recorrente veio impugnar a mesma e com recurso à prova testemunhal que, como resulta à evidência, foi gravada.
Assim, considerando que a intempestividade que vem alegada está dependente da inserção nas alegações de recurso da efectiva impugnação da decisão da matéria de facto com sustentação em prova gravada e tendo-se concluído que a mesma foi impugnada, impõe-se negar provimento ao alegado por ser o recurso tempestivo.

2.2.2. O erro de julgamento da matéria de facto

A Recorrente vem sustentar que deverá constar dos factos não provados que a sociedade dominada efectua o controlo das ajudas de custo que paga aos trabalhadores por referência aos contratos de empreitada de preço global, de modo a avaliar se aquelas despesas estavam em conformidade com o orçamentado e contratado com o cliente.
A Recorrida, em sede de contra-alegações vem defender, no entanto, que a Recorrente não cumpriu o ónus de alegação que resulta do disposto no artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil.
Vejamos.
Como decorre do disposto no artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”
Nesta senda, “na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta conviçção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, nºs 4, 1ª parte, e 5)” – cfr. José lebre de Freitas (in “A Acção Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª edição, Gestlegal, pag. 361).
Ora, a reapreciação da decisão da matéria de facto exige que os Recorrentes cumpram o ónus de fundamentação da sua discordância, com a especificação concreta da sua divergência, sob pena de rejeição imediata do recurso à luz do disposto no artigo 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, por força da remissão que decorre do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nessa senda, e ao abrigo de tal normativo legal, os Recorrentes têm obrigatoriamente de especificar i) os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados ii) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, não obstante, “a falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 640º do CPC, não implicar, só por si, a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto” (cfr. Acórdão do STJ, de 19.1.2016, proc. n.º 3316/10.4TBLRA.C1.S1), pois “o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade” (cfr. Acórdão do STJ, de 29.10.2015, proc. n.º 233/09.4TBVNC.G1.S1), em substituição de tal indicação, os depoimentos devem ser transcritos.
Nesta medida, verificados os pressupostos que decorrem do disposto no artigo 662.º do Código do Processo Civil, assim como os que decorrem do artigo 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, assiste a este Tribunal o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, competindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de recurso, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre as questões controvertidas.
Com efeito, parafraseando António Abrantes Geraldes (in Recursos em processo civil, 7ª Edição actualizada, Almedina, pag. 333) “quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”
Face a tais princípios, cumpre agora aferir se assiste razão ao alegado.
No caso presente, a Recorrente apesar de pugnar pelo aditamento à matéria de facto não assente que a sociedade dominada da Recorrida efectua o controlo das ajudas de custo que paga aos trabalhadores por referência aos contratos de empreitada de preço global, de modo a avaliar se aquelas despesas estavam em conformidade com o orçamentado e contratado com o cliente, não logrou identificar as passagens da gravação da prova em que sustenta a sua alegação, nem sequer transcrever os testemunhos que considera ser relevantes, não cumprindo assim o ónus que sobre si recaía na impugnação da matéria de facto.
Pelo que, nos termos do disposto no artigo 640.º n.º 2, alínea b) e c) do Código de Processo Civil, a inobservância deste ónus tem como consequência a rejeição do recurso nesta parte da impugnação da decisão sobre matéria de facto.

2.2.3. O erro de julgamento de direito

Consideraram os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... que não tendo sido exibido qualquer exemplar da faturação de prestações de serviço realizadas, comprovativo do afastamento da tributação autónoma ao abrigo do disposto no n.º 9 do artigo 81.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas, designadamente por via do débito das ajudas de custo ao cliente de forma discriminada na factura ou documento equivalente, as ajudas de custo estão sujeitas a tributação autónoma.
O Tribunal a quo, acolhendo a posição sustentada pela Recorrida procedeu o alegado, por considerar que “a sujeição das ajudas de custo a tributação autónoma com fundamento na discriminação do seu montante na faturação emitida pela [SCom02...] (tal como considera a Administração Tributária) não tem base legal e viola o disposto no artigo 81.º, n.º 9 do Código do IRC, motivo pelo qual deverá o ato tributário impugnado ser anulado”.
A Recorrente, discordando do assim decidido, sustenta, no essencial, que “não é possível fazer corresponder, através de um itinerário documental suficiente, a facturação das ajudas de custo aos clientes”, considerando ainda que “inexiste evidência da facturação das ajudas de custo ao cliente, porquanto, quer em sede inspectiva, quer em sede dos presentes autos, ninguém responde à questão colocada sobre o controlo entre ajudas de custo suportadas/pagas e ajudas de custo projectadas/contratadas”.
A Recorrida, por sua vez, vem sustentar que face às alegações e às conclusões da Fazenda Pública, esta pretende discutir questão nova, analisada à luz de fundamentação que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez uso e que não consta do Relatório de Inspecção, pois considera que “a Fazenda Pública pretende agora discutir se foi ou não provado nestes Autos que existe um itinerário documental suficiente que permite alocar cada um dos valores efectivamente pagos de ajudas de custo ao valor que foi efectivamente facturado a cada um dos clientes da [SCom02...], cêntimo a cêntimo — cfr. conclusões 4, 5 e 6 das alegações da Fazenda Pública”, (…) Simplesmente, a questão sobre a existência ou não, quanto a cada um dos valores pagos a título de ajudas de custo, de circuito documental que permita ter a certeza da sua concreta inclusão em certa factura não foi aquela que foi discutida nestes Autos”
Vejamos.
Como decorre do disposto no n.º 3 do artigo 635.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Delimitação subjetiva e objetiva do recurso”, “Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente”
Assim, “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estes sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…) A assunção desta regra encontra na jurisprudência numerosos exemplos: a) As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, pois estes destinam.se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição. Ac. do STJ, de 1-10-02, CJ, t. III, p.65”- cfr. António Santos Abrantes Geraldes (in Recursos em processo Civil, 7ª Edição atualizada, Almedina, pag. 139 a 141).
Com efeito, “Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido (…) quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida” – cfr. Acórdão do STJ de 8.10.2020, proc. n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1.
No mesmo sentido, vide Acórdão do STA de 29.10.2014, proc. 0833/14 e Acórdão do STJ de 15.01.2025, proc. n.º 1057/24.4T8LRA.S1
No caso presente, e como se infere da petição inicial e é dado conta na decisão recorrida, a Recorrida vem impugnar a liquidação de IRC na parte influenciada pela correcção respeitante às ajudas de custo no valor de €10.785,26 (=€215.705,27 x 5%), com referência ao exercício de 2008, apresentando fundamentos respeitantes à facturação aos clientes dos serviços prestados em que se encontram incluídas as ajudas de custo.
Com efeito, a Recorrida salienta no articulado inicial, artigos 82.º e 83.º que “o que está em causa in casu não é a efectiva ocorrência destas despesas ou a sua escrituração ou, sequer, a sua indispensabilidade para efeitos da respectiva dedução fiscal, a qual não é colocada em causa pela administração fiscal, mas tão só a sua, alegada, não facturação aos clientes.”, mas se deve constar expressamente das facturas os encargos correspondentes às ajudas de custo.
Acresce que, compulsadas as razões da Autoridade Tributária e Aduaneira na correcção aqui em questão, constata-se que, como consta do relatório do procedimento inspectivo coligido no ponto 18) da factualidade assente, a fundamentação resume-se ao seguinte: “No âmbito da revisão analítica das demonstrações financeiras e dos respetivos balancetes analíticos do exercício em destaque, e da sua comparação com a DR22 apresentada para o mesmo período de imposto, e atentos os esclarecimentos adicionais obtidos junto do sujeito passivo, verifica-se não terem sido sujeitas a tributação autónoma as importâncias pagas aos trabalhadores a título de “ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título”, em cada um dos exercícios em análise, sendo certo que, não estando em causa a aplicabilidade da al. f) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC, as mesmas estão sujeitas a tributação autónoma, de acordo com o estatuído no n.º 9 do artigo 81.º do Código do IRC. Salienta-se que em resposta ao pedido de esclarecimentos efetuado, não foi exibido qualquer exemplar da faturação de prestações de serviço realizadas, comprovativo do afastamento da tributação autónoma nos termos identificados, designadamente por via do débito das ajudas de custo ao cliente de forma discriminada na fatura ou documento equivalente”- negrito nosso.
Por sua vez, a decisão recorrida considerou procedente a impugnação judicial por considerar que “imperioso se torna concluir que a sujeição das ajudas de custo a tributação autónoma com fundamento na discriminação do seu montante na faturação emitida pela [SCom02...] (tal como considera a Administração Tributária) não tem base legal e viola o disposto no artigo 81.º, n.º 9 do Código do IRC, motivo pelo qual deverá o ato tributário impugnado ser anulado”, enunciando inclusive que “O único argumento da Administração Tributária é o de que o valor das ajudas de custo deve ser mencionado expressamente nas faturas” – cfr. fls. 23 e 26 da decisão recorrida.
Ora, a Recorrente não vem recorrer da decisão pugnando pela obrigatoriedade de fazer constar nas facturas emitidas aos clientes da Recorrida as ajudas de custo contabilizadas.
Como decorre das conclusões 4. e 9. do presente recurso, a Recorrente vem alegar que “não é possível fazer corresponder, através de um itinerário documental suficiente, a facturação das ajudas de custo aos clientes”, por sustentar que “apenas com o controlo em referência (que será naturalmente interno e semelhante ao controlo de outros encargos, nomeadamente, com matérias primas contratadas e matérias primas aplicadas na obra) é possível fazer corresponder, através de um itinerário documental suficiente, a facturação das ajudas de custo aos clientes.”
Assim, como bem refere a Recorrida, a questão sobre a existência ou não, quanto a cada um dos valores pagos a título de ajudas de custo, de circuito documental que permita ter a certeza da sua concreta inclusão em certa factura não foi aquela que foi apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em sede de procedimento inspectivo, nem foi a questão decidida em sede da decisão recorrida.
Com efeito, e em reforço do que vem dito, decorre da decisão recorrida, página 23, que “Assim e na esteira da jurisprudência emanada dos tribunais superiores (supra citada), verifica-se, desde logo, que o ato tributário objeto da presente impugnação enferma de erro de direito, na interpretação e aplicação da norma do então vigente artigo 81.º, n.º 9 do Código do IRC, já que, conforme resulta do relatório de inspeção tributária, o mesmo assenta exclusivamente no entendimento de que a faturação emitida pela impugnante aos seus clientes não discrimina as ajudas de custo”
Nesta senda, sendo a questão que vem colocada questão nova, por não ter sido invocada, apreciada e/ou decidida pelo Tribunal a quo e não sendo de conhecimento oficioso, não irá a mesma ser conhecida por este Tribunal, por impossibilidade legal.
Nestes termos, impõe-se negar provimento ao recurso.
Tendo sido negado provimento ao recurso interposto, quedam-se prejudicados os demais fundamentos apresentados em sede do articulado inicial e invocados em sede de ampliação de recurso pela Recorrida.

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Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÀRIO:

I. A extensão do prazo de 10 dias previsto no artigo 282.º n.º 4 do CPPT, para apresentação do recurso quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação
I. A inobservância do ónus que decorre do disposto no artigo 640.º n.º 2, alínea b) e c) do CPC, tem como consequência a rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
I. O recurso apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas.

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3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e consequentemente manter a sentença recorrida.


Custas pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2, artigo 7.º n.º 2 e artigo 12.º n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais e tabela I-B.


Porto, 27 de Fevereiro de 2025


Virgínia Andrade
Conceição Soares
Paulo Moura