Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03299/10.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/03/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ISABEL CRISTINA RAMALHO DOS SANTOS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO;
QUALIFICAÇÃO DO PROCEDIMENTO INSPETIVO QUANTO AO LOCAL;
FORMALIDADES DO PROCEDIMENTO INTERNO;
Sumário:
I- Para efeitos de qualificação do procedimento inspetivo como interno ou externo, é absolutamente inócua a qualidade de terceiro das entidades e pessoas que forneceram os elementos à A.T. pois a lei apenas dá relevância, para este concreto efeito, ao local onde são realizados os atos de inspeção.

II- Sendo classificado como procedimento interno, o mesmo não está sujeito às formalidades exigidas nos artºs 46º a 49º do RCPIT.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

v
I. RELATÓRIO

«AA», veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 22-06-2020 que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente contra a liquidação I.R.S. n.º ...87 e juros compensatórios, relativa a 2005, no montante total de € 29.954,10, do qual resultou um valor a pagar de € 28.830,79.

Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

A – Atendendo às questões suscitadas nos autos, a matéria de facto assente na sentença revela-se insuficiente, por não especificar todos os factos relevantes para a decisão e que estão documentados nos autos;
B – Referimo-nos a factos que emergem do relatório de inspecção consignado na alínea E) e que são relevantes para aferir se o procedimento de inspecção especificado na alínea B) deve ser qualificado como interno ou externo e, consequentemente, se foi indevidamente qualificado e credenciado pela AT como sendo interno, com preterição de diversas formalidades essenciais;
C – Em concreto, resulta desse relatório de inspecção tributária que a primeira diligência efectuada pelo técnico da Administração Tributária a coberto do Despacho nº ...87 foi a consulta de diversos Processos de Inquérito junto dos Tribunais onde os mesmos se encontravam pendentes, a fim de recolher informação relevante para a inspecção;
D – E do mesmo relatório resulta que a segunda diligência levada a cabo pela inspecção tributária ao abrigo do Despacho nº ...87 foi a “2) Autorização do levantamento do sigilo bancário”, através de declarações de autorização recolhidas junto do sujeito passivo, em três datas distintas (4/05/2007, 14/06/2007 e 31/10/2007) e na sua residência;
E – Estes factos traduzem a realização de actos de inspecção fora dos serviços da Administração Tributária, pelo que deviam ter sido especificados dado serem relevantes para a decisão das questões suscitadas nos autos;
F – Acresce que, desse relatório e dos documentos juntos pela Fazenda Pública em 16.03.2012, de fls. 123 a 142 dos autos, resulta que o relatório de inspecção consignado na alínea E) não foi precedido de audição prévia ao contribuinte/impugnante, bem como, que o mesmo não foi notificado ao contribuinte/impugnante,
G – Factos que são relevantes para apurar se houve preterição de formalidades legais no âmbito daquele procedimento de inspecção, em face do que se dispõe nos artigos 60º e 62º, nº 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, pelo que deviam ter sido consignados na matéria de facto;
H – Acresce que, resulta do teor do relatório de inspecção tributária consignado na alínea E) que o âmbito da acção inspectiva credenciada pelo Despacho nº ...87 foi «Parcial» e destinada a «Consulta, recolha e cruzamento de elementos» dos anos de 2004, 2005 e 2006, e que os pedidos de elementos às instituições bancárias identificadas pelo Banco de Portugal sobre contas que o impugnante fosse ou tivesse sido titular ou co-titular, incidiu sobre o período entre 01/01/2004 e 31/12/2006, e não até 31/12/2005 como se encontra assente em D), por ter sido efectuado o alargamento do procedimento inspectivo ao ano de 2006 e ter sido solicitada e concedida pelo sujeito passivo uma nova autorização de levantamento do sigilo bancário para esse ano;
I – Estes factos são igualmente relevantes para apurar se houve preterição de formalidades legais no âmbito do procedimento de inspecção, em face do que se dispõe nos artigos 15º, nº 1, 60º e 62º, nº 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, pelo que, devia ter sido consignado o âmbito e a extensão daquele procedimento de inspecção, bem como, que ocorreu o alargamento do procedimento ao ano de 2006;
J – Esta factualidade, conjugada com a demais que se encontra assente a respeito da acção de inspecção levada a cabo através do Despacho nº ...87, é relevante para aferir se este procedimento de inspecção deve ser qualificado como externo e, consequentemente, se foi indevidamente qualificado e credenciado pela AT como sendo interno, com preterição de diversas formalidades essenciais, motivo por que há omissão de matéria relevante para a decisão;
K – Com efeito e como supra se referiu, a primeira diligência efectuada no âmbito daquele procedimento de inspecção foi a consulta de diversos Processos de Inquérito juntos dos Tribunais onde os mesmos se encontravam pendentes, como expressamente consta do relatório elaborado a esse respeito, a fls. 126 a 139 dos autos (Doc. 2 junto pela Fazenda Pública em 16.03.2012), na pág. 4 e sob a epígrafe: “1) Consultas de processos de inquérito em tribunal”, a que se seguiu a recolha de fotocópias de partes desses processos, efectuada pessoalmente pelo técnico; e a segunda diligência levada a cabo pela inspecção tributária ao abrigo do Despacho nº ...87 foi a “2) Autorização do levantamento do sigilo bancário”, através de declarações de autorização recolhidas junto do sujeito passivo, na sua residência e em três datas distintas (4/05/2007, 14/06/2007 e 31/10/2007), abrangendo os anos de 2004, 2005 e 2006;
L – Estes actos inspectivos – a consulta de processos em tribunal, a recolha de elementos destes processos feita pessoalmente, bem como, as deslocações à residência do contribuinte para obtenção de autorizações de levantamento do sigilo bancário – evidenciam que aquele procedimento de inspecção é externo, em face do disposto na alínea b) do artigo 13º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária;
M – Deste modo, não podemos subscrever o entendimento expresso na sentença recorrida no sentido de que “(...) o procedimento de inspecção que teve início em 04/05/2007, ao ter sido realizado totalmente dentro das instalações da A.T. tem de ser classificado como interno;”, porque não é essa a realidade que resulta dos autos;
N – Acresce que, e como se encontra assente na alínea D) da matéria de facto, a Administração Tributária procedeu, ainda nesse âmbito, à prática de diversos actos junto de terceiros, tendo-se deslocado às instalações da Alfandega ... e da Conservatória do Registo Automóvel ... para recolha de elementos, através dos quais foram apuradas as correcções que conduziram à liquidação de IRS em causa nos autos;
O – Os elementos obtidos através destas diligências, que decorreram ao longo de cerca de um ano e meio, permitiram, sem margem para dúvidas, fundamentar as correcções efectuadas em sede de IRS que deram origem à liquidação impugnada, conforme resulta dos mapas anexos ao relatório consignado em E) – (anexo 1, a fls. 136 a 139) – em que a AT identifica as viaturas supostamente vendidas pelo impugnante em 2005, os nomes e números de identificação dos compradores, o preço de compra e de venda e apura o resultado líquido para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRS;
P – Deste modo, sendo inequívoca a prática de actos de inspecção fora das instalações da Administração Tributária, e inequívoco, também, que foi a actuação da AT junto do impugnante (para obtenção de autorização de acesso à informação bancária) e junto de terceiros que possibilitou as correcções desencadeadas em sede de IRS, o procedimento de inspecção levado a cabo ao abrigo do Despacho nº ...87 é de qualificar como externo;
Q – Com efeito, o procedimento de inspecção interno só ocorre quando os actos de inspecção se realizam exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal de elementos disponíveis na sua base de dados, sem necessidade de encetar diligências junto de terceiros;
R – Trata-se, nesse caso, de um procedimento de análise de conformidade entre documentos e elementos que estão na disponibilidade da Administração Tributária e que, por essa razão, pode ser realizado exclusivamente nos seus serviços, tal como resulta do artigo 13º, alínea a) do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária;
S – No caso em apreço e como está evidenciado nos autos, foram praticados actos junto dos Tribunais, foi solicitada ao impugnante na sua residência e em datas distintas (4/05/2007, 14/06/2007 e 31/10/2007) que assinasse autorizações de levantamento do sigilo bancário, e foram recolhidos junto de terceiros, pessoalmente pelo técnico de inspecção, diversos elementos de informação, actos que por si só evidenciam um procedimento de inspecção externo e traduzem uma actividade investigatória totalmente distinta da mera “análise formal e de coerência dos documentos” prevista na alínea a) do artigo 13º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária;
T – Como se refere nos Acórdãos do TCANorte de 13.11.2014 e do TCASul de 01.10.2014, proferidos nos processos nºs 01854/10.8 BEBRG e 04817/11, “a qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração praticar”.
U – No caso dos autos e contrariamente ao entendimento sufragado pela decisão recorrida, a consulta de diversos processos em Tribunal e a recolha de elementos dos mesmos, o recurso ao levantamento do sigilo bancário e o vasto conjunto de diligências realizadas pela AT junto de terceiros, deslocando-se pessoalmente às suas instalações para esse efeito, não se inserem numa mera acção de recolha de informação, levada a cabo exclusivamente nos serviços da AT, antes traduzem uma acção de inspecção externa, de óbvio cariz investigatório, em resultado da qual foram obtidos os elementos que permitiram as correcções em sede de IRS desencadeadas pela AT;
V – Pelo que, sendo de qualificar como externo o procedimento de inspecção desenvolvido ao abrigo do Despacho nº ...87, e tendo o mesmo dado origem a correcções em sede de IVA e de IRS, destas últimas resultando a liquidação objecto de impugnação judicial, verifica-se que a Administração Tributária não observou as formalidades legais impostas pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, designadamente no que respeita à credenciação prevista no artigo 46º, nº 1 do RCPIT, à notificação prévia para o início do procedimento prevista no artigo 49º, nº 1 do RCPIT, à notificação da extensão do procedimento ao ano de 2006, prevista no artigo 15º, nº 1 do RCPIT, à notificação para a audição prévia prevista no artigo 60º do RCPIT e à notificação do relatório final do procedimento prevista no artigo 62º do RCPIT;
W – Trata-se de formalidades previstas na lei como essenciais, estruturantes do procedimento de inspecção tributária, cuja preterição determina a invalidade do procedimento e dos seus termos posteriores, i.e. da liquidação que se suporta no mesmo, nos termos do artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo vigente à data, aplicável por força do artigo 4º, alínea e) do RCPIT, motivo por que devia ter sido julgada procedente a impugnação judicial;
X – Sem prescindir, o superveniente conhecimento por parte do impugnante, na pendência do processo de impugnação, da existência do relatório da inspecção consignado na alínea E), elaborado no procedimento inspectivo credenciado pelo Despacho nº ...87 e que não lhe foi notificado, permite concluir pela existência formal de dois procedimentos de inspecção incidentes sobre o ano de 2005, circunstância que até então era desconhecida do impugnante;
Y – Esse conhecimento superveniente, porém, não pode prejudicar os direitos de defesa do impugnante, pelo que cumpre analisar, neste sede, o que a este respeito se dispõe no artigo 63º, nº 3 da Lei Geral Tributária (em vigor à data dos factos) e concluir que, não havendo evidência nos autos de ter sido emitida pelo dirigente máximo do serviço a decisão fundamentada com base em factos novos prevista naquele normativo, nem tendo a Administração Tributária reclamado a sua existência, há violação do citado preceito legal, com a consequente invalidade do procedimento de inspecção levado a cabo através da Ordem de Serviço nº ...36 e dos subsequentes actos, designadamente, a liquidação de IRS objecto de impugnação judicial;
Z – Por último e sobre a questão da caducidade do direito à liquidação, há que considerar que, respeitando a liquidação impugnada a IRS do ano de 2005, o prazo de caducidade do direito à liquidação iniciou a sua contagem em Janeiro de 2006 e, sendo esse prazo de 4 anos e não tendo qualquer dos procedimentos inspectivos supra referidos a virtualidade de suspender este prazo por terem tido duração superior a seis meses, este completou-se em Janeiro de 2010;
AA – A sentença recorrida considerou que, por força da instauração de inquérito criminal contra o impugnante e do disposto no número 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária, foi alargado o prazo de caducidade, não ocorrendo, por isso, a caducidade do direito à liquidação;
BB – Todavia, a impugnação judicial foi apresentada em 18 de Novembro de 2010 e só em 13 de Abril de 2011 é que o impugnante teve conhecimento da instauração do processo de inquérito nº ..6/0...DPRT por ter sido nessa data que, mediante convocação para o efeito, foi constituído arguido e prestou declarações nessa qualidade – cfr. doc. 9 adiante junto;
CC – Ou seja, o impugnante só tomou conhecimento da existência do processo de inquérito depois de completado, de acordo com a informação de que dispunha, o prazo de caducidade do direito à liquidação de IRS aqui em causa e depois de ter dado entrada à impugnação judicial, circunstância que condicionou a sua defesa de forma evidente, quanto à questão da caducidade, sendo manifestamente injusto e desproporcionado que um facto desconhecido do impugnante venha a ser invocado em detrimento das suas garantias de defesa;
DD – Deste modo, é atentatório dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, do direito à defesa, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º e 268º, nº 4, da Constituição, fazer aplicação da norma constante do nº 5 do art. 45º da L.G.T. ao caso em apreço;
EE – Tanto mais se atentarmos a que nenhum dos factos apurados pela Administração Tributária resultou provado no âmbito do processo criminal instaurado contra o impugnante, como decorre da sentença proferida naquele processo e que está consignada em R) da matéria assente;
FF – Pelo que a sentença recorrida, além da referida omissão de matéria de facto incorreu em erro de julgamento, violando os supra citados normativos legais, motivo por que deve ser revogada.
v

A Recorrida, não contra-alegou.
v

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso apresentado (Fls. 341 do Sitaf).
v
Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

v

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT) são as de saber se a sentença recorrida incorreu erro de julgamento da matéria de facto, por não especificar os factos relevantes para a decisão e que estão documentados nos autos; erro de julgamento de direito por errada qualificação do procedimento inspetivo; violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, do direito à defesa e da tutela jurisdicional, consagrados nos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º e 268º, nº 4, da Constituição, no que respeita à caducidade da liquidação.

Questão Prévia:
A Recorrente, a fls 319 do sitaf, veio apresentar uma certidão emitida pelo Serviço de Finanças ..., onde se certificam as fls de 1 a 8 do relatório de inspeção tributário, referente ao processo de contra ordenação ...29.
A apresentação do requerimento foi efetuada em 02-10-2020, já depois das suas alegações de recurso.
Ora, em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva).
Estabelece o n.º 1 do art.º 651.º do CPC que as partes apenas podem juntar documentos às alegações (i) nas situações excecionais a que se refere o art.º 425.º do CPC, o qual somente admite, depois do encerramento da discussão e em caso de recurso, “os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, ou (ii) no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito.
Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a exceção ditada, nesta matéria, pelo legislador.
Pelo exposto, i) atendendo à fase em que se encontrava já o presente processo aquando da apresentação do requerimento em questão; ii) Ao facto de, não obstante alegar que só foi possível neste momento juntar os documentos, por terem sido agora disponibilizados, sem justificar objetivamente ou subjetivamente tal apresentação, entende-se não se verificar, “in casu”, nenhuma das hipóteses legalmente previstas para a admissibilidade da apresentação de documentos pelas partes em sede recursória, pelo que não se admite a sua junção.

v

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

Factos provados

A) Em 11/09/2006 foi elaborado documento intitulado “Emissão de Despacho” do qual consta o seguinte:
“Recolha de elementos com vista a informar uma denúncia relacionada com agiotagem em empréstimos clandestinos de dinheiro à taxa de 5% ao mês, venda ilegal de veículos automóveis e sinais exteriores de riqueza…”. - Fls. 125.

B) Em 15/09/2006 foi emitido o Despacho n.º ...87, do qual consta o seguinte:
“Objectivos da acção inspectiva: Outros. Recolha de elementos com vista a informar a Ent. Conf. 595/05.”. - Fls. 124.

C) Em 04/05/2007 o Impugnante assinou o Despacho, recebendo uma cópia. - Fls. 124.

D) Ao abrigo do referido Despacho, a A.T. efectuou os seguintes pedidos e obteve várias respostas aos mesmos:
- pedido ao Impugnante de autorização para levantamento do sigilo bancário;
- pedido de informação ao Banco de Portugal sobre as contas bancárias de que o Impugnante fosse ou tivesse sido titular ou co-titular entre 01/01/2004 e 31/12/2005;
- pedidos de elementos às instituições financeiras identificadas pelo Banco de Portugal e pedidos dos documentos de suporte dos movimentos a crédito e a débito;
- pedidos de elementos aos emitentes de documentos que deram origem aos movimentos a crédito nas contas bancárias do Impugnante e aos beneficiários de débitos;
- pedidos de elementos aos adquirentes de viaturas automóveis;
- pedido de elementos ao Director da Alfandega ...; e
- pedido de elementos à Conservatória do Registo Automóvel.

- Cfr. Fls. 80 a 363 do P.A.

E) Em 05/12/2008, foi elaborado Relatório de inspecção tributária com o teor que consta de fls. 126 a 131.

F) Em 19/11/2008, foi elaborada proposta de emissão de Ordem de serviço para o ano de 2005, constando do “Anexo à proposta de fiscalização” o seguinte:
“Durante a acção de inspectiva…relativa aos anos de 2004 e 2005, para cumprimento do Despacho n.º ...87, tendo em vista a recolha de elementos com o objectivo de informar uma denúncia identificada relacionada com agiotagem em empréstimos clandestinos de dinheiro à taxa de 5% ao mês, venda ilegal de veículos automóveis e sinais exteriores de riqueza, confirmou-se que o sujeito passivo exerceu clandestinamente a actividade de comércio de veículos automóveis nos anos objecto de fiscalização, sem ter declarado o início de actividade e sem, consequentemente ter declarado os respectivos rendimentos, para efeitos de IRS, nem as respectivas vendas de automóveis, para efeitos de IVA, encontrando-se em causa valores na ordem de:

AnoLucro Tributável / Prejuízo FiscalIVA em falta
Nas vendasNas AICB´S
2005€ 30.000.00€ 20.000,00€ 15.000,00


Pelo que se propõe a emissão de Ordem de Serviço para o ano de 2005.” - Fls. 132 e 133.

G) Foi determinada a emissão da Ordem de serviço n.º 0120...36. - Fls. 132 e 133 verso.

H) Foi remetida ao Impugnante “Carta aviso” datada de 08/01/2009 dos Serviços de Inspeção ..., por carta registada com aviso de recepção assinado em 09/01/2009. – Fls. 11 e 12 do P.A.

I) Em 16/03/2009, o Impugnante assinou a Ordem de serviço. -Fls. 13 do P.A.

J) Foi remetido ao Impugnante o projecto de Relatório da inspecção tributária, por carta registada. – Fls. 315 e 316 do P.A.

K) Em 27/08/2009 foi elaborado Relatório de inspecção tributária com o teor que consta de fls. 22 a 79 do P.A.

L) O Relatório de inspecção foi remetido ao Impugnante pelo ofício n.º ...10, de 21/09/2009, por carta registada com aviso de recepção assinado em 29/09/2009. – Fls. 20 e 21 do P.A.

M) Foi elaborada “Nota de diligência” constando da mesma que a inspeção foi iniciada em 16/03/2009 pelas 10h.01m. e concluída em 30/07/2009 pelas 11h.45m. – Fls. 14 do P.A.

N) Em 30/10/2009, o Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável, não tendo sido obtido o acordo entre os peritos. – Fls. 371 a 399 do P.A.

O) Em 27/07/2010 foi emitida a liquidação de I.R.S. n.º ...87 e juros compensatórios, relativa a 2005, no montante total de € 29.954,10, de que resultou um valor a pagar de € 28.830,79. Fls. 400 a 403 do P.A. e fls. 73 a 75.

P) A liquidação referida na alínea anterior foi remetida ao Impugnante por carta registada em 30/07/2010. – Fls. 76.

Q) Contra o Impugnante foi instaurado o inquérito criminal n.º ..6/0...DPRT, por factos detectados na inspecção. – Fls. 149 e 165.

R) Em 03/04/2014 foi proferida sentença pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, ... Juízo Criminal, no inquérito referido na alínea anterior, com o teor de fls. 165 a 169, que absolveu o Impugnante do crime cuja prática lhe havia sido imputada. – Fls. 165 a 169.
v
Factos não provados

O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.

v

Motivação da decisão da matéria de facto

O acervo de factos provados baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos e do P.A. que não foram impugnados, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.
v

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


No caso em apreço, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente contra a liquidação I.R.S. n.º ...87 e juros compensatórios, relativa a 2005, no montante total de € 29.954,10, da qual resultou um valor a pagar de € 28.830,79.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando as alegações de recurso cumpre ao Tribunal aferir se o tribunal a quo:

Incorreu em erro de julgamento da matéria de facto por não especificar os factos relevantes para a decisão e que estão documentados nos autos;
erro de julgamento de direito por errada qualificação do procedimento inspetivo;
violação os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, do direito à defesa e da tutela jurisdicional, consagrados nos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º e 268º, nº 4, da Constituição, no que respeita à caducidade da liquidação.


Vejamos.

Do erro de julgamento de facto, por a matéria de facto assente na sentença se revelar, insuficiente, por não especificar todos os factos relevantes para a decisão e que estão documentados nos autos.

Atendendo à sua precedência lógica, há que começar pela apreciação do erro de julgamento de facto alegados, pois o que sobre os mesmos se decidir poderá condicionar a apreciação do erro de julgamento de direito.

Antes de mais convém esclarecer que para seja possível a alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto tal pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorretamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640º nº1 alíneas a) e b) do CPC).

Com efeito, só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro de apreciação da prova o que legitima a respetiva correção pelo Tribunal Superior.
Na decisão sobre a matéria de facto o Juiz a quo aprecia livremente a prova, analisa-a de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, exceto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na respetiva apreciação.
Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada, o tribunal de recurso pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pela Recorrente como mal ou incorretamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.
Pois se, o Recorrente pretende com estas alegações, que o tribunal ad quem proceda à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adotada.
Pois que, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, exige que o recorrente especifique:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Com efeito, e analisando as alegações de recurso, adiantamos desde já que tal ónus não foi cumprido, limitando-se o Recorrente a invocar a ausência de um conjunto de factos, que não circunscreve nem densifica, não indicando igualmente os meios de prova em que se sustenta.
Ainda assim, no caso concreto, e se bem interpretamos as conclusões do recurso quanto à insuficiência ou errada valoração da matéria de facto que o Recorrente entende que existe, o que está em causa, em bom rigor, não é um qualquer erro de julgamento de facto, mas antes um putativo erro de julgamento de direito.

Assim concluímos que o que foi efetuada foi uma mera manifestação de discordância face ao constante da sentença recorrida, sem que estejam minimamente cumpridas as exigências supramencionadas, motivo pelo qual se considera não ter havido qualquer impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Pelo que se não conhece do objeto do recurso nesta parte.


Mas continuemos.

Do erro de julgamento de direito por errada qualificação do procedimento inspetivo;

Discorda o recorrente da qualificação na sentença sob recurso de qualificação do procedimento inspetivo como interno, pois que em seu entender e sendo qualificado como externo tal originaria um desfecho diferente no processo.
Ou seja, enquanto na sentença se entende que o procedimento é interno porque as diligências são efetuadas nas instalações da AT, a recorrente alega que os factos levados ao probatório refletem uma realidade diferente pois deles constam diligências e recolha de elementos efetuados fora das instalações pelo que o procedimento deveria ser qualificado como externo e, por via dessa classificação, houve preterição de formalidades que não foram cumpridas e que levariam à procedência da impugnação judicial.

Assim é relevante aferir se este procedimento de inspeção deve ser qualificado como externo e, consequentemente, se foi indevidamente qualificado e credenciado pela AT como sendo interno, com preterição de diversas formalidades essenciais, conforme a alegação do recorrente: “(…) verifica-se que a Administração Tributária não observou as formalidades legais impostas pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, designadamente no que respeita:
à credenciação prevista no artigo 46º, nº 1 do RCPIT;
à notificação prévia para o início do procedimento prevista no artigo 49º, nº 1 do RCPIT;
à notificação da extensão do procedimento ao ano de 2006, prevista no artigo 15º, nº 1 do RCPIT;
à notificação para a audição prévia prevista no artigo 60º do RCPIT;
à notificação do relatório final do procedimento prevista no artigo 62º do RCPIT (…)”


Cumpre apreciar.

Como bem sabemos, o apuramento da situação tributária dos contribuintes pode ser feito através de atos de inspeção levados a cabo pela administração tributária.
E dúvidas também não existem que o procedimento inspetivo é, um procedimento tributário, como decorre do art.º 54.º da Lei Geral Tributária (LGT).
O então n.º 5 (atual n.º 6) desta mesma disposição legal remete para diploma próprio a regulamentação do “exercício do direito de inspeção tributária” o RCPIT, aprovado pelo DL n.º 413/98, de 31/12, nele se definindo, além do mais, os princípios e regras aplicáveis aos atos de inspeção.
Atentando no n.º 1 do art.º 2.º do RCPIT, “o procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributária, a verificação do cumprimento das obrigações tributária e a prevenção das infrações tributárias”.

Como resulta do preâmbulo do DL n.º 413/98, de 31 de dezembro, cujo anexo constitui o RCPIT:
“Tendo em conta a natureza da actividade inspectiva, a Administração não poderá estar subordinada a uma sucessão imperativa e rígida de actos. Porém, esta circunstância não prejudica a consagração de regras gerais de actuação visando essencialmente a organização do sistema, e consequentemente a garantia da proporcionalidade aos fins a atingir, da segurança dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e a própria participação destes na formação das decisões, evitando a proliferação de litígios inúteis.
No respeito por estes princípios, a Lei Geral Tributária acolheu uma concepção da inspecção tributária harmónica com o moderno procedimento administrativo e as garantias dos cidadãos.
Assim, a natureza do presente diploma é essencialmente regulamentadora não se pretendendo alterar os actuais poderes e faculdades da inspecção tributária nem os deveres dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que se mantêm integralmente em vigor.
No entanto, a melhor sistematização da acção fiscalizadora incrementará a sua eficiência e eficácia, bem como a segurança do procedimento de inspecção, tendo sido diminuída a margem de discricionariedade”.

O RCPIT define, pois, os termos em que deve ser levado a cabo o procedimento inspetivo, consagrando, designadamente, desde os princípios globais em termos de atuação (cfr. art.ºs 5.º a 10.º), à classificação dos procedimentos (cfr. art.ºs 12.º a 15.º), à competência para os mesmos (cfr. art.ºs 16.º a 19.º), ao planeamento e seleção (cfr. art.ºs 23.º a 27.º) e aos termos do procedimento propriamente dito (cfr. art.ºs 28.º e ss.).

Especificamente quanto à classificação dos procedimentos de inspeção tributária, o RCPIT prevê várias classificações, sob diversos prismas.

Concretizando:
a) Quanto aos fins, o procedimento de inspeção pode ser (cfr. art.º 12.º, n.º 1, do RCPIT):
a.1. De comprovação e verificação;
a.2. De informação;

b) Quanto ao lugar do procedimento, o mesmo pode ser (cfr. art.º 13.º do RCPIT):
b.1. Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da AT, através da análise formal e de coerência dos documentos;
b.2. Externo, quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso;

c) Quanto ao âmbito, o mesmo pode ser (cfr. art.º 14.º do RCPIT):
c.1. Geral ou polivalente, quando tiver por objeto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários;
c.2. Parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários ou se limite à consulta, recolha de documentos ou elementos determinados e à verificação de sistemas informáticos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, ou ao controlo de bens em circulação.

Vejamos agora, face ao objeto do presente recurso, com maior detalhe na consubstanciação das tipologias de inspeção, em função do lugar do procedimento.

Alega a recorrente que a atuação da AT se traduziu na realização de atos de inspeção fora dos serviços da Administração Tributária, pelo que deviam ter sido especificados dado serem relevantes para a decisão das questões suscitadas nos autos, de forma a se considerar se houve preterição de formalidades legais no âmbito daquele procedimento de inspeção, em face do que se dispõe nos artigos 60º e 62º, nº 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, que deviam ter sido consignados na matéria de facto;
Ora, não obstante a argumentação do Recorrente, os factos vertidos nas conclusões de recurso constam da matéria provada nas alíneas D) e E), sendo que deles não se extrata que tenham sido realizados fora das suas instalações.

No caso concreto a Mª Juíza entendeu que um procedimento inspetivo pode ser qualificado como interno mesmo que os atos materiais nele praticados não se esgotem na análise formal e coerente de documentos que já estejam na posse da A.T. no início da inspeção, ou seja, em seu entender, uma inspeção não tem que ser qualificada como externa apenas porque a análise ou apreciação também incidiu em documentos que foram solicitados pela A.T. e que vieram à sua posse no decurso da inspeção, desde que consumados nas suas instalações, como, em seu entender, aconteceu no caso em apreço.
Tal como se extrai da sentença: “(…) Resulta provado que foi emitido o Despacho n.º ...87, para realização de procedimento inspectivo de recolha de elementos com vista a informar uma denúncia relacionada com agiotagem em empréstimos clandestinos, venda ilegal de veículos automóveis e sinais exteriores de riqueza (cfr alíneas A) e B) dos factos provados).
Mais queda assente, na alínea D) dos factos provados, que, no âmbito desse procedimento inspetivo, a A.T. pediu ao impetrante autorização para levantamento do sigilo bancário e efectuou diversos pedidos de elementos e de esclarecimentos a pessoas e entidades (pedido de informação ao Banco de Portugal sobre as contas bancárias de que o Impugnante fosse, ou tivesse sido titular ou co-titular, pedidos de elementos às instituições identificadas pelo Banco de Portugal e dos documentos de suporte dos movimentos a crédito e a débito, pedidos de elementos aos emitentes de documentos que deram origem aos movimentos a crédito nas contas bancárias do Impugnante e aos beneficiários de débitos, pedidos de elementos aos adquirentes de viaturas automóveis, pedido de elementos ao Director da Alfandega ... e pedido de elementos à Conservatória do Registo Automóvel).
Ora, verifica-se, pelo conjunto de documentos que constam de 80 a 363 do P.A., que essas diligências foram realizadas exclusivamente nos serviços da A.T., através da emissão de ofícios/pedidos remetidos pela Direcção de Finanças ... a diversas pessoas e entidades, da recepção nessa Direcção das respectivas respostas e da análise dos elementos/documentos recebidos.
De facto, não existe nos autos qualquer elemento do qual decorra que o inspector se tenha deslocado, enquanto durou a inspecção realizada ao abrigo do Despacho, às instalações do contribuinte ou de terceiros para efectuar as referidas diligências. E nem o Impugnante o alega.(sublinhado nosso)
Importa ainda salientar que, para efeitos de qualificação do procedimento inspectivo como interno ou externo, é absolutamente inócua a qualidade de terceiro das entidades e pessoas que forneceram os elementos à A.T. pois a lei apenas dá relevância, para este concreto efeito, ao local onde são realizados os actos de inspecção.
Aliás, um procedimento inspectivo pode ser qualificado como interno mesmo que os actos materiais nele praticados não se esgotem na análise formal e coerente de documentos que já estejam na posse da A.T. no início da inspecção.
Dito por outras palavras, uma inspecção não tem que ser qualificada como externa apenas porque a análise ou apreciação também incidiu em documentos que foram solicitados pela A.T. e que vieram à sua posse no decurso da inspecção, desde que consumados nas suas instalações, como aconteceu no caso em apreço.
Conclui-se, assim, que o procedimento de inspecção que teve início em 04/05/2007, ao ter sido realizado totalmente dentro das instalações da A.T. tem de ser classificado como interno; pelo que, nos termos do n.º 4 do artigo 46.º do R.C.P.I.T. não tinha de estar credenciado por Ordem de Serviço. Nestes termos, a tese do impetrante relativa à existência de preterição de formalidade essencial no procedimento inspectivo, não merece acolhimento (…)”
Assim e não obstante o referido nas conclusões de recurso, “(…) U – No caso dos autos e contrariamente ao entendimento sufragado pela decisão recorrida, a consulta de diversos processos em Tribunal e a recolha de elementos dos mesmos, o recurso ao levantamento do sigilo bancário e o vasto conjunto de diligências realizadas pela AT junto de terceiros, deslocando-se pessoalmente às suas instalações para esse efeito, não se inserem numa mera acção de recolha de informação, levada a cabo exclusivamente nos serviços da AT, antes traduzem uma acção de inspecção externa, de óbvio cariz investigatório, em resultado da qual foram obtidos os elementos que permitiram as correcções em sede de IRS desencadeadas pela AT”, não existem nos autos qualquer elemento do qual decorra que o inspetor se tenha deslocado, enquanto durou a inspeção realizada ao abrigo do Despacho, às instalações do contribuinte ou de terceiros para efetuar as referidas diligências.
Mais importa ainda salientar que, para efeitos de qualificação do procedimento inspetivo como interno ou externo, é absolutamente inócua a qualidade de terceiro das entidades e pessoas que forneceram os elementos à A.T. pois a lei apenas dá relevância, para este concreto efeito, ao local onde são realizados os atos de inspeção.

Assim não vemos motivo para nos afastarmos da letra da lei quando dispõe que para a qualificação do procedimento interno ou externo o que se deve atender é ao local em que esta é realizada, in casu nas instalações da AT.

Ainda assim importa adiantar que, afigurando-se o procedimento de grande complexidade, tais pedidos até se enquadram na preparação e programação a que se refere o artº 44º do RCPIT), com a epígrafe “Preparação, programação e planeamento do procedimento de inspecção”, e onde se diz o seguinte:

1- O procedimento de inspecção é previamente preparado, programado e planeado tendo em vista os objectivos a serem alcançados.
2- A preparação prévia consiste na recolha de toda a informação disponível sobre o sujeito passivo ou obrigado tributário em causa, incluindo o processo individual arquivado nos termos legais na Direcção-Geral dos Impostos, as informações prestadas ao abrigo dos deveres de cooperação e indicadores económicos e financeiros da actividade.
3- O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às pessoas previstas no n.º 3 do artigo 2.º quando as mesmas sejam incluídas no âmbito do procedimento de inspecção.
4- A programação e planeamento compreendem a sequência das diligências da inspecção tendo em conta o prazo para a sua realização previsto no presente diploma e a previsível evolução do procedimento.”

Com efeito, e olhando para o probatório dele se extrai que o procedimento é de grande complexidade, designadamente tendo em conta a grande quantidade de documentos a recolher, importando ainda proceder à consulta, recolha e cruzamento dos elementos obtidos em relação ao impugnante, ora recorrente.
Do probatório resulta que os pedidos foram solicitados na Direção de Finanças ..., e enviados para essa mesma entidade como pode ser constatado pelos anexos junto ao relatório da inspeção tributária.
Neste sentido pronunciou-se o STA em acórdão proferido em 05.11.2014, processo nº 0914/13, onde se discorre que, “(…) Distinguindo a Lei (o art.º 44.º do RCPIT) entre preparação prévia (recolha de toda a informação disponível sobre o sujeito passivo ou obrigado tributário em causa, incluindo o processo individual arquivado nos termos legais na DGI, as informações prestadas ao abrigo dos deveres de cooperação e indicadores económicos e financeiros da actividade), e programação e planeamento (estes compreendem a sequência das diligências da inspecção tendo em conta o prazo para a sua realização e a previsível evolução do procedimento), as questionadas diligências, os referidos pedidos (à C………, Lda.) dos extractos de conta corrente com os movimentos efectuados entre essa empresa e o impugnante, na qualidade de cliente e fornecedor, assim como cópia dos respectivos documentos de suporte; (ao sócio-gerente da E………, Lda.) dos extractos de conta corrente, entre a, respeitantes ao ano de 2005; e (a uma funcionária da H…….., Lda.) pedido de toda a documentação da Farmácia B………, respeitante ao ano de 2005] traduzem-se em meros actos preparatórios do procedimento de inspecção inseridos, ainda, em fase prévia do procedimento inspectivo; actos preparatórios que foram, aliás, dirigidos a terceiros (com quem o impugnante mantém relações profissionais e económicas) e não ao impugnante e foram operados, ao abrigo do acima mencionado princípio da colaboração [no ofício remetido à C………, Lda., invoca-se o disposto no n.º 2 do art.º 31.º e n.º 4 do art.º 59.º da LGT e na al. b), do n.º 3, do art.º 29.º do RCPIT] porque os serviços da AT devem reunir os elementos que possibilitem o apuramento da verdade tributária, em sede de inspecção.Com tais solicitações a AT não faz mais do que recolher preparatoriamente elementos e informação, (elementos que podem, até, não ser obtidos, por eventual não colaboração dos solicitados) não procedendo, ainda, a qualquer análise ou apreciação desses elementos pedidos. Elementos que, de todo o modo, posteriormente foram dados a conhecer ao sujeito passivo. Não estamos, portanto, em face de actos materiais do procedimento externo de inspecção (que visem e impliquem, desde logo, a directa observação da realidade tributária do sujeito passivo, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias ou a prevenção das infracções tributárias – cfr. o n.º 2 do art.º 2º do RCPIT) ou que se substanciem em exame de documentos, consulta de sistemas informáticos.(…)”.
Assim, não restam dúvidas, pois, que até por esta via, tais pedidos se enquadram na preparação e programação a que se refere o artº 44º do RCPIT.

Pelo exposto, podemos concluir desde já, que o procedimento inspetivo efetuado ao abrigo do Despacho ...87 deve ser classificado como procedimento interno, e deste modo não sujeito às formalidades exigidas nos artºs 46º a 49º do RCPIT, ou seja, às formalidades previstas para o procedimento externo de inspeção e aludidas pelo recorrente.

Pelo que se nega provimento nesta parte ao recorrente.


Da violação os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, do direito à defesa e da tutela jurisdicional consagrados nos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º e 268º, nº 4, da Constituição, no que respeita à caducidade da liquidação.

Alega o recorrente, quanto à caducidade da liquidação, que a sentença sob recurso considerou que, por força da instauração de inquérito criminal contra o impugnante e do disposto no número 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária, foi alargado o prazo de caducidade, não ocorrendo, por isso, a caducidade do direito à liquidação;

Sufraga o entendimento que, vejam-se as conclusões AA), BB), CC) e DD) a impugnação judicial foi apresentada em 18 de Novembro de 2010 e só em 13 de Abril de 2011 é que o impugnante teve conhecimento da instauração do processo de inquérito nº ..6/0...DPRT por ter sido nessa data que, mediante convocação para o efeito, foi constituído arguido e prestou declarações nessa qualidade.
(…) sendo manifestamente injusto e desproporcionado que um facto desconhecido do impugnante venha a ser invocado em detrimento das suas garantias de defesa;(…)
Deste modo, é atentatório dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, do direito à defesa, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º e 268º, nº 4, da Constituição, fazer aplicação da norma constante do nº 5 do art. 45º da L.G.T. ao caso em apreço;

Concretizemos.

Conforme resulta da sentença sob recurso e do probatório, o procedimento externo teve início em 16/03/2009 (data da assinatura da Ordem de serviço pelo Impugnante, cfr n.º 2 do artigo 51.º do R.C.P.I.T. – alínea I) dos factos provados) e terminou em 29/09/2009 (data de notificação do Relatório de inspeção, cfr n.º 2 do artigo 62.º do R.C.P.I.T. – alínea L) dos factos provados), tendo, assim, excedido os seis meses de duração; pelo que não surtiu efeito suspensivo sobre o prazo de caducidade, a que se refere o artº 36º do RCPIT.

Mas vejamos o que dispõem os artigos 45º e 46º da LGT, relativos à caducidade da liquidação.

O artigo 45.º da L.G.T. dispõe o seguinte: “1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. (…)
Haverá que assinalar que a Lei do Orçamento do Estado para 2006 (Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro) veio introduzir no artigo 45.º da LGT um n.º 5, com o seguinte teor: “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

Consagra-se, assim, um alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando o ato tributário em causa derivar de factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, alargamento este que tem como termo final o arquivamento do inquérito ou o trânsito em julgado da sentença exarada no respetivo processo criminal, em ambos os casos, acrescido do designado “ano técnico”.
Indispensável, para o efeito, é que os atos tributários de liquidação e a investigação criminal despoletada tenham por objeto os mesmos factos tributários, que é o caso dos autos, como resulta da sentença proferida em 03.04.2014, pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, ... Juízo Criminal, no âmbito do processo nº ...6/0....DPRT (inquérito ....1/0...TAVNG), veja-se o probatório (alíneas Q) e R) dos factos provados).

Assim, o prazo de caducidade que teve início em 31/12/2005 alargou-se até ao trânsito em julgado da sentença, que apenas veio a ser proferida em 03/04/2014; sendo o trânsito da mesma posterior a essa data.

Como tal, bem se conclui na sentença sob recurso que o prazo de caducidade do direito à liquidação terminou em data posterior a 03/04/2015. Tendo, a notificação da liquidação, se concretizado em 02/08/2010 (3.º dia posterior ao do registo – alínea P) dos factos provados), ocorreu dentro do prazo de caducidade.

Assim nenhuma censura pode ser assacada à sentença, nem se entende de que forma:”(…) é atentatório dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, do direito à defesa, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 2º, 18º, nº 2, 20º e 268º, nº 4, da Constituição, fazer aplicação da norma constante do nº 5 do art. 45º da L.G.T. ao caso em apreço; conforme se alega em DD das conclusões de recurso, porque não concretizado e porque nem o desfecho do processo de inquérito nem a data de constituição do ora recorrente como arguido têm qualquer efeito no prazo de caducidade, uma vez que o legislador faz depender o alargamento do prazo tão só da instauração do inquérito.

Pelo exposto será de negar provimento ao recurso e manter na totalidade a sentença.

v

Atenta a improcedência total do recurso, as custas ficarão a cargo do Recorrente – artigo 527.º, nos. 1 e 2, e 529.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais.

v
Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I- Para efeitos de qualificação do procedimento inspetivo como interno ou externo, é absolutamente inócua a qualidade de terceiro das entidades e pessoas que forneceram os elementos à A.T. pois a lei apenas dá relevância, para este concreto efeito, ao local onde são realizados os atos de inspeção.
II- Sendo classificado como procedimento interno, o mesmo não está sujeito às formalidades exigidas nos artºs 46º a 49º do RCPIT

v


V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

a) Nega-se provimento ao recurso e mantem-se a sentença recorrida.
b) Custas pelo Recorrente.


Porto, 03 de outubro de 2024,


Isabel Ramalho dos Santos (Relatora)
Carlos Castro Fernandes, em substituição (1.º Adjunto)
Paula Moura Teixeira (2.ª Adjunta)