Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01960/23.9BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/30/2025 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | ANA PATROCÍNIO |
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Descritores: | PRESCRIÇÃO, CITAÇÃO POSTAL SIMPLES; DEVEDOR SOLIDÁRIO, INSOLVÊNCIA; ENCERRAMENTO DO PROCESSO, PERÍODO DE CESSÃO; |
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Sumário: | I - A citação a que o artigo 49.º, n.º 1, da LGT confere efeito interruptivo da prescrição não é a citação através de postal nos termos do artigo 191.º do CPPT, relativamente à qual a lei não estabelece qualquer presunção do seu recebimento e respectiva data, e que tem carácter provisório, sendo que a citação só é de considerar efectuada, nos termos do artigo 193.º do mesmo código, após a penhora, quando for feita pessoalmente ou, caso a citação pessoal se não mostre possível, editalmente. II - A citação do responsável originário em processo de execução fiscal produz efeitos interruptivos da prescrição relativamente ao responsável solidário. III - O n.º 2 do artigo 48.º da LGT não consagra uma presunção, mas antes uma ficção legal, que, como tal, não é passível de ser ilidida. IV – Inexistem razões para distinguir entre as situações em que foram praticados factos interruptivos em relação a devedores solidários e aquelas em que idênticos factos foram praticados em relação ao devedor originário, pois, à face do CPPT, os devedores solidários são equiparados aos devedores originários, podendo ser-lhes exigido o pagamento da dívida precisamente nas mesmas condições em que o pode ser aos devedores originários. V - O princípio da legalidade no direito fiscal e a proibição da aplicação analógica das normas fiscais, inclusive em matéria de regime da prescrição, obstam a que se considere que, uma vez encerrado o processo de insolvência de uma pessoa individual que tenha requerido a exoneração do passivo restante, o prazo de prescrição da dívida exequenda, suspenso nos termos do artigo 100.º do CIRE, continue suspenso após aquele encerramento, durante o “período de cessão” (cfr. artigos 239.º e 242.º do CIRE) até ser proferida decisão final de concessão definitiva de exoneração do passivo restante.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório «AA», contribuinte fiscal n.º ...88, residente na Rua ..., ..., ... ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 07/10/2024, que julgou parcialmente procedente a Reclamação do acto do órgão de execução fiscal, proferido pelo Chefe de Finanças ..., em 10/08/2023, que indeferiu o pedido de reconhecimento de nulidade por falta de citação, da caducidade das liquidações dos impostos e da prescrição das dívidas exequendas nos processos de execução fiscal (PEF) n.º ...92, ...43 e ...39, instaurados por dívidas de Imposto Sobe o Rendimento das Pessoas Singulares, de 2004, 2005 e 2006, bem como o levantamento da penhora da pensão e a restituição dos valores entretanto objecto de penhora. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1ª O presente recurso vem interposto da Douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 07.10.2024 que, entendendo que as questões a decidir eram, a nulidade por falta de citação; da caducidade do direito à liquidação; do erro sobre os pressupostos de facto e de direito na análise da prescrição, a final, e face aos factos que entendeu como provados, decidiu: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente Reclamação, com todas as consequências legais designadamente a correcção quanto ao valor da penhora. Custas pela Reclamante e FP na proporção do decaimento que se fixa em 38% e 62% respectivamente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 7.º, n.º 4 do RCP e Tabela II anexa. Transitada e pagas as custas devolva os presentes autos ao OEF.” 2ª Estavam em causa nos autos 3 processos executivos nomeadamente o PEF n° ...39, PEF n° ...92 e PEF n° ...43. 3ª A reclamação foi julgada parcialmente procedente por via da procedência da nulidade da falta de citação no processo PEF n° ...39 e, como tal e por essa via, se verificar ter ocorrido a prescrição do referido processo. 4ª A aqui recorrente conformou-se com a decisão proferida relativamente ao processo PEF n° ...39, que de facto está prescrito, e onde se verificava a falta de citação dos executados. Mas 5ª Não se conforma com a decisão proferida relativamente aos outros dois processos, PEF n° ...92 e PEF n° ...43 6ª entende que se deveria ter considerado, por verificada a falta de citação da Reclamante, aqui recorrente em ambos os processos, declarar-se a nulidade insanável de ambos os processos de execução fiscal e, por via disso, também procedente a sua reclamação também nestes dois processos executivos. 7ª De facto, entende que ambos os processos também, prescreveram. 8ª E, no processo PEF n° ...43, como entende o MM° Juiz a quo “a citação em causa não teve efeito interruptivo da contagem do prazo de prescrição dado que não existem evidências nos autos de que o executado dela tenha tomado conhecimento” 9ª A recorrente não foi citada e a citação do marido também não produziu quaisquer efeitos interruptivos do prazo de prescrição nesse processo, nem na esfera do marido, nem na sua. 10ª Não se concebe que se entenda e se cite jurisprudência – como faz a própria sentença aqui colocada em crise - no sentido de se entender que a citação levada a cabo mediante postal simples ou postal registado, não seja definitiva e capaz de produzir efeito interruptivo do prazo de prescrição pois revela falta de segurança – por não existirem nos autos evidências de que tenha tomado conhecimento - e uma total ausência de citação como é o caso da alegada citação da reclamante se entenda que a mesma foi citada na pessoa do marido .... e ou que a citação do marido produziu efeitos na sua esfera jurídica ainda que não resulte dos autos que dela tenha tomado qualquer conhecimento. 11ª Tal citação ocorrida à total “revelia” da aqui recorrente não pode ter o condão de, nos termos do nº 2 do art. 48º da LGT, interromper o prazo de prescrição relativamente à executada não citada. 12ª E ....que tal citação, independentemente da executada - não citada - ter conhecimento ou não dos factos, produza seus efeitos e efeitos esses extremamente nocivos na sua sede (pele), e 13ª Da mesma forma que a citação do cônjuge não teve efeito interruptivo da contagem do prazo de prescrição dado que não existem evidências nos autos de que o executado dela tenha tomado conhecimento, a citação do cônjuge (ainda que por citação pessoal) sem que existam provas de que a cônjuge dele tenha tomado conhecimento não pode ter tal efeito interruptivo da contagem do prazo da prescrição. 14ª Relativamente ao processo PEF nº ...43, ainda que procedesse o entendimento constante da Douta Sentença e que a citação do cônjuge tivesse produzido efeitos na esfera da reclamante, teria ainda que proceder a sua reclamação relativamente a este processo por via do decurso do prazo de prescrição. 15ª A declaração de insolvência da reclamante suspendeu a contagem do prazo de prescrição apenas entre 02.06.2008 (data da sentença de declaração de insolvência) até ao encerramento do processo de Insolvência ocorrido em 25.01.2016 e não até 05.01.2022 (data do despacho de exoneração do passivo restante). 16ª Resulta da lei que a suspensão resultante da declaração de insolvência, termina conforme prescreve a lei, com o encerramento do processo de insolvência, acto formal e concreto no processo de insolvência. (art. 100° CIRE) e não com o despacho de exoneração do passivo restante. 17ª Não se verificando qualquer suspensão do processo entre o encerramento do processo e a data da exoneração do passivo restante facilmente se conclui que também por esse motivo prescreveu o referido processo PEF n° ...43, 18ª Como referido expressamente na reclamação apresentada os dados relevantes são, o Inicio do prazo prescrição que ocorreu em 01.01.2007, a declaração de Insolvência que ocorreu em 02.06.2008, e o encerramento do processo de insolvência que ocorreu em 25.01.2016, facto do qual foi junta prova com a reclamação e é facto público e notório por ser objecto de publicação oficial. 19ª Entre o início do prazo de prescrição e a declaração de insolvência decorreram 518 dias 20ª Entre o encerramento do processo e 10.08.2023 decorreram 2754 dias 21ª Deverão assim somar-se estes dois hiatos temporais (518 + 2754 = 3882) e verificar-se que ocorreu a invocada prescrição. 22ª E como tal a mesma terá que ser também declarada nos presentes autos. E 23ª A Douta decisão aqui colocada em crise entende, baseando-se no disposto no n° 2 do art. 48° da Lei Geral Tributária, e mal no nosso entender, que a citação do cônjuge da executada, aqui reclamante e recorrente tem a virtualidade de interromper o decurso do prazo de prescrição, uma vez que a reclamante é responsável solidária. 24ª Tal não pode ocorrer. 25ª Tal citação do cônjuge não pode (con)ter tal virtualidade. 26ª Tal citação do cônjuge não interrompe a prescrição para a sua mulher reclamante, pois constituiria uma ofensa aos princípios do contraditório e de ampla defesa. 27ª O direito à defesa e ao contraditório é um princípio constitucional fundamental, que seria violado se tal fosse entendido. 28ª A citação formal é um acto jurídico necessário para garantir que as pessoas afectadas por um processo tenham conhecimento dele e possam exercer de forma cabal a sua defesa. 29ª Não poderá retirar-se da citação de terceiro, ainda que cônjuge e responsável solidário, efeito para um executado, se não existir a certeza de que tal citação chegou ao seu conhecimento. 30ª Tem que haver uma interpretação restritiva deste artigo 48º nº 2 da LGT à semelhança do que tem entendido a nossa jurisprudência sobre a citação enquanto facto interruptivo, sendo aqui pertinente os próprios dois acórdãos citados pela própria MMª Juiz à quo na Douta Sentença embora referindo-se a outra questão. 31ª A jurisprudência dominante tem-se pronunciado no sentido de que a citação postal não atribui o efeito duradouro à interrupção da prescrição, o que decorre do facto de não ser possível apresentar qualquer comprovativo da citação ter sido efectivada, mas apenas o mero envio da mesma, mas, se ficar demonstrado que a mesma chegou ao conhecimento do executado, tem de ser considerado o efeito interruptivo do acto praticado na execução fiscal desta citação. 32ª Face a tal posição, não se concebe como possível um efeito interruptivo de citação de terceiro se nunca chegou ao conhecimento efectivo do executado, seja ele responsável solidário ou não. 33ª Deverá à semelhança do que ocorre aí considerar-se que tal citação do cônjuge não poderá deixar de apresentar caracter de provisoriedade, que não confere a virtualidade de interromper a prescrição, neste caso para a aqui recorrente. 34ª A citação em causa não teve efeito interruptivo da contagem do prazo de prescrição dado que não existem evidências nos autos de que a executada dela tenha tomado conhecimento. 35ª Como verificamos, as duas questões suscitadas no presente recurso são essencialmente questões de direito. 36ª No entanto, para a sua procedência torna-se necessário que determinados factos alegados sejam considerados provados, factos esses que resultam provados de documentação junta aos autos, de factos públicos e notórios como o acto de publicidade de encerramento do processo, e de não existir nos autos qualquer indício de que a recorrente tenha tido conhecimento ou sequer qualquer contacto com os processos executivos até à data da penhora ou da data em que pediu a certidão do processo. 37ª Factos esses que apesar de provados ou demonstráveis não foram considerados pertinentes para a decisão e teriam que o ter sido. 38ª E se assim não se entendesse – já resultar provado dos elementos do processo - deveria a prova testemunhal ser admitida para que fosse possível provar tais factos, assim como o facto alegado da recorrente não ter qualquer informação relativa aos processos. 39ª Recorre assim a aqui recorrente de facto e de direito, apesar das questões serem de direito impõe-se que determinados factos sejam levados aos factos provados, por terem interesse para a decisão a proferir, 40ª Que devem estar provados ou declarar-se a inexistência de indícios de conhecimento que conduziriam necessariamente a outra decisão. 41ª As duas questões de direito suscitadas deverão conduzir à conclusão da verificação da prescrição dos restantes dois processos ainda não considerados prescritos na Douta decisão. 42ª Os factos provados serão suficientes para a decisão aqui preconizada Mas 43ª Assim não se entendendo deveria a Douta Sentença ter ainda considerado provados outros factos alegados pela reclamante por pertinentes para a decisão e que têm que ficar provados nomeadamente e em especial a data de encerramento do processo de insolvência ocorreu em 25.01.2016 44ª Tal foi alegado, nos arts. 85º, 86º, 87º, 93º a 96º inclusive e112º 118 e 119º, e apesar de não ser necessário, foi junta a prova cabal nomeadamente a publicidade da decisão de encerramento: 45ª Sendo ainda pertinente ficar provado, expressamente que a executada – aqui recorrente nunca foi citada em nenhum dos processos. E 46ª A suspensão termina com o encerramento do processo de Insolvência, tal como determina o art. 100º do CIRE o qual é publico, consta do portal e pode ser consultado, e que ocorreu em 25.01.2016 conforme cópia da publicação junta com a reclamação que constitui facto notório e público por ser objecto de publicidade 47ª A decisão proferida lesa, de forma tão evidente como incompreensível, os seus direitos de defesa, tal como estes são protegidos constitucionalmente, quer na lei civil, quer nas regras tributárias. 48ª Por maioria de razão quando se entende que o cônjuge alegadamente citado no processo, tal citação não teve o condão de ter “o efeito interruptivo da contagem do prazo dado que não existem evidencias nos autos de que o executado dela tenha tomado conhecimento”, nesta situação é mais do que manifesto que nem foi citada a executada/requerente/reclamante pelo que por maioria de razão tal citação do cônjuge não poderia ter o condão de ter “o efeito interruptivo da contagem do prazo dado que – por maioria de razão dizemos nós - não existem evidencias nos autos de que a executada dela tenha tomado conhecimento”, 49ª até esse “bonito” dia em que a executada recebeu o oficio datado de 18.11.2022, nenhuma comunicação a aqui executada tinha recebido ….., por nenhuma comunicação lhe ter sido dirigida como reconhece no despacho a Fazenda Publica...! 50ª Até tal dia não tinha como reclamar, graciosamente ou não, nem tinha como reagir a um tributo cuja caducidade do direito à liquidação entende ter ocorrido. 51ª Não foram cumpridas as prescrições constantes do art. 190º e ss do CPPT, e 225º e ss do Código Civil, essenciais ao mínimo e cabal exercício seu direito de defesa. 52ª A executada apenas teve conhecimento da existência de processos executivos em seu nome, apenas no decurso do ano de 2021, quando verificou no Portal das finanças a existência de dívidas que desconhecia e continua a desconhecer. 53ª Nunca a aqui recorrente teve conhecimento, nem pelo seu falecido marido, quem recebia e tratava toda a correspondência, da existência de qualquer citação que eventualmente pudesse ele ter recebido. 54ª Como aliás, por sistema não comunicava à executada, quaisquer assuntos relativos a questões financeiras ou empresariais. 55ª O marido da aqui executada era empresário cuja empresas foram declaradas insolventes, a recorrente era doméstica a não tinha conhecimento factual dos vários problemas que as empresas tiveram que as conduziram à insolvência, apenas sentindo na pele as consequências dessa situação, na falta de dinheiro em casa. 56ª Não teve assim a aqui executada conhecimento de qualquer acto de citação nem lhe era possível ter conhecimento do mesmo. 57ª Tal facto não é imputável à aqui executada. 58ª No presente recurso suscitam-se duas questões jurídicas, que importa decidir, e tal decisão conduzirá de forma evidente à constatação da prescrição dos processos executivos 59ª Uma delas é a data em que cessa a suspensão da prescrição resultante da declaração de insolvência, neste caso da aqui recorrente, que face ao disposto no art. 100º do CIRE, terá que ser com o encerramento do processo. 60ª Como referem dois citados acórdãos” O princípio da legalidade no direito fiscal e a proibição da aplicação analógica das normas fiscais, inclusive em matéria de regime da prescrição, obstam a que se considere que, uma vez encerrado o processo de insolvência de uma pessoa individual que tenha requerido a exoneração do passivo restante, o prazo de prescrição da dívida exequenda, suspenso nos termos do artigo 100º do CIRE, continue suspenso após aquele encerramento, durante o “período de cessão” (cf. artigos 239º e 242º do CIRE) até ser proferida decisão final de concessão definitiva de exoneração do passivo restante.” 61ª Tal é o que impõe o princípio da legalidade no direito fiscal e a proibição da aplicação analógica das normas fiscais, que assume particular importância em matéria de regime de prescrição. 62ª A segunda questão jurídica, que é a de saber se norma do nº 2 do artigo 48º da Lei Geral Tributária deve ou não ser interpretada restritivamente no sentido de que a citação do cônjuge não pode interromper a prescrição relativamente ao cônjuge não citado, se não houver a certeza de que o cônjuge não citado teve conhecimento de tal acto e como tal passou a ter a possibilidade de exercer de forma cabal a defesa. 63ª Entende a aqui recorrente que tem que haver uma interpretação restritiva desta disposição constante do nº 2 deste artigo e à semelhança do que já é entendimento unânime da jurisprudência e doutrina quanto ao carácter provisório da citação, quando não haja a certeza do conhecimento por parte do executado alegadamente citado. 64ª Só deve assim “aproveitar” ao cônjuge do citado quando de facto este tem conhecimento da citação e do seu conteúdo concreto. 65ª Apenas desta forma se garante um direito de defesa eficaz. 66ª A sentença aqui colocada em crise violou de forma evidente e clamorosa o disposto nos arts. 18º e 20º da Constituição da Republica Portuguesa (face à interpretação que confere às normas relativas à citação pessoal e relativas ao período de suspensão da prescrição dos créditos tributários face ao art. 100º do CIRE), o 100º do CIRE, art. 45º e ss da LGT em especial o seu nº 2 quando interpretado no sentido de que tal prescrição se verifica ainda que a executada não tenha conhecimento efectivo da citação do cônjuge, e ainda os artigos 188º, 189º 190º e ss em especial o art. 192º do CPPT, e os arts. 219º e 225º e seguintes, e ainda os arts. 300º e ss nomeadamente os nºs 1 e 4 do art. 306º, e 323º nº 1 todos do Código de Processo Civil, assim como todas as normas invocadas na própria sentença de que se recorre e que aqui se dão por reproduzidas. Violou ainda o princípio de legalidade, expresso no artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o art. 11. °, n. ° 4, da Lei Geral Tributária, à semelhança da generalidade dos direitos europeus, proíbe o recurso à aplicação analógica das normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República. 67ª Deve ser substituída por outra que considerem prescritos os dois processos PEF nº ...92 e PEF nº ...43. 68ª Deve ser aditado aos factos provados pelo menos a data do encerramento do processo de insolvência da reclamante. 69ª Tal facto é relevante para a decisão 70ª Tal é o que impõe a publicidade do encerramento do processo de insolvência e a documentação junta aos autos 71ª Deve entender-se no processo PEF nº ...43, no qual claramente e conforme admite a própria Sentença aqui colocada em crise a citação do cônjuge não teve qualquer efeito interruptivo da prescrição, por não se saber se dela teve efectivo conhecimento, e que o encerramento do processo de insolvência fez cessar a suspensão decorrente da declaração de insolvência. 72ª E como tal contabilizando os prazos verifica-se a prescrição deste processo. 73ª E que no processo PEF nº ...92, decorrente da manifesta falta de prova, ou sequer indícios, do conhecimento da citação do cônjuge por parte da executada reclamante não se possa atribuir o efeito interruptivo da prescrição. 74ª Deverá assim nos termos já expostos, fazer-se uma interpretação restritiva do nº 2 do art. 48º da LGT, e que à semelhança do que se entende para outras situações em que não se atribui efeito de interrupção da prescrição quando não se sabe se há conhecimento de facto da citação por parte do visado, também neste caso se entenda que não estando demonstrado – como não está – nos autos que a reclamante tinha conhecimento da citação do marido, esta tenha um efeito provisório, e que apenas após o conhecimento efectivo e cabal da citação possa exercer-se direitos de defesa constitucionalmente consagrados. 75ª Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, considerando-se prescritos além do processo PEF n° ...39 também os processos PEF n° ...92 e PEF n° ...43 SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA A HABITUAL JUSTIÇA!” **** Não houve contra-alegações. **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento e ser de confirmar a sentença em causa. **** Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário). **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida errou no julgamento que levou a cabo quanto a não se verificar a prescrição das dívidas em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal n.º ...92 e ...43. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados, os seguintes factos: A) Os contribuintes «BB» e «AA», casados entre si no regime da comunhão geral de bens (cfr. consta da sentença), foram declarados insolventes por sentença proferida a 02-06-2008 no Proc. de insolvência nº ...3/0...1TBOAZ que correu termos no Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis – ... Juízo Cível [cfr. fls. 69/73 do PEF (fls. 819-146 do SITAF)]; B) No âmbito do referido processo foi proferido despacho de extinção da instância de exoneração de passivo restante relativamente a «BB» em 06-01-2021, por falecimento deste, e, quanto a «AA», foi exarado despacho de exoneração de passivo restante em 05-01-2022. [cfr. fls. 192/193 do PEF (fls. 819-146 do SITAF)]; C) Em 28-09-2007, pelo Serviço de Finanças ..., foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...92 contra «BB», NIF ...07 e «AA», NIF ...88..., para cobrança de IRS-2004, com a quantia exequenda de €35.008,14 (cfr. fls. 319/818 do SITAF); D) No âmbito do referido processo de execução fiscal, em 02-11-2007, foi citado pessoalmente o executado «BB» – (cfr. fls. 60 do SITAF); E) Em 16-05-2019, o referido PEF foi declarado em falhas por despacho do Chefe do Serviço de Finanças [facto não controvertido e cfr. teor da informação do acto reclamado]; F) Em 04-11-2007, pelo Serviço de Finanças ..., foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...43 contra «BB», NIF ...07 e «AA», NIF ...88..., para cobrança de IRS-2006, com a quantia exequenda de €7.076,38- (cfr. fls. 319/818 do SITAF); G) No âmbito do referido processo de execução fiscal, em 07-11-2007, foi citado via postal simples o executado «BB» – (admitido por confissão cfr. art.º 95 da PI); H) Em 19-05-2022, o referido PEF foi declarado em falhas por despacho do Chefe do Serviço de Finanças [facto não controvertido e cfr. fls. 163/164 (fls. 319/818 do SITAF) e teor da informação do acto reclamado]; I) Em 07-12-2008, pelo Serviço de Finanças ..., foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...39 contra «BB», NIF ...07 e «AA», NIF ...88..., para cobrança de IRS-2004, com a quantia exequenda de €69.343,53- (cfr. fls. 319/818 do SITAF); J) No âmbito do referido processo de execução fiscal, em 15/12/2008, foi citado pessoalmente o executado «BB» (cfr. fls. 71 e fls. 319/818 do SITAF); K) Em 19-05-2022, o referido PEF foi declarado em falhas por despacho do Chefe do Serviço de Finanças [facto não controvertido e cfr. teor informação do acto reclamado]; L) No âmbito dos PEF nº ...92, ...43 e ...39 foi solicitada ao Instituto da Segurança Social, I. P., através do pedido de penhora nº ...32 de 10-05-2022, a penhora da pensão da ora Reclamante [facto não controvertido]; M) A referida entidade respondeu ao pedido de penhora em 12-11-2023, tendo, a partir do mês de dezembro de 2022, procedido ao depósito dos valores penhorados à ordem dos referidos PEF [facto não controvertido]; N) Em 18/11/2022, foi a Reclamante notificada nos seguintes termos: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - cfr. fls. 216 do SITAF; O) Em 05/12/2022, a Reclamante apresentou no Serviço de Finanças ..., Requerimento requerendo a nulidade de citação e devolução das quantias penhoradas [cfr. fls. 10/57 do SITAF]; P) Em 10/08/2023, pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças ..., foi proferido despacho com o seguinte teor: «Visto, concordo, pelo que com os fundamentos constantes da informação que aqui dou por transcritos INDEFIRO não reconhecendo a prescrição e ulteriores efeitos nos processos em crise devendo ainda proceder-se à citação em falta no PEF ...49, como proposto. Notifique.» [cfr. fls. 194/201v do PEF (cfr. fls. 319/818 do SITAF)]; Q) Não se conformando a Reclamante apresentou a presente reclamação (cfr. fls. 10/57 do SITAF); R) Em 21/09/2023, o OEF manteve a decisão e determinou a subida dos autos (cfr. fls. 174 do SITAF); S) Em 28/09/2023, deu entrada neste TAF a presente acção (cfr. fls. 1 do SITAF); T) Em 15/12/2023, foi exarado despacho pelo Chefe do SF a determinar a revogação do anterior despacho exarado a 24-11-2014 (objecto da RAOEF nº ...99), bem como, a autorizar a apensação apenas dos PEF nº ...92, ...43 e ...39, por se encontrarem na mesma fase e a mesma não prejudicar o cumprimento de formalidades especiais. (cfr. fls. 245/292 do SITAF). * FACTOS NÃO PROVADOS Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada. * MOTIVAÇÃO O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos e informações junto ao PEF, e dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos – art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados.” * Acolhendo, em parte, a alegação da Recorrente e por se revelar necessário para a boa apreciação da causa e constarem dos autos os elementos probatórios para tanto necessários, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, adita-se a seguinte matéria ao probatório da decisão da matéria de facto: U) O processo de insolvência n.º ...3/0...1TBOAZ, referido na alínea A) do probatório, foi encerrado em 25/01/2016, pelo encerramento da liquidação e elaboração de rateio – cfr. documento n.º 4 junto com a petição de oposição. A restante matéria que a Recorrente pretende aditar à decisão da matéria de facto consubstancia matéria conclusiva ou juízos de valor que não devem integrar a mesma, por poderem condicionar o desfecho da causa. Porém, sempre se dirá não ser controvertido que o órgão de execução fiscal não formalizou um acto de citação expressamente dirigido à Recorrente, co-executada nos processos de execução fiscal em apreço, para além dos elementos que constam das alíneas N) e O) da decisão da matéria de facto – cfr. conclusões 35.º a 42.º, 45.º, 49.º, 52.º a 57.º das alegações do recurso. 2. O Direito A Recorrente delimitou o objecto do presente recurso à questão da prescrição das dívidas em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal n.º ...92 e ...43. Para tanto, questiona o julgamento realizado pelo tribunal recorrido, alertando, essencialmente, para duas matérias: - A data em que cessa a suspensão da prescrição resultante da declaração de insolvência da Recorrente, pugnando pela melhor interpretação do disposto no artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), no sentido do entendimento de que tal suspensão cessa com o encerramento do processo. - O artigo 48.º, n.º 2 da LGT deve ser interpretado restritivamente, no sentido de que a citação do cônjuge não pode interromper a prescrição da dívida relativamente ao outro cônjuge não citado, se não houver a certeza de que o cônjuge não citado teve conhecimento de tal acto e, como tal, passou a ter possibilidade de exercer de forma cabal a defesa. Relativamente ao primeiro ponto, é nossa convicção que a Recorrente tem razão. Com efeito, é entendimento deste Tribunal Central Administrativo Norte, já explicitado no Acórdão proferido em 14/10/2021, proferido no âmbito do processo n.º 00580/21.7BEBRG, que o princípio da legalidade no direito fiscal e a proibição da aplicação analógica das normas fiscais, inclusive em matéria de regime da prescrição, obstam a que se considere que, uma vez encerrado o processo de insolvência de uma pessoa individual que tenha requerido a exoneração do passivo restante, o prazo de prescrição da dívida exequenda, suspenso nos termos do artigo 100.º do CIRE, continue suspenso após aquele encerramento, durante o “período de cessão” (cf. artigos 239.º e 242.º do CIRE) até ser proferida decisão final de concessão definitiva de exoneração do passivo restante, entendimento este que é aqui perfilhado integralmente e sem qualquer reserva, por total adesão aos fundamentos desse aresto, que se passam a transcrever no excerto pertinente: “(…) O instituto jurídico da prescrição das obrigações tributárias, embora possa carecer do regime geral da prescrição para a solução de alguns problemas hermenêuticos, tem tantas especificidades, advenientes, quer da natureza pública do “crédito” fiscal, quer do regime jurídico do conhecimento e dos prazos, que dificilmente se pode falar de uma mesma natureza jurídica. Seguramente, de uma mesma ratio legis não se pode falar: Desde logo, a prescrição do CC está preconizada para os créditos disponíveis. Ora, os créditos fiscais não estão na disponibilidade do credor, antes relevam de um estrito princípio de legalidade, que lhes confere indisponibilidade CF. artigo 30º nº 2 da LGT: “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”. Depois, o credor é nada menos do que o Estado de Direito, que, detentor dos poderes políticos legislativo, executivo e judicial, não se vê como e por que possa ser “punido” por não exercer um “crédito” que, mas do que um direito, é um poder. Além disso, enquanto a prescrição civil tem de ser invocada, sem o que os tribunais não julgarão extinta a obrigação do devedor, a tributária deve ser conhecida oficiosamente pelo próprio credor. Tanto basta para não ter grande sentido considerar a prescrição como uma punição para a inacção do credor tributário. O que verdadeiramente subjaz à prescrição da obrigação tributária é outrossim e apenas um princípio de segurança jurídica, corolário do estado de direito, e uma garantia do contribuinte. Num estado de direito, ele não pode sofrer uma eternização das suas dívidas tributárias, com a consequente indefinição dos seus direitos e deveres para com o Fisco «O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideraram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito» (J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, p. 257. A prescrição da obrigação tributária é, assim, objecto de um direito e uma verdadeira garantia dos contribuintes. Neste sentido, vide Casalta Nabais, manual, 4ª edição pag.369. Deste novo ponto de vista, o argumento do Mº Juiz a quo perde grande parte da sua convincência. Na verdade, embora não sejamos insensíveis ao facto de que, durante os cinco anos designados por “período de cessão”, apesar de estar encerrado o processo de insolvência da pessoa individual que tenha requerido exoneração do passivo restante, o credor tributário não poder reactivar a execução fiscal, também é certo que a prescrição não visa punir a sua abulia, abulia que, nesse período, é obrigatória, mas antes definir com clareza um momento da extinção da obrigação tributária em benefício do contribuinte, pelo decurso do tempo. Acresce, a este, outro argumento no sentido de que o prazo de prescrição não continua suspenso no “período de cessão”. Referimo-nos ao princípio da legalidade fiscal. Nos termos do artigo 103º nº 2 da Constituição, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. A LGT secunda e densifica o princípio, no seu artigo 8º, dispondo, entre o mais, assim: “1 - Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações fiscais. 2 - Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária: a) A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade;” Estas normas não servem apenas para instituir uma reserva de lei. Na verdade, atenta a contracção, ainda que legítima, de direitos liberdades e garantias constitucionais, como a propriedade e a livre iniciativa económica, que os impostos e outras contribuições sempre envolvem, da exigência de que as garantias dos contribuintes e, designadamente, o regime da prescrição sejam definidos por Lei decorre também uma exigência de tipicidade fiscal, no sentido de que a fonte da obrigação tributária deve estar, tanto quanto possível, inequivocamente estipulada em tipos legais, sem margem para arroubos de criatividade por parte do aplicador do Direito. Assim é que no artigo 11º nº 4 da LGT se dispõe que “as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”. É certo que as interpretações extensiva, restritiva e até correctiva não estão formalmente proscritas. Porém, aquele princípio da legalidade, mormente na sua vertente de tipicidade, dissuade o aplicador das normas tributárias de recorrer a estes instrumentos metodológicos com tal abertura que se acabe por subverter a função garantística do princípio e das normas acima citadas. Acresce considerar que, não raro, a interpretação das normas jurídicas com recurso àqueles instrumentos move-se paredes meias com a integração de lacunas, a ponto de facilmente se poder resvalar para o que na verdade é a integração de uma lacuna por analogia. Julgamos ser isso que acontece, in casu, na sentença recorrida. Embora o Mº Juiz a quo não o diga expressamente, cremos que terá cuidado recorrer a uma interpretação correctiva do artigo 100º do CIRE, de modo a evitar o que o legislador não teria, a seu ver, querido, isto é, que o credor tributário sofresse o decurso do prazo de prescrição, uma vez encerrado o processo de insolvência, apesar de não poder exercer o crédito objecto desta. Deste ponto de vista, o legislador ter-se-ia esquecido de que o período de cessão, no âmbito da exoneração do passivo restante, decorre depois do encerramento do processo e de que nesse período, por força do artigo 242º nº 1, não é lícito ao credor exercer o seu direito. Porém, não será antes de qualificar este recurso metodológico como integração de uma suposta lacuna? É que uma coisa é interpretar, isto é, apreender a vontade do Legislador mais ou menos bem espelhada no texto da norma; outra, criar uma norma análoga para um caso que ele não se representou. Com efeito, o legislador pensou e dispôs, em geral, que a suspensão da prescrição ocorreria desde a declaração de insolvência e durante o decurso do processo de insolvência, o qual cessa pelo encerramento determinado por despacho, publicado e registado, nos termos do artigo 230º do CIRE; e nada dispôs (de diverso) para o caso de o insolvente individual ter requerido a exoneração do passivo restante nos termos dos artigos 235º e sgs do CIRE, caso em que, apesar de encerrado o processo, continua a não ser possível ao credor executar o seu crédito (artigo 242º nº 1). Visto sob o prisma do Mº Juiz a quo, trata-se de uma lacuna, que ele integrou por aplicação analógica do artigo 100º, mediante este raciocínio: - O que motivou o artigo 100º foi a defesa do credor tributário ante o facto de o mesmo, durante a pendência do processo de insolvência, não poder exercer o seu crédito fora do concurso universal dos credores, no âmbito da mesma insolvência. Uma vez que, admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, apresentado pelo insolvente individual, o credor, mesmo após o decurso do processo de insolvência, continua a não poder executar (individualmente) o seu crédito, então há analogia entre esta realidade e a que motivou o artigo 100º, pelo que, no fundo, é de aplicação analógica do artigo 100º que se trata. De qualquer modo, sempre se nos impõe concluir que a sentença recorrida errou de direito, violando, designadamente, o princípio da legalidade fiscal, quanto às causas de suspensão da prescrição da obrigação tributária, ao julgar que o prazo de prescrição da dívida tributária exequenda não retomou o seu curso assim que o processo de insolvência do Reclamante ficou encerrado, a saber, em 30/4/2010. (…)” Este mesmo sentido foi reiterado, por exemplo, no Acórdão deste TCAN, de 22/06/2023, no âmbito do processo n.º 02633/21.2BEPRT, sendo, também, esta a orientação do Supremo Tribunal Administrativo – cfr. Acórdão do STA, de 11/10/2023, proferido no âmbito do processo n.º 063/23.0BELRA. Assim, conforme defendido pela aqui Recorrente, o processo de execução fiscal não permanece suspenso no “período de cessão”, pela simples razão de que tal entendimento não encontra qualquer estribo no regime legal aplicável à prescrição da dívida tributária. Com efeito, o que claramente resulta do disposto no artigo 100.º do CIRE é que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo” (destacado nosso). Ora, não há sequer qualquer dúvida de que o encerramento do processo de insolvência é um pressuposto necessário para o início do chamado “período de cessão”, contando-se os cinco anos para a cessão do rendimento disponível a partir da data do encerramento (os cinco anos correspondem, na fórmula do art. 239.º, n.º 2, aos “cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência”) (cfr. SERRA, Catarina – Lições de Direito da Insolvência. 2.ª edição. Coimbra: Almedina, 2018, p. 619), resultando, aliás, expressamente do disposto no artigo 230.º, n.º 1, alínea e) do CIRE que o juiz deve declarar o encerramento da insolvência, quando ainda não o tenha feito, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante. Nesta conformidade, o regime legal aplicável à insolvência carateriza o período de cessão como sendo exterior ao decurso do processo de insolvência, cujo encerramento constitui pressuposto do seu início, pelo que, e atento o expressamente disposto no supracitado artigo 100.º do CIRE, não se vislumbra que o legislador possa ter pretendido a consequência plasmada na sentença recorrida, de considerar abrangido no período de suspensão do prazo de prescrição o “período de cessão”. Em suma, não há que relevar no computo do prazo de suspensão da prescrição o período compreendido entre a declaração da insolvência e a decisão de deferimento da exoneração do passivo restante, ao contrário do que foi julgado no tribunal “a quo”. Uma vez que já aditámos ao probatório que o encerramento do processo de insolvência ocorreu em 25/01/2016, vejamos as correspondentes repercussões na contagem do prazo prescricional no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...43. Este foi instaurado em 04/11/2007 para efeito de cobrança coerciva de dívida no valor de €7.076,38 relativo a IRS do ano de 2006. O tribunal recorrido, bem, não considerou qualquer facto interruptivo da prescrição, uma vez que a citação do contribuinte «BB» foi realizada mediante via postal simples, subsistindo dúvida se o teor de tal citação terá chegado ao seu conhecimento. Tendo presente a falta de garantia processual da recepção da citação por postal nos termos do artigo 191.º do CPPT, manifestada desde logo na ausência de presunção legal quanto ao seu recebimento e respectiva data, tudo decorrências da natureza provisória dessa citação, afigura-se-nos que a mesma também não é susceptível de produzir a interrupção do prazo prescricional. Ou seja, a citação postal efectuada nos termos do artigo 191.º do CPPT, porque não dá garantias quanto à sua realização, nem existe presunção que permita estabelecer o recebimento do postal e a respectiva data, tendo carácter provisório, não releva para efeitos de interrupção do prazo da prescrição. Para que àquela citação fosse conferido o efeito interruptivo previsto no artigo 49.º, n.º 1, da LGT, impunha-se que a lei permitisse determinar com precisão que foi efectuada a interpelação para cumprimento da obrigação e respectiva data. Ora, como deixámos já dito, tal não sucede com a citação efectuada nos termos do artigo 191.º do CPPT, que tem carácter meramente provisório. Estamos em crer que a referência do legislador à citação na norma do artigo 49.º, n.º 1 do CPPT, afastando-se do regime do CPT em que bastava a mera instauração da execução, aponta no sentido da exigência da comprovação da efectiva citação, isto é, do conhecimento que é dado ao executado de que contra ele foi instaurada uma execução, aproximando-se, deste modo, do sistema consagrado no Código Civil (cfr. artigo 323.º deste diploma legal) – referindo a necessidade da prática de actos que dêem a conhecer ao devedor a intenção de exercer o direito como necessária à interrupção da prescrição, - cfr. Pires de Lima – Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, pág. 288. «Aliás, no rigor dos termos, a citação é, nos termos do art. 228º nº 1 do CPC, “o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (…)” e o executado só se considera chamado ao processo para se defender quando é citado pessoal ou editalmente, como resulta da conjugação das normas dos arts. 192º, 193 e 203º nº 1 do CPPT. Dir-se-á, contra isto, que na citação edital, também não ocorre a certeza de que a mesma chegou ao conhecimento do executado. Assim é, com efeito. No entanto, na citação edital, ao contrário do que sucede com citação postal prevista no art. 191º, a lei estabelece, clara e inequivocamente, a data em que a citação se considera efectuada e que é no dia em que se publique o último anúncio – cfr. art. 250º nº 1 do CPC» - cfr. Acórdão deste TCAN, de 17/09/2019, proferido no âmbito do processo n.º 623/09.2BEPRT. Não tendo o cônjuge marido sido citado pessoalmente, não releva tal facto para efeitos interruptivos prescricionais relativamente ao próprio. Assim sendo, não haverá que aplicar o disposto no artigo 48.º, n.º 2 da LGT, quanto à Recorrente, cônjuge mulher, por inexistir qualquer facto interruptivo que possa produzir efeitos ou que lhe seja “extensível”. Nestes termos, considerando a data de início de contagem do prazo de prescrição: 01/01/2007 [cfr. artigo 48.º n.º 1 da LGT - nas dívidas de IRS (imposto periódico), o prazo de prescrição conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.], inexistindo factos interruptivos, o fim do prazo de prescrição seria 31/12/2014 [cfr. artigo 49.º da LGT - 8 anos após o início]. No entanto, os executados marido e mulher, esta ora Recorrente, foram declarados insolventes por sentença proferida em 02/06/2008 no âmbito do processo de insolvência n.º ...3/0...1TBOAZ. Pelo que, nos termos do artigo 100.º do CIRE, tal sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo, que, como vimos, foi encerrado em 25/01/2016 [cfr. alínea U) aditada ao probatório]. Neste circunstancialismo, desde a data inicial de contagem do prazo de prescrição (01/01/2007) até à data da prolação da sentença de declaração de insolvência (02/06/2008) decorreram 518 dias. Tendo a declaração de insolvência da Recorrente importado a suspensão da contagem do prazo de prescrição pelo período compreendido entre 02/06/2008 e 25/01/2016, data de encerramento do processo de insolvência, mesmo ressalvando o período de suspensão decorrido por força das leis COVID 19 a que se refere a sentença recorrida, é ostensivo verificar-se a prescrição desta dívida exequenda em cobrança no processo de execução fiscal n.º ...43. Vejamos, agora, a análise que o tribunal recorrido realizou da prescrição quanto ao outro processo executivo objecto deste recurso - PEF n.º ...92: “(…) Foi instaurado em 28-09-2007 contra «BB» e «AA» para cobrança coerciva no valor de €35.008,14 relativa a IRS do ano de 2004; Probatório: - Citação pessoal do contribuinte «BB» a 02-11-2007. - Despacho de declaração em falhas proferido pelo Órgão de Execução Fiscal (OEF) em 19-05- 2022. Contagem do prazo: - PEF ...92 instaurado para cobrança de tributos (IRS do ano de 2004) - Data início de contagem do prazo de prescrição: 01-01-2005 [Art.º 48.º n.º 1 da LGT. Nas dívidas de IRS (imposto periódico), o prazo de prescrição a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.] - Fim do prazo de prescrição sem interrupções/suspensões: 31-12-2012 [8 anos após o início – Art.º 49.º da LGT]. - Antes do decurso do prazo o contribuinte «BB» foi citado para os autos em 02-11-2007, o que determinou a interrupção da contagem do prazo de prescrição na sua esfera jurídica, bem como na esfera jurídica de «AA», com o seu duplo efeito: instantâneo, porque inutilizou todo o tempo anteriormente decorrido e duradouro, visto que o prazo não começará a correr enquanto não passar em julgado decisão que ponha termo ao processo. - A contagem do prazo de prescrição apenas teve o seu reinício aquando da prolação do despacho de declaração em falhas, em 19-05-2022 (cfr. Ac. do STA de 28-02-2024, proc. 01321/22.7BEPRT “IV - Não obstante, para efeitos de contagem do prazo da prescrição, a declaração em falhas (rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas) faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição, o que significa que se iniciará novo prazo de prescrição, geralmente de oito anos, tão-logo se verifiquem as circunstâncias elencadas no art. 272.º do CPPT.”) - Para efeito da contagem do prazo de prescrição são irrelevantes suspensões decorrentes da insolvência dos executados e daquelas decorrentes das medidas de combate à pandemia COVID 19. - O fim do prazo de prescrição na esfera jurídica de ambos os contribuintes não ocorrerá antes de 19-05-2030. - Conclusão: dívida não prescrita. (…)” Como ficou equacionado supra, a Recorrente não se conforma com a interpretação adoptada pelo tribunal recorrido no que tange ao disposto no artigo 48.º, n.º 2 da LGT, defendendo que esta norma deve ser interpretada restritivamente, no sentido de que a citação do cônjuge não pode interromper a prescrição da dívida relativamente ao outro cônjuge não citado, se não houver a certeza de que o cônjuge não citado teve conhecimento de tal acto e, como tal, passou a ter possibilidade de exercer de forma cabal a defesa. Neste processo de execução fiscal (tal como nos restantes), a Recorrente é co-executada, sendo considerada devedora solidária pelas dívidas contraídas na constância do matrimónio. Não é controvertido que a citação foi apenas efectuada na pessoa do sujeito passivo A, «BB», estando em discussão somente a questão da “comunicabilidade” da citação à Recorrente, para efeitos de contagem do prazo prescricional. Salientamos que o acto reclamado em análise se reporta essencialmente à prescrição das dívidas exequendas, portanto, a apreciação da repercussão da citação na esfera jurídica da Recorrente limita-se aos efeitos daí decorrentes no respectivo prazo prescricional. O tribunal recorrido considerou ser o imposto devido a qualquer dos cônjuges, pelo que concluiu que os efeitos da citação ao cônjuge marido se produziam igualmente na esfera jurídica da mulher: “(…) Ante o exposto, carece de razão o argumento expendido pela Reclamante, já que o imposto é devido a qualquer dos cônjuges, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 512.º, 1671º n.º 2 do Código Civil e 21º n.º 1 da LGT, pelo que os efeitos das citações de «BB», levadas a efeito nos PEF nº ...92, ...43, produziram igualmente os seus efeitos jurídicos na esfera jurídica da ora Reclamante. (…)” A Recorrente acentua a importância de haver a certeza de que o cônjuge não citado teve conhecimento de tal acto de citação, pois somente assim passou a ter possibilidade de exercer de forma cabal a defesa. Insistimos, contudo, não ser objecto deste pleito se a Recorrente teve ou não oportunidade de fazer uso, previamente, de meios processuais de defesa, de discutir a legalidade da dívida exequenda ou a sua responsabilidade solidária. Recordamos que a Recorrente é co-executada nos processos de execução fiscal em apreço e estamos somente a sindicar o acto reclamado na parte em que apreciou o pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas. É inequívoco que o Tribunal a quo dá como provado que os sujeitos passivos A e B se encontravam casados sob regime de comunhão geral de bens ao tempo das dívidas em cobrança, ou seja, para o processo que agora nos interessa, no ano de 2004 [cfr. alínea A) a C) do probatório] e considera assente que, no processo de execução fiscal n.º ...92, agora em análise, a citação pessoal do sujeito passivo A ocorreu a 02/11/2007 - cfr. alínea D) da decisão da matéria de facto, que não se mostra impugnada, estando, portanto, estabilizada. Importa confirmar que a responsabilidade seja solidária e a consequente aplicabilidade do disposto no artigo 48.º, n.º 2 da LGT (a citação do cônjuge produz efeitos interruptivos da prescrição quanto à Recorrente). Para que não restem dúvidas, vejamos que o IRS em causa se reporta ao ano de 2004, que eram cônjuges nessa data, constituindo ambos o agregado familiar. Tendo por base o Código de IRS (CIRS), na redacção aplicável à data, o IRS é um imposto que opera através da tributação conjunta do agregado familiar, e de que são sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção (cfr. n.º 2 do artigo 13.º do CIRS), no caso concreto, ambos os cônjuges, atendendo a que o imposto em causa diz respeito ao ano de 2004. Com efeito, e no que aqui releva, dispunha-se o seguinte no artigo 13.º do CIRS, na redacção aplicável: “Artigo 13.º Sujeito passivo 1 - Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos. 2 - Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção. 3 - O agregado familiar é constituído por: a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes; b) Cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges, respectivamente, nos casos de separação judicial de pessoas e bens ou de declaração de nulidade, anulação ou dissolução do casamento, e os dependentes a seu cargo; c) O pai ou a mãe solteiros e os dependentes a seu cargo; d) O adoptante solteiro e os dependentes a seu cargo. (…) 7 - A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite.” Pelo que, e como resulta do disposto no n.º 7 do supracitado artigo 13.º do CIRS, a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação era aquela que se verificasse no último dia do ano a que o imposto respeitava. Donde se conclui que a aqui Recorrente e o seu cônjuge eram sujeitos passivos do IRS em questão, estando em causa, à data, uma tributação conjunta. Com efeito, existia quanto ao IRS uma “titularidade plural das obrigações fiscais”, sem prejuízo de, e atento o disposto no n.º 5 do artigo 16.º da LGT – “qualquer dos cônjuges pode praticar todos os actos relativos à situação tributária do agregado familiar e ainda os relativos aos bens ou interesses de outro cônjuge, desde que este os conheça e não se lhes tenha expressamente oposto” – tal não implicar necessariamente a intervenção simultânea de ambos os cônjuges no cumprimento das respetivas obrigações (cfr. neste sentido, Rui Duarte Morais - Sobre o IRS, Reimpressão da 3.ª edição de 2014, Coimbra, Almedina, 2016, p. 29). Ora, e atento o disposto no n.º 1 do artigo 21.º da LGT, do qual resulta que “salvo disposição da lei em contrário, quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária”, a Recorrente é responsável solidária pelo cumprimento da dívida tributária emergente do IRS de 2004, aqui em causa. Aqui chegados, estamos em condições de retirar uma primeira conclusão: a de que a sentença recorrida não errou quando lançou mão do disposto no n.º 2 do artigo 48.º da LGT. Concluindo-se que o regime legal aplicável conduz à responsabilidade solidária da aqui Recorrente, há que rematar que se aplicava ao caso o disposto no n.º 2 do artigo 48.º da LGT, nos termos do qual “as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”, devendo o preceito ler-se no sentido de que as causas de suspensão ou interrupção produzem efeitos igualmente em relação ao devedor principal e ao responsável solidário (cfr. Jorge Lopes de Sousa in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2.ª edição, Lisboa, Áreas Editora, 2010, p. 115). Assim sendo, a sua alegação no sentido de que não tomou conhecimento da citação pessoal do cônjuge e de que não foi ela própria citada, é, para este efeito, totalmente inócua. De facto, como claramente decorre da citada disposição, a interrupção da citação quanto ao seu cônjuge, no caso, através da respectiva citação pessoal (cfr. disposto no n.º 1 do artigo 49.º, da LGT), operada em 02/11/2007 no processo de execução fiscal n.º ...92, produz efeitos, ope legis, quanto a si, por força do disposto no n.º 2 do artigo 48.º da LGT. Ora, em causa não está uma qualquer presunção que a aqui Recorrente possa ilidir (de que teve ou não conhecimento de tal acto), mas antes uma ficção legal, que pela sua rigidez não comporta prova em contrário (cfr., neste sentido, a propósito do recurso à técnica das ficções jurídicas pelo legislador fiscal, Gustavo Lopes Courinha – A Cláusula Geral Anti-Abuso No Direito Tributário. Contributos para a Sua Compreensão, reimpressão, Coimbra: Livraria Almedina, 2009, p. 101-102, citado no Acórdão deste TCAN, de 30/06/2022, proferido no âmbito do processo n.º 00869/20.2BEPRT). Tanto basta para que se conclua que a dívida de IRS de 2004 em questão não prescreveu, pois, e tal como é referido na sentença sob recurso, o prazo de prescrição de oito anos (cfr. artigo 48.º, n.º 1 da LGT) começou a correr em 1 de Janeiro de 2005, por estar em causa um imposto periódico (idem) e completar-se-ia em 1 de Janeiro de 2013, tendo, no entanto, sido interrompido em 02/11/2007, por força da citação pessoal do executado marido (cfr. artigos 49.º, n.º 1 e 48.º, n.º 2, ambos da LGT), pelo que é inutilizado o prazo já decorrido para a prescrição e não recomeça a correr novo prazo prescricional de 8 anos enquanto o processo em causa não chegar ao seu termo, tudo levando em consideração os efeitos instantâneo e duradouro da citação em execução fiscal (artigo 49, n.º 1, da LGT). Consta da decisão da matéria de facto que este processo de execução fiscal terminou com a sua declaração em falhas em 16/05/2019, o que também não se mostra questionado [cfr. alínea E) do probatório], ao contrário do que foi ponderado na sentença recorrida que considerou, certamente por lapso, a data de 19/05/2022. Todavia, tal imprecisão não acarreta conclusões diferentes quanto à não prescrição desta dívida exequenda de IRS de 2004 (contando 8 anos desde 16/05/2019). Salientamos que a jurisprudência deste TCA Norte, de 30/06/2022, no processo n.º 00869/20.2BEPRT, bem como do TCA Sul, de 31/03/2016, no processo 07966/13 ou de 12/05/2022, no processo n.º 351/21.0BECTB, ou do STA, de 01/03/2023, no processo 0655/22.5BELRS, é plenamente aplicável à situação de facto em análise. Lembramos que a produção de efeitos pelas causas de suspensão e interrupção da prescrição em relação a todos os devedores é “um corolário do princípio da unicidade da relação jurídica tributária em relação aos diferentes obrigados pelo seu cumprimento, tal como é entendida no artigo 18.º da LGT” – cfr. Acórdão do STA, de 20/05/2009, proferido no âmbito do processo n.º 206/09. Por outro lado, não podemos olvidar que os devedores solidários também são devedores principais, por poder-lhes ser exigido o pagamento da dívida precisamente nas mesmas condições em que o pode ser em relação ao devedor originário, não sendo por acaso que a Recorrente é co-executada nos processos de execução fiscal em apreço. Note-se que a Administração Tributária pode optar por nem exigir o pagamento ao “devedor principal”, dirigindo a sua pretensão imediata e directamente em relação aos devedores solidários. Sendo assim, parece não existir qualquer razão para distinguir entre as situações em que foram praticados factos interruptivos em relação a devedores solidários e aquelas em que idênticos factos foram praticados em relação ao devedor originário - cfr. Jorge Lopes de Sousa in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2.ª edição, Lisboa, Áreas Editora, 2010, p. 121. Neste contexto, perdem força e sustentabilidade as restantes conclusões das alegações do recurso, nomeadamente, no que tange à violação do princípio da legalidade fiscal, previsto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, porquanto estar-se-iam a restringir as garantias do contribuinte, nas quais se incluem o direito à prescrição, sem a necessária tipificação normativa da CRP e sem o controlo ou previsibilidade da devedora solidária, aqui Recorrente. Apesar de ter sido no âmbito da citação de responsável subsidiário, o STA já tomou posição sobre as alegadas violações de princípios constitucionais, no âmbito de interpretação, no mesmo sentido aqui adoptado, do disposto no artigo 48.º, n.º 2 da LGT. Socorremo-nos, a título exemplar, do Acórdão do STA, de 05/07/2023, proferido no âmbito do processo n.º 031/23.2BEPNF, por nos revermos no aí deliberado: “(…) Ora, cabe responder cabalmente a esta questão no sentido de, na linha já firmada por este Supremo Tribunal, negar razão à Recorrente no que respeita à questão dos efeitos na esfera do devedor principal da citação dos responsáveis subsidiários, na linha, ademais, do que a própria letra da lei já sugere: “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.” É que, como este Supremo Tribunal já teve oportunidade de esclarecer a propósito desta mesma questão, entre outros, por acórdão lavrado a 30 de Setembro de 2020, e pela pena do mesmo relator do presente Acórdão: “A citação do responsável subsidiário em processo de execução fiscal produz efeitos interruptivos da prescrição relativamente ao responsável originário.” – processo n.º 623/20, disponível em www.dgsi.pt (sublinhado nosso). Com efeito, e como aí se explana – por apelo à jurisprudência superior e doutrina à data existentes, para cuja consulta e fundamentação ora se remete – “…a regular citação do devedor subsidiário, a qual produz efeito interruptivo do prazo de prescrição dos impostos cuja cobrança é objecto dos PEF relativamente àquele [devedor originário]”. O Tribunal a quo decidiu, por isso, correctamente quando concluiu que não se verifica a prescrição das dívidas exequendas.” Impõe-se assim, em obediência a tal jurisprudência – que é, aliás e segundo julgamos saber, unânime neste Supremo Tribunal – concluir no sentido de que o artigo 48.º, n.º 2 da LGT deve ser interpretado no sentido de que a citação do devedor subsidiário produz efeito interruptivo da contagem do prazo de prescrição dos impostos relativamente ao devedor principal. IV. Falta, por fim, responder à questão de saber se a interpretação desta norma que ora aqui se consagra e reitera – na linha da demais jurisprudência superior fiscal, recorde-se – deve ser considerada como desconforme aos princípios da legalidade e da segurança jurídica; e tal análise deve ser feita quer no que respeita à comunicabilidade das causas de suspensão e interrupção entre devedores de uma mesma dívida, quer no que respeita ao caso concreto da comunicabilidade das causas de suspensão e interrupção entre devedor subsidiário e devedor principal. E responderemos a tais alegações de desconformidade com a Lei Fundamental pela negativa. V. Com efeito, no que respeita ao princípio constitucional da segurança jurídica, e como bem se sublinhou no Parecer do Ministério Público, “a prescrição nela regulada é referente à obrigação de pagamento do tributo e esta é sempre a mesma, seja ela efectuada pelo devedor originário, a título principal, seja ela materializada por outro responsável legal, a título subsidiário”, donde a imprevisibilidade derivada da interrupção da prescrição pela citação do devedor subsidiário será sempre muito diminuta, além de, recorde-se, a dívida ter, como facto tributário, surgido precisamente na esfera jurídica da devedora principal, tendo então tido oportunidade de suscitar quaisquer ilegalidades concretas das liquidações. Que, por isso, sempre seria de muito difícil sustentação sob uma perspectiva da segurança jurídica, o que implica concluir que não se verifica a violação de tal princípio constitucional. VI. No que respeita à alegada violação do princípio da legalidade em resultado da interpretação agora adotada do disposto no n.º 2 do artigo 48.º da LGT, vemos com idêntica dificuldade a possibilidade de procedência de tal argumento. Com efeito, e se bem entendemos o argumento expendido pela Recorrente – uma vez que a mesma foi muito parca quer nas alegações quer nas conclusões das mesmas, a respeito do mesmo – não existiria expressa menção ao efeito interruptivo ou, dito doutro modo, existiria insuficiente densificação da comunicabilidade de tal efeito ao devedor principal por meio da citação do devedor subsidiário. E, igualmente se bem interpretamos a Recorrente, haveria violação da reserva de lei formal da Assembleia de República. Ora, cabe responder a estas questões recordando, desde logo, que a LGT é um diploma codificado, decorrente de uma lei habilitante formal emanada da Assembleia da República, o que obstaculiza à alegação da violação da reserva de lei formal contida no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição. Por outro lado, cabe sublinhar que se a norma do n.º 2 do artigo 48.º da LGT prevê, por meio da sua redacção ampla, a produção deste efeito jurídico que a Recorrente ora contesta, tal é quanto basta para assegurar o grau de densificação exigido pelo princípio da legalidade, afastadas que se encontram, de há muito, as posições que defendiam a tipicidade fechada e estrita, que transformavam o intérprete em mero autómato da aplicação da lei. Donde se conclui que não se vislumbra qualquer violação do princípio constitucional da legalidade. (…)” Insistimos inexistirem razões para distinguir entre as situações em que foram praticados factos interruptivos em relação a devedores solidários e aquelas em que idênticos factos foram praticados em relação ao devedor originário, pois, à face do CPPT, os devedores solidários são equiparados aos devedores originários, podendo ser-lhes exigido o pagamento da dívida precisamente nas mesmas condições em que o pode ser aos devedores originários. Neste circunstancialismo, para efeitos prescricionais de segurança jurídica, dando de barato que a citação do devedor marido, no âmbito do processo n.º ...92, possa ter ocorrido com algum alheamento da Recorrente no seio do agregado familiar, não deixou de se verificar na constância do matrimónio, pelo que não poderia ser totalmente imprevisível para a Recorrente tal citação, uma vez que era co-executada nos processos de execução fiscal e, pelo menos, com a declaração de insolvência, em 2008, dos dois cônjuges, terá tido percepção da situação financeira familiar (da existência de dívidas). Resta, por todo o exposto, conceder parcial provimento ao presente recurso, revogando parcialmente a sentença na parte recorrida, julgar a reclamação parcialmente procedente, também no concernente ao processo de execução fiscal n.º ...43, e anular em parte o acto reclamado, que apenas subsiste no segmento relativo ao processo de execução fiscal n.º ...92, com todas as consequências legais. Conclusões/Sumário I - A citação a que o artigo 49.º, n.º 1, da LGT confere efeito interruptivo da prescrição não é a citação através de postal nos termos do artigo 191.º do CPPT, relativamente à qual a lei não estabelece qualquer presunção do seu recebimento e respectiva data, e que tem carácter provisório, sendo que a citação só é de considerar efectuada, nos termos do artigo 193.º do mesmo código, após a penhora, quando for feita pessoalmente ou, caso a citação pessoal se não mostre possível, editalmente. II - A citação do responsável originário em processo de execução fiscal produz efeitos interruptivos da prescrição relativamente ao responsável solidário. III - O n.º 2 do artigo 48.º da LGT não consagra uma presunção, mas antes uma ficção legal, que, como tal, não é passível de ser ilidida. IV – Inexistem razões para distinguir entre as situações em que foram praticados factos interruptivos em relação a devedores solidários e aquelas em que idênticos factos foram praticados em relação ao devedor originário, pois, à face do CPPT, os devedores solidários são equiparados aos devedores originários, podendo ser-lhes exigido o pagamento da dívida precisamente nas mesmas condições em que o pode ser aos devedores originários. V - O princípio da legalidade no direito fiscal e a proibição da aplicação analógica das normas fiscais, inclusive em matéria de regime da prescrição, obstam a que se considere que, uma vez encerrado o processo de insolvência de uma pessoa individual que tenha requerido a exoneração do passivo restante, o prazo de prescrição da dívida exequenda, suspenso nos termos do artigo 100.º do CIRE, continue suspenso após aquele encerramento, durante o “período de cessão” (cfr. artigos 239.º e 242.º do CIRE) até ser proferida decisão final de concessão definitiva de exoneração do passivo restante. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao presente recurso, revogando parcialmente a sentença na parte recorrida, julgar a reclamação parcialmente procedente, também no concernente ao processo de execução fiscal n.º ...43, e anular em parte o acto reclamado, que apenas subsiste no segmento relativo ao processo de execução fiscal n.º ...92, com todas as consequências legais. Custas a cargo de ambas as partes, nas duas instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa da seguinte forma: Nesta instância, 83,19% a cargo da Recorrente e 16,81% a cargo da Recorrida, sendo que as custas a cargo da Fazenda Pública não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou. Na primeira instância, 31,42% a cargo da Reclamante e 68,58% a cargo da Fazenda Pública. Porto, 30 de Janeiro de 2025 Ana Patrocínio Ana Paula Santos Maria do Rosário Pais |