Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00275/24.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:PAULO MOURA
Descritores:PRAZO PARA RECLAMAÇÃO GRACIOSA DA AUTOLIQUIDAÇÃO DE IVA;;
Sumário:
A não apresentação de reclamação graciosa contra a autoliquidação de IVA, dentro do prazo de dois anos, contados após a submissão da declaração periódica de IVA, conforme impõe o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, não permite a abertura da via judicial.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

[SCom01...] Lda., interpõe recurso da sentença que julgou verificada a exceção de caducidade do direito de ação e absolveu a Fazenda Pública da instância.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
I.
O presente recurso vem interposto da douta decisão proferida nos autos que julgou verificada a exceção perentória – caducidade do direito de ação ao considerar ser intempestiva a reclamação graciosa apresentada e subsequentemente a impugnação judicial que àquela se seguiu.
II.
Entendimento com o qual, salvo o devido respeito, que se diga, é todo, não se pode a Recorrente conformar, por entender e sustentar que a mesma faz uma errada subsunção jurídica dos factos submetidos a análise,
Mas vejamos,
III.
O artigo 131.º nº 1 do CPPT refere que “ Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
IV.
No entanto, o preceituado no nº 1 do artigo 131.º do CPPT sempre terá de ser harmonizado com o vertido no artigo 70.º do CPPT mas principalmente com o termo inicial do prazo para a apresentação da reclamação graciosa estabelecido no nº 1 do artigo 102.º do CPPT.
Porquanto,
V.
Ainda que se mostre ultrapassado o prazo estabelecido no artigo 131.º, nº 1 do CPPT, nem por isso o contribuinte deixará de poder sindicar o ato de autoliquidação.
VI.
Pois, a alínea f) do nº 1 do artigo 102.º do CPPT permite que a reclamação graciosa seja apresentada para além do prazo estabelecido no artigo 131.º, nº 1 do CPPT – desde que o conhecimento do ato lesivo se reporte a uma data posterior ao referido limite.
VII.
Isto é, se o contribuinte apresenta a declaração no dia 24/07/2020, nos termos do artigo 131.º, nº 1 do CPPT teria de apresentar reclamação graciosa até dia 24/07/2022.
VIII.
Mas, se o conhecimento do ato lesivo for posterior a 24/07/2022 tal ato sempre seria sindicável, por via da alínea f) do nº 1 do artigo 102.º do CPPT – só assim se garantindo o cumprimento e respeito ao princípio da verdade fiscal – princípio estruturante da relação jurídico-tributária.
IX.
Tendo-se por tempestivamente apresentada a reclamação graciosa para além do prazo de dois anos estabelecido no artigo 131.º do CPPT.
X.
No caso dos autos, tendo a Impugnante tomado conhecimento em janeiro de 2024 do ato lesivo materializado numa declaração periódica apresentada no dia 24/07/2020 – a reclamação graciosa apresentada no dia 26/01/2024 ter-se-á de ter por tempestivamente apresentada,
XI.
E, concomitantemente, a impugnação judicial subjacente aos presentes autos também terá de ser tida como proposta dentro do prazo legalmente conferido para o efeito.
POR OUTRO LADO,
XII.
O vertido no artigo 131.º do CPPT convocado pela decisão recorrida não é passível de harmonização quando em causa está o IVA porquanto, o artigo 97.º, nº 2 do CIVA estatuí que “Os recursos hierárquicos, as reclamações e as impugnações não são admitidos se as liquidações forem ainda susceptíveis de correcção nos termos do artigo 78.º ou se não tiver sido entregue a declaração periódica cuja falta originou a liquidação prevista no artigo 88.º”
XIII.
O prazo de correção a que alude o artigo 78.º, nº 6 do CIVA é também ele de 2 anos contados do nascimento do direito a que se refere o n.º 1 do artigo 22.º do CIVA.
XIV.
Não sendo passível de reclamação nos 2 anos após o nascimento do direito à dedução (nº 2 do artigo 97.º do CIVA), não se poderá dentro de tal período e com base no artigo 131.º do CPPT sindicar o ato de autoliquidação por via da reclamação.
XV.
Ou seja, cotejado o artigo 131.º, nº 1 do CPPT com o vertido no artigo 97.º e 78.º, nº 6 do CIVA – verifica-se não se possível harmonizar tais preceitos, afastando estes últimos a aplicabilidade do artigo 131.º do CPPT quando em causa esteja Imposto Sobre o Valor Acrescentado.
XVI.
Ao decidir de modo diverso, a decisão em mérito violou o preceituado nos artigos 70.º, nº 1, artigo 102.º, nº 1 e artigo 131.º do CPPT e artigos 97, nº 8 e 78.º, nº 6 do CIVA.
AINDA POR OUTRO LADO,
XVII.
Não será despiciendo referir que na relação jurídica-tributária deverá sempre imperar a princípio da verdade fiscal, no sentido das declarações corresponderam à realidade fáctica.
XVIII.
Com a impugnação judicial apresentada a Impugnante mais não pretendeu do que repor a verdade fiscal em face da declaração periódica apresentada que na sua ótica padecia de erro de cálculo e apenas se tonou cognoscível em janeiro de 2024
XIX.
Como já não poderiam ser substituídas nos termos do nº 2 do artigo 97.º do CIVA, só a via contenciosa de mostrava aberta para a Impugnante sindicar tal liquidação.
XX.
Desta forma, andou mal o Tribunal ao quo, ao julgar procedente a exceção inominada decorrente da intempestividade da reclamação prévia pois, no caso em escrutínio até se verifica a dispensa da reclamação prévia, enquanto condição para abrir a via contenciosa – por se mostrar ultrapassado os prazos a que alude o artigo 78.º, nº 6 do CIVA e o artigo 131.º do CPPT.
XXI.
Impondo-se, por conseguinte, a revogação da douta sentença proferida nos autos – pois, a declaração que enferma de erro de quantificação nunca se poderá convalidar na ordem jurídica sem que isso viole os princípios basilares do sistema tributário nacional.
SEM PRESCINDIR,
XXII.
Deve a interpretação normativa expendida sobre os artigos 70.º, nº 1, artigo 102.º, nº 1 e artigo 131.º do CPPT e artigos 97, nº 8 e 78.º, nº 6 do CIVA no sentido de não ser admissível o recurso imediato à via contenciosa imediata (sem prévia necessidade de apresentação de reclamação graciosa) quando o ato lesivo seja detetado nos dois anos posteriores ao prazo a que alude o artigo 78.º, nº 6 do CIVA e nº 1 do artigo 131.º, nº 1 do CPPT deve ser julgada inconstitucional por violação do disposto artigos 20.º (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva), 103.º (sistema fiscal) e 104.º (impostos) todos da CRP.

TERMOS EM QUE,
Concedente provimento ao recurso interposto e revogando a decisão recorrida farão Vossas Excelências a acostumada
JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se ocorre a exceção de caducidade do direito de ação.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
FACTOS PROVADOS
1) Em 24 de julho de 2020 foi apresentada pela Impugnante a declaração periódica nº ...59 relativa a IVA do período 2020/06T – cfr. fls. 15 e 16 do Procedimento administrativo junto aos autos;
2) Na sequência da declaração periódica referida em 1) foi emitida a liquidação com o nº ...................655, com data limite de pagamento em 4 de setembro de 2020 – cfr. fls. 43 e 15 e 16 do procedimento administrativo junto aos autos;
3) Em 26 de janeiro de 2024 a impugnante apresentou a Reclamação Graciosa subjacente à presente impugnação, que foi instaurada com o nº de processo ...18 – cfr. fls. 30 a 38 do procedimento administrativo junto aos autos;
4) A presente impugnação deu entrada no presente Tribunal em 8 de maio de 2024 – cfr. fls. 24 a 26 do procedimento administrativo junto aos autos.
Vejamos:
Como uma especialidade dentro do processo de impugnação judicial, dispõe a norma do art.º 131.º do CPPT, subordinada à epígrafe:
Da impugnação dos atos de autoliquidação, substituição tributária e pagamentos por conta, que, em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração (seu n.º1)
Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 120 dias, a liquidação que efetuou, contados, respetivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito (artigo 102º n.º 1 alínea b) do CPPT)
Na presente impugnação, a impugnante visa a anulação da autoliquidação de IVA do período 202006T (segundo trimestre de 2020), no montante de € 33.404,77, Cfr nota de compensação extraída da base de dados da AT incorporada a fls. 43 do P.A., liquidação com o nº ...................655, resultante de autoliquidação e à qual imputa erro de facto por não ter considerado o IVA suportado nas aquisições daquele período.
A AT limitou-se a exigir ao sujeito passivo o imposto contido em declarações periódicas remetidas em seu nome e que nas mesmas declarações se encontra apurado, mas que oportunamente com elas, não foi remetido o competente meio de pagamento, como o exige a norma do art.º 26.º n.º1 do CIVA, sendo por isso um imposto devido, e findo o prazo do seu pagamento voluntário, legitimada se encontra a AT para extrair a competente certidão de dívida e exigir a sua cobrança coerciva em sede de execução fiscal, nos termos do disposto nos art.º 88.º e 148.º e segs do CPPT.
E assim sendo como é, tal imposto não pode deixar de ter a natureza de imposto autoliquidado(1), bem ou mal não interessa neste momento, mas para cuja impugnação judicial era necessário, primeiro, deduzir a reclamação graciosa contra tal ato assacando-lhe qualquer vício invalidante (art.º 70.º n.º1 do CPPT), nos termos do n.º1 do citado art.º 131.º do CPPT.
No caso em apreço, foi apresentada a reclamação graciosa referida, porém, fora do prazo estabelecido no artigo 131º do CPPT, pois o foi muito fora do prazo de 2 anos nele estabelecido, uma vez que a data limite de pagamento ocorreu em 4 de setembro de 2020 e apresentação da reclamação graciosa ocorreu apenas em 26 de janeiro de 2024.
Assim sendo, a Impugnação Judicial ora apresentada, porque dependente da prévia apresentação da reclamação graciosa, também o foi intempestivamente.
Tal prazo é de natureza judicial, para efeitos do disposto no artigo 20.º nº 2 do CPPT, pelo que ao mesmo é aplicável o CPC, correndo continuamente mas suspendendo-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (artigo 138.º nºs 1 a 3 do CPC).
Consequentemente, a Impugnação apresentada é manifestamente extemporânea, não podendo conhecer-se dos fundamentos invocados, ainda que se trate de questão de conhecimento oficioso.
Conforme se refere no Douto Ac. do STA de 02.04.2009, proferido no processo nº 0125/09:
“I- Das decisões de indeferimento de reclamações graciosas cabe sempre impugnação judicial, a deduzir no prazo referido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, independentemente de nelas ter sido ou não apreciada a legalidade do acto de liquidação que foi administrativamente impugnado.
II - Só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a sua extemporaneidade da reclamação ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido.”.
Destarte, uma vez que a Impugnação não foi rejeitada liminarmente, ao abrigo do estatuído no artigo 209º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impõe-se agora julgar extemporânea a Impugnação apresentada, e verificada a exceção invocada pela Fazenda Pública e pelo Ministério Público, com a consequente anulação do processado e absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos do disposto no artigo
576º, nº 2, do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega o Recorrente que ainda que se mostre ultrapassado o prazo estabelecido no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, nem por isso o contribuinte deixará de poder sindicar o ato de autoliquidação, desde que o conhecimento do ato lesivo se reporte a uma data posterior ao referido limite, conforme admite a alínea f) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
Mais alega, que tomou conhecimento em janeiro de 2024 do ato lesivo materializado na declaração periódica apresentada em 24/07/2020, pelo que a reclamação graciosa apresentada em 26/01/2024, deve ter-se por tempestiva, consequentemente, a impugnação judicial também deve ser tempestiva.
Alega, ainda, o Recorrente que, a compatibilização do disposto no artigo 131.º, nº 1 do CPPT, com o vertido nos artigos 97.º e 78.º, nº 6 do CIVA – verifica-se não se possível harmonizar tais preceitos, afastando estes últimos a aplicabilidade do artigo 131.º do CPPT quando em causa esteja Imposto Sobre o Valor Acrescentado; e que ao decidir de modo diverso, foi violado o preceituado nos artigos 70.º, nº 1, artigo 102.º, nº 1 e artigo 131.º do CPPT e artigos 97, nº 8 e 78.º, nº 6 do CIVA.
Alega, também, o Recorrente que deverá imperar o princípio da verdade fiscal, no sentido das declarações corresponderam à realidade fáctica, sendo isso apenas possível através da via contenciosa, uma vez que a declaração periódica já não podia ser substituída, nos termos do n.º 2 do artigo 97.º do Código do IVA.
Alega, por fim, que a interpretação normativa expendida sobre os artigos 70.º, nº 1, artigo 102.º, nº 1 e artigo 131.º do CPPT e artigos 97, nº 8 e 78.º, nº 6 do CIVA, no sentido de não ser admissível o recurso imediato à via contenciosa imediata (sem prévia necessidade de apresentação de reclamação graciosa) quando o ato lesivo seja detetado nos dois anos posteriores ao prazo a que alude o artigo 78.º, nº 6 do CIVA e nº 1 do artigo 131.º, nº 1 do CPPT, deve ser julgada inconstitucional por violação do disposto artigos 20.º (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), 103.º (sistema fiscal) e 104.º (impostos) todos da CRP.

A sentença recorrida entendeu que o contribuinte dispunha do prazo de dois anos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, contados após a submissão da periódica declaração de IVA, para deduzir reclamação graciosa, em relação àquela declaração de IVA; que, na situação em apreço, funcionou como uma autoliquidação.
Referiu a decisão recorrida que não foi apresentada reclamação graciosa dentro daquele prazo de dois anos, pelo que a reclamação apresentada posteriormente é extemporânea; donde a Impugnação Judicial ora deduzida, porque dependente da prévia apresentação tempestiva da reclamação graciosa, também gera a intempestividade do direito a apresentar a presente demanda.
Apreciando.
Alega o Recorrente que teve conhecimento da factualidade em data posterior ao limite temporal que a lei estabelece para impugnar, por isso pode beneficiar do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
Relativamente a este aspeto, compete dizer que se trata de questão nova no recurso, que nunca foi alegada anteriormente, pelo que não se pode conhecer do mesmo. No entanto, sempre se diga, que em função do modo como o assunto vem invocado, também não seria possível apreciar o mesmo. Isto porque, não explica o Recorrente em que data concreta afinal teve conhecimento da factualidade que lhe permitiria a correção, para além de nunca referir qual foi essa concreta factualidade, pelo se torna impossível aferir este pressuposto.

Em relação à alegada aplicação do prazo de dois anos, ser o que determina o artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA, compete dizer que se trata de questão nova no recurso, não sendo matéria alegada na 1.ª instância, como tal não tratada na sentença.
Em todo o caso, como teremos sempre de verificar a tempestividade da reclamação graciosa ou os pressupostos da regularização da declaração de IVA, para aferir o direito de ação, sempre se dirá algo sobre o assunto.
Assim, o regime do artigo 78.º do Código do IVA, apenas funciona quando haja retificação de faturas ou quando seja entregue uma declaração de substituição da declaração inicial periódica do IVA. Ora, não foi alegada nenhuma situação destas, pelo que ao caso não é aplicável o regime do artigo 78.º do Código do IVA.
O Impugnante optou pela via da Reclamação Graciosa efetuada diretamente contra a sua própria declaração periódica de IVA, por isso é esse o regime que deve ser analisado.
No que concerne à alegação de que deverá imperar o princípio da verdade fiscal, no sentido das declarações corresponderam à realidade fáctica, também é questão nova no recurso. No entanto, também sempre se poderá dizer que o recorrente não indica quais os factos que lhe permitiriam apresentar mais despesas ou possibilitariam deduzir um imposto superior ao que inscreveu na declaração periódica, pelo que é o próprio contribuinte que se coloca numa situação de impossibilidade de conhecimento dos factos.
Alega, ainda, o recorrente a inconstitucionalidade de diversas normas (acima referidas), por não ser admissível o recurso imediato à via contenciosa imediata.
Mais uma vez, trata-se de matéria nova, mas como a inconstitucionalidade de uma norma pode ser apreciada no processo, caso a mesma seja aplicada, sempre se dirá algo sobre o assunto.
Ora, salvo melhor vislumbre, esta é uma situação em que o contribuinte fica mais garantido com uma possibilidade de reclamação administrativa prévia, do que a imposição de apresentação imediata de uma ação judicial.
Isto porque, a impugnação judicial deve ser apresentada dentro do prazo de três meses contados, a partir do termo do prazo para pagamento voluntário, conforme determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Conforme dado por assente, no ponto 2) da matéria de facto, o prazo para pagamento voluntário perfez-se no dia 04/09/2020, pelo que, o interessado dispunha até ao dia 04/12/2020, para deduzir impugnação judicial.
Ora, é precisamente a possibilidade de poder deduzir reclamação graciosa, no prazo de dois anos, após a apresentação da declaração, que lhe permite ver alargado o prazo para exercer o direito de ação judicial.
Portanto, seja por aplicação do regime do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, seja, pelo regime do artigo 78.º do Código do IVA, o contribuinte está mais garantido pela via administrativa, do que pela via contenciosa, pois beneficia de um prazo muito superior, para fazer face às incorreções que possam ter havido na sua declaração periódica de IVA.
Para além disso, não explica o Recorrente, o que motivaria uma violação do sistema fiscal e o disposto no artigo 104.º da Constituição, limitando-se a produzir afirmações vagas e genéricas sobre o assunto.
Nesta sequência, não se deteta qualquer violação da tutela judicial efetiva ou do sistema fiscal dos impostos.
Resta assim, verificar que o Recorrente não apresentou Reclamação Graciosa dentro do prazo de dois anos, contados após a submissão da sua declaração periódica de IVA, conforme impõe o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
Considerando que o Recorrente alega factualidade superveniente e que tinha o direito ainda a deduzir mais despesas, resulta estar a imputar à sua auto declaração periódica de IVA, erro nos pressupostos de facto. Sendo assim, carecia de ter lançado mão da Reclamação Graciosa, dentro do prazo de dois anos, contados da submissão daquela declaração periódica de IVA.
Conforme dado por assente no probatório, em 24/07/2020, foi submetida a declaração periódica de IVA e em 26/01/2024, foi deduzida Reclamação Graciosa contra aquela declaração periódica de IVA. Como está bom dever já estavam decorridos mais de dois anos sobre a data de submissão da declaração periódica de IVA e até sobre a data do seu pagamento.
Desta forma, a Reclamação Graciosa sendo intempestiva e apenas podendo ser aberta a via judicial com a dedução tempestiva da Reclamação Graciosa, verifica-se que não é possível abrir a via judicial.
Veja-se sobre o assunto, o Acórdão do TCA Sul de 11/10/2011, proferido no processo n.º 04513/11 (em www.dgsi.pt), cujo sumário contém o seguinte teor:
I - A reclamação prévia prevista no nº 1 do artº 131º do CPPT é aqui qualificada como obrigatória para abrir a via contenciosa, se o seu fundamento não for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação não tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária.
II - Nos casos em que o fundamento de impugnação for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação for efectuada com base em orientações genéricas a impugnação judicial não depende de prévia reclamação graciosa, não havendo qualquer obstáculo a que tal reclamação graciosa facultativa seja apresentada, nos termos gerais previstos no artº 70º do CPPT, sendo o efeito da sua apresentação meramente devolutivo de acordo com o disposto no artº 69º -f) do CPPT, com excepção da prestação de garantia em processo de execução fiscal (cfr. artºs 169º, nº 1, 195º e 199º do CPPT).
III - O artº 132º, nº 6 do CPPT – impugnação em caso de retenção na fonte – remete para o disposto no artº 131º, nº 3 do CPPT.
IV – O artº 131º, nº 3 do CPPT ao prescrever como requisitos cumulativos os contidos na sua normação para que a reclamação seja meramente facultativa não altera o prazo geral previsto no CPPT para apresentação de tal reclamação, relevando tal exigência legal para efeitos de admissão ou rejeição da mesma ou da sua procedência ou improcedência, mas nunca para efeitos do pressuposto relativo ao prazo de apresentação da mesma.
V - O princípio “pro actione” previsto no artº. 7.º do CPTA “não significa – nem era essa, claro, a intenção do legislador -, muito longe disso, que os tribunais devam fazer tábua rasa das normas jurídicas onde vão consagrados os pressupostos processuais (salvo no caso especial da parte final do art. 288º/3 do CPC) ou outros requisitos e condições da prática regular dos actos processuais das partes.”

Face ao exposto, não se mostra cumprido um pressuposto processual prévio à possibilidade de impugnação judicial, pelo que não é admissível a presente demanda.
Assim, ainda que, com fundamentação algo diversa daquela que foi exarada na sentença, não é admissível a presente impugnação judicial.
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Face ao exposto, o recurso não merece provimento.
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No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é o Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

A não apresentação de reclamação graciosa contra a autoliquidação de IVA, dentro do prazo de dois anos, contados após a submissão da declaração periódica de IVA, conforme impõe o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, não permite a abertura da via judicial.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente.
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Porto, 27 de março de 2025.

Paulo Moura
Cristina da Nova
Conceição Soares