Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00049/03
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/24/2008
Relator:Dulce Neto
Descritores:IMPOSTO SOBRE SUCESSÕES E DOAÇÕES
Sumário:1. O prazo de 90 dias para deduzir reclamação contra o acto de liquidação de imposto não se conta a partir da notificação da liquidação, mas, antes, a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” [art. 102°, nº 1, alínea a), do CPPT, aplicável à reclamação por força do disposto no art. 70º, nº 1 do mesmo diploma legal, na redacção que vigorou até à Lei 60-A/2005, de 30.12].
2. Do disposto no art. 87º do CIMSISSD decorre que o termo do prazo para pagamento voluntário do imposto sobre sucessões e doações ocorre no último dia do mês seguinte àquele em termine o prazo de oito dias referido no § 22º daquele art. 87º (este, sim, contado a partir da notificação da liquidação), pelo que tendo a notificação da liquidação ocorrido em 9 de Abril de 2002, o mês de vencimento do imposto é o mês de Maio e, como tal, só em 1 de Junho de 2002 se iniciou o prazo de 90 dias para deduzir reclamação contra o acto de liquidação.
3. A impugnação judicial deduzida contra a liquidação de imposto sobre as sucessões e doações não é o meio idóneo para reagir contra o acto de fixação do valor sobre que incidiu o imposto, pois que a forma de reagir contra este acto é a contestação da avaliação (ou pedido de reavaliação) prevista no art. 87º do CIMSISSD.
4. Na falta dessa contestação, o acto da fixação do valor tributável decorrente dos arts. 87º e 97º do CIMSISSD firma-se na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido, deixando de poder ser invocada, na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto de liquidação, a existência de qualquer ilegalidade na fixação daquele valor.
5. Tal não constitui obstáculo à impugnação do acto de liquidação do imposto sucessório, mas nesta o interessado não pode fundar-se em vícios próprios do acto prejudicial, que não suscitou em impugnação que tinha de deduzir contra o acto de avaliação (impugnação judicial que a lei expressamente prevê após o esgotamento dos meios graciosos previstos no processo de avaliações) e que, por isso, ficaram sanados, deixando, assim, tais vícios de poder contagiar e inquinar a validade do acto final de liquidação e de poder determinar a anulação deste acto.
6. O artigo 111º do CIMISSD prevê as hipóteses de liquidação adicional de imposto por virtude de defeito da liquidação anteriormente efectuada por referência ao mesmo facto tributário dada a sua desconformidade com as normas legais ou com a realidade das situações tributárias. Estas liquidações podem ter origem em três espécies de erros: no erro de facto, no erro de direito e ainda nas omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação.
7. Já o artigo 112º do CIMSISSD impõe ao chefe da repartição de finanças a efectivação de outras liquidações, adicionais e oficiosas, com fundamento no aumento do valor da matéria colectável resultante, designadamente, da avaliação dos bens sujeitos a imposto, sendo aplicável a esta liquidação adicional o prazo de caducidade previsto disposto no artigo 92º.
8. O prazo de caducidade de vinte anos previsto no artigo 92º do CIMSISSD foi encurtado para dez anos com a entrada em vigor do Decreto-lei nº 119/94 de 7 de Maio, mas por força do disposto no art. 297º do Código Civil, a contagem deste novo prazo só se inicia a partir da entrada em vigor deste Decreto Lei, em 12 de Maio de 1994.
9. Se a questão em discussão na impugnação judicial deduzido contra o acto de liquidação do imposto sucessório não contende com o valor fixado para as quotas transmitidas, traduzindo-se, antes, numa questão de direito – vício de violação de lei por erro de interpretação dos artigos 20º e 77º do CIMSISSD – não existe obstáculo legal a que esse vício possa servir de esteio para a anulação do acto de liquidação do imposto em processo de impugnação judicial.
10. O valor de quota social transmitida por herança é determinada pelo último balanço, de acordo com a regra 3ª do parágrafo 2º do art. 20º do CIMSISSD, e a correcção ao balanço a que se refere a regra 4ª desse parágrafo e o art. 77º do CIMSISSD só é admissível quando o balanço se mostre elaborado em desconformidade com as regras legais e contabilísticas vigentes à data da sua elaboração.
11. Deste modo, porque a correcção do balanço, por correcção do valor do activo imobilizado, só pode ser feita em função dos termos em que a lei de organização do balanço manda ter em conta esse activo, não pode a AT atribuir-lhe outro valor sem alegar e demonstrar que o balanço se mostrava elaborado em desconformidade com as regras contabilísticas e legais vigentes no momento da sua feitura.
12. Não demonstrando que tal acontecia, a Administração Tributária não estava autorizada pela lei a alterar o balanço quanto ao abordado ponto.
13. Nos termos do art. 43º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à Administração Tributária que é imputável esse erro sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. E esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


A Fazenda Pública recorre da sentença, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial que Maria do Carmo deduziu contra o acto de liquidação de imposto sobre sucessões e doações efectuado no processo de liquidação de imposto sucessório nº 2598 do 7º Serviço de Finanças do Porto, determinando a anulação dessa liquidação (por vício formal de falta de fundamentação) e condenando a Fazenda Pública a pagar à Impugnante juros indemnizatórios sobre o montante liquidado, contados desde 16/05/2002 até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Julgou a douta sentença recorrida a impugnação deduzida contra a liquidação do imposto sobre as sucessões e doações, no montante de € 46.084,14 apurado no processo de imposto sucessório nº 2598, por óbito de José Manuel , procedente, com fundamento na verificação do vício de falta de fundamentação da liquidação, tendo em consequência determinado a anulação do acto tributário e condenado a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios por considerar ter havido na liquidação erro imputável aos serviços;
2. Excepciona-se a caducidade do direito de deduzir impugnação por intempestividade da reclamação graciosa, de cujo indeferimento tácito decorre a presente impugnação, dado ter aquela sido apresentada para além do prazo previsto no art. 102°, nº 1 (ex vi art. 70º, nº 1), sendo certo que a data de interposição do meio gracioso constitui pressuposto da tempestividade da impugnação.
3. Sem conceder, a falta de fundamentação em que assenta a procedência da impugnação e que o Tribunal extrai dos factos provados em “G” (valorização da quota-provisória) e “1” (nova valorização da quota-reserva oculta) do probatório, refere-se, não ao acto tributário de liquidação mas ao acto de fixação do valor das quotas transmitidas, preparatório e destacável daquele, alegadamente derivado do cálculo de uma reserva oculta de edifícios e terrenos, em que apenas é explicado o cálculo dos valores mas não a forma como foram encontrados;
4. Decorre dos factos levados ao probatório (C, D e E), que da herança do de cujos fazia parte 1/3 indiviso de duas quotas na sociedade “Leal & Cª, Ldª”, com os valores nominais de 650.000$00 e 325.000$00, que a impugnante apresentou o extracto do balanço da dita sociedade (cfr. fls. 27 /28 do PA), que da análise do balanço a que procedeu a AT constatou que do activo imobilizado corpóreo constavam vários imóveis com valor contabilístico de 1.102.961$00 (€ 5.501,55) propondo a valorização das quotas, por considerar aquele valor subestimado, de harmonia com o disposto nos arts 77º, § 1º, 2º e 3° e regras 3ª e 4ª do art. 20° CIMSISD;
5. Efectuada a liquidação definitiva, foi a impugnante notificada por ofício datado de 4/4/2002, mostrando-se o A/R assinado em 9/4/2002 (cfr.”J” do probatório e fls. 41/42 verso do PA. apenso), constando expressamente da notificação, a possibilidade de os valores que serviram de base à liquidação serem objecto de contestação a que alude o art. 87° do Código;
6. Não tendo a impugnante usado daquela faculdade, o acto de fixação do valor das quotas sociais consolidou-se, firmando-se na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido (cfr. Ac. STA de 17/01/2000, rec. 25216 e de 17/12/2003, rec. 1356/03, in www.dgsi.pt);
7. In casu, havia lugar ao esgotamento dos meios graciosos previstos no CIMSISD abrindo-se a via contenciosa apenas após a fixação definitiva do valor da transmissão, não sendo a impugnação judicial do imposto sobre as sucessões e doações meio idóneo de reacção ao valor sobre que incidiu o imposto liquidado (neste sentido cfr. Acs. STA de 9/06/1992 rec. 014214, de 29/10/1997, no 021169 e de 6/11/2002, rec. 0968/02, in www.dgsi.pt);
8. De acordo art. 87° do CIMSISD, a contestação dos valores sobre que foi liquidado o imposto, faz-se requerendo a avaliação dos bens ainda não avaliados no processo, seguindo-se os trâmites estabelecidos nos art. 93º e seguintes suspendendo-se as diligências posteriores (relativamente aos que requererem a avaliação) até à conclusão do processo, findo o qual se reformulará a liquidação de harmonia com os valores definitivamente atribuídos aos bens, notificando-se os interessados, assistindo a estes a possibilidade de requererem segunda avaliação ao abrigo do art. 96º do Código, caso não concordem com o resultado da ia avaliação, sendo-lhes vedado impugnar desde logo, o resultado da primeira, sem antes requererem segunda avaliação;
9. A necessidade do prévio esgotamento dos meios graciosos previstos no CIMSISD (arts 87° e 96°) emerge do art. 97º do código, em conjugação com o preceituado nos arts 155°, 6º CPT retomado pelo art. 134°, n° 7 do CPPT que lhe sucedeu, reforçado pelo art. 86° nºs 1 e 2;
10. Acresce que, o acto de avaliação de imóveis (que faziam parte do activo de uma quota social) nos termos do CIMSISD, é um acto destacável em relação ao acto final de liquidação, devendo os vícios próprios do acto de avaliação, ser atacados autonomamente não podendo ser invocados apenas na impugnação do acto de liquidação, sob pena de “atacando o acto de avaliação apenas na impugnação do acto de liquidação, assacando a este vícios próprios daquele, a impugnação está, necessariamente votada ao insucesso”, (no dizer do ac. STA de 29/6/2005, rec nº 0234/05 com referência a prédios - cfr. no mesmo sentido, os Acs. STA de 17/12/03, proc. 0468/03, de 2/4/03, proc.1752/02, in www.dgsi.pt);
11. Ao conhecer de vícios próprios do procedimento de avaliação, de acto preparatório do acto final de liquidação não impugnada autonomamente, a sindicada sentença enferma de erro de julgamento;
12. Caso assim não seja superiormente entendido, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43° da LGT, porquanto, considerando-se o acto tributário anulável por vício de forma decorrente de falta de fundamentação, os mesmos não são devidos, dado não se apurar a existência de erro de facto ou de direito imputável aos serviços, vícios substanciais, conforme comando do no 1 art. 43º LGT, que se refere a erro (sobre os pressupostos de facto ou de direito) e não a vício formal ou procedimental, assim acompanhando a jurisprudência firmada do acórdão do STA de 17/11/2004, processo nº 0772/04, in www.dgsi.pt, não podendo aqui falar-se em lesão patrimonial, prejuízo, ou responsabilidade merecedora de reparação traduzida em juros indemnizatórios;
13. A douta sentença recorrida violou as disposições legais supra citadas.
* * *
Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu o douto parecer que consta de fls. 129, onde apoia a tese, sustentada pela Recorrente, de que ocorreu a caducidade do direito de impugnar o acto de liquidação face à intempestividade da reclamação graciosa deduzida contra esse acto, porquanto a notificação da liquidação ocorreu em 9 de Abril de 2002 (data da assinatura do aviso de recepção, conforme consta de fls. 41 e 42 do processo administrativo apenso) e a dedução da reclamação ocorreu no 91º dia subsequente a essa notificação, ou seja, para além do prazo de 90 dias previsto no art. 102º do CPPT.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* * *
Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto:
A. Em 13/07/1991 faleceu José Manuel , pai da aqui impugnante - cfr. fls. 23 do P.A. apenso aos autos;
B. Com base no Termo de Declaração constante de fls. 23 do P.A. apenso aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, instaurou-se o processo de liquidação de imposto sob o n° 2598;
C. Em 25/11/1992 foi apresentada a relação de bens adicional, da qual consta do activo, a verba de 1/3 indiviso de duas quotas com valores nominais de 650.000$00 e 325.000$00, na sociedade comercial Leal & Cª Ldª - cfr. fls. 25 do P.A. apenso aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D. Em 11/01/1994 foi proferido um mandado onde se ordena a notificação à impugnante para apresentar o extracto, em duplicado e com assinaturas reconhecidas notarialmente, do Balanço da firma Leal & Cª, relativamente ao exercício de 1990.
E. Do Balanço da referida sociedade, a Administração Tributária constatou que do activo imobilizado corpóreo constavam imóveis com o valor contabilístico de 1.102.961$00 - cfr. fls. 28 do P.A. junto aos autos;
F. Tendo considerado o valor referido em E) subestimado, a Administração Tributária propôs a valorização das quotas nos termos do art. 77º n° 1 do CIMSISD - cfr. fls. 32 do P.A. junto aos autos;
G. Por despacho proferido em 13/05/1996 a Administração Tributária

«Nos termos do parágrafo 1° do artigo 77° do Código do Imposto Municipal de Sisa e o Imposto sobre as Sucessões e Doações, e julgando-se dispensável o exame à escrita da firma acima referida indica-se o montante de esc. 569.266$00 como valor atribuído ao quinhão com expressão nominal de esc. 325.000$00, que se descreveu no processo de Imposto sobre Sucessões e Doações supra indicado.

Esta quantia foi apurada com base na situação líquida reportada a 31/12/1990 cujo apuramento encontra descrito no verso.

De notar que a análise dos elementos apresentados revelam a existência de um saldo credor na quantia de esc. 666.667$00, a considerar no valor da herança.

Apuramento da situação liquida:
Capital Social 975.000$
Reservas 592.186$
Resultado Liquido 140.613$
Total 1.707.799$
Cálculos: a) 325.000$00 x 1.707.799$00 = 569.266$00 Valor Provisório
975.000$00

H. Em 13/11/1996 a impugnante foi notificada da liquidação apurada com base no valor provisório da quota - fls. 45 do P.A. junto aos autos;
I. Em 08/02/2002 foi proposta e aprovada nova Valorização de Quotas nos termos do art. 77º do CIMSISD com a seguinte informação e notas, constantes de fls. 38 e 38 verso do P.A. junto aos autos):

“Nos termos do parágrafo 1° do artigo 77º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações e julgando-se dispensável o exame à escrita da firma acima referida, indica-se o montante de esc. 52.233.997$00 como valor atribuído ao quinhão com expressão nominal de esc. 325.000$00 que se descreveu no processo de Imposto sobre Sucessões e Doações supra indicado.

Esta quantia foi apurada com base na situação líquida reportada a 31/12/1990 cujo apuramento encontra descrito no verso.

De notar que a análise dos elementos apresentados revelam a existência de um saldo credor na quantia de esc. 666.667$00, a considerar no valor da herança»


E no verso consta o seguinte:
Apuramento da situação liquida:
Capital Social 975.000$
Reservas 592.186$
Resultado Liquido 140.613$
Reserva Oculta 156.577.039$
Total 158.284.838$
Cálculos: a) 325.000$00 x 158.284.838$00 = 52.233.997$00
975.000$00

NOTAS - Reserva oculta de Edifícios e Terrenos (art. 778, 779º, 780, 781, 783, 784, 785, 786, 787, 788, e 789) aos quais foi solicitada a avaliação prestada pelos Serviços de Finanças de Penafiel de 10 de Outubro de 2001, de que resultou o valor total da avaliação de 157.680.000$00, reportado à data do óbito, calculado da seguinte forma: 13140m2 x 12.000 (preço m2) = 157 680.000$00

Cálculo reserva oculta:

-Valor da avaliação = 157.680.000$00
- Valor líquido dos prédios rústicos 1.102 961$00
- Reserva oculta 156.577.039$00 (157.680.000$00 - 1.102 961$00)»;

J. A liquidação adicional foi calculada nos termos constantes de fls. 39 e 40 do P.A. junto aos autos, e em 04/04/2002 foi elaborada a notificação à impugnante;
L. A liquidação adicional acima referenciada foi paga em 16/05/2002 - fls. 51 do P.A. junto aos autos.
M. Os factos provados em F), G), 1), constam de uma certidão solicitada pela impugnante - cfr. fls. 32, 33, 34 e 35 dos autos.
N. Em 09/07/2002 a impugnante deduziu reclamação graciosa cujo P.A. se encontra junto aos autos.
O. Em 09/04/2003, com base no indeferimento tácito da aludida reclamação graciosa, foi deduzida a presente impugnação.

Em face do teor das supra citadas conclusões do recurso - as quais, como é sobejamente sabido, balizam o objecto e âmbito do mesmo - constata-se que a Fazenda Pública, ora Recorrente, sindica a sentença recorrida com base em erro no julgamento da questão da caducidade do direito de deduzir a presente impugnação judicial, erro em julgá-la procedente por ocorrência do vício de falta de fundamentação da liquidação e erro na decisão de a condenar a pagar juros indemnizatórios à Impugnante.
Todavia, para a cabal apreciação da primeira questão colocada, torna-se imprescindível aditar ao probatório os factos que a Recorrente refere na alegação de recurso e condensa na 5ª conclusão, os quais se encontram documentalmente comprovados nos autos.
Assim como se torna essencial, para a devida apreciação da segunda questão colocada, complementar a factualidade já fixada com outra que emerge do procedimento tributário que levou à realização do acto de liquidação de imposto impugnado.

Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 712º, nº 1, alínea a), do CPC, se acorda em ampliar a matéria de facto com a seguinte factualidade:
P. O ofício para notificação da liquidação impugnada, elaborado em 4/04/2002, foi enviado à Impugnante por carta registada com aviso de recepção, assinado em 9/04/2002 – cfr. fls. 41/42 e 42 verso;
Q. Dá-se aqui por reproduzido o teor desse ofício para notificação da liquidação, o qual continha a seguinte informação:
«Foi-lhe liquidado imposto conforme se discrimina:

Valores Base à LiquidaçãoDesignaçãoImposto Apurado
65.856,13 EURBens Móveis14.569,25 EUR
Bens Imóveis
Sisa
Juros Compensatórios
65.856,13 EURTOTAL15.563,20 EUR

Os valores que serviram de base à liquidação poderão ser objecto de contestação, por qualquer das seguintes formas:

· contestação dos valores que serviram de base à liquidação nos termos do artigo 87° do Código deste imposto, no prazo de oito dias a contar da assinatura do aviso de recepção que acompanha a presente notificação;
· reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos, fundamentos e prazos previstos respectivamente nos artigos 68°, 170° ou 99°/102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Não o fazendo, deve efectuar o pagamento do imposto apurado, numa das -modalidades a seguir indicadas:
(…)».

Fica ainda ciente de que os prazos de pagamento do referido imposto são:

· Pagamento, de pronto, no mês do vencimento, ou seja, no mês seguinte àquele em termine o prazo de oito dias referido anteriormente;
· Primeira prestação nas condições do ponto anterior;
· Segunda prestação e restantes seis em seis meses após o vencimento da 1ª».
R. A Impugnante não contestou os valores que serviram de base à liquidação do imposto nos termos do art. 87° do CIMSISSD, nem deduziu reclamação ou impugnação contra a fixação desses valores.
S. É a seguinte a fundamentação da proposta de valorização das quotas referida na alínea E) deste probatório, elaborada em 6/95/1996 e antes da liquidação provisória de imposto sucessório referida na alínea H):
«Assunto: Valorização de Quotas. Avaliação de bens imóveis (§ 2º do art. 77º do CMISISSD)
Na análise que procedemos ao balanço de 1990 da firma Leal & Cª, Ldª, NIPC … com sede … para efeitos de determinação do valor da quota (§ 1º do art. 77º do CIMSISD) por óbito de José Manuel , ocorrido em 13/07/91, verificamos que do activo imobilizado corpóreo constam “Edifícios e Terrenos”, com o valor contabilístico liquido de 1.102.961$00.

A localização e o valor patrimonial daqueles imóveis é a seguinte:

Artigos matriciais 778 (1646 H), 779 (5353 H), 780 (4335 H), 781 (3730 H), 782 (714 H), 783 (1538 H), 784 (1815 H), 785 (5066 H), 786 (4738 H), 787 (4209 H), 788 (5998 H), 789 (9653 H) – rústicos da matriz da freguesia de Penafiel, concelho de Penafiel, com o valor patrimonial total de 48.794$00.

Assim, e por considerarmos este valor subestimado e por carência de elementos contabilísticos que nos permitam corrigi-lo, propõe-se a avaliação dos mesmos nos termos do § 2ºdo artigo 77º do mesmo Código.»

T. Essa proposta foi confirmada por despacho exarado em 3/05/1996 – cfr. fls. 31 do P.A.;
U. Nessa sequência, foi pedida a avaliação dos referidos imóveis ao Chefe do Serviço de Finanças ao abrigo do disposto no § 2º do art. 77º do CIMSISSD – cfr. fls. 32 do P.A..;
V. Foi na sequência dessa avaliação que foi efectuada a nova valorização das quotas referida na alínea I) e efectuada a liquidação adicional de imposto sucessório impugnada nestes autos.

* * *
Esquematizados os factos provados e delimitado objectivamente o recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente, importa começar por analisar a primeira questão colocada e que se traduz em saber se a sentença padece de erro ao não ter julgado verificada a caducidade do direito de deduzir a presente impugnação judicial, tendo em linha de conta que ela foi apresentada na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra o acto de liquidação e que o prazo aplicável é, conforme reconhecem ambas as partes, o previsto no artigo 102º, nº 1 alínea d) do CPPT – 90 dias contados da formação da presunção de indeferimento tácito.
A Fazenda Pública havia suscitado, na sua contestação, a caducidade do direito de deduzir esta impugnação com o argumento de que a respectiva petição inicial fora apresentada para além do citado prazo legal, já que a presunção de indeferimento tácito da reclamação ocorrera em 9/01/2003 e o prazo de noventa dias para impugnar terminava, assim, em 9/04/2003, pelo que tendo a p.i. sido apresentada dois dias depois, em 11/04/2003, seria intempestiva.
A sentença recorrida julgou improcedente a questão com base no facto de a p.i. ter sido enviada por correio, registado em 9/04/2003, pelo que se mostra deduzida dentro do prazo legal de 90 dias previsto no art. 102º, nº 1 alínea d) do CPPT.
Em sede de recurso, a Fazenda Pública, embora aceite a aludida motivação, vem insistir na ocorrência da caducidade com uma nova argumentação: ela decorreria da intempestividade da anterior reclamação graciosa, por esta ter sido apresentada para além do prazo previsto no art. 102° nº 1 do CPPT, isto é, por ter ultrapassado o prazo de 90 dias contado da notificação da liquidação.
Todavia, não lhe assiste razão.
É que o prazo de 90 dias para deduzir reclamação não se conta, como pressupõe a Recorrente, a partir do acto de notificação da liquidação, mas, antes, a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” - tal como decorre à evidência do disposto no art. 102°, nº 1, alínea a), do CPPT, aplicável à reclamação por força do disposto no art. 70º, nº 1 do mesmo diploma legal (na redacção então vigente, isto é, a que vigorou até à Lei 60-A/2005, de 30.12, segundo a qual “A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no n.º 1 do artigo 102º”).
Assim, e considerando que tal como resulta do disposto no artigo 87º do CIMSISSD e fora, aliás, comunicado à Impugnante (cfr. a alínea Q do probatório), o termo do prazo para pagamento voluntário do imposto sobre sucessões e doações (quer para o pagamento de pronto quer para pagamento da 1ª prestação) ocorre no último dia do mês seguinte àquele em termine o prazo de oito dias referido no § 22º daquele art. 87º (este, sim, contado a partir da notificação da liquidação), há que concluir que o prazo para pagamento voluntário só terminou em 31 de Maio de 2002, pois que a notificação da liquidação ocorreu em 9 de Abril de 2002, sendo Maio o mês de vencimento do imposto.
Como tal, só em 1 de Junho de 2002 se iniciou o prazo de 90 dias para deduzir reclamação contra o acto de liquidação.
Donde resulta que a reclamação, apresentada em 9 de Julho de 2002, se mostra tempestivamente deduzida, improcedendo a primeira questão colocada neste recurso.

Termos em que importa passar à análise da segunda questão, e que se traduz em saber se ocorreu o imputado erro de julgamento na decisão de anular o acto de liquidação por ocorrência do vício de falta de fundamentação.
Na perspectiva da Recorrente, a falta de fundamentação em que assentou a procedência da impugnação e a anulação da liquidação, refere-se, não ao acto de liquidação em si, mas ao acto de fixação do valor das quotas transmitidas, preparatório e destacável daquele. E porque a Impugnante não contestou os valores que serviram de base a essa liquidação, nos termos previstos no art. 87° do CIMSISSD, esse acto de fixação do valor das quotas sociais consolidou-se, firmando-se na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido, pelo que, ao conhecer de vícios próprios do acto de avaliação a sentença enferma de erro de julgamento.
E avança afirmando que a impugnação judicial do imposto sobre as sucessões e doações não constitui meio idóneo de reacção contra o valor sobre que incidiu o imposto liquidado, pois que, de harmonia com o regime que emerge dos arts 87° e segs. do CIMSISSD, em conjugação com o preceituado nos arts 155°, nº 6º do CPT, a contestação dos valores sobre que foi liquidado o imposto faz-se requerendo a avaliação dos bens, sendo vedado impugnar o resultado da avaliação sem antes esgotar os meios administrativos previstos para a impugnação directa do acto de avaliação.

Vejamos.
Cabe, em primeiro lugar, relembrar que apesar de ser verdade que os actos de fixação dos valores patrimoniais só podem ser impugnados contenciosamente depois de esgotados os meios graciosos previstos no processo de avaliações (art. 155º, nº 6 do CPT, art. 134°, nº 7 do CPPT e art. 86º da LGT), torna-se despropositado invocar aqui esse princípio da exaustão dos meios graciosos para a impugnação directa do acto de avaliação, pois que, como vimos, o objecto desta impugnação judicial não é um acto de avaliação, mas, sim, o acto de liquidação do imposto sucessório. O pedido de reavaliação só é exigido como pressuposto de impugnação judicial do acto de fixação do valor O que bem se compreende, pois o acto que fixa o valor de bens tem natureza pericial, só se justificando a intervenção do juiz quando esgotados os meios administrativos. e, no caso, o que vem impugnado é o acto de liquidação de imposto, cuja anulação vem peticionada com base em vícios de forma e em vícios de violação de lei.

Assim, a questão que verdadeiramente se coloca é a de saber se a Impugnante, apesar de estar a sindicar contenciosamente o acto de liquidação do imposto, se está a servir, no fundo, de um fundamento de ataque ao acto de avaliação que serviu de suporte a essa liquidação. Isto é, se o vício de forma por falta de fundamentação que imputou ao acto de liquidação e em que assentou a procedência da impugnação, se refere, não ao acto de liquidação em si, mas ao acto preparatório de avaliação do valor das quotas transmitidas, o qual já não podia atacado por se ter consolidado na ordem jurídica como caso resolvido ou caso decidido.
Na verdade, e como é consabido, a impugnação judicial do imposto sobre as sucessões e doações não é o meio idóneo para reagir contra o acto de fixação do valor sobre que incidiu o imposto, pois que a forma de reagir contra esse acto é a contestação da avaliação (ou pedido de reavaliação) prevista no art. 87º do CIMSISSD. E, na falta dessa contestação, o acto da fixação do valor tributável decorrente dos arts. 87º e 97º do CIMSISSD firma-se na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido, deixando de poder ser invocada, na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto de liquidação, a existência de qualquer ilegalidade na fixação daquele valor (neste sentido, entre outros, os Acórdão proferidos pelo STA em 24/01/1990, no Recurso nº 011927, e em 8/05/1996, no Recurso nº 016143 e pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA em 22/02/1989, no Rec. nº 003845).
É que o princípio da impugnação unitária não vale relativamente aos actos intermédios que a lei erija em actos prejudiciais, destacáveis, para os quais prevê a sua impugnação autónoma apesar de se não tratar de actos que ponham termo ao procedimento, como acontece com os actos de fixação do valor tributável. Nestes casos, impõe-se atacar o acto intermédio, sob pena de os vícios próprios dele não mais poderem ser invocados, como que se sanando, não contaminando o acto final.
É claro que o que se afirma não constitui obstáculo à impugnação do acto que põe termo ao procedimento - no caso, o acto de liquidação do imposto sucessório. Só que, no ataque a este acto de liquidação, o interessado não pode fundar-se em vícios próprios do acto prejudicial, que não suscitou em impugnação que tinha de deduzir contra esse acto de avaliação (impugnação judicial que a lei expressamente prevê após o esgotamento dos meios graciosos previstos no processo de avaliações) e que, por isso, ficaram sanados, deixando, assim, tais vícios de poder contagiar e inquinar a validade do acto final de liquidação e de poder determinar a anulação deste acto.
Deste modo, torna-se essencial apurar se na presente impugnação judicial a Impugnante veio pôr em causa, contestando, o acto de fixação dos valores sobre os quais foi liquidado o imposto sucessório, pois que se assim for não podia a sentença ter anulado com tal fundamento a liquidação, atento o caso resolvido formado pela falta de contestação de valores a que se refere o art. 87º do CIMSISSD.
Da leitura da petição que deu origem ao presente processo resulta que a Impugnante pretende questionar a legalidade do acto tributário de liquidação do imposto sucessório com base, designadamente e no que ora interessa, no vício de falta de fundamentação da correcção que, ao abrigo do disposto no § 2º do art. 77º do CIMSISSD, foi operada pela AT ao valor das quotas sociais transmitidas mortis causa.
Para justificar a verificação desse vício, alega não compreender a avaliação dos imóveis da sociedade cuja quota foi transmitida, nem os critérios que presidiram a essa avaliação, pois que embora conste da fundamentação que da avaliação resultou o valor total da avaliação de 157.680.000$00, reportado à data do óbito, calculado da seguinte forma: 13140m2 x 12.000 (preço m2) = 157 680.000$00”, não foi indicado a base com que foi fixado o preço por metro 2, nem os critérios da avaliação dos imóveis, se estes eram urbanos ou rústicos, se foi ou não considerada a área envolvente e a possibilidade de construção, se foram ou não consultados os registos de notários para apurar o preço médio de venda à data do óbito. E embora se diga que a avaliação é reportada à data do óbito, nem se menciona a respectiva data, pelo que a Impugnante não sabe quais foram os critérios e métodos definidos e utilizados para proceder a esta avaliação.
Donde decorre à evidência que este vício de falta de fundamentação se reporta ao acto de fixação do valor de quotas sociais para efeito de imposto sucessório. E daí que o vício de forma por falta de fundamentação em que assentou a procedência da impugnação, se reporta, não ao acto de liquidação em si, mas ao acto preparatório de avaliação do valor das quotas transmitidas, o qual já não podia atacado por se ter consolidado na ordem jurídica como caso resolvido ou caso decidido, pois a Impugnante não o contestou graciosamente (pedindo 2ª avaliação) nem deduziu contra ele a competente impugnação judicial com vista à sua anulação, designadamente por vício de falta de fundamentação, em conformidade com o regime que emerge do art. 97º do CIMSISSD e do art. 134°, nº 7 do CPPT.
Ao avançar imediatamente para a reclamação graciosa contra a liquidação do imposto e sequente impugnação judicial, a Impugnante deixou que o acto de fixação do valor patrimonial, para efeito de imposto sobre as sucessões e doações, das duas quotas sociais que integram a herança aberta por óbito de seu pai, se consolidasse na ordem jurídica, se firmasse como caso resolvido nos termos do regime previsto nos arts. 87º e 97º do CIMSISSD.
E ao conhecer de vícios próprios do acto de avaliação, que se encontram sanados por falta de oportuna e autónoma impugnação, a sindicada sentença enferma do erro de julgamento que a Recorrente lhe assaca, pois que, pelas enunciadas razões, não podia ter sido conhecido o vício de forma de que padecia o acto avaliativo nem podia, consequentemente e com apoio nele, determinar a anulação da liquidação do imposto.
Em suma, o vício de falta de fundamentação invocado como suporte para a pretendida anulação da liquidação não podia servir-lhe de esteio, por ser atinente à avaliação, que já não podia ser discutida, e, neste contexto, a sentença proferida em 1ª instância não pode manter-se, assim procedendo as conclusões da alegação de recurso.

Face à revogação da sentença recorrida, importa passar ao conhecimento, por substituição, das restantes questões suscitadas pela Impugnante com vista à pretendida anulação da liquidação do imposto sucessório, questões cujo conhecimento ficara prejudicado pela solução dada ao litígio em 1ª instância, sabido que, por força do disposto no nº 2 do art. 715º do CPC, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha, como se dispõe no caso vertente, dos necessários elementos.

Os vícios alegados na petição, com vista à pretendida anulação do acto de liquidação, são os seguintes:
- 1. caducidade do direito de a AT proceder à liquidação;
- 2.inadmissibilidade legal, em face do disposto no art. 20º do CIMSISSD, de a AT determinar o valor das quotas sociais, para efeitos de liquidação de imposto sucessório, mediante a avaliação dos imóveis que fazem parte do activo imobilizado corpóreo da sociedade e em detrimento do balanço apresentado;
- 2. preterição de formalidades legais no procedimento avaliativo por ofensa do disposto no art. 93º do CIMSISSD;
- 4. falta de fundamentação e violação de lei na liquidação dos Juros Compensatórios.

DA CADUCIDADE.
Segundo a Impugnante, a avaliação das quotas apenas podia ter sido promovida pelo Director Distrital de Finanças no prazo de 2 anos após a primeira liquidação do imposto efectuada em 1996, em harmonia com o disposto no art. 88º do CIMSISSD, pelo que em 08/02/2002, quando foi proposta e aprovada a nova valorização das quotas, já se encontrava, há muito, ultrapassado o prazo para efectuar essa avaliação e, consequentemente, para liquidar o respectivo imposto.
Por outro lado, defende que o prazo para efectuar esta liquidação adicional de imposto era o de 5 anos previsto no nº 3 do art. 111º do CIMSISSD, prazo que também se mostrava ultrapassado quando ela foi efectuada em 2002.
Todavia, não lhe assiste razão, já que nenhum dos citados preceitos é aplicável a esta liquidação.
O artigo 111º, que regulamenta as liquidações adicionais, estabelece o seguinte:
Artigo 111º

(Liquidação adicional)


Quando se verificar que nas liquidações de sisa ou em processo de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações se cometeu erro de facto ou de direito, ou houve qualquer omissão, de que resultou prejuízo para o Estado, o chefe da repartição de finanças deverá repará-lo mediante liquidação adicional.

(…)

§ 3.º A notificação só poderá fazer-se até decorridos cinco anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens à relação exigida no artigo 67º, que então poderá ainda fazer-se posteriormente.

Fica ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 92º

Prevêem-se nesta norma as hipóteses de liquidação adicional de imposto por virtude de defeito da liquidação anteriormente efectuada por referência ao mesmo facto tributário, dada a sua desconformidade com as normas legais ou com a realidade das situações tributárias. Estas liquidações podem ter origem em três espécies de erros: no erro de facto, no erro de direito e ainda nas omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação.

Já o artigo 112º estabelece o seguinte:

Artigo 112.º

(Liquidação adicional por partilha, avaliação, correcção

ou discriminação de valor


O chefe da repartição de finanças também deverá proceder a liquidação adicional quando, depois de efectuada uma liquidação, haja de exigir-se, em virtude de partilha ou avaliação dos bens, de correcção ou discriminação do seu valor, previstas neste diploma, maior sisa ou imposto sobre as sucessões e doações do que os que foram liquidados.

§ único. A estes liquidações adicionais é aplicável o disposto no artigo 92º e nos §§ 1º e 2º do artigo precedente.


Esta norma impõe ao chefe da repartição de finanças a efectivação de outras liquidações, adicionais e oficiosas, com fundamentos diferentes dos enunciados no artigo anterior. Aqui o fundamento será o aumento do valor da matéria colectável resultante, designadamente, da avaliação dos bens sujeitos a imposto, como aconteceu no caso vertente. O que se compreende, na medida em que incidindo o imposto sobre o valor determinado segundo as regras estabelecidas, a liquidação adicional terá de ser corrigida sempre que a sua base seja alterada por motivo, designadamente, de avaliação posterior. E a esta liquidação adicional é aplicável o disposto no artigo 92º.
Ora, o artigo 92º na redacção vigente à data da abertura da herança (13/07/1991) estabelecia que o prazo de caducidade era de vinte anos. E apesar de esse prazo ter sido encurtado para dez anos com a entrada em vigor do Decreto-lei nº 119/94 de 7 de Maio, o certo é que, por força do disposto no art. 297º do Código Civil, a sua contagem só se inicia a partir da entrada em vigor deste Decreto Lei, em 12 de Maio de 1994, pelo que tendo a Impugnante sido notificada da liquidação em 9/04/2002 (vide probatório), ainda não caducara o direito a efectuar essa liquidação.

Por outro lado, o prazo de dois anos previsto no art. 88º refere-se à promoção da avaliação pelo director distrital de finanças nos casos em que a liquidação definitiva do imposto não recaiu sobre o valor resultante de avaliação. Com efeito, a norma prevê que quando o imposto não tiver sido liquidado sobre o valor resultante da avaliação, o director de finanças distrital poderá ainda promovê-la no prazo de dois anos contados da data da notificação da liquidação definitiva.
O que não se aplica ao caso vertente, dado que o imposto liquidado em 13/11/1996 era provisório [cfr. alínea H) do probatório] e só a liquidação ora impugnada é definitiva. Aliás, tal como resulta do procedimento tributário que conduziu à liquidação impugnada, esta foi efectuada ao abrigo do disposto no artigo 77º e não ao abrigo do art. 88º do CIMSISSD.
Termos em que não se verifica o invocado vício.

DA INADMISSIBILIDADE LEGAL DE SE DETERMINAR O VALOR DAS QUOTAS, PARA EFEITOS DE IMPOSTO SUCESSÓRIO, MEDIANTE A AVALIAÇÃO DOS IMÓVEIS QUE FAZEM PARTE DO ACTIVO IMOBILIZADO EM DETRIMENTO DO BALANÇO.
Tal como decorre da factualidade levada ao probatório, da herança aberta por óbito do pai da Impugnante fazia parte 1/3 indiviso de duas quotas na sociedade Leal & Cª, Ldª, com os valores nominais de 650.000$00 e 325.000$00, tendo a Impugnante apresentado o último balanço da sociedade para efeitos de determinação do valor daquelas quotas, em harmonia com o preceituado no art. 20º § 3º do CIMSISSD, segundo o qual «O valor das quotas ou partes em sociedades que não sejam por acções determinar-se-á pelo último balanço, ou pelo valor atribuído em partilha ou liquidação dessas sociedades, ou na relação dos bens, nos termos da regra antecedente, salvo se, não continuando as sociedades com o herdeiro, legatário ou donatário do sócio falecido ou doador, o valor das quotas ou partes tiver sido fixado no pacto social».
Todavia, tendo a AT constatado, através desse balanço, que do activo imobilizado corpóreo da sociedade constavam imóveis com o valor contabilístico de 1.102.961$00, lavrou a informação que consta de fls. 32 do P.A. propondo a avaliação desses imóveis para a consequente valorização das quotas nos termos do art. 77º n° 1 do CIMSISD – [cfr. alíneas E) e F) do probatório].
E a fundamentação que levou à decisão de proceder à avaliação dos imóveis que faziam parte do activo imobilizado da sociedade e à consequente determinação do valor das quotas em detrimento do balanço apresentado foi a seguinte:
«Na análise que procedemos ao balanço de 1990 da firma Leal & Cª, Ldª, NIPC … com sede … para efeitos de determinação do valor da quota (§ 1º do art. 77º do CIMSISD) por óbito de José Manuel , ocorrido em 13/07/91, verificamos que do activo imobilizado corpóreo constam “Edifícios e Terrenos”, com o valor contabilístico liquido de 1.102.961$00.

A localização e o valor patrimonial daqueles imóveis é a seguinte:

Artigos matriciais 778 (1646 H), 779 (5353 H), 780 (4335 H), 781 (3730 H), 782 (714 H), 783 (1538 H), 784 (1815 H), 785 (5066 H), 786 (4738 H), 787 (4209 H), 788 (5998 H), 789 (9653 H) – rústicos da matriz da freguesia de Penafiel, concelho de Penafiel, com o valor patrimonial total de 48.794$00.

Assim, e por considerarmos este valor subestimado e por carência de elementos contabilísticos que nos permitam corrigi-lo, propõe-se a avaliação dos mesmos nos termos do § 2ºdo artigo 77º do mesmo Código.»


Ou seja, resolveu-se proceder à avaliação dos imóveis que faziam parte do activo imobilizado com base na mera na afirmação, conclusiva, de que o seu valor se encontrava subestimado, afastando, deste modo, o valor do Balanço e das regras legais contabilísticos a que se encontra submetido a sua elaboração.
E a questão que se ora se nos coloca é, pois, a de saber se a decisão de proceder deste modo à determinação do valor das quotas é ou não legal à luz do disposto no art. 20º § 2º, regras 3ª e 4ª (que prevêem a forma de determinar o valor das quotas sociais para efeitos de imposto sucessório) e à luz do art. 77º (que prevê a possibilidade de a AT corrigir os valores activos do Balanço que repute de subestimados).

Esclareça-se, desde já, que o facto de o resultado da avaliação desses imóveis não ter sido contestado administrativamente ou impugnado judicialmente, não impede que se discuta nestes autos a enunciada questão, pois que ela não tem a ver com o valor que foi fixado, mas com a verificação dos pressupostos legais para que pudesse proceder-se à avaliação e valorização das quotas.
A exigência de esgotar os meios graciosos (requerendo uma 2ª avaliação) e de impugnar judicialmente o valor fixado não teria, neste caso, qualquer sentido lógico nem racional, pois que, com esta questão jurídica, não se visa contestar o resultado da avaliação nem se poderia, sequer, obter da comissão que faria a 2ª avaliação uma solução para esta questão.
E como se deixou salientado no Acórdão proferido pelo STA em 6/11/2002, no Recurso nº 0968/02, o artigo 155º do CPT não deve ser interpretado com o sentido de impor que, mesmo quando se não pretende contestar o valor atribuído na primeira avaliação, se requeira uma segunda, como condição necessária para recorrer a juízo, para aí discutir uma questão alheia à fixação do valor (designadamente, a da verificação dos pressupostos legais exigidos para se proceder à avaliação). Antes, tal disposição legal deve interpretar-se com o sentido de obstar, apenas, a que, antes de efectuada a segunda avaliação, se recorra aos tribunais para discutir o valor patrimonial do bem No mesmo sentido, veja-se, entre outros, os Acórdãos do STA proferidos em 8/05/1996, no Rec. nº 016143 e em 24/01/1990, no Rec. nº 011927.
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Em suma, dado que a questão em análise não contende com o valor fixado para as quotas (e só este se volveu em caso decidido), traduzindo-se, antes, numa questão de direito – vício de violação de lei por falta de previsão normativa para a avaliação ordenada pela AT ou erro de interpretação dos artigos 20º e 77º do CIMSISSD - consideramos que não existe obstáculo legal a que este vício possa servir de esteio para a pretendida anulação do acto final do procedimento tributário, isto é, do acto da liquidação do imposto que teve por suporte e fundamento aquela invocada ilegalidade.

E passando ao seu conhecimento, cumpre salientar que esta problemática já foi analisada em diversos acórdãos proferidos pelo STA, designadamente nos Acórdãos proferidos em 17/03/1999, no Rec. nº 020967, em 26/02/1997, no Rec. nº 020965, e pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 22/06/2005, no Rec. nº 01369/04, tendo-se firmado orientação pacífica no sentido de que o valor de quota social transmitida por herança é determinada pelo último balanço, de acordo com a regra 3ª do parágrafo 2º do art. 20º do CIMSISSD e que a correcção ao balanço a que se refere a regra 4ª desse parágrafo e o art. 77º do CIMSISSD só é admissível quando o balanço se mostre elaborado em desconformidade com as regras legais e contabilísticas vigentes à data da sua elaboração.
Escreveu-se no sumário do acórdão proferido no Recurso nº 020965 que “ao relevar o balanço da empresa como elemento a partir do qual se acha o valor de transmissão da quota social numa sociedade que não seja por acções e que continue com o herdeiro ou legatário, a regra 3ª do § 3º do art. 20º do CIMSISSD tem em vista o balanço elaborado segundo as regras contabilísticas legalmente assumidas”, e que “a correcção de que se fala na regra 4ª do parágrafo referido anteriormente e no art. 77º do mesmo código é apenas a correcção que seja consentida pelas ditas regras legais contabilísticas e não a correcção com recurso a outras regras do art. 20º atinentes à determinação do valor de elementos constantes do balanço quando transmitidos qua tale”.
Porque sufragamos esta doutrina e aderimos, sem reservas, à respectiva argumentação, passaremos, tão só, a reeditá-la, reproduzindo a fundamentação constante do Acórdão proferido em 17/03/1999, no Rec. nº 020967.
O imposto sobre as sucessões e doações tributa, como se sabe, o efectivo enriquecimento patrimonial gratuito do beneficiário da herança. Para encontrar a matéria colectável que há-de servir para apurar o montante do imposto devido, importa, consequentemente, apurar o valor dos bens transmitidos, já que esse valor é o do enriquecimento do património do herdeiro ou legatário.
No caso que nos importa, de transmissão de quotas sociais, o valor é, de acordo com a lei - regra 3ª do § 3º do artigo 2º do CIMSISSD - determinado pelo último balanço da sociedade.
Supõe o legislador que aí está o “balanço” da situação social, no qual as participações financeiras, as acções cotadas, e as provisões, enfim, tudo quanto de negativo e positivo o integra, contribuem para reflectir o valor da sociedade e, portanto, das diversas partes do seu capital. É que o balanço deve constituir a expressão da relação entre o activo e o passivo, que o mesmo é dizer, demonstrar a situação económica e financeira, retratando a situação líquida, incluindo a composição e valor do património.
Por isso, que o balanço corresponde à situação líquida da sociedade, é que o valor da quota transmitida se determina por ele, já que transmissão da quota faz transitar para o património do herdeiro ou legatário uma riqueza de montante equivalente à parte que lhe cabe na sociedade.
É claro que, se o balanço não estiver feito de acordo com as ditas regras contabilísticas e legais que presidem à sua elaboração, há que corrigi-lo, nem por isso deixando o valor das quotas sociais de ser determinado pelo mesmo balanço - só que, agora, depois de corrigido - regra 4ª do aludido § 3º do artigo 20º.
O artigo 77º do CIMSISSD dá expressão prática a estas regras: enviado o balanço aos serviços da Direcção-Geral dos Impostos, esta corrige-o, sendo caso disso - § 2º e indica, dentro de dado prazo, o valor das quotas ou partes sociais à entidade que tem a seu cargo o processo tendente à liquidação do imposto.
Deste modo, a correcção só é admitida quando necessária para definir o valor da quota transmitida, que o mesmo é dizer, quando o balanço, antes da correcção, não reflicta o real valor da sociedade e, consequentemente, da quota.
Note-se que não tem aplicação directa ao caso de transmissão hereditária de quotas sociais a regra 5ª do § 3º do artigo 20º do CIMSISSD, cujo campo de aplicação é o do valor das acções e outros títulos de crédito, enquanto que a recorrente herdou uma quota de uma sociedade, que é coisa diversa da soma das participações financeiras e das acções detidas pela mesma sociedade. Se a recorrente recebesse, simplesmente, uma participação financeira ou uma acção cotada em bolsa, recebia um bem cujo valor se não relacionava senão com o da sociedade a que respeitasse a participação ou acção. Já o mesmo se não passa quando, como aconteceu, o que é transmitido é uma quota social, na qual se integram participações financeiras e acções de outras sociedades. Neste caso, as participações e acções não constituem um valor autónomo que se integre no património do interessado e por si o enriqueça na medida do respectivo valor, mas antes um valor não autónomo, que faz parte da quota, e que contribui, a par de outros, uns de sinal negativo, outros de sinal positivo, para estabelecer o valor dela.

No caso vertente, no que tange à valorização das quotas, a AT corrigiu o valor do balanço, não porque considerasse que este se encontrava elaborado em desacordo com as normas contabilísticas constantes do Plano Oficial de Contabilidade (POC), mas porque considerou, de forma conclusiva, que os imóveis (edifícios e terrenos) que faziam parte do activo imobilizado da sociedade (e que ali figuravam, correctamente, pelo respectivo valor patrimonial) se encontravam “subestimados”, ordenando a sua avaliação para apurar o seu valor de mercado, a qual veio a ser efectuada pela utilização do seguinte cálculo: 1.3140m2 x 12.000 (preço m2) = 157 680.000$00.
Ora, visto que a correcção do balanço, por correcção do valor do activo imobilizado, só podia ser feita em função dos termos em que a lei de organização do balanço manda ter em conta esse activo, não podia a AT atribuir-lhe outro valor sem alegar e demonstrar que o balanço se mostrava elaborado em desconformidade com as regras contabilísticas e legais vigentes no momento da sua feitura.
Não demonstrando que tal acontecia, a Administração Tributária não estava autorizada pela lei a alterar o balanço quanto ao abordado ponto
E, como se deixou salientado no Acórdão proferido pelo Pleno em 22-06-2005, não se esgrima contra a tese que aqui se defende, que a lei permite, no § 2° do artigo 77° do Código da Sisa, a avaliação dos bens subestimados e que, por isso, o balanço pode ser corrigido com recurso a outras normas. Tal não é assim. Só será legítimo falar-se de subestimação de valores do activo quando a sua contabilização não esteja feita pelo valor que as leis contabilísticas mandam ter em conta. O facto da lei apenas autorizar essa avaliação quando a escrita contabilística não permitir a correcção é sinal de que lhe continua a conferir credibilidade para efeitos do concreto imposto».
Termos em que, pelo apontado vício de violação de lei, terá de proceder a impugnação, sendo de anular esta liquidação adicional do imposto e dos respectivos juros compensatórios.

QUANTO AOS PETICIONADOS JUROS INDEMIZATÓRIOS.
Na petição inicial, a Impugnante formulou o pedido de devolução da quantia liquidada e paga, bem como de condenação da Administração Fiscal a pagar-lhe juros indemnizatórios desde a data em que efectuou o pagamento (16/05/2002).
A devolução da quantia paga constitui uma consequência directa da decretada anulação da liquidação e o direito aos juros indemnizatórios decorre do disposto dos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT.
Nos termos do art. 43º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à Administração Tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. E, tal como a doutrina e jurisprudência estão cansadas de repetir, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro. A Administração Tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (cfr. art. 266º, nº 1, da Constituição e art. 55º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.
Deste modo, e considerando que o erro imputável aos serviços ficou demonstrado pela procedência da presente impugnação por vício de violação de lei, julgam-se preenchidos os pressupostos para a condenação da Fazenda Pública ao seu pagamento à Impugnante, contados desde 16/05/2002 até à data da emissão da nota de crédito a favor daquela (art. 61º, nº 3, do CPPT).

* * *
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar procedente a impugnação judicial e anular o acto impugnado, ordenando-se a restituição à impugnante da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde 16/05/2002 até à data em que vier a ser emitida nota de crédito a seu favor.

Sem custas.
Porto, 24 de Abril de 2008
(Dulce Manuel C. Neto)

(Aníbal Augusto R. Ferraz)

(Francisco António A. Rothes)