Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01622/06.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
IVA; REGULARIZAÇÕES A CRÉDITO;
DL 229/95, DE 11/09;
Sumário:O ato de liquidação adicional de IVA praticado na sequência de um procedimento de inspeção tributária, que desconsideres o IVA dedutível, ou seja que coloque em causa o “crédito de imposto” utilizado por via de reporte em declaração posterior, terá que ser emitida com referência ao período em que o crédito de imposto veio a ser subtraído pela Impugnante ao imposto liquidado (em que o crédito foi exigido), pois só nessa declaração posterior figura “um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos”, que cumpre liquidar pela diferença (art. 82.º do CIVA, então em vigor).*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2018-02-23 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial interposta por «X, Lda.» tendo por objeto as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e correspondentes juros compensatórios referentes ao ano de 2001 no montante total de EUR 221.594,96, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos quatro trimestres do ano de 2001 no valor global de €181 652,58 e juros compensatórios no valor total de € 39 897,38.
B. Sem colocar em crise a matéria de facto dada como provada considera, no entanto, a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que não se verifica qualquer vício de violação de lei.
C. Outrossim considera a Fazenda Pública, sempre com o devido respeito, que o inciso decisório incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, fazendo uma errada interpretação e subsunção da lei ao caso em apreço, designadamente, o disposto nos artigos 19.º, 20.º, 22.º 26 e 82.º todos do CIVA, que consagram as regras legais aplicáveis à dedução do imposto e concomitantemente, erro na aplicação do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 229/95 de 11/09, nas redacções à data vigentes.
D. Deste modo, a questão decidenda prende-se com a decisão da Administração Fiscal de desconsiderar o IVA que a Impugnante deduziu nos períodos de tributação de 2001 sem proceder à alegadamente “necessária” rectificação das declarações periódicas relativamente aos períodos subsequentes em que ocorreu a utilização dos créditos.
E. Efectivamente, o disposto no artigo 22.º do CIVA remete-nos para o regime da cobrança e reembolso do IVA, previsto no Dec-Lei n.º 229/95, de 11/09, que, na redacção à data dos factos determinava, no seu artigo 8.º, n.º 1, que “Os excessos a reportar, bem como as regularizações a crédito, transportados de períodos anteriores, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e do artigo 6.º do presente diploma, só serão tomados em conta quanto incluídos em declarações periódicas apresentadas dentro do prazo legal.(sublinhado nosso)
F. Para que o Estado se pudesse ressarcir de indevidas deduções de imposto efectuadas pelos sujeitos passivos, dispunha apenas e tão somente da possibilidade de emitir liquidações adicionais pelos valores em questão.
G. Sendo-lhe vedado, por força da legislação à data vigente, corrigir toda e qualquer declaração periódica subsequente, em sistema de conta corrente, como pretende a aliás douta sentença sob recurso.
H. Só a partir de Novembro de 2012, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 64/2012, de 11 de Setembro, ao regime de cobrança e reembolso de IVA, previsto no Dec-Lei n.º 229/95, de 11/09, entrou em vigor o sistema de conta-corrente, passando a ser possível à AT, escriturar nesse sistema, os créditos e débitos apurados nas declarações periódicas apresentadas ainda que fora do prazo legal.
I. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito, por violação do disposto no art.º 8.º, n.º 1, do Dec.- Lei n.º 229/95, de 11/09, na redacção à data vigente, conjugado com os artigos 19.º, 20.º, 22.º, 26.º e 82.º todos do CIVA.
Termina pedindo:
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
***
A Recorrida apresenta contra-alegações nas quais conclui como se segue:
CONCLUSÕES:
1. Na presente contra-alegação, pretende a Recorrida demonstrar a bondade da interpretação da lei e respectiva aplicação pelo Tribunal recorrido, no que respeita à questão apreciada na sentença e que fundou o sentido da decisão anulatória.
2. Subsidiariamente, caso venha a merecer provimento o recurso interposto pela Recorrente na parte em invoca a inexistência do vício formal dos actos de liquidação, vem a Recorrida requerer, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 636.º do C.P.Civil sejam apreciadas as seguintes questões:
c) a nulidade da sentença recorrida, com fundamento em falta de pronúncia sobre questão que o juiz a quo devia ter apreciado, a saber, a verificação no caso dos pressupostos para o exercício do direito à dedução pela Recorrida (em particular, a materialidade económica das operações controvertidas nos autos, realizadas entre a Recorrida e as sociedades «Y, Lda.» e «Z, Lda.».).
d) o erro de julgamento do Tribunal a quo na decisão que tomou de selecção da matéria de facto, traduzido na não inclusão no objecto do processo de factos essenciais e relevantes para a decisão da causa, articulados nos artigos (i) 164.º a 171.º e 278; (ii) 171.º e 172.º; (iii) 174.º a 187.º, 238.º e 239.º; (iv) 200.º a 204.º, 208.º e 209.º, 244.º a 259.º e 334.º; (v) 313.º, 377.º a 379.º, 384.º, 386.º, 406.º, 409.º, 438.º, 445.º a 447.º e 449.º (devidamente elencados no corpo da Contra-Alegação), os quais, atenta a prova documental e testemunhal produzida devem ser dados como provados.
3. Andou bem o Tribunal a quo ao sustentar que, para efeitos de desconsideração do IVA suportado em operações (alegadamente) simuladas, a Administração Fiscal apenas pode exercer o direito à liquidação adicional de imposto com referência aos períodos em que foi efectivamente utilizado o crédito gerado com base nas deduções de imposto e, consequentemente, anular os actos impugnados (reportados a períodos de tributação nos quais a Recorrida não utilizou créditos de imposto apurados a seu favor).
4. Na primeira parte das Alegações de Recurso, entre os artigos 12.º a 19.º (sem coincidência directa nas respectivas Conclusões), a Fazenda Pública produz diversas afirmações de carácter genérico, relativamente às características do imposto do valor acrescentado e à natureza do direito à dedução, que não contribuem para a crítica ao decidido pelo Tribunal a quo.
5. No mais, a Fazenda Pública invoca como norma supostamente aplicável ao caso sub judice a constante do n.º 1 do artigo 8.º do DL 229/95 (na redacção à data em vigor).
6. Os factos do processo não se enquadram na previsão desta norma, que vem impedir a possibilidade de ser tomado em conta imposto dedutível reportado de períodos anteriores ou regularizações de IVA a crédito do sujeito passivo em declarações periódicas apresentadas fora do prazo legal; em nenhum momento esta norma legal estabelece a forma como a Administração Fiscal deve reagir perante a indevida dedução, por sujeitos passivos, de imposto a seu favor ou veda ao Estado a correcção de quaisquer declarações periódicas.
7. Embora a Fazenda Pública pareça dar relevância às alterações introduzidas pela Lei 64/2012 à redacção do n.º 1 do artigo 8.º do DL 229/95, esta disposição legal continua a não ter por objecto, nem abordar por qualquer modo a realização de correcções pelo Administração Fiscal aos elementos declarados pelo sujeito passivo, e tão pouco determina o período a que se devem reportar eventuais liquidações adicionais de imposto efectuadas pela Administração Fiscal.
8. A referida alteração legislativa introduzida pela Lei 64/2012 à redacção do n.º 1 do art.º 8.º do DL 229/95 vem, sim, permitir que o imposto dedutível reportado de períodos anteriores e regularizações de IVA a crédito do sujeito passivo, ainda que apurado em declarações periódicas apresentadas fora do prazo legal, possa ser considerado.
9. Embora a Fazenda Pública refira que só a partir da entrada em vigor da Lei 64/2012 passou a vigorar o sistema de conta-corrente e a ser possível ao Estado escriturar nesse sistema os créditos e débitos apurados nas declarações periódicas, e sem prejuízo de ter sido esse diploma a introduzir no ordenamento jurídico a terminologia “conta-corrente”, há muito que tal natureza era reconhecida ao sistema de gestão da cobrança do IVA por doutrina e jurisprudência.
10. O enquadramento jurídico da causa proposto pela Fazenda Pública não pode proceder.
11. Dos factos dados como provados na sentença sob os números 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10 e 11 resulta que, apesar de nos quatro trimestres do ano 2001 ter declarado imposto a seu favor que a Administração Fiscal considerou indevido, a Recorrida em nenhum momento desse ano de 2001 apurou imposto a favor do Estado que devesse ter entregue nos cofres da Fazenda Pública, tendo iniciado a utilização do crédito reportado de períodos anteriores, mediante subtracção do imposto apurado a seu favor ao imposto que entretanto começara a liquidar nas transmissões de bens e prestações de serviços por si efectuadas, apenas a partir do terceiro trimestre de 2002.
12. É o artigo 82.º do Código do IVA (à data em vigor), e não o n.º 1 do art.º 8.º do DL 229/95, que estabelece a forma como a Administração Fiscal deve reagir perante dedução indevida de IVA pelos sujeitos passivos. Aquela disposição estabelece o direito da Administração Fiscal proceder à liquidação adicional de imposto, caso o sujeito passivo cometa erro lesivo dos interesses do Estado ao declarar o imposto liquidado ou dedutível.
13. Para determinar qual o período relativamente ao qual a Administração Fiscal poderia ter procedido a liquidação adicional, mostra-se necessário verificar qual a natureza do imposto a liquidar e quais os fins prosseguidos pelo legislador com a norma do art.º 82.º do Código do IVA.
14. No sistema do IVA, o imposto que o sujeito passivo se encontra obrigado a entregar nos cofres do Estado corresponde à diferença entre o imposto liquidado nas transmissões de bens e prestações de serviços e o imposto a suportado nas aquisições de bens e serviços.
15. Não se tendo verificado o apuramento de qualquer imposto liquidado a favor do Estado pela Recorrida até ao segundo trimestre de 2002, qualquer correcção às deduções por si declaradas no ano de 2001 apenas poderia determinar, no limite, que o saldo entre imposto liquidado e imposto suportado fosse nulo, mas nunca positivo a favor do Estado.
16. Independentemente da bondade do juízo que esteve na base das correcções efectuadas, ao liquidar adicionalmente IVA referente aos vários trimestres do ano de 2001, a Administração Fiscal nunca poderia estar a cobrar uma prestação tributária devida pela Recorrida nesses períodos; antes impôs à Recorrida que suportasse duas vezes o imposto devido pelas aquisições de bens e serviços (inicialmente liquidado pelos seus fornecedores nas facturas emitidas).
17. Conforme tem sido sancionado pela jurisprudência dos Tribunais (devidamente citada), o fim essencial prosseguido pela norma do n.º 1 do art.º 82° do Código do IVA é o de impedir que, por erro na declaração do sujeito passivo, o mesmo indevidamente enriqueça e provoque um empobrecimento do Estado, pela não entrega de quantias que lhe são devidas.
18. É, pois, nos termos do art.º 82.º do Código do IVA, procedimento ilícito da Administração Fiscal proceder a qualquer liquidação adicional quando (e enquanto) não seja devida prestação ao Estado – o que aconteceu no caso sub judice.
19. São ilícitas também as liquidações de juros compensatórios correspondentes às liquidações de imposto impugnadas, pois a obrigação de juros apenas se constitui quando a conduta do contribuinte se mostra apta a causar prejuízos ao Estado, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso.
20. A acção do contribuinte já não constitui a causa de qualquer dano indemnizável, nos casos em que o Estado não teria direito a receber quaisquer montantes mesmo se aquele tivesse cumprido integralmente as suas obrigações declarativas.
21. Não tendo o Estado Português deixado de receber da Recorrida qualquer quantia que devesse ter entrado nos seus cofres até, pelo menos, ao terceiro trimestre de 2002, não merece crítica a decisão recorrida ao decidir que as liquidações adicionais impugnadas, reportadas aos quatro trimestres de 2001, bem como as de juros compensatórios correspondentes, carecem de fundamento factual e jurídico.
QUANTO À AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
22. Nos termos do n.º 2 do art.º 124.º do C.P.P.T. que o Tribunal apreciará os vícios que conduzam à anulação dos actos impugnados, quando o Recorrida não tenha estabelecido entre eles uma relação de subsidiariedade, pela ordem daqueles cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
23. Em face desta norma jurídica, o Tribunal a quo encontrava-se vinculado ao conhecimento do vício (de natureza material) de violação de lei suscitado pela Recorrida (verificação dos pressupostos do exercício do direito à dedução, designadamente por existir materialidade económica nas operações entre esta e as sociedades «Y, Lda.» e «Z, Lda.».).
24. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo não indicou que o conhecimento deste vício material ficou prejudicado pela solução dada às questões efectivamente apreciadas.
25. Não tendo o Tribunal a quo conhecido a matéria fáctica e jurídica que enforma o referido vício material, padece a sentença recorrida de nulidade, nos termos do art.º 125.º do C.P.P.T., por omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
26. Tendo em vista o conhecimento em recurso da questão não decidida, uma vez que o art.º 665.º do C.P.Civil consagra a regra da substituição do tribunal a quo quando o Tribunal ad quem considera nula a decisão recorrida (ou se vier a considerar, o que se admite por hipótese, que a questão não foi apreciada por ter sido considerada prejudicada), a Recorrida vem impugnar a decisão da matéria de facto para nela integrar a factualidade suficiente para a boa decisão da causa e identificar os fundamentos jurídicos que determinam que os actos impugnados padecem de vício de violação material de lei.
27. A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção dos factos essenciais invocados sob os artigos 164.º a 171.º e 278.º da Petição Inicial (devidamente elencados no corpo da Alegação) e sustentar que os mesmos devem ser considerados provados, por terem sido demonstrados pelos Docs. de Fls. 408 e ss, 419 e ss, 425, 427 dos autos e de Fls., 2 a 61, 63 a 121, 123 a 182, 304 e ss. e 311 do dossier apenso aos autos em 13-09-2011 e pelos depoimentos testemunhais de «AA», «BB» e «CC» (cfr. passagens da gravação identificadas com exactidão);
28. A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção do facto essencial invocado sob os artigos 171.º e 172.º da Petição Inicial (devidamente elencado no corpo da Alegação) e sustentar que o mesmo deve ser considerado provado, por ter sido demonstrado pelos Docs. de Fls. 165 e ss e 1298 a 1308 dos autos e de Fls. 197 do dossier apenso aos autos em 13-09-2011 e pelos depoimentos testemunhais de «AA» e «CC» (cfr. passagens da gravação identificadas com exactidão);
29. A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção dos factos essenciais invocado sob os artigos 174.º a 187.º, 238.º e 239.º da Petição Inicial (devidamente elencados no corpo da Alegação) e sustentar que os mesmos devem ser considerados provados, por terem sido demonstrados pelos Docs. de Fls. 165 e ss., 227 e ss., 241, 393 e ss e 1298 e ss dos autos e de Fls. 197 e 237 do dossier apenso aos autos em 13-09-2011 e pelos depoimentos testemunhais de «AA» e «BB» (cfr. passagens da gravação identificadas com exactidão);
30. A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção dos factos essenciais invocados sob os artigos 200.º a 204.º, 208.º e 209.º, 244.º a 259.º e 334.º da Petição Inicial (devidamente elencados no corpo da Alegação) e sustentar que os mesmos devem ser considerados provados, por terem sido demonstrados pelos Docs. de Fls. 165 e ss., 230 e ss., 289 e ss., 408 e ss, 419 e ss, 427, 507 e ss, dos autos e de Fls. 2, 63, 123 (e, entre outros de conteúdo semelhante), 211 e ss., 218, ss, 237 e ss. e 304 e ss. do dossier apenso aos autos em 13-09-2011 e pelos depoimentos testemunhais de «AA» e «BB» (cfr. passagens da gravação identificadas com exactidão);
31. A Recorrida vem impugnar a decisão de não selecção dos factos essenciais invocados sob os artigos 313.º, 377.º a 379.º, 384.º, 386.º, 406.º, 409.º, 438.º, 445.º a 447.º e 449.º da Petição Inicial (devidamente elencados no corpo da Alegação) e sustentar que os mesmos devem ser considerados provados, por terem sido demonstrados pelos Docs. de Fls. 165 e ss., 206 e ss., 216 e ss., 427, 432, 437 e ss., 504 e 505 e 1400 a 1418 dos autos e pelo depoimento testemunhal de «AA» (cfr. passagens da gravação identificadas com exactidão);
32. Desvalorizando parte dos factos relevantes para a qualificação da relação jurídica estabelecida, a Administração Fiscal, no relatório que funda as liquidações impugnadas, invocou não terem sido celebrados quaisquer contratos de compra e venda reais entre a Recorrida e as sociedades «Y, Lda.»/«Z, Lda.».
33. Atento o disposto no art.º 874.º do Código Civil, o contrato de compra e venda (de natureza consensual) será celebrado de forma válida quando uma das partes pretenda transmitir a propriedade de um bem a outra, que a pretenda adquirir e por ela pagar uma contraprestação de natureza patrimonial – o que sucedeu no caso sub judice;
34. Por falta do elemento volitivo das sociedades «Y, Lda.» e «Z, Lda.», que sempre comunicaram não ter interesse em vender a uma sociedade de direito espanhol, nunca poderia ter sido celebrado um contrato de compra e venda entre as mesmas e a sociedade espanhola «XX, S.A.»;
35. As manifestações de vontade (reais) da Recorrida (de adquirir sucata - para posterior revenda - e de por esta pagar um preço em dinheiro) e das sociedades «Y, Lda.» e «Z, Lda.» aceitarem o acordo nestes termos são as necessárias e suficientes para a qualificação do negócio como uma compra e venda;
36. A efectivação e materialidade de um contrato de compra e venda não se encontra dependente da vontade do comprador de, para além de adquirir o bem transmitido, fazer ainda permanecer o mesmo na sua esfera jurídica por um certo período de tempo;
37. Embora tenha sido a sociedade espanhola Aluminios Cortizo, SA a efectuar as transferências bancárias pelas quais foi pago o preço da sucata à «Y, Lda.» e à «Z, Lda.» (o que não é vedado pelo art.º 767.º do C.Civil), na contabilidade da Recorrida foi correspondentemente registado um crédito a seu favor (por suprimentos);
38. Os contratos de compra e venda celebrados entre a Recorrida e «Y, Lda.»/«Z, Lda.» e, em especial, a indagação sobre a respectiva materialidade, não podem ser analisados isoladamente, sendo necessário fazê-lo à luz da relação jurídica estabelecida entre Recorrida e «XX, S.A.».
39. Em face dos elementos definidores da relação jurídica estabelecida entre a Recorrida e a Aluminios Cortizo, S.A, é possível qualificá-la, nos termos do art.º 1180.º do C.Civil, como um mandato sem representação – o qual, tendo sido celebrado entre dois comerciantes e tendo em vista a prática de actos de comércio, é especialmente tipificado como contrato de comissão, nos termos do art.º 266.º e ss. do Código Comercial.
40. Não visando os actos a praticar pela Recorrida (comissário) contornar uma impossibilidade legal ou defraudar a lei, nem sendo contrários à ordem pública e aos bons costumes, o mandato e os actos praticados em sua execução são lícitos e admissíveis.
41. Nos termos da alínea c) do n.º 3 do art.º 3.º do Código do IVA, é determinado o tratamento autonomizado das duas transmissões de bens ou serviços efectuadas no âmbito de um contrato de comissão – em consonância com a opção legislativa do art.º 1180.º e n.º 1 do art.º 1181.º do C.Civil que estabelecem o princípio da dupla transferência.
42. Para efeitos fiscais, é irrelevante o facto de as mercadorias terem sido transportadas directamente pelo fornecedor para as instalações do comitente;
43. As operações realizadas pela Recorrida foram tratadas correctamente para efeitos contabilístico-fiscais: nos termos gerais do art.º 3.º do CIVA, as transmissões entre a «Y, Lda.»/«Z, Lda.» e a Recorrida foram consideradas operações internas sujeitas a imposto e dele não isentas; a segunda transmissão entre a Recorrida e a «XX, S.A.» constituiu uma transmissão intracomunitária e beneficiou da isenção prevista na alínea a) do art.º 14.º do RITI;
44. Nos termos do art.º 19.º do CIVA, o imposto suportado pela Recorrente (comissário) com a aquisição de bens ao fornecedor podia ser deduzido nas operações tributáveis efectuadas a jusante, tanto mais que foram respeitadas no caso as exigências documentais decorrentes da alínea b) do n.º 1 do art.º 29.º (na redacção em vigor à data dos factos) e art.º 35.º e cumpridas as obrigações declarativas previstas no art.º 41.º e c) do art.º 29.º, todos do mesmo diploma.
45. Tendo enquadrado de forma adequada as transmissões de bens em que interveio, cumprido regularmente as obrigações declarativas a que se encontrava vinculada e estando todas as operações suportadas em documentos adequados, foi lícito o exercício do direito à dedução pela Recorrida.
46. Conforme previsto no art.º 240.º do C.Civil, a simulação pressupõe a verificação cumulativa de: (i) uma divergência entre a declaração negocial e a vontade real; (ii) um acordo simulatório entre declarante e declaratário; (iii) intuito de enganar terceiros;
47. Em nenhum momento se verificou um acordo entre Recorrida e «Y, Lda.»/«Z, Lda.» para proferir declarações negociais não coincidentes com a sua vontade real, tendo as declarações de compra e venda correspondido integralmente à vontade das partes.
48. A Recorrida não pretendeu criar ilusão destinada a enganar terceiros e desconhecia (e não podia conhecer), até tal lhe ser comunicado pela Administração Fiscal, que a «Y, Lda.» e a «Z, Lda.» incumpriam as suas obrigações contributivas em sede de IVA.
49. A interposição de pessoas num negócio jurídico é real quando o intermediário intervém no negócio jurídico como verdadeiro outorgante (embora no interesse de outra pessoa), deseja contratar, declara essa sua vontade e o resultado económico da contratação é equivalente ao que se obteria se nela interviesse o real interessado no negócio.
50. A interposição será fictícia se “o intermediário apenas empresta o seu nome no quadro da contratação” e, apenas neste caso, existirá um acordo simulatório entre as partes a quem o negócio realmente interessa e o intermediário aparente. Tal circunstância não se verifica no contrato de mandato, nem nos actos que por força dele se praticam.
51. Não se verificando, no caso, qualquer dos três elementos de que depende a simulação, o n.º 3 do art.º 19.º do CIVA não pode ser invocado como fundamento para efectuar a correcção ao IVA dedutível suportado pela Recorrida nas operações com a «Y, Lda.» e a «Z, Lda.»;
52. A Administração Fiscal parece defender, não que as partes simularam os contratos, mas que utilizaram o esquema negocial adoptado como instrumento de uma finalidade que não lhe é típica ou que conduz a resultados abusivos. Contudo, não obedeceu ao procedimento, nem ao prazo estabelecidos no art.º 63.º do C.P.P.T. (conjugado com o n.º 2 do artigo 38.º e 39.º da LGT);
53. Uma hipotética finalidade fraudulenta das sociedades «Y, Lda.» ou «Z, Lda.» nas transmissões de bens que realizavam, desconhecida da Recorrida, não pode ser aceite como fundamento da indedutibilidade do IVA suportado por esta, um terceiro agente económico envolvido acidentalmente na mesma cadeia de operações tributáveis (neste sentido Acórdãos Optigen [processos C-354/03, C-355/03 e C-484/03], Kittel e Recolta Recycle [Procs. C-439/04 e C-440/04], Mahagében e Dávid [C-80/11 e C-142/11] - e Bonik EOOD [C-285/11] do TJCE;
54. O esquema negocial adoptado afigura-se neutro, do ponto de vista fiscal, face ao que, em alternativa, poderia ter sido adoptados, a saber, a nomeação, pela sociedade espanhola «XX, S.A.» de um representante fiscal em Portugal, nos termos do art.º 24.º do RITI, para concluir os negócios com a «Y, Lda.» e «Z, Lda.» – o que corrobora que a relação jurídica estabelecida entre Recorrida, os fornecedores e a «XX, S.A.» não prosseguiu qualquer finalidade fiscalmente abusiva.
Termina pedindo:
Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis:
a) Deverá o recurso interposto pela Fazenda Pública improceder, por infundado, mantendo-se a sentença recorrida que anula os actos impugnados.
Subsidiariamente, na circunstância de vir a ser julgada procedente a questão suscitada pela Recorrente na alegação (a não verificação do vício de ilegalidade formal dos actos impugnados),
b) Requer a Recorrida, nos termos do n.º 1 do art. 636.º do C.P.Civil, a ampliação do objecto do recurso, por forma a serem conhecidos:
§ A nulidade da sentença recorrida, com fundamento em falta de pronúncia sobre questão que o juiz a quo devia ter apreciado, a saber, o vício de violação material de lei dos actos impugnados (por estarem verificados os pressupostos do direito à dedução do IVA suportado nas operações controvertidas nos autos, realizadas entre a Recorrida e as sociedades «Y, Lda.» e «Z, Lda.».).
§ o erro de julgamento do Tribunal a quo na decisão que tomou de selecção da matéria de facto, integrada na sentença e traduzida na não inclusão no objecto do processo de factos essenciais e relevantes para a decisão da causa, articulados nos artigos (i) 164.º a 171.º e 278; (ii) 171.º e 172.º; (iii) 174.º a 187.º, 238.º e 239.º; (iv) 200.º a 204.º, 208.º e 209.º, 244.º a 259.º e 334.º; (v) 313.º, 377.º a 379.º, 384.º, 386.º, 406.º, 409.º, 438.º, 445.º a 447.º e 449.º da Petição Inicial (devidamente identificados no teor da Contra-Alegação), os quais, atenta a prova documental e testemunhal produzida devem ser dados como provados;
Reconhecida a nulidade da sentença recorrida (ou caso a questão não decidida venha a ser considerada prejudicada),
c) Deverá o Tribunal ad quem, por força da regra da substituição prevista no art 665.º do C.P.Civil, considerar verificado o vício de violação material de lei invocado e, em consequência, proferir acórdão que substitua a decisão do Tribunal a quo e pelo qual declare igualmente a invalidade dos actos impugnados.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, importa apreciar o erro de julgamento de direito que imputa à sentença recorrida.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
Fundamentação de facto:
Com relevância para a decisão da causa, julgam-se provados os factos seguintes:
1. A Impugnante iniciou a actividade em 17.07.2000, ficando enquadrada, em sede de IVA, no regime normal trimestral – cfr. declaração de início de actividade a fls. 444 a 447 dos autos;
2. Com data de 10.05.2001, a Impugnante entregou a declaração periódica relativa ao período de Janeiro a Março de 2001, da qual se retira o seguinte: no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, declarou o montante de 11.324.663$00; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado não indicou qualquer valor; no campo 94 Crédito se 91 for maior do 92, declarou o montante de 11.324.663$00 – cfr. documento a fls. 206/207 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Com data de 31.10.2001, a Impugnante entregou a declaração periódica relativa ao período de Abril a Junho de 2001, da qual se retira o seguinte: no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, declarou o montante de 9.137.693$00; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado não indicou qualquer valor; no campo 94 Crédito se 91 for maior do 92 declarou o montante de 9.137.693$00 – cfr. documento a fls. 208/209 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Com data de 12.11.2001, a Impugnante entregou a declaração periódica relativa ao período de Julho a Setembro de 2001, da qual se retira o seguinte: no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, declarou o montante de 36.995.485$00; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado não indicou qualquer valor; no campo 95 Crédito de imposto recuperar – Solicito o Reembolso declarou o montante de 36.995.485$00 – cfr. documento a fls. 210/211 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. Com data de 11.12.2002, a Impugnante entregou a declaração periódica relativa ao período de Outubro a Dezembro de 2001, da qual se retira o seguinte: no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, o montante de €23.406,87; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado não indicou qualquer valor; no campo 94 Crédito de imposto recuperar – Solicito o Reembolso declarou o montante de €23.406,87 – cfr. documento a fls. 212/213 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. Com data de 20.05.2002, a Impugnante entregou a declaração periódica relativa ao período de Janeiro a Março de 2002, da qual se retira o seguinte: no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, declarou o montante de €31.685,10; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado não indicou qualquer valor; no campo 94 Crédito se 91 for maior do 92, declarou o montante de €31.685,10 – cfr. documento a fls. 1400/1401 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. Com data de 12.08.2002, a Impugnante entregou a declaração periódica relativa ao período de Abril a Junho de 2002, da qual se retira o seguinte: no campo 61 Excesso a reportar do período anterior declarou o montante de €31.685,10; no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, declarou o montante de €256.822,36; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado, declarou o montante de €116.822,98; no campo 96 Crédito de imposto recuperar – Excesso a reportar, declarou o montante de €139.999,38 – cfr. documento a fls. 1404/1405 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. Com data de 11.11.2002, a Impugnante entregou uma segunda declaração periódica relativa ao período de Abril a Junho de 2002, indicando: no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, declarou o montante de €124.406,60; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado, declarou o montante de €116.808,75; no campo 94 Crédito se 91 for maior do 92, declarou o montante de €7.597,85 – cfr. documento a fls. 1408/1409 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
9. Com data de 13.11.2002, a Impugnante entregou a declaração periódica relativa ao período de Julho a Setembro de 2002, da qual se retira o seguinte: no campo 61 Excesso a reportar do período anterior declarou o montante de €239.624,97; no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, declarou o montante de €352.744,11; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado declarou o montante de €177.625,62 – cfr. documento a fls. 1412/1413 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
10. Com data de 05.02.2003, a Impugnante entregou a declaração periódica relativa ao período de Outubro a Dezembro de 2002, da qual se retira o seguinte: no campo 61 Excesso a reportar do período anterior declarou o montante de €175.118,49; no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, declarou o montante de €314.544,82; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado, declarou o montante de €208.835,64; no campo 96 Crédito de imposto recuperar Excesso a reportar, declarou o montante de €105.709,18 – cfr. documento a fls. 1414/1415 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
11. A Impugnante entregou a declaração periódica relativa ao período de Janeiro a Fevereiro de 2003, da qual se retira o seguinte: No campo 61 Excesso a reportar do período anterior declarou o montante de €105.709,18; no campo 91 Total do imposto a favor do sujeito passivo, declarou o montante de €242.268,01; no campo 92 Total do imposto a favor do Estado, declarou o montante de €208.633,99; no campo 96 Crédito de imposto recuperar Excesso a reportar declarou o montante de €33.634,02 – cfr. documento a fls. 521 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
12. Em 11.04.2005, na Ordem de Serviço n.º OI...........87 foi proferido despacho com o seguinte teor Proceda-se à Inspecção Externa relativamente à Impugnante e ao ano de 2001 – cfr. documento a fls. 199 do processo administrativo apenso ao processo físico (PA), que aqui se dá por integralmente reproduzido;
13. Em 05.07.2005, um representante da Impugnante tomou conhecimento da ordem de serviço identificada no ponto anterior;
14. Em 15.12.2005, foi elaborado o relatório final de inspecção tributária do qual consta, entre o mais, o seguinte:
[...]
1- CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA
Nas análises efectuadas verificou-se a dedução indevida de IVA no ano de 2001, no montante de € 181.697,58 [...].
II - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
A visita de fiscalização resulta de uma ordem de serviço com o n.º OI...........87, com âmbito geral e visando o ano de 2001.
Esta acção inspectiva foi iniciada com a assinatura da correspondente ordem de serviço no dia 05/07/2005.
[...]
5 - FACTURAS EMITIDAS NO ANO DE 2001
Para o ano de 2001 a firma portuguesa «X, Lda.», declarou proveitos que atingiram o montante de €1.088.986,30, correspondente ao somatório das seguintes facturas:
[...]
Os valores em causa não foram objecto de tributação em sede da IVA ao abrigo do artigo 14.º do RITI.
[...]
13 - IVA DEDUZIDO INDEVIDAMENTE
Em face disto, conclui-se estarmos perante operações simuladas pelo que o imposto nelas contido não é dedutível nos termos do n° 3 do artigo 19° do CIVA.
Nesta conformidade, procedeu-se à correcção do IVA indevidamente deduzido, nos termos do artigo 19.º do CIVA, pela sociedade «X, Lda.», no ano de 2001, no montante de € 181.697,58, conforme quadro a seguir:
PeríodoIVA
Indevidamente
IVA
Indevidamente
2001/03T11.324.863$00€ 56.487,18
2001/06T9.103.693$00€ 45.409,03
2001/09T10.234.775$00€ 51.050,84
2001/12T5.763.962$00€ 28.750,53
TOTAL---€ 181.697,58

[...] – cfr. documento a fls. 325 a 351 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
15) Em 15.12.2015, foi proferido despacho de concordância com o relatório identificado no ponto anterior – cfr. documento a fls. 325 do PA;
16) Em 15.12.2005, foi entregue a um representante da Impugnante cópia do relatório de inspecção tributária – cfr. certidão de notificação a fls. 375 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
17) Foram emitidas em nome da Impugnante as liquidações adicionais de IVA ns ...90, ...92, ...94 e ...96, referentes a IVA do 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2001, nos montantes, respectivamente, de €56.487,18, €45.409,03, €51.050,84 e €28.750,53, e as liquidações de juros compensatórios ns ...91, ...93, ...95 e ...97 referentes aos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2001, nos montantes, respectivamente, de €13.688,47, €10.194,02, €10.569,62 e €5.445,27 – cfr. documentos a fls. 413 a 412 do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
18) Foram emitidos em nome da Impugnante os documentos de cobrança relativos às liquidações identificadas no ponto anterior, todas indicando como data-limite de pagamento o dia 31.03.2006 – cfr. documentos a fls. 403 a 412 do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
19) Em 16.02.2006, foram recebidos pela Impugnante os documentos de cobrança relativos às liquidações de juros compensatórios – cfr. fls 403 a 412 do PA;
20) Em 20.02.2006, foram recebidos pela Impugnante os documentos de cobrança relativos às liquidações adicionais de IVA – cfr. fls 403 a 407 do PA;
21) A Impugnante foi citada pelo serviço de finanças de ... da instauração do processo de execução fiscal n.º ...06 para cobrança dos montantes de juros compensatórios identificados no ponto 17 – cfr. documento a fls. 741 a 745 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
22) A Impugnante foi citada pelo serviço de finanças de ... da instauração do processo de execução fiscal n.º ...37 para cobrança dos montantes de IVA identificados no ponto 17 – cfr. documento a fls. 747 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
23) Em 11.08.2006, a Impugnante prestou garantia bancária no valor de €52.545,59 no processo de execução fiscal n.º ...06 – cfr. documento a fls. 762 a 765 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
24) Em 11.08.2006, a Impugnante prestou garantia bancária no valor de €239.115,84 no processo de execução fiscal n.º ...37 – cfr. documento a fls. 767 a 770, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
25) Em 29.06.2006, a petição inicial da presente impugnação foi remetida, via e-mail, a este tribunal – cfr. documento a fls. 2 dos autos;
26) Em 15.11.2010, a Impugnante apresentou nos presentes autos o pedido de condenação da Fazenda Pública no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida – cfr. documento a fls. 736 dos autos.
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Não foram dados como provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
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Os factos provados foram fixados com base nos elementos documentais constante dos presentes autos e do processo administrativo apenso, conforme identificado em cada ponto do probatório.
No ponto 13, não obstante a prova documental se mostrar inconclusiva – pois a Ordem de Serviço, a fls. 195 do PA, não contém a data em que foi assinada pelo representante da Impugnante –, deu-se como provada a respectiva data atendendo à posição concordante assumida pelas partes.
Da inquirição das testemunhas realizada em 08.07.2011 não foram dados como provados quaisquer factos, uma vez que os seus depoimentos incidiram sobre a matéria relativa à existência ou não de substância económica nas operações praticas pela Impugnante, sendo que, face às circunstâncias próprias do caso, a produção de prova sobre essa matéria se revelou irrelevante para a decisão a proferir, que assentou exclusivamente em factos susceptíveis de prova documental.
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II.2. Fundamentação de Direito
Alega a aqui Recorrente, Fazenda Pública, que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma errada interpretação e aplicação ao caso do disposto nos arts 19.º, 20.º, 22.º, 26.º e 82.º todos do CIVA, e do art. 8.º do DL 229/95 de 11/09.
Neste sentido argumenta que o disposto no art. 22.º do CIVA nos remete para o regime da cobrança e reembolso do IVA previsto DL 229/95, que na redação então em vigor determinava no respetivo art. 8.º, n.º 1, que “Os excessos a reportar, bem como as regularizações a crédito, transportados de períodos anteriores, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e do artigo 6.º do presente diploma, só serão tomados em conta quanto incluídos em declarações periódicas apresentadas dentro do prazo legal”.
Assim, e na sua tese, para que o Estado se pudesse ressarcir de indevidas deduções de imposto feitas pelos sujeitos passivos só podia emitir liquidações adicionais pelos valores em questão, estando-lhe vedado corrigir toda e qualquer declaração periódica subsequente, em sistema de conta corrente, como se pretende na sentença, e só a partir de novembro de 2012, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 64/2012, de 11/09 ao regime de cobrança e reembolso de IVA é que entrou em vigor o sistema de conta-corrente, passando a ser possível à AT escriturar nesse sistema os créditos e débitos apurados nas declarações periódicas apresentadas ainda que fora do prazo legal.
Vejamos então.
Sobre esta questão, a sentença sob recurso sustenta-se na seguinte fundamentação, que se transcreve:
(….)
Em segundo lugar, a Impugnante alega que as liquidações padecem de ilegalidade formal, pois o IVA, cuja dedutibilidade foi posta em causa pela Administração Fiscal, foi subtraído nas declarações dos períodos a partir do 2.º trimestre de 2002, pelo que, a existir algum IVA a pagar ao Estado, as liquidações adicionais só poderiam respeitar a esses períodos e nunca ao ano de 2001.
Sobre esta questão, na contestação, o Representante da Fazenda Pública limitou-se a afirmar que não assiste razão à Impugnante.
Ora, o apuramento da obrigação de entrega de IVA ao Estado estrutura-se no princípio da dedução, segundo o qual o sujeito passivo tem a faculdade de deduzir, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou, o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de IVA, tudo reportado ao mesmo período – mensal ou trimestral – de tributação.
Assim, para cada período de tributação, o sujeito passivo está, simultaneamente, numa situação de devedor ao Estado, pelo montante de IVA que factura sobre o valor das vendas ou serviços prestados, e, em contrapartida, numa situação de credor do Estado, pelo imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços que confiram direito à dedução.
Da operação de subtracção do imposto dedutível ao imposto liquidado pode resultar, para cada período, o apuramento de um débito do sujeito passivo ao Estado, que constitui a sua dívida tributária desse período, ou de um crédito perante o Estado, que transitará, em princípio, para os períodos de tributação seguintes, como imposto a recuperar, sem prejuízo da possibilidade de o sujeito passivo solicitar o reembolso desse crédito de IVA.
O Código do IVA contém, nos artigos 19 e seguintes, as disposições concretizadoras do princípio da dedução, entre as quais se destacam, com relevância para o caso dos autos, as seguintes (na redacção em vigor à data dos factos):
Artigo 19.º
1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
b) O imposto devido pela importação de bens;
c) O imposto pago pela aquisição dos serviços indicados nos n.ºs 8, 11, 13, 16, 17, alínea b), e 19 do artigo 6.º;
d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não houverem facturado o imposto;
e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o nº 6 do artigo 15º.
2 - Só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.
3 - Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
4 - Não poderá igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que, com conhecimento do sujeito passivo, o transmitente dos bens ou prestador dos serviços, com a intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, tenha declarado o exercício de uma actividade e não disponha de adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer [aditado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 31/2001, de 08.02].
Artigo 20.º
1 - Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:
I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;
II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;
III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;
IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.ºs 8 e 10 do artigo 15.º [redação dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 31/2001, de 08.02];
V) Operações isentas nos termos dos n.ºs 28 e 29 do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;
VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.ºdo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.
2 - Não haverá, porém, direito à dedução do imposto respeitante a operações que deem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º.
[...]
Artigo 22.º
1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
2 - Sem prejuízo da possibilidade de correcção prevista no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação.
3 - Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, poderá a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.
4 - Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso será deduzido nos períodos de imposto seguintes.
5 - Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do contribuinte superior a 50 000$, este poderá solicitar o seu reembolso.
6 - Não obstante o disposto no número anterior, o sujeito passivo poderá solicitar o reembolso antes do fim do período de 12 meses quando se verifique a cessação de actividade ou passe a enquadrar-se no disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 28.º, n.º 1 do artigo 54.º ou no nº 1 do artº 61º, bem como quando o crédito a seu favor exceder 25 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, arredondando para a centena de milhares de escudos imediatamente inferior, sendo este valor reduzido para metade nas situações a seguir indicadas:
a) - Nos seis primeiros meses após o início da actividade;
b) - Em situações de investimento com recurso ao crédito, devidamente comprovadas. [...]
Relativamente às obrigações de liquidação e pagamento do imposto, têm ainda relevância as seguintes disposições do Código do IVA:
Artigo 26.º
1 – [...] os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19.º a 25.º e 71.º, [...] simultaneamente com as declarações a que se refere o artigo 40.º [...].
[...]
[...]
Artigo 82.º
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 84º, o chefe de repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.
2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações poderão resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.
3 - As inexactidões ou omissões poderão igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento. [...]
Decorre destes preceitos que, no apuramento do imposto devido em cada período de tributação, o sujeito passivo pode deduzir o imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados à realização de operações que confiram o direito à dedução (artigos 19, n.º 1, 20, n.º 1 e 22, n.º 1), desde que mencionado em facturas ou documentos equivalentes emitidos com respeito pelos requisitos legais (artigo 19, n.º 2).
No entanto, mesmo quando sejam respeitados os requisitos legais de facturação, não poderá deduzir-se o imposto que resulte de operação simulada (artigo 19, n.º 3).
Foi com base na indedutibilidade estatuída neste último preceito que a Administração Fiscal desconsiderou o IVA deduzido pela Impugnante relativo às facturas emitidas pelas sociedades «Y, Lda.» e «Z, Lda.» durante o ano de 2001 por, no seu entender, não terem aderência a uma real operação económica.
Para além do princípio da dedução, o IVA estrutura-se também segundo no método indirecto subtractivo segundo qual o direito à dedução de IVA nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período (artigo 22, n.º 1).
A dedução é, portanto, efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas. No entanto, sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, poderá o sujeito passivo deduzir o excesso nos períodos seguintes (artigo 22, n.º 4).
Nos presentes autos, está em questão a decisão da Administração Fiscal de desconsiderar o IVA que a Impugnante deduziu nos períodos de tributação de 2001. No entanto, o direito a liquidar adicionalmente o imposto, com esse fundamento, só pode ser exercido com referência aos períodos em que o crédito gerado com base nas deduções de imposto foi efectivamente utilizado.
De facto, o pressuposto da rectificação da declaração periódica é o exercício indevido do direito à dedução por parte do sujeito passivo – como, na posição da Administração Fiscal, terá ocorrido nos períodos de 2001 –, mas o pressuposto da liquidação adicional é que desse exercício indevido tenha resultado uma falta de entrega de imposto ao Estado.
Deste modo, nas situações em que da rectificação das declarações periódicas, consubstanciada na desconsideração do IVA deduzido pelo sujeito passivo, não resulte uma situação de falta de entrega de imposto, não estão preenchidos os requisitos para a emissão de uma liquidação adicional.
Nessas situações, se, após a rectificação, o sujeito passivo permanece, no respectivo período, em situação de crédito de imposto ou em situação nula – sem imposto a favor do sujeito passivo ou do Estado –, a Administração Fiscal deverá corrigir sucessivamente as declarações periódicas seguintes até suprimir a totalidade dos créditos resultantes das deduções indevidas.
Nos períodos em que, em resultado desta correcção, o sujeito passivo passe de uma situação de crédito a débito de imposto ou de uma situação de débito inferior a superior, poderá - e deverá - a Administração Fiscal efectuar as liquidações adicionais pelo montante equivalente a esse débito - no primeiro caso - ou à diferença do débito - no segundo caso.
As rectificações das declarações periódicas de períodos posteriores constituem, portanto, actos consequentes dos actos de rectificação dos primeiros, nos quais foi exercido o direito à dedução, na medida em que, sempre que exista crédito de imposto a reportar para períodos de tributação posteriores, a legalidade das liquidações (ou autoliquidações) posteriores depende da legalidade das liquidações anteriores.
Assim, ao corrigir as declarações periódicas de IVA de determinados períodos em que tinha sido declarado crédito de imposto, no sentido da eliminação de parte ou da totalidade do IVA deduzido, a consequência será a rectificação de todos os períodos de IVA em que esse crédito foi utilizado e a elaboração das correspondentes liquidações adicionais para os períodos em que dessa rectificação resulte uma situação de débito de imposto - imposto a entregar ao Estado.
Não pode, pois, a Administração Fiscal pretender equivaler a dedução indevida a falta de entrega da prestação tributária, pois situações haverá em que a rectificação do IVA dedutível colocará, nesse mesmo período, o Estado numa situação credora de imposto, mas noutros casos tal rectificação apenas terá como consequência a diminuição do crédito a favor do sujeito passivo. Na primeira situação gera-se o pressuposto da liquidação adicional no próprio período da correcção, mas na segunda situação o pressuposto da liquidação adicional apenas nasce na medida em que o sujeito passivo venha a utilizar o crédito (ou a solicitar o respectivo reembolso) e apenas no período em que tal ocorrer.
Numa situação hipotética em que da rectificação resulte uma diminuição do crédito de imposto a favor do sujeito passivo mas em que este não chegue sequer a utilizar (ou a pedir o reembolso de) tal crédito, nem chegará a ocorrer o direito da Administração Fiscal liquidar adicionalmente o imposto, porque, neste caso, o sujeito passivo nunca tirou vantagem do crédito que a Administração Fiscal considerou indevido nem, consequentemente, o Estado ficou prejudicado em qualquer montante de imposto.
A relevância da imputação das liquidações de imposto em falta aos períodos em que, mediante a utilização do crédito de imposto, foi efectivamente utilizada a dedução de IVA, é particularmente evidente no que respeita aos juros compensatórios, pois estes são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação do imposto devido (artigos 89, n.º 1, do Código do IVA e 35, da Lei Geral Tributária), sendo calculados sobre o montante do imposto em falta desde o termo do prazo de apresentação da correspondente declaração até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação (artigo 35, n.º 3, da Lei Geral Tributária).
Retomando o caso dos autos, verifica-se que, nos quatro trimestres de 2001, a Impugnante não declarou qualquer operação sujeita a imposto, declarando apenas operações intracomunitárias de bens, isentas de imposto (nos termos do artigo 14, do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias), pelo que, em resultado do montante de IVA dedutível que indicou nas quatro declarações, ficou sempre numa situação de crédito de imposto – cfr. pontos 2 a 5 da matéria de facto provada.
Assim, mesmo que tivesse preenchido as declarações periódicas dos quatro trimestres de 2001 de modo coincidente com aquele que a Administração Fiscal veio a considerar correta – ou seja, desconsiderando a totalidade do IVA deduzido – a Impugnante passaria, nesses períodos, quando muito, a uma situação nula em termos de obrigação de entrega de imposto ao Estado – e nunca a uma situação devedora de imposto. Não pode, assim, considerar-se que, para os períodos de 2001, existiu falta de entrega da prestação tributária.
Ou seja, nenhuma das correcções efectuadas às declarações dos trimestres de 2001 colocou o Estado numa posição de credor de IVA para esses períodos.
Da desconsideração do IVA dedutível apenas poderia, e deveria, ter resultado uma anulação do correspondente crédito de imposto a reportar para os períodos subsequentes, com a consequente emissão das liquidações adicionais com referência aos períodos em que o crédito de imposto, alegadamente indevido, veio a ser subtraído pela Impugnante ao imposto liquidado, decorrente de operações sujeitas a imposto.
Note-se que a Administração Fiscal procurou reunir elementos visando abalar a presunção de verdade de que gozam as declarações (periódicas) entregues pela Impugnante para os períodos de 2001 (cfr. artigo 75, n.º 1, da Lei Geral Tributária) mas apenas na parte relativa ao IVA dedutível declarado, sem, todavia, questionar que as operações activas praticadas pela Impugnante nesses períodos respeitavam exclusivamente a operações isentas de IVA.
Assim sendo, nos períodos de 2001, não ficaram por entregar quaisquer quantias monetárias nos cofres do Estado, donde se conclui que não pode a administração fiscal emitir qualquer liquidação com apuramento de imposto para esses períodos nem qualquer liquidação de juros compensatórios com referência a um período iniciado durante o ano de 2001.
Em suma, as correcções a efectuar na sequência da desconsideração do IVA dedutível nos períodos de 2001, não implicam qualquer dívida de imposto por parte da Impugnante para os períodos de 2001. Tal desconsideração implicaria sim a rectificação das declarações periódicas entregues pela Impugnante nos quatro trimestres de 2001 na parte relativa ao imposto a favor do sujeito passivo, da qual resultaria, para esses períodos, a correcção do montante de crédito a reportar.
Com a correcção desses créditos, seriam também de corrigir as declarações relativas aos períodos em a Impugnante, por ter praticado operações tributáveis não isentas de imposto, efectivamente utilizou os créditos. Foi nestes períodos que, a considerar-se como correta a desconsideração do IVA dedutível efectuada pela Administração Fiscal, a Impugnante gerou uma dívida de imposto a entregar ao Estado em montante correspondente ao crédito indevidamente utilizado. Assim, seria por referência a estes períodos, nos quais foi utilizado o crédito, que a Administração Fiscal deveria ter efectuado as liquidações adicionais de imposto e as correspondentes liquidações de juros compensatórios.
Ou seja, das rectificações das declarações periódicas de IVA dos trimestres de 2001 – com fundamento na desconsideração do IVA deduzido pela Impugnante com base nas facturas emitidas pelas sociedades «Y, Lda.» e «Z, Lda.» – deveriam ter resultado débitos na conta corrente do sujeito passivo que se traduziriam no processamento de liquidações adicionais nos períodos a partir do 2.º trimestre de 2002, inclusive, por ter sido nestes que a Impugnante utilizou os créditos que, na posição da Administração Fiscal, são indevidos – cfr. pontos 7 a 11 da matéria de facto provada.
Nestes termos, conclui-se que a Impugnante, com referência aos quatro períodos de 2001, não deixou de entregar qualquer montante de IVA nos cofres do Estado nem, consequentemente, retardou qualquer liquidação de imposto, pelo que as liquidações adicionais de imposto e as de juros compensatórios, efectuadas pela Administração Fiscal, reportadas a esses períodos, carecem de fundamento factual e jurídico, razão pela qual deverão ser anuladas.
(…)
Sucede que sobre esta mesma questão, relativamente a um contexto factual similar, envolvendo as mesmas partes, este Tribunal Central Administrativo Norte já se pronunciou recentemente, em Acórdão proferido no passado dia 11 de maio no âmbito do proc. 811/05.0BEPRT (ainda não publicado), em que em causa estava a liquidação adicional de IVA de 4.º trimestre de 2000 da aqui Recorrida, aresto esse que a aqui Relatora subscreveu na qualidade de segunda adjunta.
Assim sendo, por semelhança ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito - cf. art. 8.º n.º 3 do Código Civil -, é acolhida integralmente e sem reservas a argumentação jurídica aduzida no supracitado aresto, que se passa a transcrever, assinalando as necessárias adaptações ao caso em apreciação no presente recurso:
(…)
Efectivamente, segundo o método do crédito de imposto, ou método das faturas, ou ainda, o método indireto subtrativo (ou método do crédito de imposto), o montante de IVA a entregar por cada sujeito passivo é apurado através da dedução do imposto suportado a montante – inputs - ao imposto liquidado a jusante – outputs - em determinado período de tributação. Findo este período, o sujeito passivo entrega ao Estado apenas a diferença entre o montante do IVA que liquidou e o montante que deduziu, quando aquele valor superar este último. No caso de o sujeito passivo ter suportado, em determinado período de tributação, um montante de IVA superior àquele que liquidou aos seus clientes, fica com um crédito sobre o Estado.
O direito à dedução é assim apontado como um princípio estruturante do IVA já que está na base de toda a mecânica do imposto. Neste sentido, o direito à dedução, materializado no método do crédito de imposto, deve ser visto como a regra fundamental do IVA em relação a todas as operações tributáveis [neste sentido, o recente acórdão do TJUE de 21 de março de 2018, Volkswagen, C-533/16, EU:C:2018:204, n.º 39 e jurisprudência aí mencionada]. O sujeito passivo deverá incluir o imposto suportado subjacente às operações realizadas a montante (inputs), as quais deverão ter sido efetuadas no âmbito do exercício exclusivo de uma atividade económica, na declaração de IVA correspondente ao período no qual recepcione as respetivas facturas, ou na declaração do período seguinte. O momento da dedução do imposto está delimitado pelas regras legais, isto é, o sujeito passivo não pode exercer o direito à dedução quando entender, sem prejuízo do prazo de caducidade do direito à dedução. Assim, salvo nos casos em que haja lugar a reembolso do IVA, o sujeito passivo deverá incluir o montante do seu crédito na declaração periódica do período ou períodos seguintes - trata-se da efectivação do método do reporte.
O direito à dedução é, como tal, um direito subjectivo relativo, oponível à AT, correspondendo ao poder jurídico reconhecido ao sujeito passivo de, por sua vontade, com referência a cada período tributário relevante, deduzir aos montantes de IVA a entregar (ou acrescer aos montantes de IVA a reportar, sendo disso caso) determinados montantes de imposto que haja suportado ou liquidado.
Temos pois que o direito à dedução do IVA suportado (in casu 2000), nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível (in casu 2002 e 2003), o qual podia ser realizado, em atenção às circunstâncias relevantes, por via de três modalidades ou métodos: o (i) método subtractivo indirecto, pelo qual o sujeito passivo subtrai ao montante global do imposto liquidado durante um período de tributação o montante do imposto dedutível respeitante ao mesmo período (n.º 1 do artigo 22.º do CIVA); o (ii) método do reporte, pelo qual, caso o imposto dedutível seja superior ao imposto liquidado, o excesso é objecto de dedução pelo sujeito passivo nos períodos de imposto seguintes (n.º 4 do artigo 22.º do CIVA); e (iii) o método do reembolso, nos termos do qual se, decorridos 12 meses após o período em que se iniciou o excesso, persistir crédito superior a €250,00 a favor do sujeito passivo, este pode solicitar o reembolso (n.º 5 do artigo 22.º do CIVA).
Do exposto, podemos, pois, concluir que o direito à dedução apenas existe na esfera jurídica do seu titular (sujeito passivo) enquanto o mesmo não acionar os mecanismos que lhe estão associadas (reembolso e reporte) perante o devedor – ou seja, perante a AT. Estamos pois perante a faculdade do exercício de um seu direito que depende da verificação de diversos requisitos objectivos e subjectivos, sendo certo que a norma legal ínsita no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA alude especificamente ao momento do nascimento do direito. Ao abrigo daquele normativo, como disso dá nota a sentença recorrida, «[o] direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível (…), efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributárias do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do montante de imposto dedutível, exigível durante o mesmo período». Complementarmente, por força do disposto no n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA, «(…) a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas (…)».
Volvendo aos factos, temos por adquirido que temos um crédito de imposto existente por parte do sujeito passivo no último trimestre de 2002 e primeiro de 2003 [no caso em apreço, a partir do 3.º trimestre de 2002], portanto, referente ao “período de imposto” de 2002 e 2003 [no caso em apreço, a partir do 3.º trimestre de 2002] (cf. artigo 22.º, n.º 4 do CIVA); aquele “crédito de imposto” é reporte das deduções de IVA referentes ao 4º trimestre de 2000 [no caso em apreço, aos 4 trimestres de 2001]; deduções essas do 4º trimestre de 2000 [no caso em apreço, dos 4 trimestres de 2001], julgadas indevidas decorrente da correcção operada pelos SIT, correcções essas que determinaram a emissão da liquidação adicional de IVA do 4º trimestre de 2000 [no caso em apreço, dos 4 trimestres de 2001], objecto de impugnação nos presentes autos.
Consabidamente, o apuramento do IVA devido assenta num mecanismo de crédito que envolve o exercício pelo sujeito passivo do direito de dedução do imposto suportado a montante (artigo 19.º CIVA), do que pode vir a resultar, em atenção ao imposto liquidado nas operações tributáveis realizadas a jusante, um crédito de imposto a favor do sujeito passivo em certo período declarativo, o qual pode ser reportado para as declarações periódicas seguintes, de modo a ser deduzido nos períodos de imposto seguintes (cf. artigo 22.º, n.º 4 do CIVA) e, mantendo-se a situação de crédito de imposto, uma vez verificados os respetivos pressupostos, ser objecto de pedido de reembolso do imposto (artigo 22.º, n.º 5 do CIVA).
In casu, é patente esta situação de crédito de imposto acumulado – 4º trimestre de 2000 [no caso em apreço, 4 trimestres de 2001], sucessivamente reportado pela Recorrida que só o viria a utilizar o mesmo em 2002 e 2003 [no caso em apreço, a partir do 3.º trimestre de 2002], sendo que por esta não foi apresentado pedido de reembolso tendo optado pelo reporte do seu crédito (…), tudo opera na lógica, correntemente convocada para descrever o mecanismo do IVA, de uma conta-corrente ou de um acerto periódico de contas entre o sujeito passivo e o Estado, que tem em conta o período em que surgiu, mas também os períodos em que se acumulou, o crédito de imposto, em razão do excesso do montante das deduções suportadas perante o imposto liquidado.
Ora, para efeitos da análise desta conta-corrente entre o sujeito passivo e o Estado e do crédito de imposto por ela manifestado vigente, no caso, no último trimestre de 2002 e primeiro de 2003 [no caso em apreço, a partir do 3.º trimestre de 2002], reconhece-se e não se pode ignorar que o apuramento a colocar em questão o crédito teria que assentar num exame a na não dedutibilidade do IVA por referência a 2000 [no caso em apreço, aos 4 trimestres de 2001], isto porque a aferição do imposto dedutível suportado e das operações realizadas e dos pressupostos exigidos para o direito à dedução do IVA, são controlados por referência temporal a factos ocorridos em 2000 [no caso em apreço, nos 4 trimestres de 2001], mas tão só numa perspectiva de aferir da viabilidade do “crédito do imposto” e da sua utilização para efeito do seu reconhecimento no momento em que é utilizado pelo sujeito passivo, ou seja em 2002 e 2003 [no caso em apreço, a partir do 3.º trimestre de 2002], pelo que as liquidações adicionais teriam que se reportar a estes mesmos anos e não 2000 [no caso em apreço, aos 4 trimestres de 2001].
É que , no que tange ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, prevê o artigo 22.º do CIVA, sobre o “Momento e modalidades do exercício do direito à dedução”, no que para aqui mais directamente releva, que: “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período” (n.º 1); e, “Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes” (n.º 4).
Concretizando, é no ano de utilização do crédito por parte da credora de IVA - Recorrida, atento o facto de se encontrar em condições decorrente do pagamento global de imposto a pagar no último trimestre de 2002 [no caso em apreço, a partir do 3.º trimestre de 2002] que lhe permite (em parte) o reporte do crédito que lhe assiste, que AT, constatando que o crédito que lhe estava a ser exigido assentava em “operações fictícias”, o que por força do n.º 3 do artigo 19º do CIVA determinava a não dedutibilidade do IVA, lhe confere o direito de liquidar adicionalmente o IVA, anulando o crédito que a Recorrida se arroga e exigindo a reposição do valor que a utilização do mesmo lhe negara, enquanto seu crédito.
O IVA em que o sujeito passivo incorra nos seus inputs não é gerado na sua esfera nem a ele lhe é exigível, constituindo, bem pelo contrário, um crédito que este pode ou não mobilizar contra o estado, exercendo o direito à dedução. E, a este respeito chamamos à colação as considerações tecidas por Sérgio Vasques, quanto ao regime de caducidade, ao aludir que “No tocante ao IVA, o alcance evidente do artigo 45.º, n.º 3 da LGT está em fazer com que o prazo de caducidade de quatro anos de que a administração dispõe para proceder a uma liquidação adicional se conte a partir do momento em que o sujeito passivo exerce o direito à dedução do imposto, sempre que a liquidação adicional a tenha por objecto. O prazo tem então início na data em que é entregue a declaração em que esse direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em momento anterior. E esta é uma regra que vale para todos os casos em que, no apuramento do IVA, o sujeito passivo mobilize um direito contra o estado, esteja em causa a dedução de imposto incorrido com a aquisição de bens e serviços associados à sua actividade, esteja em causa um crédito gerado por regularizações de imposto feitas nos termos da lei.” (in A Caducidade do Direito à Liquidação do IVA, em Cadernos IVA 2016, Almedina, página 362)
Julga-se perfeitamente pertinente a distinção, assim preconizada, quanto à intervenção correctiva da AT, por via de liquidação de IVA, entre imposto liquidado ou dedução de imposto suportado, pois que a “dedução indevida” só ocorre enquanto prejuízo do estado aquando da liquidação de imposto por força do reporte accionado pelo credor, sujeito passivo.
O imposto devido se apura mediante dedução ao imposto liquidado a jusante do imposto suportado a montante pelos sujeitos passivos, o que envolve que, ao dever de liquidação do imposto respeitante às operações activas, necessariamente obrigatório, se associa o direito de dedução, facultativo e eventual, do imposto suportado nas operações passivas, pelo que, ainda que nascido em momento anterior (n.º 1 do artigo 22.º do CIVA), só com a sua subtracção no competente período de declaração ou subsequente reporte nas declarações periódicas subsequentes ou com o pedido de reembolso se manifesta – é exercido – efectivamente este direito.
Regia então, o n.º 1 do artigo 82° do CIVA (na redacção dada pelo nº 1 do artigo 3.º, do Dec. Lei n.º 472/99, de 8 de novembro) que a Administração Tributária «(...) procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença».
O n.º 2 do mesmo artigo estabelecia que «As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações poderão resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua».
No caso em apreço, o projecto de relatório de inspecção data de 03.11.2004 (cf. item B) do probatório) [no caso, relatório de inspeção data de 15.12.2005, cf. ponto 14 da fundamentação de facto], ou seja quando se iniciou o procedimento inspectivo já a AT sabia e tinha conhecimento da utilização do crédito e da exigibilidade do mesmo efectivada, pelo que não se compreende o por si alegado de que, por força do regime legal do DL 229/95, de 11 de setembro, artigo 8º, se encontrava impedida de emitir liquidações adicionais referentes aos períodos dos 4º trimestre de 2002 e 1º trimestre de 2003 [no caso em apreço, a partir do 3.º trimestre de 2002], em que o IVA considerado indedutível foi aplicado pelo sujeito passivo.
Pois que o artigo em questão, na redacção em vigor, regula a apresentação, pelo sujeito passivo, de declarações periódicas de substituição ou fora do prazo, impedindo que nesse caso fosse tomado em conta imposto dedutível reportado de períodos anteriores ou regularizações de IVA a crédito do sujeito passivo. Pelo que não se vislumbra a sua aplicação à situação dos autos, em que as declarações foram apresentadas supostamente no prazo legal, pois nada é referido em contrário, e foi a AT que procedeu oficiosamente a correcções aos elementos declarados, afastando aplicação de qualquer regime inerente à substituição de declaração pelo sujeito passivo.
Razões pelas quais a situação dos autos de liquidação adicional cai na alçada do artigo 82º do CIVA, na redacção então vigente, que determina expressamente que qualquer liquidação adicional lançada com base em declarações tem que ser fundamentada e tem que ter subjacente um imposto que não foi pago ou uma dedução superior aos devidos.
Assim, para justificar uma liquidação adicional ao 4º trimestre de 2000 [no caso em apreço, aos 4 trimestres de 2001], nestas situações em que nas declarações figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, é necessário que dessa declaração tenha resultado algum efeito negativo para o Estado a nível do imposto que deveria ser arrecadado.
Numa situação hipotética em que ocorrendo um crédito de imposto a favor do sujeito passivo mas em que este não chegue sequer a utilizar por via de reporte (ou a pedir o reembolso de) tal crédito, nem chegará a ocorrer o direito da Administração Fiscal liquidar adicionalmente o imposto, porque, neste caso, o sujeito passivo nunca tirou vantagem do crédito que a Administração Fiscal possa vir a considerar indevido nem, consequentemente, o Estado ficou prejudicado em qualquer montante de imposto.
A presente interpretação é a única que se compagina com os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade, que a Autoridade Tributária e Aduaneira deve observar em toda a sua actividade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), e com o princípio da tributação em função da capacidade contributiva, pois não se poderia justificar a imposição ao sujeito passivo do pagamento de imposto que não é devido.
Assim, na esteira do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.02.2008, proferido no processo n.º 00917/05, o referido artigo 82.º tem como ratio «permitir a correcção das declarações entregues quando seja evidente que as mesmas, tal qual foram apresentadas, dariam causa a um enriquecimento injustificado dos sujeitos passivos, através da não entrega de quantias devidas ao Estado» e pode «entender-se que não haveria lugar à dedução nas declarações periódicas, mas a ser assim, a conclusão a extrair seria a de considerar indevida a dedução e indeferir qualquer pedido de reembolso, mas nunca liquidar adicionalmente um valor de imposto já cobrado e notificar o sujeito passivo que o havia pago, para o pagar de novo quando é certo que nunca chegou a receber o reembolso do 2º pedido que lhe foi indeferido».
A esta luz, é manifesto que no caso dos autos se está perante uma situação em que não se justifica a liquidação adicional ao 4º trimestre de 2000 [no caso em apreço, aos 4 trimestres de 2001], pois, como se infere nenhuma quantia relativa a IVA daquele período foi recebida como efeito de dedução excessiva ou indevida.
Por outro lado, como supra referenciamos, a utilização do “crédito de imposto” ocorreu por via do reporte nas declarações do 4º trimestre de 2002 e 1º trimestre de 2003 [no caso em apreço, a partir do 3.º trimestre de 2002], essa sim, a utilização, poderia justificar uma liquidação adicional pela diferença fundamentada na dedução indevida e assente de que o sujeito passivo não tinha efectivamente pago o IVA inerente às transacções com a «Y, Lda.», ou seja, da inexistência do crédito de imposto a que o sujeito passivo tinha direito, mas sempre as liquidações adicionais teriam que ser pela diferença. [fim de citação]
Assim sendo, em face do exposto e acolhendo a fundamentaçao acabada de citar, há que concluir que o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, e dando-se por prejudicado o conhecimento do recurso subordinado apresentado pela Recorrida.
***
Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, a Recorrente é condenada em custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
O ato de liquidação adicional de IVA praticado na sequência de um procedimento de inspeção tributária, que desconsideres o IVA dedutível, ou seja que coloque em causa o “crédito de imposto” utilizado por via de reporte em declaração posterior, terá que ser emitida com referência ao período em que o crédito de imposto veio a ser subtraído pela Impugnante ao imposto liquidado (em que o crédito foi exigido), pois só nessa declaração posterior figura “um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos”, que cumpre liquidar pela diferença (art. 82.º do CIVA, então em vigor).
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 25 de maio de 2022 - Margarida Reis (relatora) – Rosário Pais (em substituição) – Paulo Moura.