Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00651/21.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/26/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:REVERSÃO, GERÊNCIA DE FACTO, ÓNUS DA PROVA, SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA;
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM; CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM, VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA;
Sumário:
I - A lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal.
II - Apenas se consubstancia num elemento de prova, que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
III - Os juízes nacionais devem levar em consideração a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como referência metodológica e interpretativa da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mas essa vinculação não é absoluta, permitindo análise crítica e ponderação em casos concretos.
IV – É à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão, sendo o exercício efectivo de funções de gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência.
V - A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias. O que, in casu, não ficou demonstrado.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

A REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 17/03/2023, que julgou a oposição procedente e, em consequência, declarou extinta a execução fiscal n.º
...23, que foi deduzida por «AA» contra este processo de execução fiscal, instaurado contra a devedora originária “[SCom01...], S.A.”, por dívidas de IVA referentes ao período 201706, perfazendo o montante total da dívida exequenda € 18.001,61.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Por douta sentença datada de 17.03.2023, foi proferida nos presentes autos de Oposição à Execução Fiscal, decisão de procedência, em que o oponente foi considerado como parte ilegítima por não estar comprovada em sede de reversão a gestão/administração da devedora originária e, como tal, foi determinada a extinção da dívida exequenda em relação a si.
B Em causa está a dívida revertida no processo de execução fiscal (PEF) n.º ...23, instaurado originariamente contra a sociedade “[SCom01...], S.A.”, para cobrança coerciva de dívida de dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), respeitante ao mês de junho de 2017 (201706) no montante de €
18.001,61 e acrescidos, data limite para pagamento voluntário em 10.08.2017.
C Apreciando os autos, pelo Meritíssimo Juiz de Direito ficou circunscrita a seguinte questão: A) - a falta de verificação dos pressupostos de reversão (nomeadamente, a falta de demonstração da gerência de facto e a inexistência de culpa na insuficiência do património da sociedade devedora originária);
D Dando procedência à oposição com base nesse fundamento (julgando-se o oponente como parte ilegítima), ficaram prejudicadas todas as demais considerações e a apreciação dos demais fundamentos invocados.
E A Fazenda Pública não se pode conformar com a douta decisão do Tribunal a quo, pelo que vem recorrer tendo por fundamento o erro de julgamento da matéria de facto, porquanto há erro na valoração e seleção da matéria levada ao probatório e, consequentemente, erro de julgamento de Direito.
F Melhor dizendo, o que verdadeiramente interessa para o presente recurso é a reapreciação da decisão proferida, e ora objeto de recurso, relacionada com o não exercício da gerência de facto por parte do oponente e o juízo conclusivo segundo o qual (...) sendo esta a única prova produzida, a mesma mostra-se insuficiente e contraditória no sentido de comprovar que no período em que terminou o prazo de pagamento do IVA do período de 201706 o Oponente era o gerente de facto da sociedade devedora originária.
G Como supra se expôs, considera-se, ainda, que a factualidade constante no acervo probatório se afigura insuficiente para dirimir o litígio pelo que deverá ser levada à matéria de facto um conjunto de factos que se consideram provados e cujas consequências ditarão a decisão de improcedência da presente oposição.
Posto isto,
H É entendimento da FP que ficou comprovado no procedimento de reversão e que foi totalmente corroborado pelo próprio oponente e pelo seu irmão «BB» em declarações prestadas no âmbito desse procedimento o oponente exerceu, de facto, a gerência/administração da executada originária após a doença do seu irmão «BB», por volta de abril de 2016.
I Trata-se de uma gerência/administração de facto que não é acompanhada da gerência de direito, pois, como resulta da certidão da conservatória do registo predial junta aos autos, o aqui oponente não foi, nos períodos em causa, nomeado enquanto administrador da sociedade devedora originária.
J O facto de o oponente não figurar como administrador de direito no registo comercial da sociedade devedora originária, não determina, por si só, que não haja exercido a gerência efetiva da referida sociedade. (a gerência de facto sem se acompanhar da gerência de direito tem previsão legal de imputação de responsabilidade sendo legitimo que o gerente de facto seja responsabilizado pelas dívidas tributárias contraídas pelo devedor originário nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT “ainda que somente de facto”).
K Porém, a decisão recorrida não releva a confissão contida nas declarações prestadas pelo oponente, isto porque, por um lado não é mencionado na sentença a razão pela qual um facto dado como provado (cfr. Ponto 6 da matéria de facto) acaba por se transformar num facto irrelevante por não considerado, por outro, porque além das declarações prestadas no decorrer do procedimento de reversão, outras foram as intervenções de oponente que a serem levadas ao probatório declinariam qualquer dúvida que subsistisse em relação aos factos que se retiram das suas declarações iniciais.
L Em direito de audição prévia o oponente não negou o exercício de atos de gerência, excetuando, porém, os atos de disponibilidade financeira da devedora originária (quando muito tal circunstância, a ser verdade, poderia ser valorada em sede de imputação de culpa pelo não pagamento das dívidas tributárias, pressuposto constante do artigo 24.º, n.º 1, al. b), parte final)
M Ainda que assim fosse, não se olvide que a gerência/administração de uma sociedade não se detém nos atos ditos financeiros, como por exemplo (exemplificação nossa), de pagamentos de salários ou de ressarcimento de uma fatura. Vd. Acórdão do
TCA Sul (Processo n.º 1422/16.0BELRA)
N Certo é que o oponente confessou, mais que uma vez, (relembre-se que no procedimento de reversão havia declarado que passou a tomar todas as decisões relacionadas com a empresa) que era ele mesmo quem praticava todos os atos relacionados com a produção (onde se incluem, por exemplificação nossa, decisões relativas aos ativos fixos, matérias primas, design, qualidade, entre outros) e de cariz comercial (onde se incluem, a prática de negócios e contratualização com fornecedores, clientes e outros fornecimentos e serviços externos);
O Ou seja, até este ponto não se compreende de que modo se poderá considerar, tal como a sentença recorrida o fez, que a prova produzida pelo OEF é contraditória ou de insuficiência probatória.
P No seguimento, foram tidas em consideração as declarações prestadas pelo irmão do oponente, «BB». Como decorre do probatório, «BB» é o administrador formalmente designado enquanto administrador da devedora originária à data dos factos, ou seja, é quem figura na certidão permanente emitida pela Conservatória do Registo Comercial a exercer as funções de gerente/administrador de direito.
Q Segundo o seu depoimento, depois da doença que o assolou afastou-se totalmente das funções de gerente/administrador efetivo da sociedade devedora originária a partir de abril de 2017, nestes precisos termos, que passamos a transcrever:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
R Revelou que a partir do momento em que ficou doente foi seu irmão «AA», aqui oponente, que ficou a tomar conta e a tomar decisões, cfr. documento junto pelo órgão da execução fiscal que faz parte integrante do PEF e dos documentos que integram o procedimento de reversão.
S Porém a sentença recorrida entendeu, passamos a transcrever:
De facto, concatenando o teor das declarações constantes dos supra referidos autos de declarações (e bem assim da Certidão Permanente da sociedade) resulta, por um lado que o gerente de facto e de direito quase exclusivamente durante todo o período de vida da sociedade, foi «BB» e não o Oponente (neste sentido, as declarações do gerente «BB» que afirmou que era ele o gerente até Abril de 2017 e que se afastou por razões de saúde) e, por outro lado, que após Abril de 2017, o Oponente passou a tomar algumas decisões na empresa (quais e/ou quando?), mas sempre dando conhecimento das mesmas ao dito gerente de direito e de facto, «BB». (sublinhado e negrito nosso)
T Como supra se disse, com o devido respeito, não se vislumbra onde é que a sentença recorrida se baseou para concluir que «BB» declarou que o irmão, aqui oponente, passou a tomar (apenas) algumas decisões na empresa. Ainda que assim fosse, não se concedendo, certo é que as declarações do oponente e de seu irmão «BB» não são contraditórias sendo bem claras quanto à alteração de funções do aqui oponente após a doença de «BB».
U Não obstante, se dúvidas houvessem, tais dúvidas são esclarecidas no ponto 2 do termo de declarações pois repete-se a natureza das suas funções nestes precisos termos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
V Conclui ainda a sentença recorrida que, passamos a transcrever: “Ou seja, o Oponente surge aqui, no limite, como um intermediário e longa manus do gerente de direito e de facto que era e sempre foi «BB».
W Trata-se de um puro juízo conclusivo especulativo, uma vez que tal alegação não consta em qualquer dos articulados apresentados pelo oponente seja no decorrer do procedimento de reversão seja nos apresentados no decorrer destes autos. Em momento algum foi alegado pelo oponente que as suas funções se subsumiam a um intermediário. Muito pelo contrário, o oponente confessou mais que uma vez, como supra se explanou, o exercício da gerência da devedora originária e, mais tarde, excecionou dessa gerência os atos de natureza financeira (de cumprimento das obrigações de pagamento);
X Além do mais, apesar de ter referido que dava conhecimento das suas decisões ao «BB», o oponente não se pronunciou em que termos se dava tal conhecimento, ou seja, por exemplo, se tinha por intuito uma qualquer validação por parte do anterior gerente das decisões por si proferidas. Pelo que se configura como irrelevante para a resolução do litígio.
Y Quanto às restantes testemunhas ouvidas em sede de reversão, pese embora alegarem desconhecer quem era o gerente/administrador da sociedade a partir da doença do irmão «BB», todas foram perentórias no sentido de que passaram a trabalhar sob a autoridade e acatando as ordens do aqui oponente;
Z Tendo o oponente exercido o cargo de encarregado de produção da devedora originária até à doença do seu irmão denota-se, porém, pelas declarações dos funcionários que a situação se alterou substancialmente a partir da doença do anterior administrador, atribuindo uma autoridade de natureza distinta ao aqui oponente,
AA Porém, pelo entendimento perfilhado na sentença recorrida, como se passa a transcrever:
Ora, atento os excertos do supra referido teor das declarações prestadas pelas testemunhas que foram trabalhadores da sociedade devedora originária, «CC», «DD» e «EE», desde logo o Tribunal conclui que subsistem dúvidas sobre a gerência de facto da sociedade devedora originária, pois que os depoimentos não são coerentes e são mesmo contraditórios em parte, como referimos supra, sendo certo que em grande medida corroboram a tese de que o Sr. «BB», presencialmente ou à distância, por intermédio do oponente, sempre continuou a exercer a gerência de facto (e de direito) da sociedade devedora originária.
BB Ora, a Fazenda Pública não se compadece com as conclusões retiradas pela sentença recorrida. Na verdade, vistas as declarações prestadas pelos funcionários, quando muito, verifica-se que não têm conhecimento direto sobre quem passou a exercer efetivamente a gerência da devedora originária. Não são contraditórias! E compreende-se que os funcionários não sejam perentórios em afirmar quem passou a exercer a gerência da sociedade a partir do impedimento, por doença, de «BB».
CC Com efeito, como consta do probatório, o aqui oponente exercia anteriormente a funções de encarregado geral o que por si só lhe dava uma voz de comando no seio da empresa, além do facto de «BB» ser irmão do aqui oponente o que dá uma visão de empresa familiar (consta dos autos que a esposa do aqui oponente, «FF», também exercia funções na empresa). Tudo conjugado, assumindo-se que eventualmente «BB» visitava a empresa esporadicamente o que se compreende pois mantinha-se designado como administrador de direito da sociedade, é plausível que os funcionários não sejam tão esclarecedores como se pretendia. Uma nota comum a todos os depoimentos é a doença de «BB» e a alteração sobre perante quem teriam de responder, sendo essa nota comum aquela que deveria ter sido valorada na sentença recorrida.
DD Com o devido respeito, permitimo-nos fazer o seguinte reparo quanto ao entendimento perfilhado na sentença recorrida, que se passa a transcrever, “(...) medida corroboram a tese de que o Sr. «BB», presencialmente ou à distância, por intermédio do oponente, sempre continuou a exercer a gerência de facto (e de direito) da sociedade devedora originária”
EE Pois, a Fazenda Pública não consegue aferir onde consta tal tese!! a qual, naturalmente, teria de ser argumentada por uma das partes. Não tendo sido, claramente, iniciativa da Fazenda Pública, resta o oponente, porém da petição inicial não resulta, de todo, tal tese argumentativa (segundo a qual o aqui oponente era um intermediário), mas sim, que «BB» se mantinha nas funções de gerência para prática de atos financeiros (cumprimento de obrigações de carater financeiro) e que o aqui oponente geria os setores de produção e comercial.
FF Aliás tal tese argumentativa da iniciativa deste tribunal segundo a qual o aqui oponente seria um intermediário entre a sociedade e seu irmão «BB» nem se coaduna com a matéria constante da p.i. uma vez que o oponente refere na p.i. no art. 48.º que, passamos a transcrever: “Desconhecendo o Oponente, em absoluto, e pelas supra mencionadas razões, qual a concreta situação da sociedade em termos administrativos e financeiros.”
GG Se o oponente fosse um intermediário e um longa manus do administrador de direito então necessariamente estaria ao corrente de tudo o quanto se passaria na empresa, incluindo questões administrativas e financeiras pois seria ele mesmo que as reportaria ao administrador, ainda que não fosse este quem decidiria sobre as mesmas.
Por fim,
HH Como se notou no articulado de contestação a tese argumentativa do oponente (esta sim constante da sua petição inicial) carece de razoabilidade e não se compadece com as regras de experiência ou regras de vida, pois se o seu irmão «BB» estava doente, então não estaria capaz de tomar decisões e administrar uma sociedade, pois não se olvide a complexa e dinâmica diária que envolve a atividade de uma sociedade e a tomada de decisões que é necessária ao seu funcionamento.
II Note-se que a incapacidade para o trabalho está comprovada nos autos a partir de março de 2016 (facto não controvertido pelo oponente), pois consta dos autos informação institucional da certificação da Incapacidade Temporária no período que compreende a data limite para pagamento da dívida aqui revertida. Cfr. o teor do ofício da Segurança Social que certificou a incapacidade para o trabalho de «BB», e que foi tida como referência para localizar no tempo a doença do anterior administrador.
JJ Acresce que, ao invés de valorar o depoimento do próprio oponente e de seu irmão «BB» que fazem prova plena e direta dos factos apurados em procedimento de reversão, a sentença recorreu ainda, complementarmente, a presunções decorrentes das sentenças penais absolutórias (factos apurados em processos crime e para as finalidades aí previstas).
KK As decisões penais absolutórias constituem, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal, ilidível mediante prova em contrário, face ao disposto no artigo 624.º do Código de Processo Civil. E a prova em contrário foi cabalmente feita em procedimento de reversão.
Para terminar,
LL A sentença recorrida socorreu-se do seguinte juízo conclusivo para dar procedência à oposição que a seguir se transcreve:
“Em reforço desta tese, sublinhe-se que o Oponente não consta que alguma vez tenha sido gerente nominal e de direito da sociedade devedora originária mas apenas Encarregado na empresa, pelo que o mesmo jamais obrigaria a sociedade e, bem assim, a falta de alegação e prova de que o Oponente assinou cheques, letras, contratos, escrituras ou quaisquer outros documentos, em nome da sociedade devedora; fez quaisquer compras ou vendas, que recebeu dinheiro de clientes ou pagou a fornecedores ou que tomou decisões sobre pagamento ou não pagamento de impostos ou alienou património social, pelo que, e em suma, o Tribunal considera como não comprovado o exercício efectivo pelo Oponente da gerência de facto na sociedade devedora originária.”
MM Ora, sendo um administrador apenas de facto, necessariamente, a formalização por assinatura ainda estaria dependente da assinatura do administrador de direito, formalmente designado, donde resulta, que contrariamente à ilação que o oponente pretenda retirar e que a sentença recorrida validou, o facto de não existirem documentos com assinatura Oponente não resulta que não haja sido este que praticou os atos de administração subjacentes.
NN Aliás, decorre da jurisprudência que da assinatura de um ou dois documentos, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que os revertidos exerceram, de facto, a gerência da sociedade, pelo que na ausência de documentos com assinatura do oponente não deverá, por coerência, ser valorado no sentido de se extrair a conclusão que o revertido não exerceu, de facto, a gerência da sociedade.
OO Ou seja, o quadro factual considerado nos presentes autos não permite que se formule uma presunção judicial de não exercício de facto da gerência de facto pelo oponente a partir da ausência de assinatura de declarações ou cheques, em nome da sociedade executada originária, pois as circunstâncias que rodearam o exercício das funções (por motivo de doença do irmão) por parte do aqui oponente não resultaram duma designação formal sua enquanto administrador muito possivelmente devido ao vínculo familiar. Por seu turno, não resultou do probatório quem tinha poderes de assinatura dos cheques (depende de quem é designado junto da entidade bancária) e






bem se sabe que a maioria dos documentos emitidos diariamente são maioria das vezes assinados por rubrica com a aposição do carimbo da sociedade.
PP Pelo que de nada servirá remeter-se para a inexistência de documentos onde conste a assinatura do aqui oponente para fazer prevalecer uma verdade formal em lugar da verdade material.
Assim, por tudo quanto se expôs,
QQ O tribunal a quo fez uma interpretação errónea não dando como provada que a gerência/administração de facto pertencia ao aqui oponente no período em causa.
RR Em face do exposto, a respeito das provas não utilizadas pelo Tribunal, deverão ser levados à matéria de facto os seguintes concretos pontos da matéria de facto, por provados:
i) Que em abril de 2016, por impedimento causado por doença, o administrador, até então, da devedora originária “[SCom01...], S.A.” deixou de exercer efetivamente as funções de administrador, cfr. Declarações prestadas pelo próprio e pelo aqui oponente, bem como, declaração de incapacidade emitida pelo
Instituto de Segurança Social; ii) Que a partir de abril de 2016, a administração de facto da sociedade devedora originária “[SCom01...], S.A.” incluindo o período compreendido pela dívida exequenda, foi exercida por «AA», cfr. Declarações prestadas pelo próprio e pelo aqui oponente não contraditadas pelos testemunhos de «CC», «DD» e «EE». Deverá, ainda, constar não ter sido provado que:
i) O Oponente agiu como um intermediário e longa manus do gerente de direito «BB»;

NESTES TERMOS, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, DEVE ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida em primeira instância e julgando-se a presente Oposição à Execução Fiscal totalmente improcedente.

Como sempre farão V/ Excelências a costumada JUSTIÇA.
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A Recorrida contra-alegou, tendo concluído o seguinte:
1) - NA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA NÃO OCORRE QUALQUER DOS VÍCIOS QUE A RECORRENTE INVOCA AO LONGO DAS SUAS ALEGAÇÕES;
2) - DEVE ASSIM SER MANTIDA A DOUTA SENTENÇA EM CRISE E EXARADA A FLS. ... CONFIRMANDO-SE, CONSEQUENTEMENTE, OS RESPECTIVOS EFEITOS.

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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar o revertido parte ilegítima na execução fiscal, por não se verificar o pressuposto da reversão relativo à sua gerência de facto.

III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Matéria de facto
Na sentença recorrida foi proferida a decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevo para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Através da apresentação ...21, foi registada na Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de Vizela a constituição da sociedade "[SCom01...] S.A." (cfr. fls.311/318 SITAF);
B) Da certidão permanente junta a fls.311/318 SITAF o Oponente não consta, entre o período de registo da constituição da sociedade m.i. em A) até ao registo da sentença de declaração de insolvência, como gerente da mesma (cfr. fls.311/318 SITAF e cujo teor se por reproduzido);
C) Entre Janeiro de 2015 e Dezembro de 2016, o Oponente desempenhou funções para a sociedade devedora originária com a categoria de “Encarregado”, auferindo o vencimento base de € 625,00 (cfr. documentos juntos a pág. 24/51 do documento inserto a fls.8/67 do SITAF e cujo teor se por reproduzido);
D) Corre termos no OEF o PEF nº ...23, em que é devedora originária “[SCom01...] S A, com vista à cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA de 201706, no montante de € 18.061,61 (cfr. fls. 1/2 do SITAF e cujo teor se por reproduzido);
E) Em 29-06-2018 foi elaborado pela Direcção de Finanças ... – Divisão de Justiça Tributária, documento designado “AUTO DE DECLARAÇÕES” relativo a «GG», contabilista certificada da sociedade devedora originária, e do qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. página 7/8 do documento junto a fls.68/75 do SITAF e cujo teor se por reproduzido):
“(...) que todos os contactos (com a sociedade) são efectuados para o e-mail da empresa ..........FF@....., ou ultimamente pelo telefone com o Sr. «AA» (...)” e “que desconhece quem gere a empresa (...)”;
F) Em 04-07-2018 foi elaborado pela Direcção de Finanças ... – Divisão de Justiça Tributária, documento designado “AUTO DE DECLARAÇÕES”, relativo ao






Oponente e do qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. página 1/2 do documento junto a fls.68/75 do SITAF e cujo teor se por reproduzido):
“(...) foi afirmado que desde Abril de 2017, o mesmo («BB») por questões de saúde foi obrigado a afastar-se da administração da empresa, sendo que a partir daí, devido a essa impossibilidade, passou a tomar as decisões da empresa, sempre dando conhecimento das mesmas ao seu irmão «BB». (...);
G) Em 04-07-2018 foi elaborado pela Direcção de Finanças ... – Divisão de Justiça Tributária, documento designado “AUTO DE DECLARAÇÕES” relativo a «BB», e do qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. página 3 do documento junto a fls.68/75 do SITAF e cujo teor se por reproduzido):
“(...) por questões de saúde foi obrigado a afastar - se um ano atrás, aproximadamente Abril de 2017, sendo que a partir daí o seu irmão «AA» ficou a tomar conta e a tomar decisões relativamente à empresa. (...)” e que “(...) até ao momento em que se afastou era o próprio quem tomava todas as decisões relacionadas com a gerência da empresa (...);
H) Em 03-01-2019 foram elaborados pela Direcção de Finanças ... – Divisão de Justiça Tributária, documentos designados “AUTO DE DECLARAÇÕES” relativos a «CC», «DD» e «EE», e dos quais consta que depois da doença de «BB» trabalhavam sobre as ordens do Oponente (cfr. páginas 4/6 do documento junto a fls.68/75 do SITAF e cujo teor se por reproduzido);
I) Em 22-11-2018, foi elaborado pelo OEF no âmbito do PEF m.i. em D), documento designado “PROJETO DE DECISÃO PARA EFEITOS DE REVERSÃO DA EXECUÇÃO”, e do qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. página 1/2 do documento junto a fls.8/67 do SITAF e cujo teor se por reproduzido):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
J) Em 22-11-2018 o OEF emitiu documento designado “NOTIFICAÇÃO AUDIÇÃOPRÉVIA” dirigido ao Oponente (cfr. página 1/2 do documento junto a fls.8/67 do SITAF e cujo teor se por reproduzido);
K) Em 10-12-2018, o Oponente dirigiu por correio electrónico ao OEF documento designado “Audição Prévia” relativo ao PEF nº ...23 (cfr. página 9/23 do documento junto a fls.8/67 do SITAF e cujo teor se por reproduzido);
L) Em 24-10-2019, foi proferido pelo OEF no âmbito do PEF m.i. em D) documento designado “DESPACHO”, do qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. página 3/5 do documento junto a fls.8/67 do SITAF e cujo teor se por reproduzido);
(...)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
~
Em 25-10-2019 o OEF elaborou no âmbito do PEF m.i. em D) documento designado “CITAÇÃO (Reversão)”, remetido ao Oponente por via postal registada com aviso de recepção (cfr. página 58/60 do documento junto a fls.8/67 do SITAF e cujo teor se por reproduzido);
M) O aviso de recepção referente ao documento referido supra foi assinado em 04112019 por “«FF»” (cfr. página 60 do documento junto a fls.8/67 do SITAF e cujo teor se por reproduzido);
N) Em 07-11-2019, o OEF remeteu ao Oponente por via postal registada documento designado “Notificação de Advertência (Art.º 233.º CPC): Citação do Executado em Pessoa Diversa (...)”, (cfr. página 8 do documento junto a fls.8/67 do SITAF e cujo teor se por reproduzido);
O) Em 16-12-2019 o Oponente remeteu ao OEF a PI da presente acção, por via postal (cfr. fls.150 SITAF);
P) Em decisão instrutória proferida em 03-02-2022 no âmbito do processo n.º ...2/1.....IDBRG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz ..., já transitada em julgado, foi o Oponente não pronunciado, entre outros, pelo crime de abuso de confiança fiscal abrangendo o período na origem da instauração do PEF m.i. em D), e da qual consta além do mais, o seguinte (cfr. fls.411/459 do SITAF):
(...)
. Fundamentação de facto (...)
9. Assim, em execução de tal propósito, os arguidos enviaram as declarações periódicas para efeitos de IVA, mas não entregaram nos cofres do Estado, nos meses abaixo indicados, os seguintes valores de IVA recebidos, declarados e apurados:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)
E por não indiciada a seguinte matéria de facto alegada na acusação pública: «O Arguido «AA» foi, desde a constituição da sociedade, administrador de facto da mesma»;
(...)
. Decisão
Nestes termos, tendo em atenção tudo quanto acabo de deixar dito e sem necessidade de ulteriores considerações, decido dar total provimento ao requerimento de abertura de instrução em apreciação e, em consequência, não pronuncio o Arguido «AA» pela prática dos crimes que lhe vinham imputados na acusação pública, ordenando, assim e nesta parte, o oportuno arquivamento dos autos (...).
Q) Em 29-10-2021, foi proferida sentença no âmbito do processo nº 42/....T9BRG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz ..., já transitada em julgado, e da qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. fls.268/298 SITAF e cujo teor se por reproduzido):
(...)
O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação, em processo comum e com intervenção do Tribunal singular, contra: «AA» (...)
Imputando-lhes a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança
Social, na forma continuada, nos termos dos artigos 30.º, n.º 2, do Código Penal, e 107.º, n.º 1 e 2, e 105.º, n.º 1 e 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias, sendo a sociedade arguida «[SCom01...], S.A.» criminalmente responsável pela prática do referido crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, por força do disposto nos artigos 30.º, n.º 2, do Código Penal, e 7.º, 107.º, n.º 1 e 2, e 105.º, ns. 1 e 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias.
(...)
2. Factos Não Provados
(...)
Não resultaram, com relevância para a decisão, não provados os seguintes factos:
1. O arguido «AA» foi desde a constituição da sociedade gerente de facto da mesma.
2. Também o arguido «AA», no período em causa nos autos, exerceu de facto a gerência da sociedade arguida, sendo a par dos arguidos «FF» e «BB» quem administravam a sociedade e tomavam, em conjunto, todas as decisões inerentes ao funcionamento da mesma.
(...)
IV. Decisão
Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas decido julgar a acusação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente,
(...)
C) Absolvo o arguido «AA» da prática do crime de abuso de confiança relativamente à Segurança Social, na forma continuada, de que vinham acusado.
(...)
F) Absolvo os demandados «AA» e «FF»
«FF» do pedido de indemnização formulado pelo demandante Instituto de Segurança
Social, IP. (...);
R) A sociedade devedora originária foi declarada insolvente por decisão proferida no âmbito do processo nº ....1/1...T8GMR, em 10-08-2018, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz ... (cfr. fls.311/318 SITAF). *
Inexistem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão a proferir.
*
Motivação
A decisão da matéria de facto dada como provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos, consoante se anota em cada alínea do probatório e na posição das partes relativamente aos factos alegados e não impugnados.
Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados – Cfr. art. 74.º LGT, 76.º n.º 1 LGT e art. 342.º e ss do CC.”
*
2. O DIREITO

A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, que julgou a oposição procedente e extinguiu o processo de execução fiscal em relação ao oponente, aqui Recorrido, considerando-o parte ilegítima, por não estar comprovada em sede de reversão a efectiva gerência/administração da devedora originária.
Desde logo, a Recorrente alega que a factualidade constante no acervo probatório se afigura insuficiente para dirimir o litígio, pelo que deverá ser levada à matéria de facto um conjunto de factos que considera provados e cujas consequências ditarão a decisão de improcedência da presente oposição.
Tendo por base as provas não utilizadas pelo Tribunal, sustenta a Recorrente que deverão ser levados à matéria de facto os seguintes concretos pontos da matéria de facto, por provados:
i) Que em abril de 2016, por impedimento causado por doença, o administrador, até então, da devedora originária “[SCom01...], S.A.” deixou de exercer efetivamente as funções de administrador, cfr. Declarações prestadas pelo próprio e pelo aqui oponente, bem como, declaração de incapacidade emitida pelo
Instituto de Segurança Social; ii) Que a partir de abril de 2016, a administração de facto da sociedade devedora originária “[SCom01...], S.A.” incluindo o período compreendido pela dívida exequenda, foi exercida por «AA», cfr. Declarações prestadas pelo próprio e pelo aqui oponente não contraditadas pelos testemunhos de «CC», «DD» e «EE».
Deverá, ainda, constar não ter sido provado que:
i) O Oponente agiu como um intermediário e longa manus do gerente de direito «BB».
Posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada, o Tribunal de recurso pode alterá-la se, analisados os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, concluir que os mesmos determinam decisão diversa da proferida na 1ª instância, que, assim, incorreu em erro de apreciação das provas, legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Acresce, por outro lado, salientar que a decisão da matéria de facto não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie, tão somente, sobre os factos essenciais e, ainda, os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir, sendo que é sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respectivos meios incidirão [cfr. artigos 452.º, nºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º e 495.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC)], porquanto são os acontecimentos ou factos concretos que o n.º 4 do artigo 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz, na sentença, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídicoconclusivos, que, se detectados, devem ser excluídos do acervo factual relevante.
Ou seja, na selecção dos factos em sede de decisão da matéria de facto deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
No caso vertente, no que respeita à factualidade que a Recorrente pretende ver aditada à decisão da matéria de facto, seja aos factos provados seja aos factos não provados, a mesma mostra-se conclusiva.
Ora, o que se pretende dilucidar nos presentes autos é se o Recorrido exerceu, efectivamente, de facto, em algum período de tempo, a gerência ou a administração da sociedade devedora originária e tal ilação haverá que ser retirada de factos simples que se mostrem apurados.
Temos por líquido que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como no caso, preencham, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões.
Com efeito, a matéria que a Recorrente pretende aditar ao probatório e aos factos não provados traduz, por si só, as conclusões a que o tribunal poderá chegar, determinando inelutavelmente o desfecho da causa, pelo que jamais integrará a decisão da matéria de facto.
Insistimos que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídicoconclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento – cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1134/10.9BELRA.
Nesta conformidade, impõe-se indeferir o solicitado aditamento, considerando-se a decisão da matéria de facto estabilizada.

Sustenta, ainda, a Recorrente que, ao invés de valorar o depoimento do próprio Oponente e de seu irmão «BB», que fazem prova plena e directa dos factos apurados em procedimento de reversão, a sentença recorreu, complementarmente, a presunções decorrentes das sentenças penais absolutórias, por via de factos apurados em processos crime e para as finalidades aí previstas.
Acrescentou que as decisões penais absolutórias constituem, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal, ilidível mediante prova em contrário, face ao disposto no artigo 624.º do Código de Processo Civil. Defendendo que a prova em contrário foi cabalmente feita em procedimento de reversão.
Nos termos do disposto no artigo 84.º do Código de Processo Penal (CPP), “A decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis.”
Na mesma senda, determina o artigo 623.º do CPC que “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.”
A par, estabelece o artigo 624.º do CPC que “1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. 2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.”
Resulta, assim, dos normativos supra transcritos que o artigo 84.º do CPP apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os artigos 623.º e 624.º do CPC apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária, em consonância com o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/05/2021, proferido no processo n.º 102/20.7BEFUN.
Quanto aos efeitos extraprocessuais de decisão em matéria penal, chamamos à colação o Acórdão do STA, proferido em 20/03/2019, no processo n.º 01053/18.0BELRA, aderindo-se ao seu discurso fundamentador e do qual se extracta, o seguinte:
“(…) A responsabilidade tributária e a responsabilidade penal tributária, podendo coexistir na esfera jurídica da mesma pessoa, são títulos autónomos de responsabilidade, gerados por factos diversos, sujeitos a diversos princípios, regimes e leis e determinantes de consequências igualmente diferenciadas.
Desde logo, na responsabilidade penal tributária não há culpas presumidas, presumindo-se, ao invés, inocente o arguido até ao trânsito em julgado da decisão que o condene. A responsabilidade tributária, porém, admite uma presunção – ilidível - de culpa no não pagamento, nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, cabendo ao responsável tributário ilidir, através do meio processual próprio (audiência prévia antes da reversão e oposição), essa presunção legal de culpa para afastar a sua responsabilidade pela dívida.
Muita estranheza suscita a alegação de que, designadamente no caso dos autos, a não extinção dos processos executivos e seus efeitos viola o “princípio da presunção de inocência”, designadamente porque no processo tributário não há inocentes ou culpados, antes devedores ou não devedores do imposto, sendo os pressupostos da responsabilidade tributária diversos dos da responsabilidade penal tributária, como não podia deixar de ser, aliás, dado o diferente calibre dos valores em presença num e noutro caso.” (sublinhado e destaque nosso).
Veja-se, ainda, o sumariado no Acórdão do STA, de 02/02/2022, proferido no âmbito do processo n.º 0266/20.0BEPRT:
“Não existe qualquer princípio ou norma legal que preveja a prevalência das decisões proferidas em sede de processos-crime sobre a decisão judicial anteriormente proferida em sede de processo judicial tributário, no caso, Impugnação Judicial, transitada em julgado”.
Em sentido idêntico, não podemos deixar de aludir a Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 20/04/2017, proferido no processo n.º 145/10.9BEPNF, por nós relatado:
“(…) Não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial às decisões proferidas em processo penal. O que ao contrário se verifica, como resulta do disposto no artigo 48.º do RGIT que nos diz “A sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal tributário apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram”. Só nos casos previstos no artigo 674ºB do CPC nomeadamente no seu nº 1, a decisão penal transitada em julgado que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. Também de acordo com o artigo 84º do CPP, a decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis. Ora, como se afirmou no acórdão do STA de 08.10.2014, onde se discutia o caso julgado em processo penal, na oposição judicial,Da leitura conjugada de ambas [leia-se artigo 674ºB do CPC e 84º do CPP] as normas, surpreende-se que, só no âmbito de acções civis em que se discutem relações jurídicas conexas com a prática da infracção em apreciação no processo penal, pode a decisão penal absolutória constituir presunção ilidível, relativamente aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal do crime.Paradigmático de tal interpretação é o acórdão do STA de 16.02.2005, processo nº 08/05, já acima referenciado, (e citado pela sentença sob recurso), que decidindo sobre a suspensão de impugnação judicial até ao trânsito de decisão proferida em processo crime, por notório interesse para a instrução do processo e do conhecimento da prova produzida no de natureza criminal se plasmou “(…) no caso em apreço, em que está em causa no processo de impugnação judicial a apreciação da falsidade ou não de facturas, a formulação de um juízo pelo tribunal tributário não depende da decisão que for proferida em processo criminal sobre a mesma matéria, pois, enquanto no processo criminal as dúvidas sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, no processo de impugnação judicial, havendo indícios de irregularidades de escrita, o ónus da prova da veracidade desta cabe ao contribuinte (arts. 121º., n.º 2, do C.P.T. e 100.º, n.º 2, do C.P.P.T.). Para além disso, apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infracção que é corolário do princípio in dubio pro reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o art. 84.º do C.P.P. apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os arts 674.º-A e 674.º-B do C.P.C. apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária. (…)” – sublinhado e destaque nosso.
Resulta do que antecede que, só no âmbito de acções civis em que se discutem relações jurídicas conexas com a prática da infracção em apreciação no processo penal, pode a decisão penal absolutória constituir presunção ilidível, relativamente aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal do crime e nessa medida pode ser aplicado o princípio da presunção da inocência.
No mesmo sentido de a sentença de absolvição em processo-crime, não [ter] a força de caso julgado em processo tributário, no que respeita aos factos aí dados como provados ou não provados, antes deve reconduzir-se a um elemento de prova que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artº.607,
n.º 5, do C.P.C., aplicável "ex vi" do artº.2, al. e), do C.P.P.T., chamamos, ainda, à colação o Acórdão do STA, 2ª Secção, de 10/05/2023, proferido no âmbito do processo n.º 0897/22.3BEBRG, para cuja fundamentação remetemos e do qual transcrevemos o seguinte:
«(…) [D]efende o apelante que o pedido de revogação do despacho de reversão se escorou em factos novos que não haviam sido sopesados pelo órgão de execução fiscal, aquando da prolação do despacho de reversão em causa, mais especificamente, o teor da sentença constante do processo 76/13.0TAVLN, a correr termos na Comarca de Viana do Castelo, na qual foi absolvido da prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada (cfr.nº.13 do probatório supra).
O artº.624, nº.1, do C.P.Civil, dispõe que a sentença penal absolutória, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui simples presunção legal da inexistência desses factos, em ações de natureza civil. A propósito da interpretação de tal normativo discute-se se a referida presunção também se aplica nas situações em que o arguido é absolvido em virtude do funcionamento do princípio "in dubio, pro reo", ou apenas nos casos em que é feita prova positiva de não ter praticado os factos. A jurisprudência tem decidido que tal presunção ilidível não se aplica em caso de absolvição com fundamento no citado princípio "in dubio, pro reo", uma vez que nesta situação a absolvição se baseia na falta de prova dos factos imputados ao arguido, exigindo a aludida norma que tal absolvição tenha como fundamento não ter este praticado os factos que lhe foram imputados (cfr.v.g. ac.S.T.J.7ª.Secção, 21/10/2010, proc.95/04.8TBCDR.P1.S1; ac.S.T.J.-2ª.Secção, 11/07/2019, proc.7318/17.1T8CBR.C1.S1; António Santos Abrantes Geraldes e Outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 2019, pág.747; José
Lebre de Freitas e Outro, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág.765 e seg.).
No entanto, já não existe qualquer princípio ou norma legal que preveja a prevalência das decisões proferidas em sede de processos-crime sobre as decisões proferidas em sede dos procedimentos ou processos tributários. Pelo contrário, o legislador prevê é a possibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado e proferidas nos processos de impugnação ou de oposição à execução constituírem caso julgado no âmbito do processo penal tributário (cfr. artº.48, do R.G.I.T.). É que no processo tributário não há inocentes ou culpados, antes devedores ou não devedores do imposto, sendo os pressupostos da responsabilidade tributária diversos dos da responsabilidade penal tributária.
Ora, como é bem sabido, a responsabilidade tributária e a responsabilidade penal tributária, podendo coexistir na esfera jurídica da mesma pessoa, são títulos autónomos de responsabilidade, gerados por factos diversos, sujeitos a diversos princípios, regimes e leis e determinantes de consequências igualmente diferenciadas. Desde logo, na responsabilidade penal tributária não há culpas presumidas, presumindo-se, ao invés, inocente o arguido até ao trânsito em julgado da decisão que o condene. A responsabilidade tributária, porém, admite uma presunção - ilidível - de culpa no não pagamento, nos casos previstos no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., cabendo ao responsável tributário ilidir, através do meio processual próprio (audiência prévia antes da reversão e oposição), essa presunção legal de culpa para afastar a sua responsabilidade pela dívida. Com estes pressupostos, a sentença de absolvição do ora recorrente no processo-crime, não tem a força de caso julgado pretendida pelo mesmo, no que respeita aos factos aí dados como provados ou não provados, antes deve reconduzir-se a um elemento de prova que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artº.607, nº.5, do C.P.C., aplicável "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.T. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/10/2014, rec.1930/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/03/2019, rec.1053/18.0BELRA).
"In casu", o recorrente não usou de qualquer meio processual que a lei disponibiliza - oposição à execução ou reclamação da decisão do órgão de execução fiscal - para reagir ao seu chamamento à execução para responder pela dívida - citação na qualidade de responsável subsidiário. Pretende agora, alegando um facto ou causa superveniente, revogar a reversão contra si efectuada no processo executivo, com base na sua, defendida, falta de responsabilidade pela dívida exequenda.
Mas a decisão judicial que apresentou como fundamento da presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, por um lado, não sabe este Tribunal se já transitou em julgado e, por outro, não produz os efeitos que defende em sede de processo tributário e conforme o que se acabou de expor.»
Não residem, portanto, dúvidas que a jurisprudência maioritária, com especial relevância para a do STA, tem vindo a afirmar que «a lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal», sem prejuízo de consubstanciar um elemento de prova, a valorar pelo tribunal tributário «de acordo com o princípio da livre apreciação da prova», nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, aplicável subsidiariamente.
Vejamos, contudo, o julgamento recorrido a este propósito:
“(…) Last but not least, não é despiciendo referir que em decisão instrutória proferida no âmbito do processo n.º ...2/1.....IDBRG – alínea Q) do probatório -, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz ..., já transitada em julgado, foi o Oponente não pronunciado, entre outros, pelo crime de abuso de confiança fiscal abrangendo o período na origem da instauração do PEF m.i. em D), tendo aí sido considerado como não provado que “O Arguido «AA» foi, desde a constituição da sociedade, administrador de facto da mesma, tendo, no seguimento da comprovação deste facto, o Tribunal Criminal decidido não pronunciar pela prática dos crimes que lhe vinham imputados na acusação pública, ordenando, assim e nesta parte, o oportuno arquivamento dos autos e onde se incluía, entre outros, o crime de abuso de confiança fiscal relativamente à falta de pagamento do IVA na origem do PEF em crise nos autos.
Aliás, o mesmo sucedeu no âmbito do processo m.i. em R), por dívidas à segurança social e que abrangem o período de Junho de 2017, no qual o Oponente também foi considerado como não tendo sido gerente de facto da sociedade devedora originária e, por isso, absolvido do crime de abuso de confiança.
Estes factos, mormente o constante da alínea Q), é tanto ou mais relevante se considerada a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) constante do Acórdão n.º 27785/10, proferido no caso Melo Tadeu vs Portugal, por via do qual o Estado Português foi condenado por violação do n.º 2 do artigo 6.º da Convenção dos Direitos do Homem. No referido Acórdão foi entendido, além do mais, o seguinte;
(...)
66. Tanto a administração fiscal como os tribunais administrativos desvalorizaram a absolvição da Requerente, pelo tribunal criminal de Almada, do crime de abuso de confiança fiscal por factos cometidos pela Sociedade V com o fundamento de que a Requerente não era gerente de facto. Consideraram estabelecido um elemento que foi julgado não provado pelos tribunais penais. O Tribunal entende que este modo de agir lançou uma dúvida sobre a fundamentação da absolvição da Requerente, o que é incompatível com o respeito da presunção de inocência. Nestes termos, o Tribunal conclui que houve violação do art.º 6º § 2 da Convenção.
(...)
COM ESTES FUNDAMENTOS, O TRIBUNAL,
1. Declara por unanimidade a queixa admissível;
2. Diz, por quatro vozes contra três, que houve violação do artigo 6º § 2 da Convenção; (...).
Por todo o exposto, o Tribunal conclui que não está comprovada pelo OEF que o Oponente tenha sido gerente de facto da sociedade devedora originária no período em que terminou o prazo de pagamento do IVA do período de 201706 e na origem do PEF em crise nos autos pelo que assim sendo, como é, verifica-se a ilegalidade da reversão da execução contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge como parte ilegítima na execução, fundamento da presente oposição, nos termos do disposto no art.º 204.º, nº 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Fica prejudicado o conhecimento do restante fundamento invocado, da falta de culpa por os pressupostos de reversão serem de preenchimento cumulativo. (…)”
Com efeito, nesse Acórdão do TEDH n.º 27785/10, de 23/10/2014, o Estado Português foi condenado por violação do princípio da presunção de inocência, no âmbito do efeito da absolvição penal no tratamento a dispensar ao arguido em procedimentos ulteriores, penais ou não penais, e, concretamente, na jurisdição fiscal. Entretanto, mais recentemente, o TEDH concluiu, novamente, pela existência de violação do artigo 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, invocando a jurisprudência já firmada no referido caso Melo Tadeu vs Portugal, ambos, aliás, com contornos muito próximos – cfr. Acórdão do TEDH, de 07/11/2023, proferido no âmbito da queixa n.º 56564/15 – caso Paiva de Andrada Reis vs Portugal.
Tem havido vozes dissonantes quanto à ideia de vinculação dos tribunais nacionais à jurisprudência do TEDH, que nos chegaram ao conhecimento, nomeadamente, através da publicação de artigos na Revista Julgar, Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
A título de exemplo, remetemos para a posição de Luís António Noronha Nascimento in A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre direitos de personalidade e liberdade de imprensa: bluff e realidade, no artigo publicado na Julgar Online n.º 37, de Outubro de 2019, referindo que o TEDH não dialoga com a jurisprudência dos tribunais superiores dos países signatários da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, consubstanciando as suas decisões monólogos, no sentido de não atender aos ordenamentos nacionais. Assim, na sua perspectiva, as decisões do TEDH podem ser consideradas, mas não têm carácter vinculativo para os tribunais nacionais.
Por outra banda, há quem entenda que a jurisprudência do TEDH vincula os tribunais nacionais, especialmente nos Estados que ratificaram a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) – cfr. António Henriques Gaspar in A influência da CEDH no diálogo interjurisdicional, artigo publicado na Revista Julgar n.º 7, de Janeiro-Abril de 2009.
No caso de Portugal, que adopta um sistema monista, a CEDH, após ratificação e publicação, integra o direito interno e deve ser interpretada e aplicada pelos tribunais nacionais, primando sobre a lei interna, conforme o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.
Além disso, os tribunais nacionais são obrigados a respeitar as sentenças definitivas do TEDH nos litígios em que o Estado seja parte, conforme o artigo 46.º, parágrafo 1.º, da CEDH.
No entanto, fora desses casos específicos, a relação entre o TEDH e os tribunais nacionais é mais indirecta, sendo as decisões do TEDH consideradas como tendo uma "autoridade específica" que contribui para a interpretação e aplicação da CEDH.
Portanto, os juízes nacionais devem levar em consideração a jurisprudência do TEDH como referência metodológica e interpretativa, mas essa vinculação não é absoluta, permitindo análise crítica e ponderação em casos concretos.
Tal vai ao encontro do que ficou plasmado no Acórdão do STA, já citado anteriormente, de 02/02/2022, no âmbito do processo n.º 0266/20.0BEPRT, onde se entendeu que o que o TEHD assumiu até hoje foi que o facto de o interessado não ter sido condenado ou de contra ele não ter prosseguido o procedimento criminal «deve ser considerado» em processo posterior. Aí se salientando que o que vem sendo vincado pelo TEDH é que a decisão absolutória deve ser respeitada por qualquer autoridade que posteriormente se pronuncie, de modo directo ou incidental, sobre a responsabilidade penal do interessado.
Na verdade, é nossa convicção que foi esta ponderação que o tribunal recorrido levou a cabo, dado que realizou uma análise crítica do caso concreto, mas não deixou de considerar a sentença penal absolutória, sendo certo que não foi efectuado qualquer juízo de culpa em matéria de responsabilidade penal nos presentes autos.
Será também nesta perspectiva que sindicaremos o invocado erro de julgamento, tendo, essencialmente, presente que o gerente de facto é o órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo acto e exteriorizando a vontade social perante empregados ou terceiros, produzindo efeitos na esfera jurídica da sociedade, manifestando a capacidade de exercício de direitos das pessoas colectivas, e que o exercício da gerência de facto desdobra-se em concretos actos que exprimem poderes representativos e poderes administrativos face à sociedade (designadamente, contacto com fornecedores; contratação de pessoal; pagamento de salários; angariação de clientes), importando analisar se a prova produzida permite concluir que o Recorrido foi gerente de facto naquele período temporal de Junho de 2017 até ao momento em que deveria ter sido entregue o IVA (28/08/2017).
Acompanhando a alegação da Recorrente, não subsistem dúvidas que a gerência de facto, sem se acompanhar da gerência de direito, tem previsão legal de imputação de responsabilidade, sendo legítimo que o gerente de facto seja responsabilizado pelas dívidas tributárias contraídas pelo devedor originário, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT - “ainda que somente de facto”.
Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – cfr., nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.
O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. “A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação” – cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seguintes.
Alega a Recorrente que o tribunal a quo fez uma errada valoração dos elementos constantes dos autos, mas adiantamos não lhe assistir razão.
Compulsando a fundamentação do despacho de reversão, extrai-se que a mesma operou em relação ao aqui Recorrido por aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, tendo por base a consideração de que o Oponente foi gerente de facto da sociedade devedora originária no período em que terminou o prazo de pagamento da dívida exequenda, alicerçando-se o acto de reversão no teor dos autos de declarações a que se referem as alíneas E) a H) do probatório.
À semelhança do que foi decidido em primeira instância, consideramos as declarações prestadas insuficientes para se poder concluir que o Oponente foi o gerente de facto da sociedade devedora originária no período em que terminou o prazo de pagamento da quantia exequenda, principalmente porque se apresentam totalmente conclusivas, não descrevendo a prática de quaisquer actos da natureza que indicámos supra.
De facto, não podemos olvidar que o irmão do Recorrido («BB») se mostra inscrito como administrador único da sociedade principal – cfr. cópia da certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial - e que o Oponente, desde que foi ouvido em sede de audição prévia à reversão, tem vindo sempre a negar que alguma vez tivesse exercido de facto a administração da sociedade, transparecendo da concatenação de todas as declarações (que não são integralmente sobreponíveis) que, após «BB» ter adoecido, o Oponente o terá ajudado nessa tarefa, mas sempre dando conhecimento das decisões ao dito administrador único. Assim, não vislumbramos como possa a Recorrente falar em “confissão”, muito menos na sua definição técnicojurídica, dado que, como já referimos anteriormente, qualquer prova se destina à demonstração de “factos”, o mesmo se passando com a “confissão”, enquanto meio probatório de factos. Quando muito, poderemos observar a admissão pelo Oponente da tomada de decisões, mas como estas não se mostram exemplificadas, impossibilita ao tribunal um qualquer juízo sobre as mesmas, inviabilizando uma consequente ilação quanto ao conceito de gerência de facto que pretendemos preencher.
Importa fazer um parêntesis acerca da matéria que se mostra alegada na conclusão K) do recurso, para esclarecer que não vislumbramos o seu alcance, na medida em que não consta da decisão da matéria de facto um ponto 6 - não é mencionado na sentença a razão pela qual um facto dado como provado (cfr. Ponto 6 da matéria de facto) acaba por se transformar num facto irrelevante por não considerado.
Por outro lado, ficou demonstrado que, pelo menos, entre Janeiro de 2015 e Dezembro de 2016, o Oponente desempenhou funções para a sociedade devedora originária com a categoria de “Encarregado”, auferindo o vencimento base de €625,00. A verdade é que tal categoria é compatível com a direcção, coordenação e supervisão de trabalhos e com a organização de recursos materiais e humanos, incluindo a distribuição de tarefas, não surpreendendo que os trabalhadores da empresa trabalhassem sob as ordens do Recorrido, como declararam – cfr. ponto H) do probatório, e o identificassem como sendo o encarregado geral da empresa - cfr. despacho de reversão e teor integral das declarações.
Ora, as declarações que foram prestadas não se mostram circunstanciadas, não apresentam factos individualizados e concretos, revelando que o administrador único, apesar do seu estado de saúde, continuou a dirigir-se à empresa, designadamente, para proceder ao pagamento dos salários aos trabalhadores, acentuando a dúvida acerca das efectivas funções do Recorrido nesse período de doença – cfr. teor integral das declarações prestadas.
Com efeito, a dúvida avoluma-se, se pensarmos que a própria contabilista da sociedade afirmou desconhecer quem geria a empresa – cfr. ponto E) da decisão da matéria de facto.
Em suma, as meras declarações conclusivas a afirmar que o Recorrido foi gerente de facto a partir do momento em que o irmão, administrador único, adoeceu, por si só e desligadas de qualquer outro contexto fáctico, não havendo nos autos notícia de qualquer acto concreto que haja sido praticado pelo Oponente, não constituem prova bastante para considerar que exerceu a gerência efectiva da sociedade de forma regular e continuada, designadamente no período em que terminou o prazo de pagamento do IVA de Junho de 2017.
A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias. O que, in casu, não ficou demonstrado.
Resulta inequivocamente do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Ora, é sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT].
Entende-se, assim, que a Fazenda Pública não deu cumprimento ao ónus probatório da verificação do pressuposto da reversão relativo à gerência de facto que sobre si impendia, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência.
Tendo presente o circunstancialismo fáctico acima exposto, reiteramos que não se encontra demonstrada a gerência de facto por parte do Oponente, sendo este parte ilegítima na execução fiscal, e a sentença recorrida que assim também o entendeu, não merece qualquer censura.
Destarte se conclui serem improcedentes os fundamentos invocados, pelo que o recurso não merece provimento.

CONCLUSÕES/SUMÁRIO

I - A lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal.
II - Apenas se consubstancia num elemento de prova, que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
III - Os juízes nacionais devem levar em consideração a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como referência metodológica e interpretativa da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mas essa vinculação não é absoluta, permitindo análise crítica e ponderação em casos concretos.
IV – É à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão, sendo o exercício efectivo de funções de gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência.
V - A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias. O que, in casu, não ficou demonstrado.

IV. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º,
n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 26 de Junho de 2025

Ana Patrocínio
Vítor Salazar Unas
Cláudia Almeida